“ Estamos em ano eleitoral e o povo brasileiro é convidado, mais uma vez, a fazer um discernimento acurado sobre candidatos e partidos, para escolher e votar. Esta é mais uma boa chance dos cidadãos para deixarem claro quais rumos querem ver na política do nosso país.
Tomás Morus tem algo a ensinar e nos lembra, sobretudo, que a verdade e a ética são inegociáveis. Não têm preço. Também alerta que a corrupção da consciência é uma vilania que pode levar ao despotismo e às maiores injustiças.
Com frequência, clama-se por reformas profundas para melhorar a política do País e elas, certamente, são necessárias. Porém mais necessários ainda na condução da vida política de um povo são os políticos íntegros.
Chegou a hora de conhecê-los e de votar neles. “
(Dom Odilo P. Scherer, no artigo, ‘Um político de ficha limpa’, em O Estado de S. Paulo, ontem)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 11 de julho de 2010
Reflexão do dia – Dom Odilo P. Scherer
Reforma partidária :: Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
O anúncio de que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) volta a se mobilizar para enviar ao Congresso um novo projeto, desta vez sobre a reforma política, é um sinal de vitalidade da sociedade, mas precisa ser visto com cuidado.
Formado por diversas Organizações Não Governamentais (ONGs) que se mobilizaram para colher assinaturas para o projeto de ação popular que desaguou na lei da Ficha Limpa, o MCCE agora quer defender a adoção do financiamento público de campanha e o voto em lista fechada como maneira de mudar a política partidária brasileira.
A iniciativa tem o condão de desatar um nó que é impossível de ser desatado pela classe política que, eleita pelo sistema atual, não tem nenhum interesse em mudar as regras que afinal lhe foram favoráveis.
A tese da Constituinte exclusiva para tratar do assunto já me pareceu uma boa solução, pois o Congresso eleito com essa finalidade poderia tratar da principal reforma sem interesses imediatos.
Mas infelizmente esse instrumento, assim como as consultas populares, foi distorcido pelos governos de tendências ditatoriais da região, e acabou virando uma arma para os que querem usar métodos democráticos para anular a democracia.
A candidata do PT Dilma Rousseff passou a defender a tese da Constituinte exclusiva por orientação do PT, o que pode significar a tentativa de uma escalada autoritária de um eventual governo petista.
Sendo assim, uma ação popular que deságue no Congresso à base de milhões de apoios, assim como aconteceu no caso da Ficha Limpa, pode dar início a um debate sem fins ideológicos, com o objetivo apenas de finalmente fazermos uma reforma política que nos dê partidos reformulados e reforçados em sua estrutura.
Chegamos a tal ponto de distorção em nosso quadro partidário e no nosso sistema político que o mais importante neste momento é fortalecer os partidos, mas dentro de uma reforma que democratize suas estruturas e suas decisões.
Certa vez escrevi aqui na coluna que "já não importa mais saber se o melhor sistema é o distrital ou o proporcional, se o voto em lista pode melhorar a representação partidária, ou se colocará os partidos mais ainda nas mãos dos dirigentes e longe do eleitor".
"Se não for feita uma limpeza no próprio sistema partidário, com uma reorganização que permita a formação de novas correntes políticas dentro de novos partidos, não será possível aprovar uma reforma política que faça a democracia brasileira avançar".
O projeto da Ficha Limpa é um primeiro passo para depurar a vida partidária, mesmo que neste primeiro momento algum peixe grande escape da rede.
Mas ela será cada vez mais abrangente, à medida que a Justiça Eleitoral for regulamentando sua aplicação. Caberá ao próximo presidente da República dar partida a essa renovação de ares, com o novo Congresso mais depurado pelas urnas e pela nova legislação.
Por isso, a iniciativa de discutir uma reforma do sistema eleitoral deveria ser precedida dessa reorganização partidária.
É uma distorção de nosso quadro partidário, por exemplo, o fato muito enaltecido pelo presidente Lula de que todos os candidatos à sua sucessão são considerados "de esquerda".
Não existe nenhum país que tenha um sistema partidário democrático que não tenha um partido liberal, de direita, que represente essa parcela do eleitorado.
No atual quadro partidário, temos vários partidos que se dizem "de centro", mas nunca "de direita", a começar pelo Democratas, o maior deles.
Mas o Democratas tem o mesmo dilema do PMDB, são partidos que optaram por serem coadjuvantes de PT e PSDB, que têm "vocação presidencial".
Dando os vices de seus parceiros, Democratas e PMDB continuam com a opção de não apresentarem candidatos próprios à presidência da República, mesmo para perder.
O último candidato próprio do PFL foi Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB "cristianizou" primeiro Ulysses Guimarães, depois Orestes Quércia, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.
Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos demonstravam uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes.
Esse fato explicaria porque eles não têm uma imagem política nacional, embora dominem a política regional, principalmente o PMDB, que elegeu as maiores bancadas da Câmara e do Senado e tem o maior número de prefeitos e vereadores.
O Democratas sofreu um baque, caindo de 85 para 56 deputados federais, mas mantém uma bancada importante no Senado, que poderá, no entanto, ser reduzida nas próximas eleições. Perdeu muitas prefeituras nos últimos anos também.
Enquanto o DEM tenta se recuperar politicamente e joga tudo na vitória de José Serra à presidência, tendo por isso forçado politicamente indicar seu vice, o PMDB se prepara para assumir um papel de protagonista num eventual governo Dilma Rousseff.
O episódio do programa registrado no TSE é emblemático dessa nova posição que o PMDB reivindica.
Quando a vitória da candidata oficial parecia mais fácil, o PMDB ficou em posição desvantajosa na coligação e em várias oportunidades o PT tentou puxar-lhe o tapete.
Com a definição do empate técnico entre os candidatos, o poder de barganha do PMDB cresceu a ponto de ele ter conseguido vetar o registro do programa petista, considerado muito radical e não representativo do governo de coalizão em que o PMDB pretende ter o mesmo peso político que o PT.
Dependendo do resultado das urnas, esses movimentos políticos tendem a facilitar uma rearrumação do quadro partidário no próximo Congresso.
Mas caberá ao futuro presidente a liderança para que a reforma permita uma organização mais harmoniosa das forças políticas, retirando da política brasileira essa carga fisiológica e pragmática que enfraquece o Congresso.
O anúncio de que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) volta a se mobilizar para enviar ao Congresso um novo projeto, desta vez sobre a reforma política, é um sinal de vitalidade da sociedade, mas precisa ser visto com cuidado.
Formado por diversas Organizações Não Governamentais (ONGs) que se mobilizaram para colher assinaturas para o projeto de ação popular que desaguou na lei da Ficha Limpa, o MCCE agora quer defender a adoção do financiamento público de campanha e o voto em lista fechada como maneira de mudar a política partidária brasileira.
A iniciativa tem o condão de desatar um nó que é impossível de ser desatado pela classe política que, eleita pelo sistema atual, não tem nenhum interesse em mudar as regras que afinal lhe foram favoráveis.
A tese da Constituinte exclusiva para tratar do assunto já me pareceu uma boa solução, pois o Congresso eleito com essa finalidade poderia tratar da principal reforma sem interesses imediatos.
Mas infelizmente esse instrumento, assim como as consultas populares, foi distorcido pelos governos de tendências ditatoriais da região, e acabou virando uma arma para os que querem usar métodos democráticos para anular a democracia.
A candidata do PT Dilma Rousseff passou a defender a tese da Constituinte exclusiva por orientação do PT, o que pode significar a tentativa de uma escalada autoritária de um eventual governo petista.
Sendo assim, uma ação popular que deságue no Congresso à base de milhões de apoios, assim como aconteceu no caso da Ficha Limpa, pode dar início a um debate sem fins ideológicos, com o objetivo apenas de finalmente fazermos uma reforma política que nos dê partidos reformulados e reforçados em sua estrutura.
Chegamos a tal ponto de distorção em nosso quadro partidário e no nosso sistema político que o mais importante neste momento é fortalecer os partidos, mas dentro de uma reforma que democratize suas estruturas e suas decisões.
Certa vez escrevi aqui na coluna que "já não importa mais saber se o melhor sistema é o distrital ou o proporcional, se o voto em lista pode melhorar a representação partidária, ou se colocará os partidos mais ainda nas mãos dos dirigentes e longe do eleitor".
"Se não for feita uma limpeza no próprio sistema partidário, com uma reorganização que permita a formação de novas correntes políticas dentro de novos partidos, não será possível aprovar uma reforma política que faça a democracia brasileira avançar".
O projeto da Ficha Limpa é um primeiro passo para depurar a vida partidária, mesmo que neste primeiro momento algum peixe grande escape da rede.
Mas ela será cada vez mais abrangente, à medida que a Justiça Eleitoral for regulamentando sua aplicação. Caberá ao próximo presidente da República dar partida a essa renovação de ares, com o novo Congresso mais depurado pelas urnas e pela nova legislação.
Por isso, a iniciativa de discutir uma reforma do sistema eleitoral deveria ser precedida dessa reorganização partidária.
É uma distorção de nosso quadro partidário, por exemplo, o fato muito enaltecido pelo presidente Lula de que todos os candidatos à sua sucessão são considerados "de esquerda".
Não existe nenhum país que tenha um sistema partidário democrático que não tenha um partido liberal, de direita, que represente essa parcela do eleitorado.
No atual quadro partidário, temos vários partidos que se dizem "de centro", mas nunca "de direita", a começar pelo Democratas, o maior deles.
Mas o Democratas tem o mesmo dilema do PMDB, são partidos que optaram por serem coadjuvantes de PT e PSDB, que têm "vocação presidencial".
Dando os vices de seus parceiros, Democratas e PMDB continuam com a opção de não apresentarem candidatos próprios à presidência da República, mesmo para perder.
O último candidato próprio do PFL foi Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB "cristianizou" primeiro Ulysses Guimarães, depois Orestes Quércia, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.
Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos demonstravam uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes.
Esse fato explicaria porque eles não têm uma imagem política nacional, embora dominem a política regional, principalmente o PMDB, que elegeu as maiores bancadas da Câmara e do Senado e tem o maior número de prefeitos e vereadores.
O Democratas sofreu um baque, caindo de 85 para 56 deputados federais, mas mantém uma bancada importante no Senado, que poderá, no entanto, ser reduzida nas próximas eleições. Perdeu muitas prefeituras nos últimos anos também.
Enquanto o DEM tenta se recuperar politicamente e joga tudo na vitória de José Serra à presidência, tendo por isso forçado politicamente indicar seu vice, o PMDB se prepara para assumir um papel de protagonista num eventual governo Dilma Rousseff.
O episódio do programa registrado no TSE é emblemático dessa nova posição que o PMDB reivindica.
Quando a vitória da candidata oficial parecia mais fácil, o PMDB ficou em posição desvantajosa na coligação e em várias oportunidades o PT tentou puxar-lhe o tapete.
Com a definição do empate técnico entre os candidatos, o poder de barganha do PMDB cresceu a ponto de ele ter conseguido vetar o registro do programa petista, considerado muito radical e não representativo do governo de coalizão em que o PMDB pretende ter o mesmo peso político que o PT.
Dependendo do resultado das urnas, esses movimentos políticos tendem a facilitar uma rearrumação do quadro partidário no próximo Congresso.
Mas caberá ao futuro presidente a liderança para que a reforma permita uma organização mais harmoniosa das forças políticas, retirando da política brasileira essa carga fisiológica e pragmática que enfraquece o Congresso.
Devagar com o andor:: Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Daí a dizer que a parada não só está ganha como tem grande chance de ser resolvida no primeiro turno, é ignorar a distância entre o exagero e a realidade.
Em março do ano passado Dilma Rousseff tinha 11% das intenções de voto contra 41% do tucano José Serra. Hoje estão ambos empatados na casa dos 38%. Serra não perdeu e Dilma ganhou bastante, este é o fato.
Naquela pesquisa de um ano e pouco atrás havia Ciro Gomes com 16% e Heloísa Helena com 11%. Quando o principal candidato de oposição era representado por Aécio Neves (17%), Dilma ganhava apenas um ponto porcentual, Heloísa Helena subia para 17% e Ciro para 25%.
De lá para cá o presidente conseguiu juntar os eleitores que não querem votar em José Serra sob Dilma, mostrando que do ponto de vista estratégico ele estava certo na tese da candidatura governista única.
Só que nesse período com toda sua fortaleza, popularidade e desassombro - para não dizer ausência de escrúpulos - o presidente da República não conseguiu dilapidar o patrimônio eleitoral da oposição: os que em março de 2009 declaravam disposição de votar no candidato do PSDB não mudaram de ideia.
Poderiam ser hoje em maior número caso Lula não tivesse visto que o mar não estava para peixe e que ou deixava de lado os limites e partia o quanto antes para a luta ou entregaria o poder de bandeja de volta aos adversários.
Utilizou-se à farta dos instrumentos, legais e ilegais, à disposição e produziu o empate com moldura de vitória, tão disseminada é a certeza de que a candidatura de situação cresce enquanto a de oposição míngua.
Para que essa impressão correspondesse aos fatos, entretanto, seria preciso que os índices da candidata de Lula fossem maiores e os do candidato da oposição menores e o cenário que se tem, com todas as vantagens ao alcance de Lula, é um rigoroso zero a zero, cujo desempate se dará de agora em diante em resultado imprevisível.
Quem diria. Olhar jornais antigos é bom exercício de reativação da memória, confronta posições e às vezes desvenda manipulações.
Análise do marqueteiro João Santana, hoje responsável pela campanha de Dilma, logo após a vitória da reeleição de Lula em 2006: "Lula, depois que se tornou presidente, sempre que esteve na situação de vítima saiu lucrando. É outra teoria minha, a do "fortão" e a do "fraquinho". Os que se identificam com Lula enxergam o presidente como o fortão, o igual que rompeu todas as barreiras sociais e tornou-se um poderoso. Quando ele é atacado o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo. Nesse caso, Lula vira o bom e frágil "fraquinho" que precisa ser protegido."
Bravata do então presidente do PT, Ricardo Berzoini, logo após Lula anunciar, em novembro de 2008, que Dilma era o nome que ele tinha "na cabeça" para disputar com a oposição a Presidência: "A preferência do presidente tem peso, mas o rito do PT comporta outras opções."
Aposta de Ciro Gomes em agosto de 2008: "Aécio é praticamente imbatível."
Sem fundo. O Congresso mantém uma relação esquisita com a Fundação Getúlio Vargas: contrata a entidade para elaborar reformas administrativas, paga pelos serviços e não realiza os projetos.
Recentemente, em maio, o Senado resolveu recontratar a FGV para refazer um trabalho feito um ano antes e não executado. Pagou R$ 250 mil em 2009 e vai pagar R$ 250 mil de novo este ano.
Em 2006 a Câmara contratou a fundação para elaborar uma proposta de corte de gastos, pagou R$ 140 mil e engavetou as sugestões.
Se a FGV não corresponde às expectativas não faz sentido a insistência na contratação. Se a fundação faz o trabalho direito, o Legislativo incorre em malversação de recursos públicos.
Daí a dizer que a parada não só está ganha como tem grande chance de ser resolvida no primeiro turno, é ignorar a distância entre o exagero e a realidade.
Em março do ano passado Dilma Rousseff tinha 11% das intenções de voto contra 41% do tucano José Serra. Hoje estão ambos empatados na casa dos 38%. Serra não perdeu e Dilma ganhou bastante, este é o fato.
Naquela pesquisa de um ano e pouco atrás havia Ciro Gomes com 16% e Heloísa Helena com 11%. Quando o principal candidato de oposição era representado por Aécio Neves (17%), Dilma ganhava apenas um ponto porcentual, Heloísa Helena subia para 17% e Ciro para 25%.
De lá para cá o presidente conseguiu juntar os eleitores que não querem votar em José Serra sob Dilma, mostrando que do ponto de vista estratégico ele estava certo na tese da candidatura governista única.
Só que nesse período com toda sua fortaleza, popularidade e desassombro - para não dizer ausência de escrúpulos - o presidente da República não conseguiu dilapidar o patrimônio eleitoral da oposição: os que em março de 2009 declaravam disposição de votar no candidato do PSDB não mudaram de ideia.
Poderiam ser hoje em maior número caso Lula não tivesse visto que o mar não estava para peixe e que ou deixava de lado os limites e partia o quanto antes para a luta ou entregaria o poder de bandeja de volta aos adversários.
Utilizou-se à farta dos instrumentos, legais e ilegais, à disposição e produziu o empate com moldura de vitória, tão disseminada é a certeza de que a candidatura de situação cresce enquanto a de oposição míngua.
Para que essa impressão correspondesse aos fatos, entretanto, seria preciso que os índices da candidata de Lula fossem maiores e os do candidato da oposição menores e o cenário que se tem, com todas as vantagens ao alcance de Lula, é um rigoroso zero a zero, cujo desempate se dará de agora em diante em resultado imprevisível.
Quem diria. Olhar jornais antigos é bom exercício de reativação da memória, confronta posições e às vezes desvenda manipulações.
Análise do marqueteiro João Santana, hoje responsável pela campanha de Dilma, logo após a vitória da reeleição de Lula em 2006: "Lula, depois que se tornou presidente, sempre que esteve na situação de vítima saiu lucrando. É outra teoria minha, a do "fortão" e a do "fraquinho". Os que se identificam com Lula enxergam o presidente como o fortão, o igual que rompeu todas as barreiras sociais e tornou-se um poderoso. Quando ele é atacado o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo. Nesse caso, Lula vira o bom e frágil "fraquinho" que precisa ser protegido."
Bravata do então presidente do PT, Ricardo Berzoini, logo após Lula anunciar, em novembro de 2008, que Dilma era o nome que ele tinha "na cabeça" para disputar com a oposição a Presidência: "A preferência do presidente tem peso, mas o rito do PT comporta outras opções."
Aposta de Ciro Gomes em agosto de 2008: "Aécio é praticamente imbatível."
Sem fundo. O Congresso mantém uma relação esquisita com a Fundação Getúlio Vargas: contrata a entidade para elaborar reformas administrativas, paga pelos serviços e não realiza os projetos.
Recentemente, em maio, o Senado resolveu recontratar a FGV para refazer um trabalho feito um ano antes e não executado. Pagou R$ 250 mil em 2009 e vai pagar R$ 250 mil de novo este ano.
Em 2006 a Câmara contratou a fundação para elaborar uma proposta de corte de gastos, pagou R$ 140 mil e engavetou as sugestões.
Se a FGV não corresponde às expectativas não faz sentido a insistência na contratação. Se a fundação faz o trabalho direito, o Legislativo incorre em malversação de recursos públicos.
Outro caso especial :: Wilson Figueiredo
Restringir a liberdade de informar é ameaça à democracia
Todas as eleições presidenciais se parecem, felizmente, pelo que têm de pior. O ideal seria o oposto. Desde a antiguidade, os meios de que se valem os candidatos são sempre os mesmos, e os fins não ficam atrás. Princípios, também por princípio, são mandados às urtigas. E assim se entende por que o ponto vulnerável das democracias as deixa expostas às contradições e elas se sustentam graças à liberdade, que não é favor.
A campanha oficial começou sem ninguém dar sinal de ter percebido, ou que algo tenha mudado para melhor. Cada qual escudado em ex-presidentes, os candidatos à frente das pesquisas trocam indiretas. Erro político, porque ninguém vai votar em governo enterrado. Eleitor que se preza quer saber de programas com compromisso político do candidato. O destaque da primeira semana murcha de iniciativas foi a definição de propósitos remetida pelo PT à Justiça Eleitoral, na qual o texto em favor de um conselho para controle social da mídia acabou classificado como ato falho da própria candidata Dilma Rousseff, que assinou o documento sem examinar e saiu esbaforida para abafar a repercussão.
Controle social da imprensa é uma forma de censura, tanto quanto a troca de seis por meia dúzia é um negócio fictício. A explicação é ociosa, mas ouve-se por educação e finge-se aceitar por gentileza.
O PT vê o problema como quem olha por um binóculo ao contrário.
A candidata oficial podia perfeitamente aproveitar o incidente e prescrever ao petismo o tratamento, enquanto é tempo, pelo método clássico de fundar um jornal, de preferência com circulação diária, para localizar fora da teoria os pontos vulneráveis do jornalismo, seja qual for o meio de expressão (jornal impresso, jornal virtual, jornal falado, jornal ouvido. Internet à parte).
E, principalmente, entendendo que os limites do jornalismo estão nas mãos da Justiça e os crimes de imprensa se limitam a três: difamação, injúria e calúnia. Partindo do princípio de que, na prática, a teoria é mesmo diferente, o petismo irá verificar que o jornalismo é uma disputa permanente pelos fatos e, na competição, cada um se empenha em superar o concorrente no volume de informações reunidas, na maneira de ordená-las, em envolver o leitor e levar em conta as diferentes maneiras de apresentar um fato ou emitir uma opinião, sem perder de vista o público a que se destina.
Depois que aprender o básico, o petismo verificará que não é por acaso que as ameaças à democracia começam invariavelmente pelas restrições à liberdade de informar e opinar. O petismo – dando-se fé à versão de equívoco assumido pelo comitê de campanha de Dilma Rousseff – mirou no que não via e acertou na própria candidata do partido. Pode ter sido, mas não fica bem escudar-se na versão de fogo amigo num caso de queimadura de primeiro grau. A melhor contribuição do petismo será aceitar a opinião de Freud sobre enganos aparentemente inocentes, mas comprometedores por dentro.
Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos domingos e terças-feiras.
Todas as eleições presidenciais se parecem, felizmente, pelo que têm de pior. O ideal seria o oposto. Desde a antiguidade, os meios de que se valem os candidatos são sempre os mesmos, e os fins não ficam atrás. Princípios, também por princípio, são mandados às urtigas. E assim se entende por que o ponto vulnerável das democracias as deixa expostas às contradições e elas se sustentam graças à liberdade, que não é favor.
A campanha oficial começou sem ninguém dar sinal de ter percebido, ou que algo tenha mudado para melhor. Cada qual escudado em ex-presidentes, os candidatos à frente das pesquisas trocam indiretas. Erro político, porque ninguém vai votar em governo enterrado. Eleitor que se preza quer saber de programas com compromisso político do candidato. O destaque da primeira semana murcha de iniciativas foi a definição de propósitos remetida pelo PT à Justiça Eleitoral, na qual o texto em favor de um conselho para controle social da mídia acabou classificado como ato falho da própria candidata Dilma Rousseff, que assinou o documento sem examinar e saiu esbaforida para abafar a repercussão.
Controle social da imprensa é uma forma de censura, tanto quanto a troca de seis por meia dúzia é um negócio fictício. A explicação é ociosa, mas ouve-se por educação e finge-se aceitar por gentileza.
O PT vê o problema como quem olha por um binóculo ao contrário.
A candidata oficial podia perfeitamente aproveitar o incidente e prescrever ao petismo o tratamento, enquanto é tempo, pelo método clássico de fundar um jornal, de preferência com circulação diária, para localizar fora da teoria os pontos vulneráveis do jornalismo, seja qual for o meio de expressão (jornal impresso, jornal virtual, jornal falado, jornal ouvido. Internet à parte).
E, principalmente, entendendo que os limites do jornalismo estão nas mãos da Justiça e os crimes de imprensa se limitam a três: difamação, injúria e calúnia. Partindo do princípio de que, na prática, a teoria é mesmo diferente, o petismo irá verificar que o jornalismo é uma disputa permanente pelos fatos e, na competição, cada um se empenha em superar o concorrente no volume de informações reunidas, na maneira de ordená-las, em envolver o leitor e levar em conta as diferentes maneiras de apresentar um fato ou emitir uma opinião, sem perder de vista o público a que se destina.
Depois que aprender o básico, o petismo verificará que não é por acaso que as ameaças à democracia começam invariavelmente pelas restrições à liberdade de informar e opinar. O petismo – dando-se fé à versão de equívoco assumido pelo comitê de campanha de Dilma Rousseff – mirou no que não via e acertou na própria candidata do partido. Pode ter sido, mas não fica bem escudar-se na versão de fogo amigo num caso de queimadura de primeiro grau. A melhor contribuição do petismo será aceitar a opinião de Freud sobre enganos aparentemente inocentes, mas comprometedores por dentro.
Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos domingos e terças-feiras.
Programas ao gosto do freguês – Francisco de Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS
Candidatos tratam o TSE como mero cartório onde se registram plataformas eleitorais que não serão cumpridas
Noticiou-se na última semana que o Partido dos Trabalhadores e sua candidata, Dilma Rousseff, recolheram o programa enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que continha ecos do Big Bang de quando o referido partido representava a transformação da política no Brasil, trocando-o por uma versão mais "moderada" que não assustasse possíveis eleitores e principalmente o grande capital. O PSDB e seu candidato, José Serra, não fez por menos: enviou ao mesmo tribunal dois discursos, já proferidos, que são o seu programa. Não se falou do programa do Partido Verde e sua candidata, a senadora Marina Silva, mas provavelmente ele contém medidas para salvar ou implantar o capitalismo verde. Quanto aos demais candidatos, apelidados de "nanicos", a imprensa em geral nem sequer os registra.
Os ecos do Big Bang que originou o PT provavelmente foram "lapsos", e Freud entendia disso. Representam um ato involuntário, arrancado das entranhas do inconsciente, mas logo reprimido pelo "bom pensamento". Continha, segundo se noticiou, imposto sobre as grandes fortunas, descriminalização do aborto, "controle social sobre a mídia", um termo vago em que cabe qualquer coisa. O PT logo se corrigiu, eliminando do novo programa enviado ao tribunal os ecos de seu Big Bang. Como na astrofísica, ficaram restos que uma persistente escuta não consegue nem captar. Quanto ao PSDB e seu candidato, seria preciso muita memória para lembrar desses dois famosos discursos, que resumem o programa: provavelmente neles o candidato deve ter dito que é católico, que o aborto pode se transformar em carnificina, que os pedágios transformaram as estradas de São Paulo nas melhores do País - já eram antes de qualquer pedágio - e que irá reforçar o Bolsa-Família.
Há muitos aspectos a comentar nessa comédia de erros; vamos, por isso, limitar-nos a alguns, para não cansar os eleitores, que de canseira os programas eleitorais se encarregarão. O primeiro e mais óbvio é o flagrante desrespeito às leis republicanas e democráticas que se mostra em tratar o TSE como um mero cartório: carimbou o programa, e pronto. Agora, já não é mais aquele e se envia ao TSE um novo programa para receber um novo carimbo. Tudo burocrático, como ensina a boa ciência do mestre Weber.
Sob o primeiro aspecto grosseiro, esconde-se o que de fato importaria: o eleitor-cidadão, que não merece nenhum respeito, e que ontem leu sobre a descriminalização do aborto e hoje pode se encontrar com um blá-blá-blá que esconde a falta exatamente de programa. Melhor fazer como Plínio de Arruda Sampaio, o candidato do PSOL, que, católico, declarou que embora sua consciência religiosa não aprove o ato extremo, como representante do povo, se eleito, respeitaria a vontade dos cidadãos. Como para ele, e outros muitos, a questão do aborto é uma espécie de "cláusula pétrea", ela requer uma consulta ao povo, na forma de um plebiscito, para que se saiba qual é realmente a vontade popular.
Os atos falhos na verdade revelam o que já está exposto: não há programa nenhum por parte de nenhum dos partidos cotados para as posições principais, e nenhum desses candidatos "majoritários" quer se expor a votos que possam lhes ser desfavoráveis se suas verdadeiras posições forem reveladas. Mais grave: eles realmente não têm posições. Os programas são irrelevantes, e na era do puro marketing, o que vale é o que vai ganhar: já ouvi essa posição de muita gente durante essa longa e pobre Copa do Mundo. Por quem você está torcendo? Por quem vai ganhar.
A ausência de programa revela que, de fato, há poucas diferenças entre os candidatos principais. Um jeito diferente no cabelo de Dilma, uma foto maquiada de Serra para esconder suas olheiras, é tudo que se obtém dos espertalhões do marketing. A primeira declarou-se a continuidade do Lula, enquanto o segundo declarou-se igualmente o continuador do Lula. Marina Silva escondeu-se atrás de uma hábil manipulação: ela não será a continuadora, mas a sucessora do Lula. Essa convergência para o centro, que na verdade já pende ligeiramente para a direita, é o resultado de um longo processo, que neste artigo não podemos reconstituir. É o resultado do capitalismo periférico, que opera na junção entre os muito pobres e os muitos ricos. Você sabia que ao lado de ostentarmos um dos piores indicadores da desigualdade econômica e social, somos também, orgulhosamente, a pátria do oitavo homem mais rico do planeta? Sim, fomos talvez precocemente desclassificados da Copa do Mundo. Mas, por favor, o inimigo do povo não é Dunga.
Francisco de Oliveira é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor de Crítica à razão dualista / O ornitorrinco (Boitempo)
Candidatos tratam o TSE como mero cartório onde se registram plataformas eleitorais que não serão cumpridas
Noticiou-se na última semana que o Partido dos Trabalhadores e sua candidata, Dilma Rousseff, recolheram o programa enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que continha ecos do Big Bang de quando o referido partido representava a transformação da política no Brasil, trocando-o por uma versão mais "moderada" que não assustasse possíveis eleitores e principalmente o grande capital. O PSDB e seu candidato, José Serra, não fez por menos: enviou ao mesmo tribunal dois discursos, já proferidos, que são o seu programa. Não se falou do programa do Partido Verde e sua candidata, a senadora Marina Silva, mas provavelmente ele contém medidas para salvar ou implantar o capitalismo verde. Quanto aos demais candidatos, apelidados de "nanicos", a imprensa em geral nem sequer os registra.
Os ecos do Big Bang que originou o PT provavelmente foram "lapsos", e Freud entendia disso. Representam um ato involuntário, arrancado das entranhas do inconsciente, mas logo reprimido pelo "bom pensamento". Continha, segundo se noticiou, imposto sobre as grandes fortunas, descriminalização do aborto, "controle social sobre a mídia", um termo vago em que cabe qualquer coisa. O PT logo se corrigiu, eliminando do novo programa enviado ao tribunal os ecos de seu Big Bang. Como na astrofísica, ficaram restos que uma persistente escuta não consegue nem captar. Quanto ao PSDB e seu candidato, seria preciso muita memória para lembrar desses dois famosos discursos, que resumem o programa: provavelmente neles o candidato deve ter dito que é católico, que o aborto pode se transformar em carnificina, que os pedágios transformaram as estradas de São Paulo nas melhores do País - já eram antes de qualquer pedágio - e que irá reforçar o Bolsa-Família.
Há muitos aspectos a comentar nessa comédia de erros; vamos, por isso, limitar-nos a alguns, para não cansar os eleitores, que de canseira os programas eleitorais se encarregarão. O primeiro e mais óbvio é o flagrante desrespeito às leis republicanas e democráticas que se mostra em tratar o TSE como um mero cartório: carimbou o programa, e pronto. Agora, já não é mais aquele e se envia ao TSE um novo programa para receber um novo carimbo. Tudo burocrático, como ensina a boa ciência do mestre Weber.
Sob o primeiro aspecto grosseiro, esconde-se o que de fato importaria: o eleitor-cidadão, que não merece nenhum respeito, e que ontem leu sobre a descriminalização do aborto e hoje pode se encontrar com um blá-blá-blá que esconde a falta exatamente de programa. Melhor fazer como Plínio de Arruda Sampaio, o candidato do PSOL, que, católico, declarou que embora sua consciência religiosa não aprove o ato extremo, como representante do povo, se eleito, respeitaria a vontade dos cidadãos. Como para ele, e outros muitos, a questão do aborto é uma espécie de "cláusula pétrea", ela requer uma consulta ao povo, na forma de um plebiscito, para que se saiba qual é realmente a vontade popular.
Os atos falhos na verdade revelam o que já está exposto: não há programa nenhum por parte de nenhum dos partidos cotados para as posições principais, e nenhum desses candidatos "majoritários" quer se expor a votos que possam lhes ser desfavoráveis se suas verdadeiras posições forem reveladas. Mais grave: eles realmente não têm posições. Os programas são irrelevantes, e na era do puro marketing, o que vale é o que vai ganhar: já ouvi essa posição de muita gente durante essa longa e pobre Copa do Mundo. Por quem você está torcendo? Por quem vai ganhar.
A ausência de programa revela que, de fato, há poucas diferenças entre os candidatos principais. Um jeito diferente no cabelo de Dilma, uma foto maquiada de Serra para esconder suas olheiras, é tudo que se obtém dos espertalhões do marketing. A primeira declarou-se a continuidade do Lula, enquanto o segundo declarou-se igualmente o continuador do Lula. Marina Silva escondeu-se atrás de uma hábil manipulação: ela não será a continuadora, mas a sucessora do Lula. Essa convergência para o centro, que na verdade já pende ligeiramente para a direita, é o resultado de um longo processo, que neste artigo não podemos reconstituir. É o resultado do capitalismo periférico, que opera na junção entre os muito pobres e os muitos ricos. Você sabia que ao lado de ostentarmos um dos piores indicadores da desigualdade econômica e social, somos também, orgulhosamente, a pátria do oitavo homem mais rico do planeta? Sim, fomos talvez precocemente desclassificados da Copa do Mundo. Mas, por favor, o inimigo do povo não é Dunga.
Francisco de Oliveira é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor de Crítica à razão dualista / O ornitorrinco (Boitempo)
Uma mulher é morta a cada 2 horas
DEU EM O GLOBO
Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, que está em 12º lugar no ranking mundial de homicídios de mulheres. As denúncias de violência contra mulheres cresceram 65% no primeiro trimestre de 2010, em relação a 2009.
A cada 2 horas, uma mulher é morta no Brasil
Mapa mostra que 40% das vítimas estão na faixa de idade de Eliza Samudio. Rio tem dez cidades das 30 mais violentas
Tatiana Farah
SÃO PAULO. Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, deixando o país em 12º no ranking mundial de homicídios de mulheres. A maioria das vítimas é morta por parentes, maridos, namorados, ex-companheiros ou homens que foram rejeitados por elas. Segundo o Mapa da Violência 2010, do Instituto Sangari, 40% dessas mulheres têm entre 18 e 30 anos, a mesma faixa de idade de Eliza Samudio, 25 anos, que teria sido morta a mando do goleiro Bruno. Dados do Disque-Denúncia, do governo federal, mostram que a violência ocorre na frente dos filhos: 68% assistem às agressões e 15% sofrem violência com as mães, fisicamente.
Em dez anos (de 1997 a 2007), 41.532 meninas e adultas foram assassinadas, segundo o Mapa da Violência 2010, estudo dos homicídios feito com base nos dados do SUS. A média brasileira é de 3,9 mortes por 100 mil habitantes; e o estado mais violento para as mulheres é o Espírito Santo, com um índice de 10,3 mortes. No Rio, o 8º mais violento, a taxa é de 5,1 mortes. Em São Paulo - onde Eloá Pimentel, de 15 anos, foi morta em 2008 após ser feita refém pelo ex-namorado em Santo André, e que agora acompanha o desfecho do assassinato de Mercia Nakashima - a taxa é de 2,8.
Pesquisadora: assassinos se acham donos das mulheres
O sociólogo Julio Jacobo Waselfisz, responsável pelo levantamento do Mapa da Violência, criou um ranking das cidades com maior incidência de homicídio feminino em relação à população de mulheres. Dezenove cidades têm incidência de assassinatos maior que o país mais violento do mundo para as mulheres, El Salvador, com 12,7 mortes por 100 mil habitantes. Em Alto Alegre (Roraima) e Silva Jardim (Rio), a taxa chega a ser 80% maior.
Nos últimos cinco anos, o índice foi de 22 e 18,8 mortes, respectivamente.
Outras nove cidades do Rio estão entre as 30 mais violentas: Macaé (7º lugar), Itaguaí (14º), Guapimirim (19º), Saquarema (22º), Rio das Ostras (23º), Búzios (27º) e Itaboraí (29º). Entre as 30 mais violentas, oito são capixabas, incluindo Vitória, com 13,3 mortes por 100 mil habitantes. Duas são paulistas, Itapecerica da Serra e Monte Mor, esta em 6º lugar, com 15,2 mortes.
- A impunidade é o maior instrumento de incentivo à violência. A lei da selva impera em detrimento da educação, numa sociedade que exalta a violência. É preciso criar uma cultura da tolerância e da aceitação das diferenças- diz Waselfisz.
Segundo dados divulgados pela ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, ao GLOBO, os chamados do Disque-Denúncia (usado para denunciar abusos contra mulheres) passaram de 46 mil chamados em 2006 para 401 mil ligações em 2009. No primeiro trimestre deste ano, o serviço cresceu 65% em relação a igual período do ano passado, para 145,9 mil chamados.
Os relatos de violência triplicaram: de 9,3 mil para 29 mil. As mulheres agredidas têm entre 20 e 45 anos (62%), e nível médio de escolaridade. E 40% das assassinadas tinham de 18 a 30 anos. Os agressores têm entre 20 e 55 anos. Segundo Nilcea, os crimes ocorrem quando elas terminam o relacionamento violento ou decidem ter um filho.
Autora do livro "Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos", que reúne dez anos de pesquisas sobre homicídios femininos em São Paulo, Eva Blay diz que há um padrão de agressores. Em sua pesquisa, de cada dez mortas por conhecidos, sete foram assassinadas por companheiros ou ex. As vítimas são de todas as classes sociais:
- Para os assassinos, a noção de serem proprietários das mulheres começa muito cedo.
Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, que está em 12º lugar no ranking mundial de homicídios de mulheres. As denúncias de violência contra mulheres cresceram 65% no primeiro trimestre de 2010, em relação a 2009.
A cada 2 horas, uma mulher é morta no Brasil
Mapa mostra que 40% das vítimas estão na faixa de idade de Eliza Samudio. Rio tem dez cidades das 30 mais violentas
Tatiana Farah
SÃO PAULO. Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, deixando o país em 12º no ranking mundial de homicídios de mulheres. A maioria das vítimas é morta por parentes, maridos, namorados, ex-companheiros ou homens que foram rejeitados por elas. Segundo o Mapa da Violência 2010, do Instituto Sangari, 40% dessas mulheres têm entre 18 e 30 anos, a mesma faixa de idade de Eliza Samudio, 25 anos, que teria sido morta a mando do goleiro Bruno. Dados do Disque-Denúncia, do governo federal, mostram que a violência ocorre na frente dos filhos: 68% assistem às agressões e 15% sofrem violência com as mães, fisicamente.
Em dez anos (de 1997 a 2007), 41.532 meninas e adultas foram assassinadas, segundo o Mapa da Violência 2010, estudo dos homicídios feito com base nos dados do SUS. A média brasileira é de 3,9 mortes por 100 mil habitantes; e o estado mais violento para as mulheres é o Espírito Santo, com um índice de 10,3 mortes. No Rio, o 8º mais violento, a taxa é de 5,1 mortes. Em São Paulo - onde Eloá Pimentel, de 15 anos, foi morta em 2008 após ser feita refém pelo ex-namorado em Santo André, e que agora acompanha o desfecho do assassinato de Mercia Nakashima - a taxa é de 2,8.
Pesquisadora: assassinos se acham donos das mulheres
O sociólogo Julio Jacobo Waselfisz, responsável pelo levantamento do Mapa da Violência, criou um ranking das cidades com maior incidência de homicídio feminino em relação à população de mulheres. Dezenove cidades têm incidência de assassinatos maior que o país mais violento do mundo para as mulheres, El Salvador, com 12,7 mortes por 100 mil habitantes. Em Alto Alegre (Roraima) e Silva Jardim (Rio), a taxa chega a ser 80% maior.
Nos últimos cinco anos, o índice foi de 22 e 18,8 mortes, respectivamente.
Outras nove cidades do Rio estão entre as 30 mais violentas: Macaé (7º lugar), Itaguaí (14º), Guapimirim (19º), Saquarema (22º), Rio das Ostras (23º), Búzios (27º) e Itaboraí (29º). Entre as 30 mais violentas, oito são capixabas, incluindo Vitória, com 13,3 mortes por 100 mil habitantes. Duas são paulistas, Itapecerica da Serra e Monte Mor, esta em 6º lugar, com 15,2 mortes.
- A impunidade é o maior instrumento de incentivo à violência. A lei da selva impera em detrimento da educação, numa sociedade que exalta a violência. É preciso criar uma cultura da tolerância e da aceitação das diferenças- diz Waselfisz.
Segundo dados divulgados pela ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, ao GLOBO, os chamados do Disque-Denúncia (usado para denunciar abusos contra mulheres) passaram de 46 mil chamados em 2006 para 401 mil ligações em 2009. No primeiro trimestre deste ano, o serviço cresceu 65% em relação a igual período do ano passado, para 145,9 mil chamados.
Os relatos de violência triplicaram: de 9,3 mil para 29 mil. As mulheres agredidas têm entre 20 e 45 anos (62%), e nível médio de escolaridade. E 40% das assassinadas tinham de 18 a 30 anos. Os agressores têm entre 20 e 55 anos. Segundo Nilcea, os crimes ocorrem quando elas terminam o relacionamento violento ou decidem ter um filho.
Autora do livro "Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos", que reúne dez anos de pesquisas sobre homicídios femininos em São Paulo, Eva Blay diz que há um padrão de agressores. Em sua pesquisa, de cada dez mortas por conhecidos, sete foram assassinadas por companheiros ou ex. As vítimas são de todas as classes sociais:
- Para os assassinos, a noção de serem proprietários das mulheres começa muito cedo.
Ficha Limpa vingará neste ano, diz presidente do TSE
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Para Ricardo Lewandowski, "fichas-sujas" estão com campanhas em risco
Ministro faz defesa de reforma que acabe com o "pluripartidarismo exacerbado" e proíba o financiamento privado
Lula Marques/Folhapress
Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Ricardo Lewandowski avalia que um adiamento da Lei da Ficha Limpa seria uma "frustração" para a sociedade, mas diz ter "convicção de que a lei vingará" mesmo passando pelo crivo do Supremo Tribunal Federal e barrará os "fichas-sujas".
Em sua opinião, candidatos que conseguirem liminares para disputar a eleição estão com as campanhas em risco. "Aqueles que não tenham a ficha limpa farão a campanha por sua própria conta e risco." Lewandowski, 62, critica o curto espaço reservado para a campanha formal, que, para ele, deveria começar em janeiro. "Mas é preciso não admitir o uso da máquina."
Folha - O TSE ordenou que a Lei da Ficha Limpa vale neste ano, mas candidatos estão recorrendo ao STF. O sr. teme que ela não vingue?
Ricardo Lewandowski - As liminares concedidas estão previstas na Lei da Ficha Limpa, que prevê o efeito suspensivo. O TSE afirmou por expressiva maioria que a lei é constitucional, que se aplica a estas eleições e a fatos pretéritos. Eventualmente, um ou outro aspecto pode ser questionado no STF.
Há risco de "fichas-sujas" serem eleitos. Qual a mensagem que pode ser passada?
No cotidiano é assim. Alguém, com uma liminar, concorre, é eleito, depois o caso é julgado definitivamente e ele tem o diploma cassado. A mesma coisa pode ocorrer com aqueles que não tenham a ficha limpa. Podem obter uma liminar, mas farão sua campanha por sua própria conta e risco.
Sua expectativa é que a lei vingue ou teme que não?
Totalmente. Primeiro, foi uma lei com amplo respaldo popular, nasceu de uma iniciativa legislativa popular. O Congresso aprovou por uma votação maciça. Essa matéria foi examinada pelo plenário do TSE. Tenho a convicção de que vingará mesmo passando pelo crivo do STF.
É possível dizer que, mesmo com o efeito suspensivo, a hora deles vai chegar?
Vai chegar, sem dúvida. O candidato corre o risco, se não tiver sucesso na decisão final, de perder o mandato.
O sr. avalia, então, que será uma frustração para o eleitor a lei não vingar?
Para Ricardo Lewandowski, "fichas-sujas" estão com campanhas em risco
Ministro faz defesa de reforma que acabe com o "pluripartidarismo exacerbado" e proíba o financiamento privado
Lula Marques/Folhapress
Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Ricardo Lewandowski avalia que um adiamento da Lei da Ficha Limpa seria uma "frustração" para a sociedade, mas diz ter "convicção de que a lei vingará" mesmo passando pelo crivo do Supremo Tribunal Federal e barrará os "fichas-sujas".
Em sua opinião, candidatos que conseguirem liminares para disputar a eleição estão com as campanhas em risco. "Aqueles que não tenham a ficha limpa farão a campanha por sua própria conta e risco." Lewandowski, 62, critica o curto espaço reservado para a campanha formal, que, para ele, deveria começar em janeiro. "Mas é preciso não admitir o uso da máquina."
Folha - O TSE ordenou que a Lei da Ficha Limpa vale neste ano, mas candidatos estão recorrendo ao STF. O sr. teme que ela não vingue?
Ricardo Lewandowski - As liminares concedidas estão previstas na Lei da Ficha Limpa, que prevê o efeito suspensivo. O TSE afirmou por expressiva maioria que a lei é constitucional, que se aplica a estas eleições e a fatos pretéritos. Eventualmente, um ou outro aspecto pode ser questionado no STF.
Há risco de "fichas-sujas" serem eleitos. Qual a mensagem que pode ser passada?
No cotidiano é assim. Alguém, com uma liminar, concorre, é eleito, depois o caso é julgado definitivamente e ele tem o diploma cassado. A mesma coisa pode ocorrer com aqueles que não tenham a ficha limpa. Podem obter uma liminar, mas farão sua campanha por sua própria conta e risco.
Sua expectativa é que a lei vingue ou teme que não?
Totalmente. Primeiro, foi uma lei com amplo respaldo popular, nasceu de uma iniciativa legislativa popular. O Congresso aprovou por uma votação maciça. Essa matéria foi examinada pelo plenário do TSE. Tenho a convicção de que vingará mesmo passando pelo crivo do STF.
É possível dizer que, mesmo com o efeito suspensivo, a hora deles vai chegar?
Vai chegar, sem dúvida. O candidato corre o risco, se não tiver sucesso na decisão final, de perder o mandato.
O sr. avalia, então, que será uma frustração para o eleitor a lei não vingar?
É possível que haja uma frustração da sociedade. Mas acho que a lei já vingou, está em plena vigência.
Concorda que houve antecipação da campanha?
Sempre houve a antecipação da campanha. O que houve foi uma exposição maior dessa antecipação por parte da mídia.
Há um vácuo legal no período de pré-campanha. Nele, a Justiça não pode aplicar punição prevista em época de campanha. Como lidar com isso?
Sou plenamente favorável a disciplinar esse período. Defendo a ideia de que [seja] no começo do ano eleitoral. A partir de janeiro, a campanha poderia ser deflagrada. Mas é preciso regulamentar. Não se pode admitir é o uso da maquina administrativa.
Irregularidades punidas até aqui perdem efeito legal ou podem ainda ser consideradas em processo mais à frente, diante de novas infrações?
Teoricamente eles podem ser invocados. Mas é preciso provar que realmente esses fatos tiveram o condão de desequilibrar a campanha.
Houve desequilíbrio?
Não posso me manifestar.
Avalia que Lula, tendo atuado em atos multados como campanha antecipada, agiu de forma republicana?
Não posso responder pelo presidente. Mas posso dizer é que, entre abril e maio, houve uma inflexão na jurisprudência da corte. Até então, entendia-se que só se configurava campanha antecipada se houvesse menção ao pleito, fosse nominado um candidato e houvesse pedido explícito de voto. A partir de abril/maio (...), determinados comportamentos passaram a ser sancionados.
Que outra iniciativa deveria ser tomada para outras eleições como avanço institucional na busca da moralidade?
Precisamos de uma reforma política mais ampla. Não digo a reforma do processo eleitoral, que precisa ser feita para diminuir o número de recursos. Muitas vezes um político é cassado e, em razão dessa multiplicidade do número de recursos, só sai quase ao término do mandato.
Como acabar com isso?
Isso está sendo providenciado pelo Congresso. Mas há uma reforma mais ampla tem de ser feita, a política. Deve-se discutir o pluripartidarismo exacerbado. Temos 27 partidos, número inusitado comparado a democracias mais avançadas. Precisamos meditar sobre a cláusula de barreira. O STF considerou inconstitucional a que existia, mas é preciso repensá-la.
O que mais?
Temos a questão do financiamento das campanhas. Tendo em conta as distorções que advieram do financiamento maciço do setor privado, e entendo que isso pode representar até um elemento perturbador e de corrupção mesmo das eleições, eu pendi no sentido de que deveríamos favorecer o financiamento público de campanha. Mas com a eleição americanas ocorreu um fenômeno novo, o financiamento feito gota a gota pelo eleitor, por meio da internet, do telefone.
O sr. disse que as grandes doações de empresas podem ser um fator perturbador e de até corrupção. O que fazer?
Poderíamos caminhar no sentido de permitir só doações de pessoas físicas, com limites, como existe hoje.
Concorda que houve antecipação da campanha?
Sempre houve a antecipação da campanha. O que houve foi uma exposição maior dessa antecipação por parte da mídia.
Há um vácuo legal no período de pré-campanha. Nele, a Justiça não pode aplicar punição prevista em época de campanha. Como lidar com isso?
Sou plenamente favorável a disciplinar esse período. Defendo a ideia de que [seja] no começo do ano eleitoral. A partir de janeiro, a campanha poderia ser deflagrada. Mas é preciso regulamentar. Não se pode admitir é o uso da maquina administrativa.
Irregularidades punidas até aqui perdem efeito legal ou podem ainda ser consideradas em processo mais à frente, diante de novas infrações?
Teoricamente eles podem ser invocados. Mas é preciso provar que realmente esses fatos tiveram o condão de desequilibrar a campanha.
Houve desequilíbrio?
Não posso me manifestar.
Avalia que Lula, tendo atuado em atos multados como campanha antecipada, agiu de forma republicana?
Não posso responder pelo presidente. Mas posso dizer é que, entre abril e maio, houve uma inflexão na jurisprudência da corte. Até então, entendia-se que só se configurava campanha antecipada se houvesse menção ao pleito, fosse nominado um candidato e houvesse pedido explícito de voto. A partir de abril/maio (...), determinados comportamentos passaram a ser sancionados.
Que outra iniciativa deveria ser tomada para outras eleições como avanço institucional na busca da moralidade?
Precisamos de uma reforma política mais ampla. Não digo a reforma do processo eleitoral, que precisa ser feita para diminuir o número de recursos. Muitas vezes um político é cassado e, em razão dessa multiplicidade do número de recursos, só sai quase ao término do mandato.
Como acabar com isso?
Isso está sendo providenciado pelo Congresso. Mas há uma reforma mais ampla tem de ser feita, a política. Deve-se discutir o pluripartidarismo exacerbado. Temos 27 partidos, número inusitado comparado a democracias mais avançadas. Precisamos meditar sobre a cláusula de barreira. O STF considerou inconstitucional a que existia, mas é preciso repensá-la.
O que mais?
Temos a questão do financiamento das campanhas. Tendo em conta as distorções que advieram do financiamento maciço do setor privado, e entendo que isso pode representar até um elemento perturbador e de corrupção mesmo das eleições, eu pendi no sentido de que deveríamos favorecer o financiamento público de campanha. Mas com a eleição americanas ocorreu um fenômeno novo, o financiamento feito gota a gota pelo eleitor, por meio da internet, do telefone.
O sr. disse que as grandes doações de empresas podem ser um fator perturbador e de até corrupção. O que fazer?
Poderíamos caminhar no sentido de permitir só doações de pessoas físicas, com limites, como existe hoje.
Mas o caixa dois não continuaria mesmo assim?
Estamos com mecanismos cada vez mais sofisticados para detectar o caixa dois.
Os senhores estão enfrentando debate sobre uma verticalização diferente, a questão da aparição de candidatos a presidente nas propagandas nos Estados. Ela é possível?
No que tange à verticalização na propaganda, houve uma primeira decisão tomada numa consulta do PPS, mas é possível que o TSE reveja a posição que tomou, em face a novos argumentos.
Indio da Costa: ''Tenho experiência maior que a da Dilma''
Escolhido para compor a chapa presidencial com o tucano José Serra, o deputado Antonio Pedro de Siqueira Índio da Costa (DEM-RJ), 39 anos, quer se apresentar ao eleitor do Rio como fiador de uma promessa do candidato: com Serra na Presidência, não haverá "nenhum tipo de risco de arrebentar as finanças" dos Estados e municípios que dependem dos royalties do petróleo.
"O Serra é a garantia de manutenção dos royalties do Rio de Janeiro", afirma em entrevista ao Estado. "A única, porque só ele pode derrotar a Dilma Rousseff", completa, para provocar em seguida: "Para ela tanto faz. A Dilma não tem muita ideia; é um boneco. Está lá só para referendar os interesses do PT e não tem coragem de debater com Serra porque não tem consistência." Apesar da pouca idade - apenas quatro anos mais do que o mínimo exigido por lei para ocupar a Vice-Presidência -, Índio afirma que está maduro para assumir o posto. "Envelheci uns 30 anos depois que passei 10 horas no centro cirúrgico operando um aneurisma cerebral, em 2003. Não perdi minha alegria, mas a sensibilidade aumenta muito e isso faz muita diferença, porque governar é cuidar das pessoas."
Diante das resistências à hegemonia de São Paulo, vai ser difícil pedir voto para um paulista no Rio de Janeiro?
O eleitor é racional. Teremos, pela primeira vez, um vice do Rio. Na hora em que o eleitor vir um vice que tem paixão pelo Rio na chapa, sem dúvida rompe isso. Quando fez o convite, o Serra me disse: "Índio, você na vice será a presença do Rio no meu governo o tempo todo. Terei propostas concretas para o Estado". E, não fossem todas as outras razões, a garantia de que, com Serra, o Rio não perde a receita dos royalties do petróleo já seria suficiente para votar nele.
Mas isto não pode gerar problema com outros Estados?
Não é impossível prestigiar o Brasil como um todo sem sacrificar os Estados produtores de petróleo. O Serra tem competência para encontrar essa fórmula. Os royalties existem para prevenir e compensar os impactos urbanos, sociais e ambientais que a exploração do petróleo acarreta.
O eventual governo Dilma representa risco para o Rio nessa questão?
Não tenha dúvida nenhuma. Basta ver que, quando eu sugeri ao governador Sérgio Cabral que pedisse ao presidente Lula para retirar o projeto de lei do pré-sal, ele discordou dizendo que não teria como fazer isso. Na verdade, era um compromisso do governador com o presidente, que acabou dando no que deu. Tiraram os royalties do Rio e distribuíram para o Brasil inteiro em um gesto demagógico.
O projeto da Lei da Ficha Limpa que o senhor relatou será bandeira de campanha?
É cartão de visitas. Ele diz mais ou menos assim: "Esse cara é sério e, como a gente, não aguenta mais tanta impunidade."
Sua experiência o credencia para ser vice de Serra?
Estou no meu quarto mandato parlamentar, fui secretário de Administração e presidente do Fórum Nacional dos secretários. Quando adotei os sistemas gerenciais na Prefeitura do Rio, as prefeituras do PT copiaram pelo Brasil. Tenho experiência administrativa, política e eleitoral muito maior que a da Dilma.
O sr. não está subestimando a experiência dela no ministério, à frente da Casa Civil?
Se é experiente, porque ela não abre a boca, então? Porque não debate, não participa? A Dilma é um boneco. É uma candidata que vai ficar calada até o final. Ela não está com coragem de participar de nenhum debate porque não tem consistência. Até hoje ela não apareceu em nenhum debate com Serra e, pelo que estão dizendo na campanha do PT, não aparecerá.
Mas o presidente Lula tem 80% de popularidade e diz que a preparou para lhe suceder.
O Lula não preparou a Dilma para nada. Ele está usando a Dilma para continuar no poder com o PT. O povo precisa saber que, nesse cenário, o Lula volta para casa e os mensaleiros do PT permanecem todos no governo, do lado da Dilma e mandando nela. Lula tem ascendência sobre o PT, mas é o PT que tem ascendência sobre ela. O Lula enfrentou quatro eleições até vencer e amadureceu muito. A Dilma, se é que foi síndica, nunca foi vereadora nem foi deputada. Quem não tem vivência política não tem experiência com o contraditório.
Mas ela é apresentada como a coordenadora de um governo aprovado pela opinião pública.
O Lula é muito preparado politicamente e o povo aprova o Lula, mas o governo coordenado pela Dilma é muito ruim. Basta ver a dificuldade que se tem para acessar os serviços públicos, as filas nos hospitais, a má qualidade da educação. Além disso, a máquina inchou e o custo dela é muito mais alto do que deveria ser.
Mas o povo gosta. Para mais de 70% o governo é bom e ótimo.
Na hora que você pergunta ao povo como funcionam a saúde, a educação, o resultado é diferente. E é aí que está a chave para a gente ganhar a eleição. Mostrar que o Lula está bem avaliado e o governo tem a força do nome dele, mas não oferece bons serviços quando se fala em hospital, nas escolas, no transporte. As bolsas são muito boas, mas é preciso oferecer oportunidade para que o beneficiário do Bolsa-Família possa se qualificar, ganhar dinheiro e sair para uma vida melhor, em vez de ficar dependendo do Estado. Isso é necessário até para que o Estado possa ajudar outras pessoas que também estão precisando.
O sr. se sente preparado para eventualmente substituir Serra, que a todo instante exalta seu perfil de administrador experiente?
Além de ser um excelente professor, o Serra tem uma tremenda estrutura. Há quase 50 anos ele monta equipes, e boas equipes. Se o Serra for ficar um mês na China, continuará como se estivesse sentado na cadeira de presidente, igualzinho. Vai despachar por telefone, por e-mail e não vai ter nem problema de fuso horário.
Quais são as semelhanças entre o sr. e Serra?
Em algumas coisas - como na disposição para o trabalho - eu sou muito parecido com o Serra. Só que ele é um intelectual genial, um estudioso, e eu adoro campanha de rua. Entrei em licença na Câmara para me dedicar 100% à campanha e será uma bela parceria. Vamos aliar a fome à vontade de comer.
Qual será o grande trunfo de Serra e do vice nesta campanha?
O grande trunfo do Serra - e modéstia à parte meu também - é saber lidar com a máquina pública para oferecer mais por menos. Em 2003 eu descobri que tinha um aneurisma e operei minha cabeça. Ainda no hospital, resolvi desenvolver um instituto que pudesse pensar maneiras novas de desenvolver políticas públicas. Eu geoprocessei a cidade do Rio inteira. Sei quantas matrículas foram realizadas por escola, qual foi a demanda não atendida, o porcentual de repetência. Ali, pude aproveitar a oportunidade de estar secretário de Administração e testar modelos gerenciais que, não tenho dúvida, ajudarão demais no governo federal.
Dilma e Serra afiam armas para guerra
DEU EM O GLOBO
Empate em pesquisas leva petista e tucano a mobilizar aliados para chegar em vantagem no início da propaganda gratuita
Maria Lima , Gerson Camarotti e Catarina Alencastro
BRASÍLIA. Com a persistência do empate até o momento, e faltando quase três meses para o jogo ser decidido, a estratégia das campanhas de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) é semelhante: mobilizar desde já os seus exércitos nos estados, para tentar alguma vantagem até o início da propaganda eleitoral gratuita, na segunda quinzena de agosto. Além da máquina governamental, da maior militância e das estruturas sindicais armados para a guerra, o PT vai contar, pela primeira vez, com a máquina do PMDB e outros oito partidos da base. O PSDB também tem máquinas estaduais importantes, como os governos de São Paulo e Minas Gerais, e dissidências de peso da candidatura governista.
Em números oficiais, a tropa governista que o PT quer ver disseminando a candidatura Dilma reúne 2.906 prefeitos e 21.371 vereadores. Do outro lado, os tucanos devem contar com cerca de 1.600 prefeitos e 15 mil vereadores, juntando as estruturas de PSDB, DEM, PPS e de parte do PTB, além de apoiadores da base governista - sem falar em centenas de senadores e deputados dos dois lados.
Lula, o cabo eleitoral nº 1
A tropa tucana poderia ser maior, não fosse a divisão do PTB. Em compensação, o PSDB conta com apoio de cerca de 25% da estrutura do PMDB: os diretórios de Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Acre, Santa Catarina e parte de São Paulo e Rio Grande do Sul.
Os coordenadores da campanha de Dilma falam que o puxador número um de votos do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vale por muitos cabos eleitorais do adversário.
- Não podemos negar que Dilma tem uma situação particular nessa questão de puxadores de votos. Lula trará mais votos que os dez maiores puxadores de Serra - diz o líder do governo e também coordenador da campanha de Dilma, Cândido Vaccarezza(PT-SP).
Depois de Lula, vêm governadores, senadores e deputados, seguidos dos prefeitos - esses últimos considerados os cabos eleitorais mais eficazes, porque estão mais próximos do eleitor. O secretário de relações institucionais do PT, deputado Geraldo Magela (PT-DF), está montando o que chama de "exército de prefeitos", inclusive da oposição. O que não é difícil, dado o poder de fogo do governo.
- Está muito fácil atrair prefeitos da oposição para a campanha de Dilma. Puxa muito voto o fato de ter prefeitos do outro lado, porque fica claro que apoiam o que está sendo feito pelo governo Lula - diz Magela.
O comando da campanha de Dilma aposta ainda no retorno da mobilização do que chamam de "estamento sindical".
- Representamos mais de 20 milhões de trabalhadores em todo país. São mais de 3 mil sindicatos que vão fazer reuniões, assembleias e desenvolver ações para deixar claro que não podemos deixar o candidato do capital vencer esta eleição. Das cinco centrais, apenas a UGT não vai se posicionar, vai liberar. Nós, da CUT, vamos mostrar que temos lado, e que apoiamos Dilma - diz o presidente da CUT, Arthur Henrique.
Com Indio, Serra busca voto jovem
A grande estrutura do PMDB em todo país é outro grande trunfo da candidatura governista. A grande maioria do partido está com Dilma, apesar de dissidências em colégios eleitorais importantes, inclusive em São Paulo, estado do vice na chapa, Michel Temer, onde Orestes Quércia apoia Serra.
Apesar dos traumas recentes na relação com o governo Lula, o deputado José Nobre Guimarães (PT-CE) cita o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) como grande e importante puxador de votos para Dilma, não só no Ceará.
Para enfrentar toda essa força, Serra sabe que vai precisar do empenho dos principais líderes regionais do PSDB e dos aliados. Com a indicação do deputado Indio da Costa (DEM-RJ) para vice, o PSDB quer, além de cortejar o eleitorado jovem, o engajamento integral do DEM do Rio e, principalmente, no Nordeste, que era reduto do antigo PFL.
- O PT conseguiu montar um exército de militantes que estão em cargos comissionados ou em sindicatos e ONGs que recebem dinheiro público. Com essa tropa, não temos como competir. Por isso, vamos estruturar bons palanques estaduais para Serra - diz o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ).
Marina tenta inovar campanha
O PSDB quer evitar o erro de 2006, quando o então presidenciável Geraldo Alckmin tinha muitos palanques, mas sem campanha efetiva. Resultado: foi abandonado. Por isso, a preocupação de Serra em ter palanques de confiança, como o de Jarbas Vasconcelos em Pernambuco.
- Agora é fazer o time jogar unido. Mais importante do que a quantidade é a determinação. Temos que fazer um grande esforço porque, do outro lado, tem o governo e seus interesses sustentados por energia pública, mas os palanques não são tudo numa campanha - afirma o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
A lista dos principais nomes para comandar as tropas regionais de Serra começa com Alckmin, de quem é esperado total engajamento, a despeito das divergências passadas entre eles. O desafio é abrir uma frente de 5 milhões de votos no Estado de São Paulo, para compensar o favoritismo de Dilma no Nordeste.
Outra esperança dos tucanos é o ex-governador Aécio Neves. Mesmo com as promessas de empenho do mineiro, pesquisas internas do próprio PSDB ainda não apontam quadro favorável a Serra em Minas Gerais.
- Conseguimos construir uma unidade política de candidaturas regionais fortes que permite a Serra fazer campanha na ponta. Por exemplo, ele foi a Curitiba ao lado de Beto Richa, Flávio Arns e Gustavo Fruet. Mostra que temos estrutura e fortes lideranças ao nosso lado - diz o tucano Jutahy Junior (BA).
Sem governador e sólidas estruturas partidárias, o PV investe na inovação, em que palanques estaduais dão lugar a comitês diferentes, montados nas casas de militantes e voluntários. O primeiro compromisso oficial de Marina Silva, terça-feira passada, foi a inauguração de um desses comitês, apelidados de "Casas de Marina". No lugar dos comícios com políticos nos palanques, a ideia é investir em visitas a escolas, universidades, igrejas e associações de mulheres e jovens.
Empate em pesquisas leva petista e tucano a mobilizar aliados para chegar em vantagem no início da propaganda gratuita
Maria Lima , Gerson Camarotti e Catarina Alencastro
BRASÍLIA. Com a persistência do empate até o momento, e faltando quase três meses para o jogo ser decidido, a estratégia das campanhas de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) é semelhante: mobilizar desde já os seus exércitos nos estados, para tentar alguma vantagem até o início da propaganda eleitoral gratuita, na segunda quinzena de agosto. Além da máquina governamental, da maior militância e das estruturas sindicais armados para a guerra, o PT vai contar, pela primeira vez, com a máquina do PMDB e outros oito partidos da base. O PSDB também tem máquinas estaduais importantes, como os governos de São Paulo e Minas Gerais, e dissidências de peso da candidatura governista.
Em números oficiais, a tropa governista que o PT quer ver disseminando a candidatura Dilma reúne 2.906 prefeitos e 21.371 vereadores. Do outro lado, os tucanos devem contar com cerca de 1.600 prefeitos e 15 mil vereadores, juntando as estruturas de PSDB, DEM, PPS e de parte do PTB, além de apoiadores da base governista - sem falar em centenas de senadores e deputados dos dois lados.
Lula, o cabo eleitoral nº 1
A tropa tucana poderia ser maior, não fosse a divisão do PTB. Em compensação, o PSDB conta com apoio de cerca de 25% da estrutura do PMDB: os diretórios de Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Acre, Santa Catarina e parte de São Paulo e Rio Grande do Sul.
Os coordenadores da campanha de Dilma falam que o puxador número um de votos do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vale por muitos cabos eleitorais do adversário.
- Não podemos negar que Dilma tem uma situação particular nessa questão de puxadores de votos. Lula trará mais votos que os dez maiores puxadores de Serra - diz o líder do governo e também coordenador da campanha de Dilma, Cândido Vaccarezza(PT-SP).
Depois de Lula, vêm governadores, senadores e deputados, seguidos dos prefeitos - esses últimos considerados os cabos eleitorais mais eficazes, porque estão mais próximos do eleitor. O secretário de relações institucionais do PT, deputado Geraldo Magela (PT-DF), está montando o que chama de "exército de prefeitos", inclusive da oposição. O que não é difícil, dado o poder de fogo do governo.
- Está muito fácil atrair prefeitos da oposição para a campanha de Dilma. Puxa muito voto o fato de ter prefeitos do outro lado, porque fica claro que apoiam o que está sendo feito pelo governo Lula - diz Magela.
O comando da campanha de Dilma aposta ainda no retorno da mobilização do que chamam de "estamento sindical".
- Representamos mais de 20 milhões de trabalhadores em todo país. São mais de 3 mil sindicatos que vão fazer reuniões, assembleias e desenvolver ações para deixar claro que não podemos deixar o candidato do capital vencer esta eleição. Das cinco centrais, apenas a UGT não vai se posicionar, vai liberar. Nós, da CUT, vamos mostrar que temos lado, e que apoiamos Dilma - diz o presidente da CUT, Arthur Henrique.
Com Indio, Serra busca voto jovem
A grande estrutura do PMDB em todo país é outro grande trunfo da candidatura governista. A grande maioria do partido está com Dilma, apesar de dissidências em colégios eleitorais importantes, inclusive em São Paulo, estado do vice na chapa, Michel Temer, onde Orestes Quércia apoia Serra.
Apesar dos traumas recentes na relação com o governo Lula, o deputado José Nobre Guimarães (PT-CE) cita o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) como grande e importante puxador de votos para Dilma, não só no Ceará.
Para enfrentar toda essa força, Serra sabe que vai precisar do empenho dos principais líderes regionais do PSDB e dos aliados. Com a indicação do deputado Indio da Costa (DEM-RJ) para vice, o PSDB quer, além de cortejar o eleitorado jovem, o engajamento integral do DEM do Rio e, principalmente, no Nordeste, que era reduto do antigo PFL.
- O PT conseguiu montar um exército de militantes que estão em cargos comissionados ou em sindicatos e ONGs que recebem dinheiro público. Com essa tropa, não temos como competir. Por isso, vamos estruturar bons palanques estaduais para Serra - diz o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ).
Marina tenta inovar campanha
O PSDB quer evitar o erro de 2006, quando o então presidenciável Geraldo Alckmin tinha muitos palanques, mas sem campanha efetiva. Resultado: foi abandonado. Por isso, a preocupação de Serra em ter palanques de confiança, como o de Jarbas Vasconcelos em Pernambuco.
- Agora é fazer o time jogar unido. Mais importante do que a quantidade é a determinação. Temos que fazer um grande esforço porque, do outro lado, tem o governo e seus interesses sustentados por energia pública, mas os palanques não são tudo numa campanha - afirma o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
A lista dos principais nomes para comandar as tropas regionais de Serra começa com Alckmin, de quem é esperado total engajamento, a despeito das divergências passadas entre eles. O desafio é abrir uma frente de 5 milhões de votos no Estado de São Paulo, para compensar o favoritismo de Dilma no Nordeste.
Outra esperança dos tucanos é o ex-governador Aécio Neves. Mesmo com as promessas de empenho do mineiro, pesquisas internas do próprio PSDB ainda não apontam quadro favorável a Serra em Minas Gerais.
- Conseguimos construir uma unidade política de candidaturas regionais fortes que permite a Serra fazer campanha na ponta. Por exemplo, ele foi a Curitiba ao lado de Beto Richa, Flávio Arns e Gustavo Fruet. Mostra que temos estrutura e fortes lideranças ao nosso lado - diz o tucano Jutahy Junior (BA).
Sem governador e sólidas estruturas partidárias, o PV investe na inovação, em que palanques estaduais dão lugar a comitês diferentes, montados nas casas de militantes e voluntários. O primeiro compromisso oficial de Marina Silva, terça-feira passada, foi a inauguração de um desses comitês, apelidados de "Casas de Marina". No lugar dos comícios com políticos nos palanques, a ideia é investir em visitas a escolas, universidades, igrejas e associações de mulheres e jovens.
Ansiedade com o fim do mandato
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
À medida que chega a hora de deixar o Planalto, Lula parece oscilar entre o desejo de uma vida "anônima" e a melancolia antecipada do poder perdido
Leonencio Nossa e Luiz Alberto Weber
A menos de seis meses de deixar o poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela ansiedade com o fim do mandato. Ao mesmo tempo, mostra-se vacilante em cumprir o rito de passagem que o levará do Planalto, depois de oito anos, à planície dos "ex". "Aqui, na Zâmbia, eu tomo café. Se estivesse na Escócia, eu tomaria scotch", disse Lula, num dos poucos momentos de alma aberta durante a viagem de uma semana que fez na semana passada à África. Um assessor palaciano contou ao Estado que o café não foi servido frio - metáfora que descreve o período de fim de governo marcado pelo esboroamento do poder.
Mesmo com a bebida fumegante, Lula não escondeu o enfado com as tradicionais batucadas nas chegadas a países remotos do continente. O presidente que vestia túnicas de chefes tribais, tocava atabaque em cada aeroporto, ria da própria saia justa de posar ao lado de ditadores deu sinais de cansaço da festa do poder e da melancolia de quem deixará o cargo.
Um estado de espírito que já tomara conta de Lula pouco antes da viagem. Em junho, mês que sacramentou a candidatura governista de Dilma Rousseff ao Planalto, o presidente fez uma "despedida" a cada dois dias.
Análise dos discursos oficiais desse período revela um homem oscilante entre o desejo de uma vida "anônima" e o banzo antecipado do poder perdido.
A vida própria adquirida por sua criatura política, a ex-ministra da Casa Civil, repercutiu nos discursos de Lula. Mesmo na condição de principal cabo eleitoral de Dilma, ele demonstrou irritação com o surgimento dos primeiros sintomas de "lame duck" - expressão inglesa que significa pato manco e identifica políticos desprestigiados em fim de mandato.
"Se eu fosse presidente tinha alguém que vinha aqui me oferecer água; como eu estou no final do mandato... você viu que eu tenho que agachar sozinho, pegar minha água. Os meus assessores já estão todos pensando na próxima Presidência", disse em 8 de junho, em Fortaleza. Em Natal, no dia seguinte, o mesmo diapasão: "Eu estou falando e a minha assessoria nem olha para mim, eles já estão de olho em quem será o próximo presidente, já estão querendo agradar a quem vai ser", disse, aborrecido com a demora da assessoria em entregar-lhe um documento.
Na África, a liturgia do poder o agastou. Nada irritou mais o presidente que as bandinhas que tocavam de forma espalhafatosa e sem ritmo o Hino Nacional brasileiro. Na Tanzânia, ele foi obrigado a ouvir a charanga local tocar seis vezes o hino do país e seis vezes o brasileiro. No dia seguinte, na Zâmbia, penúltima etapa da viagem, não suportou quando o grupo zambiano apareceu para tocar o hino pela quarta vez: "Porra", lamentou baixinho.
No dia anterior, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, saiu da tenda onde hino havia sido executado para dar orientações ao cerimonial. "O hino está muito grande. Temos de trazer uma partitura reduzida", disse a um assessor.
Nas viagens pelo Congo, Burquina Faso, Nigéria e Angola em 2008, Lula posou tocando atabaques e chocalhos de grupos musicais que o recepcionavam nos eventos. Agora, na visita a Malabo, na Guiné Equatorial, manteve-se distante de crianças que dançavam ao som de tambores.
Na segunda-feira, ele foi surpreendido no saguão do aeroporto de Malabo por um homem e uma mulher que lhe entregaram sete gravatas vermelhas, um quadro com sua foto, camisetas e bandeiras. Aceitou posar com os dois rapidamente e pediu a um ajudante para guardar os brindes.
À medida que chega a hora de deixar o Planalto, Lula parece oscilar entre o desejo de uma vida "anônima" e a melancolia antecipada do poder perdido
Leonencio Nossa e Luiz Alberto Weber
A menos de seis meses de deixar o poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela ansiedade com o fim do mandato. Ao mesmo tempo, mostra-se vacilante em cumprir o rito de passagem que o levará do Planalto, depois de oito anos, à planície dos "ex". "Aqui, na Zâmbia, eu tomo café. Se estivesse na Escócia, eu tomaria scotch", disse Lula, num dos poucos momentos de alma aberta durante a viagem de uma semana que fez na semana passada à África. Um assessor palaciano contou ao Estado que o café não foi servido frio - metáfora que descreve o período de fim de governo marcado pelo esboroamento do poder.
Mesmo com a bebida fumegante, Lula não escondeu o enfado com as tradicionais batucadas nas chegadas a países remotos do continente. O presidente que vestia túnicas de chefes tribais, tocava atabaque em cada aeroporto, ria da própria saia justa de posar ao lado de ditadores deu sinais de cansaço da festa do poder e da melancolia de quem deixará o cargo.
Um estado de espírito que já tomara conta de Lula pouco antes da viagem. Em junho, mês que sacramentou a candidatura governista de Dilma Rousseff ao Planalto, o presidente fez uma "despedida" a cada dois dias.
Análise dos discursos oficiais desse período revela um homem oscilante entre o desejo de uma vida "anônima" e o banzo antecipado do poder perdido.
A vida própria adquirida por sua criatura política, a ex-ministra da Casa Civil, repercutiu nos discursos de Lula. Mesmo na condição de principal cabo eleitoral de Dilma, ele demonstrou irritação com o surgimento dos primeiros sintomas de "lame duck" - expressão inglesa que significa pato manco e identifica políticos desprestigiados em fim de mandato.
"Se eu fosse presidente tinha alguém que vinha aqui me oferecer água; como eu estou no final do mandato... você viu que eu tenho que agachar sozinho, pegar minha água. Os meus assessores já estão todos pensando na próxima Presidência", disse em 8 de junho, em Fortaleza. Em Natal, no dia seguinte, o mesmo diapasão: "Eu estou falando e a minha assessoria nem olha para mim, eles já estão de olho em quem será o próximo presidente, já estão querendo agradar a quem vai ser", disse, aborrecido com a demora da assessoria em entregar-lhe um documento.
Na África, a liturgia do poder o agastou. Nada irritou mais o presidente que as bandinhas que tocavam de forma espalhafatosa e sem ritmo o Hino Nacional brasileiro. Na Tanzânia, ele foi obrigado a ouvir a charanga local tocar seis vezes o hino do país e seis vezes o brasileiro. No dia seguinte, na Zâmbia, penúltima etapa da viagem, não suportou quando o grupo zambiano apareceu para tocar o hino pela quarta vez: "Porra", lamentou baixinho.
No dia anterior, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, saiu da tenda onde hino havia sido executado para dar orientações ao cerimonial. "O hino está muito grande. Temos de trazer uma partitura reduzida", disse a um assessor.
Nas viagens pelo Congo, Burquina Faso, Nigéria e Angola em 2008, Lula posou tocando atabaques e chocalhos de grupos musicais que o recepcionavam nos eventos. Agora, na visita a Malabo, na Guiné Equatorial, manteve-se distante de crianças que dançavam ao som de tambores.
Na segunda-feira, ele foi surpreendido no saguão do aeroporto de Malabo por um homem e uma mulher que lhe entregaram sete gravatas vermelhas, um quadro com sua foto, camisetas e bandeiras. Aceitou posar com os dois rapidamente e pediu a um ajudante para guardar os brindes.
O programa de governo de Dilma:: Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O improvisado programa de governo da candidata Dilma Rousseff é mais criticável pelo que não contém do que pelo seu conteúdo arrependido, que levou à apressada retirada de pontos polêmicos. As 22 páginas do documento repetem o estilo presente nos programas do PT de 2002 e 2006: está mais para uma coleção de desejos e promessas - a maioria reprisada das duas últimas campanhas eleitorais - do que para um texto inovador, capaz de avançar em acertos, corrigir erros e criar novas ações, refletindo o aprendizado e a experiência adquiridos em oito anos de governo. Os principais entraves ao progresso e ao desenvolvimento econômico e social não estão ali. Ou melhor, alguns estão, sim, mas burocraticamente listados ou copiados do passado, sem aprofundar suas causas nem indicar caminhos para superá-los.
Alguns itens omitidos no documento e que são fundamentais para equilibrar as finanças do Estado e garantir o crescimento econômico e o progresso social sem riscos de retrocessos:
Reformas - Foram praticamente ignoradas no texto. A única mencionada - a tributária - recebeu tom mais apropriado a discurso de palanque do que a um programa de governo: "Simplificar os tributos, desonerar a folha de salários, garantir devolução automática de todos os créditos a que as empresas têm direito e acabar com qualquer tributação sobre o investimento." Se o ideário tributário do PT é somente renúncia fiscal, como sustentar um Estado caro e gigante, que o partido defende? Se fosse fácil assim Lula não teria ficado oito anos tentando realizar sua reforma, que terminou raquítica e, assim mesmo, um completo fiasco. As reformas política, previdenciária, trabalhista e sindical nem sequer são citadas no texto. Até as microrreformas concebidas pela equipe do ex-ministro Antônio Palocci, que nada têm de ideológicas, também foram desprezadas. Seu foco era dar eficácia, racionalidade e rapidez à burocracia e às ações de governo, além de propor uma fórmula criativa para desonerar a folha de salários de empresas que usam mão de obra intensiva e para empregados que ganham até três salários mínimos. Dilma Rousseff vive falando em desoneração trabalhista, mas não resgatou essa proposta nem diz como vai fazer.
Investimento - O documento trata do tema de forma superficial e, mais uma vez, usa o estilo desejos e promessas. Diferentemente do investimento produtivo, impulsionado pelo crescimento econômico, projetos de infraestrutura e logística dependem de regras estáveis e eficientes marcos regulatórios. Mas o PT não vai fundo em analisar os entraves que Lula encontrou e outros que criou, como enfraquecer o poder das agências reguladoras e politizá-las com dirigentes não capacitados e indicados por partidos políticos. Os compromissos com a não-interferência política do governo em grandes projetos e com a estabilidade de regras também não figuram no documento. E esses, segundo as empresas, têm sido os principais obstáculos que travam o investimento privado em logística e infraestrutura.
Energia - Genérico, o programa do PT limita-se a prometer a construção de mais hidrelétricas, desenvolver energias alternativas e explorar o pré-sal. Nenhuma palavra sobre um problema que angustia o setor elétrico, inclusive o estatal, porque os investimentos foram completamente paralisados, à espera de uma definição do governo: trata-se das concessões de usinas hidrelétricas que representam 30% da energia do País e serão definitivamente canceladas em 2015. A Constituição de 1988 determina que os novos concessionários serão escolhidos unicamente em licitações. Seria uma chance para implementar um novo modelo para o setor elétrico, integrado com o uso da água, como propôs o ex-presidente da Eletrobrás José Luiz Alquéres. Mas o PT parece não ter proposta alguma.
Dívida - O governo Lula fez crescer tanto a dívida pública que o Brasil passou a ocupar o terceiro lugar entre os países emergentes com maior endividamento, ultrapassado só pela Índia e pela Hungria, segundo pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto o Brasil tem uma dívida bruta equivalente a 60,1% do Produto Interno Bruto (PIB), a da China é de 20% e a do Chile, de 4,4% do PIB. Se o novo governo não definir um plano de redução gradativa da dívida, a receita tributária continuará a escorrer pelos ralos do pagamento de juros, em vez de suprir as deficiências da saúde, da educação, do saneamento, de investimentos. Apesar da gravidade, o tema é solenemente ignorado no documento do PT.
Corrupção - Oito anos de mensalão, aloprados, dólares na cueca, vampiros e sanguessugas desmoralizaram o discurso anticorrupção do passado e levaram o PT a se retrair e não assumir nenhum compromisso com o combate à corrupção. No programa não há uma só linha mencionando desvios de dinheiro público e outras práticas condenáveis que costumam espalhar-se livremente no serviço público quando não combatidas. Em seu governo, ao contrário, Lula tratou-as com tolerância e perdão.
Educação e saúde - O texto trata de forma genérica, listando ações que são comuns a todos os partidos políticos. Qual candidato é contra "erradicar o analfabetismo"? Nenhum. A diferença estaria em definir metas e prazos para isso ocorrer. Mas o PT não assume nenhum compromisso nessa direção. Menciona vagamente a "melhoria das condições de saúde do povo brasileiro nos últimos anos". Melhoria não percebida por quem enfrenta hospitais públicos e filas de meses, às vezes anos, para consulta e cirurgia. E nada há no texto que garanta maior eficiência no funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dilma Rousseff disse ter rubricado todas as páginas do programa sem ler. Deveria tê-lo feito. Se o fizesse, constataria, por exemplo, que taxar grandes fortunas não tem nenhum efeito benéfico, está implícito no que Lenin chamou de "esquerdismo, doença infantil do comunismo": não aumenta a receita tributária, atrai a oposição de quem possui bens e só serve para vingança dos radicais contra os ricos. Mas constataria também que ali está o viés estatizante de uma proposta de governo que tem pouca importância para seu guru político, mas tem tudo para selar a aliança da candidata com a esquerda do PT.
Esse é o ponto que pode complicar - e muito - a relação de Dilma Rousseff com seus aliados, caso se torne presidente. Diferentemente de Lula, ela não tem história no PT, muito menos domínio das conflitantes tendências políticas que ali convivem. Lula fez o que quis sem consultar o PT e nas divergências enquadrava a militância. Não será assim com Dilma. Pior ainda quando for ela a enfrentar o fisiologismo do PMDB. Falta-lhe traquejo político para lidar com as demandas por cargos, verbas e favores vindos de Michel Temer, José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, etc.
O improvisado programa de governo da candidata Dilma Rousseff é mais criticável pelo que não contém do que pelo seu conteúdo arrependido, que levou à apressada retirada de pontos polêmicos. As 22 páginas do documento repetem o estilo presente nos programas do PT de 2002 e 2006: está mais para uma coleção de desejos e promessas - a maioria reprisada das duas últimas campanhas eleitorais - do que para um texto inovador, capaz de avançar em acertos, corrigir erros e criar novas ações, refletindo o aprendizado e a experiência adquiridos em oito anos de governo. Os principais entraves ao progresso e ao desenvolvimento econômico e social não estão ali. Ou melhor, alguns estão, sim, mas burocraticamente listados ou copiados do passado, sem aprofundar suas causas nem indicar caminhos para superá-los.
Alguns itens omitidos no documento e que são fundamentais para equilibrar as finanças do Estado e garantir o crescimento econômico e o progresso social sem riscos de retrocessos:
Reformas - Foram praticamente ignoradas no texto. A única mencionada - a tributária - recebeu tom mais apropriado a discurso de palanque do que a um programa de governo: "Simplificar os tributos, desonerar a folha de salários, garantir devolução automática de todos os créditos a que as empresas têm direito e acabar com qualquer tributação sobre o investimento." Se o ideário tributário do PT é somente renúncia fiscal, como sustentar um Estado caro e gigante, que o partido defende? Se fosse fácil assim Lula não teria ficado oito anos tentando realizar sua reforma, que terminou raquítica e, assim mesmo, um completo fiasco. As reformas política, previdenciária, trabalhista e sindical nem sequer são citadas no texto. Até as microrreformas concebidas pela equipe do ex-ministro Antônio Palocci, que nada têm de ideológicas, também foram desprezadas. Seu foco era dar eficácia, racionalidade e rapidez à burocracia e às ações de governo, além de propor uma fórmula criativa para desonerar a folha de salários de empresas que usam mão de obra intensiva e para empregados que ganham até três salários mínimos. Dilma Rousseff vive falando em desoneração trabalhista, mas não resgatou essa proposta nem diz como vai fazer.
Investimento - O documento trata do tema de forma superficial e, mais uma vez, usa o estilo desejos e promessas. Diferentemente do investimento produtivo, impulsionado pelo crescimento econômico, projetos de infraestrutura e logística dependem de regras estáveis e eficientes marcos regulatórios. Mas o PT não vai fundo em analisar os entraves que Lula encontrou e outros que criou, como enfraquecer o poder das agências reguladoras e politizá-las com dirigentes não capacitados e indicados por partidos políticos. Os compromissos com a não-interferência política do governo em grandes projetos e com a estabilidade de regras também não figuram no documento. E esses, segundo as empresas, têm sido os principais obstáculos que travam o investimento privado em logística e infraestrutura.
Energia - Genérico, o programa do PT limita-se a prometer a construção de mais hidrelétricas, desenvolver energias alternativas e explorar o pré-sal. Nenhuma palavra sobre um problema que angustia o setor elétrico, inclusive o estatal, porque os investimentos foram completamente paralisados, à espera de uma definição do governo: trata-se das concessões de usinas hidrelétricas que representam 30% da energia do País e serão definitivamente canceladas em 2015. A Constituição de 1988 determina que os novos concessionários serão escolhidos unicamente em licitações. Seria uma chance para implementar um novo modelo para o setor elétrico, integrado com o uso da água, como propôs o ex-presidente da Eletrobrás José Luiz Alquéres. Mas o PT parece não ter proposta alguma.
Dívida - O governo Lula fez crescer tanto a dívida pública que o Brasil passou a ocupar o terceiro lugar entre os países emergentes com maior endividamento, ultrapassado só pela Índia e pela Hungria, segundo pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto o Brasil tem uma dívida bruta equivalente a 60,1% do Produto Interno Bruto (PIB), a da China é de 20% e a do Chile, de 4,4% do PIB. Se o novo governo não definir um plano de redução gradativa da dívida, a receita tributária continuará a escorrer pelos ralos do pagamento de juros, em vez de suprir as deficiências da saúde, da educação, do saneamento, de investimentos. Apesar da gravidade, o tema é solenemente ignorado no documento do PT.
Corrupção - Oito anos de mensalão, aloprados, dólares na cueca, vampiros e sanguessugas desmoralizaram o discurso anticorrupção do passado e levaram o PT a se retrair e não assumir nenhum compromisso com o combate à corrupção. No programa não há uma só linha mencionando desvios de dinheiro público e outras práticas condenáveis que costumam espalhar-se livremente no serviço público quando não combatidas. Em seu governo, ao contrário, Lula tratou-as com tolerância e perdão.
Educação e saúde - O texto trata de forma genérica, listando ações que são comuns a todos os partidos políticos. Qual candidato é contra "erradicar o analfabetismo"? Nenhum. A diferença estaria em definir metas e prazos para isso ocorrer. Mas o PT não assume nenhum compromisso nessa direção. Menciona vagamente a "melhoria das condições de saúde do povo brasileiro nos últimos anos". Melhoria não percebida por quem enfrenta hospitais públicos e filas de meses, às vezes anos, para consulta e cirurgia. E nada há no texto que garanta maior eficiência no funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dilma Rousseff disse ter rubricado todas as páginas do programa sem ler. Deveria tê-lo feito. Se o fizesse, constataria, por exemplo, que taxar grandes fortunas não tem nenhum efeito benéfico, está implícito no que Lenin chamou de "esquerdismo, doença infantil do comunismo": não aumenta a receita tributária, atrai a oposição de quem possui bens e só serve para vingança dos radicais contra os ricos. Mas constataria também que ali está o viés estatizante de uma proposta de governo que tem pouca importância para seu guru político, mas tem tudo para selar a aliança da candidata com a esquerda do PT.
Esse é o ponto que pode complicar - e muito - a relação de Dilma Rousseff com seus aliados, caso se torne presidente. Diferentemente de Lula, ela não tem história no PT, muito menos domínio das conflitantes tendências políticas que ali convivem. Lula fez o que quis sem consultar o PT e nas divergências enquadrava a militância. Não será assim com Dilma. Pior ainda quando for ela a enfrentar o fisiologismo do PMDB. Falta-lhe traquejo político para lidar com as demandas por cargos, verbas e favores vindos de Michel Temer, José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, etc.
A reforma tributária, no discurso dos candidatos
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Os presidenciáveis Dilma, Serra e Marina falam em sistema ineficiente e acenam com mudanças, mas até agora não apresentaram nada concreto
Marcelo Rehder
Os principais candidatos à Presidência da República, José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), consideram o sistema tributário um dos maiores problemas do Brasil. Os três acenam com uma redução da carga tributária e falam em reformas para simplificar o sistema brasileiro, reduzir injustiças fiscais e elevar os níveis de competitividade do produto nacional. Na prática, porém, nenhum deles tem um plano concreto.
Para o tucano José Serra, o Brasil tem a maior carga tributária do mundo entre os países emergentes e sem contrapartida de serviços de qualidade ao contribuinte. O pior, segundo o candidato do PSDB, é que quanto mais pobre, mais se paga imposto no Brasil, porque os tributos estão embutidos nos preços dos produtos e serviços. Os mais pobres pagam mais porque um alimento consumido por um banqueiro traz a mesma carga tributária do alimento consumido por qualquer funcionário do seu banco.
A maioria da população sabe que paga impostos sobre os produtos de consumo, mas não faz a menor ideia de quanto paga de tributos sobre produtos essenciais como alimentos, artigos de higiene pessoal e limpeza doméstica. O motivo é simples: o valor dos impostos, contribuições e taxas não é discriminado na embalagem de cada produto.
Não por acaso, entre as propostas de Serra, estão projetos para detalhar aos consumidores a quantidade de impostos embutidos em cada produto e criar, a exemplo do que fez em São Paulo, a Nota Fiscal Brasileira, para devolver parte dos impostos aos consumidores.
Desoneração. A petista Dilma Rousseff defende a desoneração integral dos investimentos no País como uma de suas plataformas de governo. Ela considera que a redução dos tributos que incidem sobre investimentos já avançou bastante durante o governo do presidente Luiz Inácio Lua da Silva e deve continuar, se ela for eleita.
Para a candidata, o Brasil precisa dar um salto de produtividade. Por isso, não faz sentido onerar os investimentos. Além disso, a candidata do PT pretende trabalhar ainda para reduzir a incidência de tributos sobre a folha de pagamento. Para ela, é uma "perversidade" tributar mais as empresas que empregam mais trabalhadores.
A candidata do Partido Verde, Marina Silva, se diz favorável à convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para discussão da assuntos relacionados às reformas, principalmente a tributária. Ela argumenta que não é fácil fazer reforma tributária, e as propostas acabam ficando apenas nas promessas de candidatos.
Marina tem sido cautelosa. Ela diz que, caso seja eleita, não vai aumentar impostos. E que vai trabalhar para que se possam resolver os problemas relacionados à carga tributária e, se possível, até reduzi-la.
Para a candidata do PV, não se pode prometer redução da carga tributária, porque seria uma coisa demagógica e eleitoreira.
Os presidenciáveis Dilma, Serra e Marina falam em sistema ineficiente e acenam com mudanças, mas até agora não apresentaram nada concreto
Marcelo Rehder
Os principais candidatos à Presidência da República, José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), consideram o sistema tributário um dos maiores problemas do Brasil. Os três acenam com uma redução da carga tributária e falam em reformas para simplificar o sistema brasileiro, reduzir injustiças fiscais e elevar os níveis de competitividade do produto nacional. Na prática, porém, nenhum deles tem um plano concreto.
Para o tucano José Serra, o Brasil tem a maior carga tributária do mundo entre os países emergentes e sem contrapartida de serviços de qualidade ao contribuinte. O pior, segundo o candidato do PSDB, é que quanto mais pobre, mais se paga imposto no Brasil, porque os tributos estão embutidos nos preços dos produtos e serviços. Os mais pobres pagam mais porque um alimento consumido por um banqueiro traz a mesma carga tributária do alimento consumido por qualquer funcionário do seu banco.
A maioria da população sabe que paga impostos sobre os produtos de consumo, mas não faz a menor ideia de quanto paga de tributos sobre produtos essenciais como alimentos, artigos de higiene pessoal e limpeza doméstica. O motivo é simples: o valor dos impostos, contribuições e taxas não é discriminado na embalagem de cada produto.
Não por acaso, entre as propostas de Serra, estão projetos para detalhar aos consumidores a quantidade de impostos embutidos em cada produto e criar, a exemplo do que fez em São Paulo, a Nota Fiscal Brasileira, para devolver parte dos impostos aos consumidores.
Desoneração. A petista Dilma Rousseff defende a desoneração integral dos investimentos no País como uma de suas plataformas de governo. Ela considera que a redução dos tributos que incidem sobre investimentos já avançou bastante durante o governo do presidente Luiz Inácio Lua da Silva e deve continuar, se ela for eleita.
Para a candidata, o Brasil precisa dar um salto de produtividade. Por isso, não faz sentido onerar os investimentos. Além disso, a candidata do PT pretende trabalhar ainda para reduzir a incidência de tributos sobre a folha de pagamento. Para ela, é uma "perversidade" tributar mais as empresas que empregam mais trabalhadores.
A candidata do Partido Verde, Marina Silva, se diz favorável à convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para discussão da assuntos relacionados às reformas, principalmente a tributária. Ela argumenta que não é fácil fazer reforma tributária, e as propostas acabam ficando apenas nas promessas de candidatos.
Marina tem sido cautelosa. Ela diz que, caso seja eleita, não vai aumentar impostos. E que vai trabalhar para que se possam resolver os problemas relacionados à carga tributária e, se possível, até reduzi-la.
Para a candidata do PV, não se pode prometer redução da carga tributária, porque seria uma coisa demagógica e eleitoreira.
Serra abre campanha no NE em base do PT
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Tucano ataca Dilma ao dizer que não faz "jogo sujo" nem "espionagem" e reafirma que dobrará Bolsa Família
Cidades administradas pelo PT estão no roteiro do candidato; Nordeste é a região onde Serra tem o pior desempenho
Fábio Guibu
ENVIADO ESPECIAL A CASCAVEL (CE)
Paola Vasconcelos
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CASCAVEL
O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, abriu ontem sua campanha no Nordeste com visitas a quatro municípios cearenses ligados à base de apoio da sua principal adversária, Dilma Rousseff (PT), no Estado.
Na região de pior desempenho eleitoral dos tucanos, Serra fez caminhadas, corpo a corpo e, à noite, participaria de festas populares tradicionais no interior do Ceará.
Em Cascavel (região metropolitana de Fortaleza), cidade administrada pelo PT, o ex-governador de São Paulo reafirmou que vai "dobrar" o Bolsa Família e disse que o programa "não é caro".
O candidato afirmou que a escolha dessas cidades partiu do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). "Não tem área predominante de ninguém. Isso é área do povo."
Escoltado por cabos eleitorais, Serra andou cerca de dois quilômetros por ruas e no meio de uma feira.
Acompanhado por Tasso e pelo candidato ao governo tucano ao Estado, Marcos Cals, ele entrou em lojas, beijou mulheres e crianças e cumprimentou eleitores.
Bem humorado, Serra atacou a campanha do PT, sem citar nomes. "Todo o meu jogo eleitoral é limpo, sem clandestinidade, sem jogo sujo, sem espionagem."
Ele visitaria ainda os municípios de Uruoca, Massapê e Marco, na região norte do Ceará, reduto da família Ferreira Gomes, do governador Cid Gomes (PSB) e seu irmão, o deputado federal Ciro Gomes (PSB), aliados de Dilma.
Cid concorre à reeleição, sem o apoio de Tasso, seu aliado político até o mês passado. O líder tucano rompeu com o governador, após frustradas tentativas de acordo para uma aliança este ano.
Tucano ataca Dilma ao dizer que não faz "jogo sujo" nem "espionagem" e reafirma que dobrará Bolsa Família
Cidades administradas pelo PT estão no roteiro do candidato; Nordeste é a região onde Serra tem o pior desempenho
Fábio Guibu
ENVIADO ESPECIAL A CASCAVEL (CE)
Paola Vasconcelos
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CASCAVEL
O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, abriu ontem sua campanha no Nordeste com visitas a quatro municípios cearenses ligados à base de apoio da sua principal adversária, Dilma Rousseff (PT), no Estado.
Na região de pior desempenho eleitoral dos tucanos, Serra fez caminhadas, corpo a corpo e, à noite, participaria de festas populares tradicionais no interior do Ceará.
Em Cascavel (região metropolitana de Fortaleza), cidade administrada pelo PT, o ex-governador de São Paulo reafirmou que vai "dobrar" o Bolsa Família e disse que o programa "não é caro".
O candidato afirmou que a escolha dessas cidades partiu do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). "Não tem área predominante de ninguém. Isso é área do povo."
Escoltado por cabos eleitorais, Serra andou cerca de dois quilômetros por ruas e no meio de uma feira.
Acompanhado por Tasso e pelo candidato ao governo tucano ao Estado, Marcos Cals, ele entrou em lojas, beijou mulheres e crianças e cumprimentou eleitores.
Bem humorado, Serra atacou a campanha do PT, sem citar nomes. "Todo o meu jogo eleitoral é limpo, sem clandestinidade, sem jogo sujo, sem espionagem."
Ele visitaria ainda os municípios de Uruoca, Massapê e Marco, na região norte do Ceará, reduto da família Ferreira Gomes, do governador Cid Gomes (PSB) e seu irmão, o deputado federal Ciro Gomes (PSB), aliados de Dilma.
Cid concorre à reeleição, sem o apoio de Tasso, seu aliado político até o mês passado. O líder tucano rompeu com o governador, após frustradas tentativas de acordo para uma aliança este ano.
Jogando na retranca
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Candidatos evitam aprofundar propostas econômicas para escapar de controvérsias e não alimentar desconfianças
Ricardo Balthazar
Candidatos evitam aprofundar propostas econômicas para escapar de controvérsias e não alimentar desconfianças
Ricardo Balthazar
DE SÃO PAULO - Os dois discursos que o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, apresentou na segunda-feira passada à Justiça Eleitoral como resumo de seus planos de governo somam 6.700 palavras. Ele usou apenas 517 para dizer o que pretende fazer com a economia do país.
A petista Dilma Rousseff entregou um documento de 23 páginas, das quais 5 enumeram suas prioridades para a economia. Vistas de perto, oferecem só uma lista de objetivos genéricos, sem uma exposição das medidas necessárias para alcançá-los.
Os líderes da corrida presidencial têm se esforçado para evitar controvérsias no campo econômico. Com o país crescendo em ritmo acelerado e a sensação de bem-estar da população em alta, ninguém quer dar a impressão de que fará mudanças.
As discordâncias entre os políticos sobre o rumo a seguir são menores hoje do que em eleições anteriores. Um levantamento feito pela Folha com base em discursos e entrevistas dos candidatos mostra que as diferenças entre suas ideias são em geral sutis (veja o quadro ao lado).
Os principais candidatos prometem manter as políticas que têm assegurado a estabilidade da economia brasileira há uma década, pregam mudanças no sistema tributário e falam em estímulos para os investimentos.
Os presidenciáveis se comportam assim porque precisam inspirar confiança. Dilma passou a elogiar o Banco Central com frequência, abandonando as críticas que fez no passado. Ela espera que isso a ajudará a eliminar as dúvidas existentes sobre sua fé na política econômica de natureza conservadora adotada pelo governo.
O mesmo acontece com Serra. Ele tem moderado seus ataques ao BC, numa tentativa de superar o mal-estar gerado pelas críticas que fez em maio à demora com que a instituição baixou os juros no auge da crise internacional de 2008-2009.
INCERTEZAS
"Mudanças que afetem a autonomia que o BC tem atualmente ou comprometam o trabalho que ele vem fazendo não são sustentáveis", afirma o professor Márcio Holland, da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.
Serra promete coordenar de forma mais eficaz a política econômica do governo para evitar desencontros entre o BC e o Ministério da Fazenda, como os que se tornaram comuns nos últimos anos, e sempre cita como modelo o sistema adotado no Chile.
O ministro da Fazenda participa das reuniões do BC chileno, onde não tem voto, mas pode manifestar opiniões. O BC do Chile tem poderes mais amplos que os do BC brasileiro e seus diretores têm mandatos de dez anos.
A possibilidade de replicar esse modelo no Brasil é vista com ceticismo entre colaboradores de Serra. Eles têm debatido mudanças no funcionamento do Conselho Monetário Nacional, onde o BC e a Fazenda votam, e outros mecanismos de coordenação.
Mas a discussão interna ainda está num estágio muito preliminar e é improvável que seja levada a público pelo candidato, por causa das incertezas que poderia alimentar, de acordo com um membro da equipe de Serra.
Dilma tem mantido distância desse tipo de conversa. Ela se limita a dizer que o sistema atual funciona bem e que não vê nenhum motivo para alterá-lo, ou para reforçar a autonomia do BC com mudanças na legislação.
TIMIDEZ
Serra e Dilma têm expressado visões diferentes sobre o papel que o Estado deve ter na viabilização de novos investimentos em infraestrutura, uma área que os especialistas consideram crítica para sustentar o crescimento do país nos próximos anos.
Mas nem sempre os candidatos deixam claras as diferenças que os separam, como demonstra a timidez com que eles participaram nos últimos meses do debate sobre a exploração do petróleo descoberto na camada pré-sal.
Dilma foi uma das principais formuladoras do sistema proposto pelo governo, que reserva para a Petrobras um papel central no desenvolvimento dos novos campos de petróleo e inibe a participação de empresas privadas e grupos estrangeiros.
Quando o assunto foi discutido no Congresso, as lideranças do PSDB defenderam a manutenção do modelo de concessões usado nas áreas que começaram a ser exploradas antes da descoberta do pré-sal, o que daria mais oportunidades para os concorrentes da Petrobras.
Mas Serra nunca manifestou em público sua opinião sobre o tema. "Esse debate é uma armadilha para a oposição", diz o cientista político Christopher Garman, da consultoria internacional Eurasia. "Qualquer coisa que ele diga, vão acusá-lo de querer enfraquecer a Petrobras e entregar as riquezas do país."
A petista Dilma Rousseff entregou um documento de 23 páginas, das quais 5 enumeram suas prioridades para a economia. Vistas de perto, oferecem só uma lista de objetivos genéricos, sem uma exposição das medidas necessárias para alcançá-los.
Os líderes da corrida presidencial têm se esforçado para evitar controvérsias no campo econômico. Com o país crescendo em ritmo acelerado e a sensação de bem-estar da população em alta, ninguém quer dar a impressão de que fará mudanças.
As discordâncias entre os políticos sobre o rumo a seguir são menores hoje do que em eleições anteriores. Um levantamento feito pela Folha com base em discursos e entrevistas dos candidatos mostra que as diferenças entre suas ideias são em geral sutis (veja o quadro ao lado).
Os principais candidatos prometem manter as políticas que têm assegurado a estabilidade da economia brasileira há uma década, pregam mudanças no sistema tributário e falam em estímulos para os investimentos.
Os presidenciáveis se comportam assim porque precisam inspirar confiança. Dilma passou a elogiar o Banco Central com frequência, abandonando as críticas que fez no passado. Ela espera que isso a ajudará a eliminar as dúvidas existentes sobre sua fé na política econômica de natureza conservadora adotada pelo governo.
O mesmo acontece com Serra. Ele tem moderado seus ataques ao BC, numa tentativa de superar o mal-estar gerado pelas críticas que fez em maio à demora com que a instituição baixou os juros no auge da crise internacional de 2008-2009.
INCERTEZAS
"Mudanças que afetem a autonomia que o BC tem atualmente ou comprometam o trabalho que ele vem fazendo não são sustentáveis", afirma o professor Márcio Holland, da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.
Serra promete coordenar de forma mais eficaz a política econômica do governo para evitar desencontros entre o BC e o Ministério da Fazenda, como os que se tornaram comuns nos últimos anos, e sempre cita como modelo o sistema adotado no Chile.
O ministro da Fazenda participa das reuniões do BC chileno, onde não tem voto, mas pode manifestar opiniões. O BC do Chile tem poderes mais amplos que os do BC brasileiro e seus diretores têm mandatos de dez anos.
A possibilidade de replicar esse modelo no Brasil é vista com ceticismo entre colaboradores de Serra. Eles têm debatido mudanças no funcionamento do Conselho Monetário Nacional, onde o BC e a Fazenda votam, e outros mecanismos de coordenação.
Mas a discussão interna ainda está num estágio muito preliminar e é improvável que seja levada a público pelo candidato, por causa das incertezas que poderia alimentar, de acordo com um membro da equipe de Serra.
Dilma tem mantido distância desse tipo de conversa. Ela se limita a dizer que o sistema atual funciona bem e que não vê nenhum motivo para alterá-lo, ou para reforçar a autonomia do BC com mudanças na legislação.
TIMIDEZ
Serra e Dilma têm expressado visões diferentes sobre o papel que o Estado deve ter na viabilização de novos investimentos em infraestrutura, uma área que os especialistas consideram crítica para sustentar o crescimento do país nos próximos anos.
Mas nem sempre os candidatos deixam claras as diferenças que os separam, como demonstra a timidez com que eles participaram nos últimos meses do debate sobre a exploração do petróleo descoberto na camada pré-sal.
Dilma foi uma das principais formuladoras do sistema proposto pelo governo, que reserva para a Petrobras um papel central no desenvolvimento dos novos campos de petróleo e inibe a participação de empresas privadas e grupos estrangeiros.
Quando o assunto foi discutido no Congresso, as lideranças do PSDB defenderam a manutenção do modelo de concessões usado nas áreas que começaram a ser exploradas antes da descoberta do pré-sal, o que daria mais oportunidades para os concorrentes da Petrobras.
Mas Serra nunca manifestou em público sua opinião sobre o tema. "Esse debate é uma armadilha para a oposição", diz o cientista político Christopher Garman, da consultoria internacional Eurasia. "Qualquer coisa que ele diga, vão acusá-lo de querer enfraquecer a Petrobras e entregar as riquezas do país."
Serra está à frente de Dilma no RS
DEU NO ZERO HORA (RS)
A pesquisa Ibope de intenção de voto entre os gaúchos para presidente da República apresenta o candidato José Serra (PSDB) na frente se a eleição fosse hoje, com 46%. Dilma Rousseff (PT) aparece em segundo lugar, com 37%, e Marina Silva (PV), 6%.
Os demais candidatos aparecem com menos de 5%. Na resposta espontânea, na qual os entrevistados não recebem o cartão com os nomes dos candidatos, 38% informaram que estão indecisos.
Dilma obtém melhor desempenho entre os eleitores homens (41%), enquanto as mulheres somam 34%. Já Serra recebeu um percentual maior entre as mulheres: 49% a 43% obtido entre os homens.
Na avaliação do governo Lula, 52% dos entrevistados consideram a atual gestão federal boa e 18%, ótima, somando 70% de aprovação. Outros 24% acham o governo Lula regular, e apenas 5% afirmam que é ruim e péssimo.
A pesquisa Ibope de intenção de voto entre os gaúchos para presidente da República apresenta o candidato José Serra (PSDB) na frente se a eleição fosse hoje, com 46%. Dilma Rousseff (PT) aparece em segundo lugar, com 37%, e Marina Silva (PV), 6%.
Os demais candidatos aparecem com menos de 5%. Na resposta espontânea, na qual os entrevistados não recebem o cartão com os nomes dos candidatos, 38% informaram que estão indecisos.
Dilma obtém melhor desempenho entre os eleitores homens (41%), enquanto as mulheres somam 34%. Já Serra recebeu um percentual maior entre as mulheres: 49% a 43% obtido entre os homens.
Na avaliação do governo Lula, 52% dos entrevistados consideram a atual gestão federal boa e 18%, ótima, somando 70% de aprovação. Outros 24% acham o governo Lula regular, e apenas 5% afirmam que é ruim e péssimo.
O desconforto da crítica :: Daniel Piza
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A crítica sempre foi malvista na cultura brasileira. Nos momentos em que as coisas aparentemente correm melhor, é ainda mais. Qualquer pessoa que destoe do coro otimista é vista como um chato, um estraga-prazeres, um antipatriota. Disso deriva a noção amplamente estabelecida de que a imprensa só deveria servir para divulgar informações, para prestar uma espécie de serviço público, não para externar opiniões e instigar debates. É fato que em muitas culturas há esse desconforto com o senso crítico, mas num país que se acha predestinado à alegria tudo se complica. E isso se reflete na expectativa de um jornalismo que, afora tragédias naturais e crimes bárbaros, apenas ecoe os dados positivos.
Os exemplos se multiplicam em todas as áreas. Na Justiça, há muitas decisões que dão mais importância a formalidades políticas do que à premissa de que a sociedade deve saber o que é feito com seu dinheiro. Veículos como TVs e rádios são proibidos de emitir juízo sobre candidatos durante as eleições. Colunistas são proibidos de usar este ou aquele termo para se referir a uma personalidade pública. Nesta semana, uma lei foi aprovada para que a vetusta Voz do Brasil, um resquício da ditadura getulista, não tenha horário fixo; a obrigatoriedade é que seja transmitida até 23 h. Mas ela não deveria nem ser obrigatória, assim como o horário político gratuito fora de período eleitoral.
Se Fernando Henrique Cardoso se queixava dos "fracassomaníacos", Luis Inácio Lula da Silva vive disparando contra os que "torcem contra", sugerindo que a imprensa é um obstáculo entre a classe política e o povo, de acordo com o mais antigo ideário populista. Ele acha que a imprensa não dá as boas notícias, mas isso é porque, como confessou, não lê os jornais; todo dia há fotos suas, nas mais diversas situações e lugares, e ao menos um índice positivo nas primeiras páginas, em geral vindos de institutos públicos claramente a serviço da propaganda oficial. Se sua popularidade é superior a 73%, em boa parte é por causa da mídia, e não apesar dela. Afinal, se a imprensa é porta-voz da "zelite", é porta-voz da indisfarçável felicidade de banqueiros e empresários com seu governo.
Na cultura, que não é saudável quando não há confronto, mesmo assim não se muda muito. Já ouvi de diversos artistas e diretores que "no máximo algumas ressalvas" são tudo que cabe ao jornalista fazer sobre uma peça ou um filme; caso contrário, ele é alguém que não quer que Shakespeare seja levado às massas... Revistas mensais culturais ou que se dizem literárias, mesmo que copiadas de modelos estrangeiros em que a crítica é fundamental, suprimem o gênero ou lhe dão poucas e escondidas páginas. As artes no Brasil, feitas à base de patrocínios públicos e por famílias muito ricas, querem tudo menos se comprometer. Quando há discordâncias, é de uma patota em relação à outra. Escritores de renome consideram que resenhar livros é uma atividade menor, é comprar brigas por nada.
É claro que no futebol isso fica ainda mais claro, dado o passionalismo inerente a ele. O ex-técnico Dunga, por exemplo, tentou ser a tradução desse momento anticrítico que o Brasil vive. A seleção era dele, era guerreira e era a representação da pátria; falar mal de seu trabalho ou de qualquer aspecto de seu trabalho, portanto, era ser contra a patriamada. Muita gente acreditou que seus treinos fechados e sua proibição de entrevistas fosse um combate a privilégios como os da Globo. Mas, primeiro, a Globo e a CBF têm tudo a ver; o que elas mais querem é induzir o clima ufanista em torno da seleção, e não por acaso todas as versões oficiais sobre fracassos em Copas como as de 1998 e 2006 foram dadas pela TV (e uma dessas versões, sobre a falta de "comprometimento" de Roberto Carlos e companhia, motivou a escolha de Dunga). Segundo, romper com privilégios é abrir mais, não fechar; é fazer como a maioria das outras seleções e permitir acesso organizado a treinos e jogadores. Nunca soubemos o real estado físico de Kaká e Júlio César, por exemplo.
Quando o Brasil venceu o Chile por 3 a 0, bastando três lances para tanto, a aprovação de Dunga foi a quase 70%. Os que escreveram que a seleção nem precisou jogar bem foram xingados do mesmo modo como Dunga xingou o jornalista Alex Escobar, sem ter sido xingado antes. Depois da derrota, porém, os erros que há muito tempo os críticos apontavam - o temperamento de Felipe Melo, a marcação ruim de Michel Bastos, a falta de jogadores jovens - foram reconhecidos. É curioso como Ricardo Teixeira sempre aparece em seguida a um fracasso em Copa e tem o diagnóstico de todos os problemas. Se o Brasil tivesse vencido, o consenso fingiria que os problemas não existiram. Como nas outras áreas, a maioria só adere à crítica quando as coisas vão muito mal. Mesmo assim, vem entremeada de desculpas. A Holanda, afinal, é um timinho...
Blogs e comunidades virtuais em geral são outro sintoma desse mal-estar da crítica. Quando alguém argumenta contra determinadas decisões políticas ou esportivas, ou aponta o que julga serem defeitos num filme ou livro, as reações raramente vêm na forma de argumentos. São insultos e falácias, ou então a crença de que basta apontar um suposto lapso para demolir o raciocínio inteiro. O que está por trás não é o incômodo com aquela opinião (e toda análise contém opinião), mas com a própria existência de uma opinião que não seja a sua. É por isso que tantas das réplicas querem mesmo é que o autor perca seu emprego, de preferência dando lugar ao próprio replicante... O mau leitor é justamente o que acha que o autor serve para dizer apenas o que ele queria dizer.
Sim, os maus críticos fazem mal à crítica também. Muitos autores não conseguem fazer crítica sem cair no ataque pessoal, sem destilar preconceitos, sem desmerecer totalmente o trabalho alheio, sem apontar o dedo para erros banais. Muitas das críticas ao governo Lula caíram no vazio porque sua ênfase era nos adjetivos ao presidente, assim como muitas críticas a jogadores famosos queimaram a língua porque criticavam suas baladas em vez de suas boladas. E pense em quantos artigos com boas causas, como a crítica à arte contemporânea, por exemplo, não estragaram essas causas ao dizer que Picasso não foi um grande pintor (sic!) ou que as instalações nem sequer são "uma linguagem" (mas não são um arranjo de signos?), desprezando qualquer hipótese de seriedade na arte atual.
Como dizia Machado de Assis, opinião assim é fruto do temperamento, não do pensamento. Mas o fato de uma crítica não ser boa não significa que não deva existir - ou que deva ser substituída pela ridicularização do outro. Vide Teoria do Medalhão. Preconceito e desprezo são más críticas; nenhuma crítica é o pior. Onde ela não é valorizada, os poderosos é que determinam o que a história dirá. E serão apenas boas notícias.
Rodapé. Na literatura, por sinal, um dos maiores sucessos de crítica na última década é o chileno Roberto Bolaño, morto prematuramente em 2003, aos 50 anos. Ele começou a publicar aos 40 anos fazendo uma média de um livro por ano, entre contos, novelas, ensaios e romances. A edição póstuma de suas obras em países como EUA e França lhe deu uma reputação intelectual que havia muito um intelectual latino-americano não desfrutava. Gosto muito de livros como Noturno do Chile e Putas Assassinas, mas suas obras mais festejadas nos círculos intelectuais são os romances, Os Detetives Selvagens e 2666. Levei este para a África do Sul e ao longo do mês atravessei suas 850 páginas.
Soube que Bolaño pretendia provar com eles que era capaz de fazer ficção de fôlego, de grande dimensão, não apenas contos e novelas. Deixou instruções para que 2666 fosse publicado em cinco partes, e o fato de ter dado um título ao conjunto justificou que sua família o publicasse num único volume. Mas confesso que achei chato. Bolaño ora assume um tom secamente objetivo, quase relatorial, ora solta sua conhecida verve, sobretudo contra "círculos intelectuais", como fizera em Detetives Selvagens. Mas a energia de sua imaginação crítica se perde na infinidade de referências e em frases sem cor como "Lia um gibi e tinha alguma coisa na boca, provavelmente uma bala" e no abuso de "então" como locução.
Sei que o efeito é intencional, mas os fatos vão se encadeando e os personagens se acumulando, entre cenas de sexo e violência, mas são poucas as recompensas, quer linguísticas, quer existenciais. A história gira em torno da busca de quatro intelectuais mexicanos por um autor recluso, com o pomposo nome Benno von Archimboldi. A última parte, que se passa na Segunda Guerra, ganha do tema uma força maior, apesar de frases como "o amor é a aparência da paz". Desconfio que boa parte do prestígio de Bolaño venha dessas tramas sobre escritores, desse pós-modernismo sem muito artifício. Prefiro muito mais o Bolaño dos livros curtos ou, para ir atrás, Borges e Onetti, cada um em seu estilo.
Por que não me ufano. Depois de tantas idas e vindas, de nomes como Aécio Neves, José Serra fechou com Índio da Costa, do DEM do Rio, como candidato a vice-presidente. Um jovem e desconhecido político, que poderia ser associado a uma campanha como a do Ficha Limpa, ou apenas uma conveniência pelo partido e pelo Estado que ele representa? Dizem que vices não são importantes, mas, enfim, são os que assumem caso o presidente venha a faltar... Enquanto isso, Dilma Rousseff mais uma vez assinou sem ler? O programa do PT para a candidata é de um anacronismo infeliz, que ela logo tratou de rechaçar, mas o cidadão tem todo o direito de pensar que, no fundo, ou caso a situação seja favorável, muitos daqueles conceitos são dela também. Decididamente, 1968 é um ano que no Brasil não terminou.
A crítica sempre foi malvista na cultura brasileira. Nos momentos em que as coisas aparentemente correm melhor, é ainda mais. Qualquer pessoa que destoe do coro otimista é vista como um chato, um estraga-prazeres, um antipatriota. Disso deriva a noção amplamente estabelecida de que a imprensa só deveria servir para divulgar informações, para prestar uma espécie de serviço público, não para externar opiniões e instigar debates. É fato que em muitas culturas há esse desconforto com o senso crítico, mas num país que se acha predestinado à alegria tudo se complica. E isso se reflete na expectativa de um jornalismo que, afora tragédias naturais e crimes bárbaros, apenas ecoe os dados positivos.
Os exemplos se multiplicam em todas as áreas. Na Justiça, há muitas decisões que dão mais importância a formalidades políticas do que à premissa de que a sociedade deve saber o que é feito com seu dinheiro. Veículos como TVs e rádios são proibidos de emitir juízo sobre candidatos durante as eleições. Colunistas são proibidos de usar este ou aquele termo para se referir a uma personalidade pública. Nesta semana, uma lei foi aprovada para que a vetusta Voz do Brasil, um resquício da ditadura getulista, não tenha horário fixo; a obrigatoriedade é que seja transmitida até 23 h. Mas ela não deveria nem ser obrigatória, assim como o horário político gratuito fora de período eleitoral.
Se Fernando Henrique Cardoso se queixava dos "fracassomaníacos", Luis Inácio Lula da Silva vive disparando contra os que "torcem contra", sugerindo que a imprensa é um obstáculo entre a classe política e o povo, de acordo com o mais antigo ideário populista. Ele acha que a imprensa não dá as boas notícias, mas isso é porque, como confessou, não lê os jornais; todo dia há fotos suas, nas mais diversas situações e lugares, e ao menos um índice positivo nas primeiras páginas, em geral vindos de institutos públicos claramente a serviço da propaganda oficial. Se sua popularidade é superior a 73%, em boa parte é por causa da mídia, e não apesar dela. Afinal, se a imprensa é porta-voz da "zelite", é porta-voz da indisfarçável felicidade de banqueiros e empresários com seu governo.
Na cultura, que não é saudável quando não há confronto, mesmo assim não se muda muito. Já ouvi de diversos artistas e diretores que "no máximo algumas ressalvas" são tudo que cabe ao jornalista fazer sobre uma peça ou um filme; caso contrário, ele é alguém que não quer que Shakespeare seja levado às massas... Revistas mensais culturais ou que se dizem literárias, mesmo que copiadas de modelos estrangeiros em que a crítica é fundamental, suprimem o gênero ou lhe dão poucas e escondidas páginas. As artes no Brasil, feitas à base de patrocínios públicos e por famílias muito ricas, querem tudo menos se comprometer. Quando há discordâncias, é de uma patota em relação à outra. Escritores de renome consideram que resenhar livros é uma atividade menor, é comprar brigas por nada.
É claro que no futebol isso fica ainda mais claro, dado o passionalismo inerente a ele. O ex-técnico Dunga, por exemplo, tentou ser a tradução desse momento anticrítico que o Brasil vive. A seleção era dele, era guerreira e era a representação da pátria; falar mal de seu trabalho ou de qualquer aspecto de seu trabalho, portanto, era ser contra a patriamada. Muita gente acreditou que seus treinos fechados e sua proibição de entrevistas fosse um combate a privilégios como os da Globo. Mas, primeiro, a Globo e a CBF têm tudo a ver; o que elas mais querem é induzir o clima ufanista em torno da seleção, e não por acaso todas as versões oficiais sobre fracassos em Copas como as de 1998 e 2006 foram dadas pela TV (e uma dessas versões, sobre a falta de "comprometimento" de Roberto Carlos e companhia, motivou a escolha de Dunga). Segundo, romper com privilégios é abrir mais, não fechar; é fazer como a maioria das outras seleções e permitir acesso organizado a treinos e jogadores. Nunca soubemos o real estado físico de Kaká e Júlio César, por exemplo.
Quando o Brasil venceu o Chile por 3 a 0, bastando três lances para tanto, a aprovação de Dunga foi a quase 70%. Os que escreveram que a seleção nem precisou jogar bem foram xingados do mesmo modo como Dunga xingou o jornalista Alex Escobar, sem ter sido xingado antes. Depois da derrota, porém, os erros que há muito tempo os críticos apontavam - o temperamento de Felipe Melo, a marcação ruim de Michel Bastos, a falta de jogadores jovens - foram reconhecidos. É curioso como Ricardo Teixeira sempre aparece em seguida a um fracasso em Copa e tem o diagnóstico de todos os problemas. Se o Brasil tivesse vencido, o consenso fingiria que os problemas não existiram. Como nas outras áreas, a maioria só adere à crítica quando as coisas vão muito mal. Mesmo assim, vem entremeada de desculpas. A Holanda, afinal, é um timinho...
Blogs e comunidades virtuais em geral são outro sintoma desse mal-estar da crítica. Quando alguém argumenta contra determinadas decisões políticas ou esportivas, ou aponta o que julga serem defeitos num filme ou livro, as reações raramente vêm na forma de argumentos. São insultos e falácias, ou então a crença de que basta apontar um suposto lapso para demolir o raciocínio inteiro. O que está por trás não é o incômodo com aquela opinião (e toda análise contém opinião), mas com a própria existência de uma opinião que não seja a sua. É por isso que tantas das réplicas querem mesmo é que o autor perca seu emprego, de preferência dando lugar ao próprio replicante... O mau leitor é justamente o que acha que o autor serve para dizer apenas o que ele queria dizer.
Sim, os maus críticos fazem mal à crítica também. Muitos autores não conseguem fazer crítica sem cair no ataque pessoal, sem destilar preconceitos, sem desmerecer totalmente o trabalho alheio, sem apontar o dedo para erros banais. Muitas das críticas ao governo Lula caíram no vazio porque sua ênfase era nos adjetivos ao presidente, assim como muitas críticas a jogadores famosos queimaram a língua porque criticavam suas baladas em vez de suas boladas. E pense em quantos artigos com boas causas, como a crítica à arte contemporânea, por exemplo, não estragaram essas causas ao dizer que Picasso não foi um grande pintor (sic!) ou que as instalações nem sequer são "uma linguagem" (mas não são um arranjo de signos?), desprezando qualquer hipótese de seriedade na arte atual.
Como dizia Machado de Assis, opinião assim é fruto do temperamento, não do pensamento. Mas o fato de uma crítica não ser boa não significa que não deva existir - ou que deva ser substituída pela ridicularização do outro. Vide Teoria do Medalhão. Preconceito e desprezo são más críticas; nenhuma crítica é o pior. Onde ela não é valorizada, os poderosos é que determinam o que a história dirá. E serão apenas boas notícias.
Rodapé. Na literatura, por sinal, um dos maiores sucessos de crítica na última década é o chileno Roberto Bolaño, morto prematuramente em 2003, aos 50 anos. Ele começou a publicar aos 40 anos fazendo uma média de um livro por ano, entre contos, novelas, ensaios e romances. A edição póstuma de suas obras em países como EUA e França lhe deu uma reputação intelectual que havia muito um intelectual latino-americano não desfrutava. Gosto muito de livros como Noturno do Chile e Putas Assassinas, mas suas obras mais festejadas nos círculos intelectuais são os romances, Os Detetives Selvagens e 2666. Levei este para a África do Sul e ao longo do mês atravessei suas 850 páginas.
Soube que Bolaño pretendia provar com eles que era capaz de fazer ficção de fôlego, de grande dimensão, não apenas contos e novelas. Deixou instruções para que 2666 fosse publicado em cinco partes, e o fato de ter dado um título ao conjunto justificou que sua família o publicasse num único volume. Mas confesso que achei chato. Bolaño ora assume um tom secamente objetivo, quase relatorial, ora solta sua conhecida verve, sobretudo contra "círculos intelectuais", como fizera em Detetives Selvagens. Mas a energia de sua imaginação crítica se perde na infinidade de referências e em frases sem cor como "Lia um gibi e tinha alguma coisa na boca, provavelmente uma bala" e no abuso de "então" como locução.
Sei que o efeito é intencional, mas os fatos vão se encadeando e os personagens se acumulando, entre cenas de sexo e violência, mas são poucas as recompensas, quer linguísticas, quer existenciais. A história gira em torno da busca de quatro intelectuais mexicanos por um autor recluso, com o pomposo nome Benno von Archimboldi. A última parte, que se passa na Segunda Guerra, ganha do tema uma força maior, apesar de frases como "o amor é a aparência da paz". Desconfio que boa parte do prestígio de Bolaño venha dessas tramas sobre escritores, desse pós-modernismo sem muito artifício. Prefiro muito mais o Bolaño dos livros curtos ou, para ir atrás, Borges e Onetti, cada um em seu estilo.
Por que não me ufano. Depois de tantas idas e vindas, de nomes como Aécio Neves, José Serra fechou com Índio da Costa, do DEM do Rio, como candidato a vice-presidente. Um jovem e desconhecido político, que poderia ser associado a uma campanha como a do Ficha Limpa, ou apenas uma conveniência pelo partido e pelo Estado que ele representa? Dizem que vices não são importantes, mas, enfim, são os que assumem caso o presidente venha a faltar... Enquanto isso, Dilma Rousseff mais uma vez assinou sem ler? O programa do PT para a candidata é de um anacronismo infeliz, que ela logo tratou de rechaçar, mas o cidadão tem todo o direito de pensar que, no fundo, ou caso a situação seja favorável, muitos daqueles conceitos são dela também. Decididamente, 1968 é um ano que no Brasil não terminou.
Hora errada :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Curva não é local para manobras radicais. Mudança de governo é curva. Ao se aproximar dela, o país está vendo governo e governistas mudando o modelo de exploração de petróleo, redistribuindo impostos estaduais, alterando a legislação de proteção ambiental e forçando uma hidrelétrica cuja construção é um impasse de pelo menos 20 anos.
Sobre nada disso há consenso. São áreas conflagradas ou que estão sob alterações que invertem lógicas e exigem novas ponderações. Nada disso pode e deve ser feito num fim de governo e no final de legislatura. O novo modelo do petróleo foi fatiado para melhor passar pelo Congresso. Semana passada, criou-se a nova empresa estatal de petróleo. Questões mais polêmicas como a mudança na distribuição de royalties, que fere profundamente as finanças de Rio e Espírito Santo, e a aprovação de um sistema equivocado de exploração de petróleo ficarão provavelmente para depois das eleições. No caso dos royalties, o governo não quer perder votos no Rio. O novo modelo que o governo propôs tem inúmeros riscos. Se já era inapropriado votar questões controversas assim num período eleitoral, é ainda mais absurdo decidir sobre isso com uma legislatura nos seus estertores. Vários deputados e senadores que votarão nestas questões, no fim do ano, terão perdido as eleições e estarão nos últimos tempos do mandato, sem representatividade para votar em decisões que se projetam para o futuro de forma tão decisiva.
A mudança do Código Florestal é mais do que o cenário de uma briga entre ambientalistas e ruralistas. É uma área em que a ciência tem adicionado evidências de uma questão fundamental para o futuro climático do Planeta. Estudos científicos de órgãos oficiais brasileiros e de universidades públicas fazem alertas sólidos sobre o risco que corre a Amazônia. O desmatamento além de um determinado ponto pode ser um tipping point, ou seja, detonar e apressar a savanização da floresta. O debate foi apequenado pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) quando o colocou como uma luta xenófoba contra supostos conspiradores internacionais, quando se aliou tão indisfarçavelmente a um dos lados do conflito e, principalmente, quando não ouviu a ciência. São muitos os cientistas que escreveram artigos nos últimos dias registrando a insuficiência da consulta a eles na preparação do relatório. Semana passada, o texto foi aprovado por 13 parlamentares na Comissão Especial e está pronto para ir a plenário. O relatório foi feito para atender aos ruralistas, mas agora eles querem mais. Já avisaram que o próximo passo é lutar para que seja reduzida a reserva legal em cada bioma, principalmente na Amazônia. Não basta que sejam anistiados do desmatamento ilegal já feito.
Por tudo o que o mundo mudou nos últimos tempos, é insensato fazer uma radical alteração do Código Florestal na direção de facilitar o desmatamento. Acenar com o perdão de dívidas a desmatadores que têm tanto poder, financeiro inclusive, numa época eleitoral é mais do que inconveniente. Promover a impunidade de quem desmatou e fazer isso em nome de aumentar a área para produção agrícola é um duplo tiro no pé porque incentiva mais desmatamento e aumenta a vulnerabilidade brasileira às barreiras verdes no comércio internacional. E como os especialistas já mostraram, à exaustão, há muita terra ociosa no Brasil que pode ser usada na agricultura por ter sido desmatada para nada, ou usada e abandonada.
A construção de Belo Monte foi imposta como fato consumado de uma forma extraordinariamente autoritária para um governo democrático. Reuniões na Casa Civil impuseram cronograma inapelável ao órgão regulador ambiental, favores excessivos dos cofres públicos garantiram o aparecimento do grupo empresarial que ganhou a licitação, dúvidas técnicas, econômicas, energéticas e ambientais foram soterradas por uma pressa inexplicável. Fundos de pensão de estatais foram constrangidos a viabilizar a usina que tem retorno e custos incertos. É falso dizer que a construção da usina está em debate há 20 anos. A usina é um impasse de 20 anos por inúmeras dúvidas não resolvidas. Passou-se agora um trator de esteira sobre elas. Mas elas cobrarão seu preço durante a construção. Os especialistas prevêem que dificuldades de engenharia e inconsistências nos cálculos dos custos vão levar a novos impasses e atrasos ao longo dos próximos anos. Essa pressa em iniciar mais uma obra de grande porte no finalzinho do governo é de novo estranho. Para dizer o mínimo.
O governo tem que governar até o final do mandato, mas certas decisões mais polêmicas e que trarão reflexos para muito além dele deveriam ser adiadas, mais bem pensadas. Faltam cinco meses e 20 dias para o fim do governo Lula. Não é o momento de mudar regras e modelos que durante os sete anos e meio anteriores ele não mudou.
A pessoa que for eleita este ano presidente do Brasil deve ter a prerrogativa de propor temas polêmicos como esses. No início de um mandato é que o governo faz propostas de mudanças desse porte. O presidente Lula, como tem deixado claro, está mais mobilizado pelo desafio de eleger sua candidata. Foi ele que escolheu prejudicar o fim do seu governo nessa busca de um mandato para Dilma Rousseff. Se ele estiver pensando mesmo em pedir licença do cargo, ficará ainda mais claro que não é o momento de decisões sobre assuntos controversos. Que eles aguardem o próximo governo.
Curva não é local para manobras radicais. Mudança de governo é curva. Ao se aproximar dela, o país está vendo governo e governistas mudando o modelo de exploração de petróleo, redistribuindo impostos estaduais, alterando a legislação de proteção ambiental e forçando uma hidrelétrica cuja construção é um impasse de pelo menos 20 anos.
Sobre nada disso há consenso. São áreas conflagradas ou que estão sob alterações que invertem lógicas e exigem novas ponderações. Nada disso pode e deve ser feito num fim de governo e no final de legislatura. O novo modelo do petróleo foi fatiado para melhor passar pelo Congresso. Semana passada, criou-se a nova empresa estatal de petróleo. Questões mais polêmicas como a mudança na distribuição de royalties, que fere profundamente as finanças de Rio e Espírito Santo, e a aprovação de um sistema equivocado de exploração de petróleo ficarão provavelmente para depois das eleições. No caso dos royalties, o governo não quer perder votos no Rio. O novo modelo que o governo propôs tem inúmeros riscos. Se já era inapropriado votar questões controversas assim num período eleitoral, é ainda mais absurdo decidir sobre isso com uma legislatura nos seus estertores. Vários deputados e senadores que votarão nestas questões, no fim do ano, terão perdido as eleições e estarão nos últimos tempos do mandato, sem representatividade para votar em decisões que se projetam para o futuro de forma tão decisiva.
A mudança do Código Florestal é mais do que o cenário de uma briga entre ambientalistas e ruralistas. É uma área em que a ciência tem adicionado evidências de uma questão fundamental para o futuro climático do Planeta. Estudos científicos de órgãos oficiais brasileiros e de universidades públicas fazem alertas sólidos sobre o risco que corre a Amazônia. O desmatamento além de um determinado ponto pode ser um tipping point, ou seja, detonar e apressar a savanização da floresta. O debate foi apequenado pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) quando o colocou como uma luta xenófoba contra supostos conspiradores internacionais, quando se aliou tão indisfarçavelmente a um dos lados do conflito e, principalmente, quando não ouviu a ciência. São muitos os cientistas que escreveram artigos nos últimos dias registrando a insuficiência da consulta a eles na preparação do relatório. Semana passada, o texto foi aprovado por 13 parlamentares na Comissão Especial e está pronto para ir a plenário. O relatório foi feito para atender aos ruralistas, mas agora eles querem mais. Já avisaram que o próximo passo é lutar para que seja reduzida a reserva legal em cada bioma, principalmente na Amazônia. Não basta que sejam anistiados do desmatamento ilegal já feito.
Por tudo o que o mundo mudou nos últimos tempos, é insensato fazer uma radical alteração do Código Florestal na direção de facilitar o desmatamento. Acenar com o perdão de dívidas a desmatadores que têm tanto poder, financeiro inclusive, numa época eleitoral é mais do que inconveniente. Promover a impunidade de quem desmatou e fazer isso em nome de aumentar a área para produção agrícola é um duplo tiro no pé porque incentiva mais desmatamento e aumenta a vulnerabilidade brasileira às barreiras verdes no comércio internacional. E como os especialistas já mostraram, à exaustão, há muita terra ociosa no Brasil que pode ser usada na agricultura por ter sido desmatada para nada, ou usada e abandonada.
A construção de Belo Monte foi imposta como fato consumado de uma forma extraordinariamente autoritária para um governo democrático. Reuniões na Casa Civil impuseram cronograma inapelável ao órgão regulador ambiental, favores excessivos dos cofres públicos garantiram o aparecimento do grupo empresarial que ganhou a licitação, dúvidas técnicas, econômicas, energéticas e ambientais foram soterradas por uma pressa inexplicável. Fundos de pensão de estatais foram constrangidos a viabilizar a usina que tem retorno e custos incertos. É falso dizer que a construção da usina está em debate há 20 anos. A usina é um impasse de 20 anos por inúmeras dúvidas não resolvidas. Passou-se agora um trator de esteira sobre elas. Mas elas cobrarão seu preço durante a construção. Os especialistas prevêem que dificuldades de engenharia e inconsistências nos cálculos dos custos vão levar a novos impasses e atrasos ao longo dos próximos anos. Essa pressa em iniciar mais uma obra de grande porte no finalzinho do governo é de novo estranho. Para dizer o mínimo.
O governo tem que governar até o final do mandato, mas certas decisões mais polêmicas e que trarão reflexos para muito além dele deveriam ser adiadas, mais bem pensadas. Faltam cinco meses e 20 dias para o fim do governo Lula. Não é o momento de mudar regras e modelos que durante os sete anos e meio anteriores ele não mudou.
A pessoa que for eleita este ano presidente do Brasil deve ter a prerrogativa de propor temas polêmicos como esses. No início de um mandato é que o governo faz propostas de mudanças desse porte. O presidente Lula, como tem deixado claro, está mais mobilizado pelo desafio de eleger sua candidata. Foi ele que escolheu prejudicar o fim do seu governo nessa busca de um mandato para Dilma Rousseff. Se ele estiver pensando mesmo em pedir licença do cargo, ficará ainda mais claro que não é o momento de decisões sobre assuntos controversos. Que eles aguardem o próximo governo.
BNDES atua como orçamento paralelo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Com recursos subsidiados pelo Tesouro, BNDES já desembolsa mais que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
Adriana Fernandes e Fabio Graner / BRASÍLIA
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) se agigantou nos últimos três anos e é responsável hoje por uma espécie de orçamento paralelo do governo Lula. Braço auxiliar da política econômica do governo, o BNDES faz desembolsos maiores do que o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) graças a uma estratégia de repasse de recursos subsidiados pelo Tesouro Nacional.
Todas as principais políticas econômicas adotadas pelo governo têm um pé no banco estatal. Esse novo desenho financeiro de financiamento público ganhou espaço depois da crise financeira internacional de 2008 e tem garantido ao presidente Lula e sua equipe o poder de interferir decisivamente nos principais negócios empresariais de fusão, aquisição e novos investimentos em curso no País. Tudo passa hoje pelo BNDES.
O dinheiro mais barato oferecido pelo BNDES - com a alavancagem subsidiada pelo Tesouro, sem que para isso a União tenha feito uma capitalização nos moldes tradicionais - vem permitindo que as empresas consigam financiamento com taxa de juros muito inferiores à do mercado. Em alguns casos, as taxas até são negativas, abaixo da inflação.
Custo futuro. Essa política garantiu que a taxa de investimento do País voltasse a crescer rapidamente depois do tombo do ano passado, acelerando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na reta final do governo Lula. Por outro lado, abriu o debate sobre o custo no futuro para os cofres do Tesouro e a transparência dessa política de concessão de financiamento barato para as empresas - na maioria grandes conglomerados - em um modelo em que o governo estaria escolhendo vencedores na economia brasileira. Em 2009, os desembolsos bateram recorde com R$ 137,3 bilhões. De janeiro a maio deste ano alcançaram R$ 46 bilhões, com alta de 41%.
Em recente artigo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do BNDES durante o governo FHC, chamou a atenção para a forma como o banco vem operando. Ele chegou a comparar o desenho operacional atual do BNDES à chamada conta-movimento do Banco do Brasil, eliminada em 1986. Por essa conta, o Banco Central transferia recursos ao BB para ampliar empréstimos.
As agências internacionais de classificação de risco e analistas econômicos também têm mostrado preocupação quanto ao impacto dessa estratégia na política fiscal, com o aumento da dívida pública do setor público. Na semana passada, o debate em torno do BNDES esquentou depois que o presidente do BC, Henrique Meirelles, afirmou que a política de subsídios reduz a potência da política monetária e força uma taxa Selic maior para regular a economia, tese compartilhada por muitos economistas.
Em defesa do caminho adotado, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, afirma que o BNDES é um dos principais responsáveis pelo crescimento do País, contribuindo para o controle da inflação ao garantir o aumento da oferta. "As pessoas esquecem que o BNDES dá lucro", disse Augustin, que avaliou como saudável e importante o aumento da integração das relações entre a Fazenda e o banco. "Estamos financiado o crescimento do Brasil e isso será reconhecido mais tarde", disse.
Ocupando espaço. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, avaliou que os benefícios dessa política - em termos de arrecadação tributária, de dividendos do BNDES e de geração de emprego e renda, além de ampliação do potencial de crescimento da economia - superam os custos fiscais dela.
Além disso, ele refutou a tese de que o maior papel do banco tenha motivações políticas. "A atuação do BNDES não tem intenção de elevar a presença do Estado na economia, mas sim sustentar o investimento em um momento de ausência de fontes de recursos para financiar os investimentos e beneficiar o combate à inflação", afirmou.
Barbosa informou que o governo estuda possíveis mecanismos que permitam ao banco captar recursos fora do Tesouro, permitindo a continuidade da atuação do BNDES no longo prazo.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, disse que, a despeito das críticas sobre o custo da política de subsídio aos empréstimos do BNDES, o fato é que ela ajuda o crescimento do País. "O BNDES é o fio condutor do crescimento. Mas, como tudo na vida, isto tem um ônus para o Tesouro, o que é compensado posteriormente com o aumento de receitas."
Procurada, a diretoria do BNDES não foi localizada para se manifestar.
Com recursos subsidiados pelo Tesouro, BNDES já desembolsa mais que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
Adriana Fernandes e Fabio Graner / BRASÍLIA
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) se agigantou nos últimos três anos e é responsável hoje por uma espécie de orçamento paralelo do governo Lula. Braço auxiliar da política econômica do governo, o BNDES faz desembolsos maiores do que o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) graças a uma estratégia de repasse de recursos subsidiados pelo Tesouro Nacional.
Todas as principais políticas econômicas adotadas pelo governo têm um pé no banco estatal. Esse novo desenho financeiro de financiamento público ganhou espaço depois da crise financeira internacional de 2008 e tem garantido ao presidente Lula e sua equipe o poder de interferir decisivamente nos principais negócios empresariais de fusão, aquisição e novos investimentos em curso no País. Tudo passa hoje pelo BNDES.
O dinheiro mais barato oferecido pelo BNDES - com a alavancagem subsidiada pelo Tesouro, sem que para isso a União tenha feito uma capitalização nos moldes tradicionais - vem permitindo que as empresas consigam financiamento com taxa de juros muito inferiores à do mercado. Em alguns casos, as taxas até são negativas, abaixo da inflação.
Custo futuro. Essa política garantiu que a taxa de investimento do País voltasse a crescer rapidamente depois do tombo do ano passado, acelerando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na reta final do governo Lula. Por outro lado, abriu o debate sobre o custo no futuro para os cofres do Tesouro e a transparência dessa política de concessão de financiamento barato para as empresas - na maioria grandes conglomerados - em um modelo em que o governo estaria escolhendo vencedores na economia brasileira. Em 2009, os desembolsos bateram recorde com R$ 137,3 bilhões. De janeiro a maio deste ano alcançaram R$ 46 bilhões, com alta de 41%.
Em recente artigo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do BNDES durante o governo FHC, chamou a atenção para a forma como o banco vem operando. Ele chegou a comparar o desenho operacional atual do BNDES à chamada conta-movimento do Banco do Brasil, eliminada em 1986. Por essa conta, o Banco Central transferia recursos ao BB para ampliar empréstimos.
As agências internacionais de classificação de risco e analistas econômicos também têm mostrado preocupação quanto ao impacto dessa estratégia na política fiscal, com o aumento da dívida pública do setor público. Na semana passada, o debate em torno do BNDES esquentou depois que o presidente do BC, Henrique Meirelles, afirmou que a política de subsídios reduz a potência da política monetária e força uma taxa Selic maior para regular a economia, tese compartilhada por muitos economistas.
Em defesa do caminho adotado, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, afirma que o BNDES é um dos principais responsáveis pelo crescimento do País, contribuindo para o controle da inflação ao garantir o aumento da oferta. "As pessoas esquecem que o BNDES dá lucro", disse Augustin, que avaliou como saudável e importante o aumento da integração das relações entre a Fazenda e o banco. "Estamos financiado o crescimento do Brasil e isso será reconhecido mais tarde", disse.
Ocupando espaço. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, avaliou que os benefícios dessa política - em termos de arrecadação tributária, de dividendos do BNDES e de geração de emprego e renda, além de ampliação do potencial de crescimento da economia - superam os custos fiscais dela.
Além disso, ele refutou a tese de que o maior papel do banco tenha motivações políticas. "A atuação do BNDES não tem intenção de elevar a presença do Estado na economia, mas sim sustentar o investimento em um momento de ausência de fontes de recursos para financiar os investimentos e beneficiar o combate à inflação", afirmou.
Barbosa informou que o governo estuda possíveis mecanismos que permitam ao banco captar recursos fora do Tesouro, permitindo a continuidade da atuação do BNDES no longo prazo.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, disse que, a despeito das críticas sobre o custo da política de subsídio aos empréstimos do BNDES, o fato é que ela ajuda o crescimento do País. "O BNDES é o fio condutor do crescimento. Mas, como tudo na vida, isto tem um ônus para o Tesouro, o que é compensado posteriormente com o aumento de receitas."
Procurada, a diretoria do BNDES não foi localizada para se manifestar.
Tesouro se recusa a informar custo do dinheiro para o banco
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
""Vaivém" de recursos entre banco e Tesouro também ajuda o governo a cumprir metas, como a de superávit primário
Além de emprestar R$ 180 bilhões em títulos ao BNDES - R$ 100 bilhões em 2009 e R$ 80 bilhões em 2010 - com condições subsidiadas (atreladas à TJLP, hoje em 6% ao ano), o Tesouro garantiu um subsídio adicional de R$ 29 bilhões ao equalizar a taxa de juros de uma linha de financiamento para novos investimentos (chamado PSI) de R$ 124 bilhões, com juros de 4,5% a 5,5%.
Na equipe econômica, ninguém informa o custo fiscal desses empréstimos e da operação para equalizar as taxas de juros.
Numa espécie de "vaivém" de transferência de recursos, o Tesouro foi beneficiado com repasses pelo banco que ajudaram no cumprimento da meta de superávit primário das contas do setor público. No último dia de 2009, o governo federal recebeu um reforço de caixa de R$ 3,5 bilhões do BNDES em operação de compra de dividendos que a União tem para receber da Eletrobrás. A operação representou uma antecipação de receita para reforçar o superávit primário das contas do setor público, em um ano de queda na arrecadação.
Em outra manobra para garantir o cumprimento da meta fiscal de 2009, o BNDES havia sido obrigado a devolver ao Tesouro cerca de R$ 4,2 bilhões de subsídios ao setor privado em financiamentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND).
O banco também vem repassando cada vez mais dividendos ao Tesouro. Em 2010, até maio, o BNDES foi responsável por quase a metade dos R$ 8,97 bilhões de dividendos recebidos pelo Tesouro: R$ 4,14 bilhões.
Sem considerar o impacto positivo dos dividendos, um estudo de dois economistas do banco ressalta que o custo fiscal de cerca de R$ 30 bilhões do primeiro empréstimo de R$ 100 bilhões do Tesouro é compensado pelo fato de que a atuação da instituição evitou uma recessão prolongada no País. Este empréstimo teve taxas entre TJLP e TJLP mais 2,5% ao ano, por 30 anos.
O segundo empréstimo, de R$ 80 bilhões, concedido durante a recuperação econômica, teve condições ainda mais favoráveis: prazo de 40 anos, com carência de 20 anos para pagamento do principal.
""Vaivém" de recursos entre banco e Tesouro também ajuda o governo a cumprir metas, como a de superávit primário
Além de emprestar R$ 180 bilhões em títulos ao BNDES - R$ 100 bilhões em 2009 e R$ 80 bilhões em 2010 - com condições subsidiadas (atreladas à TJLP, hoje em 6% ao ano), o Tesouro garantiu um subsídio adicional de R$ 29 bilhões ao equalizar a taxa de juros de uma linha de financiamento para novos investimentos (chamado PSI) de R$ 124 bilhões, com juros de 4,5% a 5,5%.
Na equipe econômica, ninguém informa o custo fiscal desses empréstimos e da operação para equalizar as taxas de juros.
Numa espécie de "vaivém" de transferência de recursos, o Tesouro foi beneficiado com repasses pelo banco que ajudaram no cumprimento da meta de superávit primário das contas do setor público. No último dia de 2009, o governo federal recebeu um reforço de caixa de R$ 3,5 bilhões do BNDES em operação de compra de dividendos que a União tem para receber da Eletrobrás. A operação representou uma antecipação de receita para reforçar o superávit primário das contas do setor público, em um ano de queda na arrecadação.
Em outra manobra para garantir o cumprimento da meta fiscal de 2009, o BNDES havia sido obrigado a devolver ao Tesouro cerca de R$ 4,2 bilhões de subsídios ao setor privado em financiamentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND).
O banco também vem repassando cada vez mais dividendos ao Tesouro. Em 2010, até maio, o BNDES foi responsável por quase a metade dos R$ 8,97 bilhões de dividendos recebidos pelo Tesouro: R$ 4,14 bilhões.
Sem considerar o impacto positivo dos dividendos, um estudo de dois economistas do banco ressalta que o custo fiscal de cerca de R$ 30 bilhões do primeiro empréstimo de R$ 100 bilhões do Tesouro é compensado pelo fato de que a atuação da instituição evitou uma recessão prolongada no País. Este empréstimo teve taxas entre TJLP e TJLP mais 2,5% ao ano, por 30 anos.
O segundo empréstimo, de R$ 80 bilhões, concedido durante a recuperação econômica, teve condições ainda mais favoráveis: prazo de 40 anos, com carência de 20 anos para pagamento do principal.
Soneto do amigo :: Vinicius de Moraes
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
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