quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Vera Magalhães - Quem cala é cúmplice

O Globo

Elogios ao 'silêncio' de Aras e negativas cínicas de Heleno diante da CPI são tentativas intoleráveis de reescrever a História

É cada vez mais comum, e mais imediato, que homens públicos que faltem com a responsabilidade do cargo que exercem tentem reescrever a História para maquiar suas faltas. Nesse mister nada digno, costumam contar com a condescendência dos pares e dos que com eles se relacionam. Os últimos dias foram pródigos em arreganhos dessa natureza, carregados de desfaçatez e rapapés.

A omissão de Augusto Aras diante dos riscos que Jair Bolsonaro, que o nomeou duas vezes para a Procuradoria-Geral da República, ofereceu à democracia e à saúde pública na pandemia foi colocada na conta de um certo silêncio salvador por parte de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

E o general Augusto Heleno, um dos maiores entusiastas do bolsonarismo e das ações para desacreditar as instituições, com insinuações golpistas em relação ao processo eleitoral durante o tempo em que ocupou o estratégico Gabinete de Segurança Institucional, compareceu perante a CPI dos Atos Golpistas para bancar o senhorzinho inocente que nada sabia e minimizar as graves investidas de seu ex-chefe contra o Estado Democrático de Direito e as instituições. Seu depoimento foi um escárnio com os senadores e deputados que integram a comissão e a sociedade.

Elio Gaspari - Bolsonaro e os generais calados

O Globo

O golpe do capitão foi abafado pelo silêncio

Bolsonaro, com meia dúzia de generais palacianos e algumas dúzias de oficiais da reserva, sonhou com um golpe. Tinha ingredientes de outros golpes, mas faltou-lhe o apoio de um tipo de general inescrutável, por calado.

É natural que se dê atenção aos generais que falam. Noves fora o fato de eles quase sempre estarem de pijama, ou no comando de mesas, é impossível ouvir quem não fala.

Como o golpe de 1964, o de Bolsonaro mobilizou alguns milhares de pessoas, mas faltou musculatura a essas manifestações. Quando ela aconteceu, no 8 de Janeiro, descambou para o vandalismo.

Como o de 1968, o golpe foi tramado no Planalto, com a simpatia do ministro da Justiça. A quartelada de Bolsonaro, desde o início, desafiava uma legítima manifestação eleitoral. Esse golpismo teve ajuda de oficiais que sopravam as brasas da contestação das urnas eletrônicas.

O golpe tinha os ingredientes, mas faltava-lhe um eixo. Faltou-lhe sobretudo a unidade rebelada. Em 1964, bem ou mal, o general Mourão Filho comandava uma Região Militar. Mourão desafiou um governo que havia estimulado a indisciplina militar. Bolsonaro desafiava um resultado eleitoral.

Golpes vitoriosos ganham adesões. Golpes fracassados caem no ridículo.

Bernardo Mello Franco – A fantasia de Heleno

O Globo

General encenou estilo mais cordato, mas perdeu a compostura e foi flagrado aos palavrões

O general Augusto Heleno dispensou a farda, mas foi à CPI do Golpe armado de um habeas corpus. Invocou o direito a ficar calado para não se autoincriminar.

O ex-ministro do GSI chegou ao Congresso na defensiva. Um deputado quis saber se ele estava presente quando Jair Bolsonaro orientou um hacker a invadir as urnas eletrônicas. Heleno respondeu que permaneceria em silêncio.

Outro parlamentar perguntou se ele estava no encontro em que os comandantes militares foram instados a rasgar a Constituição. O general olhou para seu advogado e continuou de bico fechado.

Quando aceitou falar, o ex-ministro se esforçou para enrolar a plateia. Disse que o acampamento diante do Quartel-General do Exército era “ordeiro” e “pacífico”. Alegou que os conspiradores só iam ao seu gabinete para “tirar foto”.

Luiz Carlos Azedo - Barraco de Heleno na CPI evita convocação de Garnier

Correio Braziliense

O general falou mais do que deveria, quando poderia ficar calado. Mentiu sobre a participação de Mauro Cid nas reuniões com os comandantes militares

O barraco na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos golpistas do 8 de janeiro, durante o depoimento do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, nesta terça-feira, evitou a discussão da convocação do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha.

Segundo o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, em delação premiada, Garnier teria sido o único comandante militar a apoiar a proposta do então presidente Jair Bolsonaro de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afastar o ministro Alexandre de Moraes do comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Mais uma vez, a reunião da CPMI foi marcada por bate-boca entre deputados. No depoimento do general Augusto Heleno, deputados e senadores bolsonaristas tumultuaram a reunião e interromperam várias vezes os parlamentares governistas. O presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), para controlar o plenário, chegou a expulsar o deputado Abilio Brunini (PL-MT) da sessão.

Zeina Latif - Falta um GPS na política externa

O Globo

Não há dúvidas de que é preciso um plano que estabeleça prioridades e permita que política e economia se reforcem mutuamente

O presidente Lula busca um maior protagonismo do país na cena mundial. Não está claro, porém, o alcance de seus planos. Apesar da popularidade do presidente, o Brasil não tem envergadura econômica suficiente para conduzir transformações na governança global, diluindo a influência das nações ricas. O líder natural do chamado Sul Global seria a China.

Nem sequer a liderança na América Latina está garantida, em meio aos muitos questionamentos de países da região às visões de Lula — a vitória de Javier Milei na Argentina poderá afastar ainda mais a aspiração brasileira.

Com essas limitações típicas de um país muito fechado ao comércio e que cresce pouco, três outros fatores parecem moldar as ações do presidente: o projeto pessoal, que inclui a defesa de sua biografia, a ideologia antiamericana do PT e a diplomacia econômica.

Fernando Exman - O Supremo Tribunal Federal sob nova gestão

Valor Econômico

Luís Roberto Barroso assume o posto com o desafio de ajudar no processo de pacificação do país

Com vista para a Praça dos Três Poderes, o amplo gabinete que o ministro Luís Roberto Barroso passará a despachar a partir dessa quinta-feira (28), depois de tomar posse na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), carrega as lembranças do 8 de janeiro.

Sua antecessora no cargo, Rosa Weber, reconstruiu todo o local. Mas é inegável que a gestão da ministra foi marcada pela tentativa de golpe e pela reação das instituições em defesa do Estado Democrático de Direito, assim como o próprio 8 de janeiro acaba influenciando o planejamento estratégico do presidente que agora toma posse nesta semana.

Barroso assume o posto com o desafio de ajudar no processo de pacificação do país, equilibrando-se entre a exposição e a responsabilidade que a nova função lhe confere.

Lu Aiko Otta - Lula manda recado contra fogo amigo

Valor Econômico

Não há dúvidas no entorno de Haddad que partiu das próprias linhas do governo a ideia de modificar a meta fiscal de 2024

Concretizar as medidas que conduzirão as contas públicas ao déficit zero em 2024 será importante para reduzir incertezas que afetam a inflação e os juros. A mensagem está na ata da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem.

Diz o documento que, antes, a incerteza recaía sobre o desenho do novo arcabouço fiscal. Agora, falta colocá-lo em pé.

“Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas”, afirma.

Pode parecer uma bronca. No Ministério da Fazenda, isso foi visto como um alinhamento. O Banco Central, avaliou um integrante da equipe, se colocou como um aliado.

Christopher Garman* - Popularidade de Lula mitiga riscos

Valor Econômico

A aprovação de Lula pode ser vista como a maior surpresa política do ano

As expectativas do mercado financeiro sobre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se assemelham a um passeio em uma montanha-russa. No primeiro trimestre, quando ele lançava críticas ferozes à política monetária e encaminhou uma expansão fiscal significativa, temia-se que o governo caminhasse para um populismo econômico sem freios. À medida em que as diretrizes capitaneadas pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad prevaleciam, entretanto, essa preocupação diminuiu. O endosso presidencial ao marco fiscal e à manutenção da meta de inflação em 3% ajudou a reancorar as expectativas inflacionárias, impulsionou os preços dos ativos e facilitou o início da queda da Selic.

Marcelo Godoy - A ‘mordomie’ e a ministra

O Estado de S. Paulo

Quando a ameaça de demissão não mais constrange é porque a degradação se tornou normal

Aos 86 anos e com sua saúde debilitada, o papa Francisco deixou o Vaticano no domingo e se dirigiu ao Palazzo Madama, sede do Senado italiano, em Roma. Ali se postou em silêncio e rezou diante do caixão de um ateu e ex-comunista, que expressara a vontade de ter um enterro laico. Era Giorgio Napolitano, o único político a ser eleito duas vezes presidente da Itália.

Francisco é o papa da encíclica Fratelli Tutti (Todos irmãos). Ele afirmou: “Às vezes aqueles que dizem não crer podem viver a vontade de Deus melhor do que os crentes”. A gravidade do momento parecia reconciliar as duas grandes forças políticas que conduziram a Itália no pós-guerra: a Democracia Cristã e o Partido Comunista. Não é preciso saber que nem a racionalidade, nem a sociedade ou as normas e valores podem ter uma existência fora da linguagem para se compreender o alcance do gesto. A importância da autoridade também está no exemplo.

Nicolau da Rocha Cavalcanti* - Um deboche míope

O Estado de S. Paulo

A maioria dos brasileiros que estão hoje nos presídios não dispôs de uma defesa adequada. Isso é o que deve nos escandalizar

Surpreendeu-me a reação de deboche de parte do campo progressista com o equívoco de um advogado durante o segundo julgamento do 8 de Janeiro, confundindo O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, com O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry.

A esta altura, é mais do que evidente que os processos do 8 de Janeiro não têm nada de excepcionais quanto ao comportamento da Justiça. Ainda que possuam características próprias, eles são reflexo fidedigno do modo como o sistema penal funciona habitualmente. Inquéritos com investigação insuficiente, prisões preventivas mal fundamentadas, denúncias genéricas, defesas tecnicamente deficientes e sentenças desproporcionalmente pesadas não são exceções no dia a dia da Justiça.

É uma realidade conhecida há séculos – denunciada por nomes como Cesare Beccaria (1738-1794), Georg Rusche (1900-1950) e Otto Kirchheimer (1905-1965) –, mas fingimos não vê-la. Além de violar direitos, o sistema penal não cumpre suas funções declaradas. Ele é radicalmente perverso com o réu. Mesmo quando o caso – eis a triste constatação – é julgado pela mais alta Corte do País.

Vinicius Torres Freire - Mais notícias sobre a tentativa de golpe militar de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Espalham-se histórias de que generais ouviram Bolsonaro pedir golpe. E não o denunciaram

Desde que vazou a possível delação premiada de "Cid, el golpeador", aparecem relatos de que o general Freire Gomes peitou a convocação de golpe de Jair Bolsonaro; que informou a militares próximos que Bolsonaro tratava de golpe com comandantes das Forças Armadascomo relatou esta Folha.

Freire Gomes não negou tais histórias até agora. Não negou que era corriqueiro Bolsonaro pedir ou convocar golpe. Se é o caso, há uma lista de militares prevaricadores ou cúmplices a investigar.

A mera tentativa de golpe é crime. Perguntar se o comando militar vai aderir a um golpe é tentativa de golpe. É crime. Está pelo menos na Lei do Impeachment.

Freire Gomes foi comandante do Exército no governo das trevas (2019-2022). Cid, "el golpeador", é, claro, o tenente-coronel Mauro Cid, esse trambiqueiro que era lacaio de Bolsonaro. Cid, o oficial-superior da muamba, disse que esteve em uma reunião em que se discutia uma das "minutas" de golpe que circulavam no governo Bolsonaro. Minuta de golpe no governo Bolsonaro era como "barata avoa" em dia quente de lugar sujo.

Wilson Gomes* - Nas guerras morais, professores são alvos fáceis dos radicais

Folha de S. Paulo

Radicalismo identitário é tão obscurantista quanto o bolsonarismo

Para o bolsonarismo, a universidade representou um problema.

Aos conservadores de direita incomoda a existência de um setor influente da sociedade no qual o predomínio dos progressistas não é desafiado há décadas. Além disso, não lhes parece certo que toda a sociedade pague por um sistema que, no fundo, seria um aparelho ideológico para reproduzir progressistas e esquerdistas. Daí a insistência retórica em representações da universidade como centro de "doutrinação ideológica", de formação em "ideologia de gênero" e, enfim, de balbúrdia e outras imoralidades.

Nos quatro anos de governo Bolsonaro, as universidades federais comeram o pão que o diabo amassou. A ideia era colocar um cabresto na autonomia universitária, reprimir e punir tanto a resistência acadêmica ao bolsonarismo quanto as liberalidades e liberdades universitárias, garrotear as instituições com severos cortes de verbas, além, enfim, de interferir acintosamente para garantir reitores bolsonaristas.

Mariliz Pereira Jorge - Hostilidade, despreparo e demissão no Ministério da Igualdade

Folha de S. Paulo

'Abjeto' é o mínimo que se pode dizer do comportamento das assessoras

Hostilidade gratuita, falta de decoro, despreparo para o serviço público. Não é preciso esforço para enquadrar o comportamento de assessoras do Ministério da Igualdade Racial durante viagem oficial à final da Copa do Brasil, em São Paulo. Abjeto, no mínimo.

Na pauta, a assinatura de um protocolo de intenções contra o racismo no futebol. Na prática, servidores deslumbrados e sem postura profissional na audiência do jogo entre São Paulo e Flamengo. Marcelle Decothé, exonerada nesta terça (26), dava expediente na pasta comandada por Anielle Franco e usou as redes sociais para, numa tacada, debochar da torcida são-paulina, dos paulistas, da diretoria do Flamengo, da CBF e da Polícia Federal.

Hélio Schwartsman - Prêmio Stálin

Folha de S. Paulo

Autoridades vêm se excedendo em interpretações que falsificam a história

Algum filantropo precisa instituir o prêmio Stálin de adulteração da história. A disputa pelo galardão seria acirradíssima.

No mês passado, Lula, comentando o arquivamento de uma ação de improbidade contra Dilma pelo TRF-1, afirmou que a decisão provava que as pedaladas fiscais que levaram ao impeachment da ex-presidente nunca existiram. Na verdade, os desembargadores concluíram apenas que a ação não era cabível, porque Dilma já fora punida por essa mesma conduta com o afastamento no foro adequado, que é o Senado.

Bruno Boghossian - Toffoli e Aras exibem vício numa política de acomodação

Folha de S. Paulo

Homenagem ao silêncio diante de ameaça golpista mostra que blindagem pode ser duradoura

Quando sentiu o cheiro da vitória de Jair Bolsonaro em 2018, Dias Toffoli piscou para a turma do capitão. Em setembro, o então presidente do STF nomeou como assessor um general com trânsito privilegiado na cúpula do Exército. Às vésperas do primeiro turno, o ministro chamou de "movimento de 1964" o golpe que instalou uma ditadura no país.

A ideia de Toffoli, segundo auxiliares, era se posicionar como um amortecedor. O ministro considerava que Bolsonaro e os militares representavam um risco de choques institucionais. Nesse cenário, seria prudente apresentar o Supremo como parceiro, não como inimigo.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Ação no STF pode resolver impasse dos precatórios

O Globo

Sugestão da AGU embute riscos, mas tem o mérito de tentar reconhecer um passivo hoje fora da contabilidade

Será ainda preciso examinar as minúcias da iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU) para levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a questão das dívidas da União reconhecidas pela Justiça sem possibilidade de recurso — os precatórios. Mas, ainda que traga riscos, a ideia tem potencial para resolver um problema herdado do governo Jair Bolsonaro que só tende a se agravar no futuro.

Até 2021, a União pagava os precatórios em dia, como manda a lei. Para ter mais dinheiro à disposição, Bolsonaro obteve do Congresso permissão para adiar os pagamentos. A desculpa era a necessidade de garantir recursos a seu programa de transferência de renda, então chamado Auxílio Brasil. Com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, ficou estabelecido um teto para os pagamentos. O montante acima do limite foi empurrado para os anos seguintes.

Poesia | Se eu pudesse - Fernando Pessoa

 

Música | Laura Kleinas - Samba em Preludio (Vinicius de Moraes e Baden Powell)