segunda-feira, 11 de maio de 2020

Opinião do dia - Norberto Bobbio*

Constituição italiana era mais do que um texto jurídico. Para um país que saíra da barbárie do fascismo, era “um compromisso, necessário e a longo prazo benéfico, entre forças políticas apoiadas em ideias morais e sociais diferentes, algumas vezes até opostas”. O que se espera da Constituição é que ela defina as regras do jogo. Mas o modo como um governo se conduz nesse jogo, “se deve colocar-se mais à esquerda ou mais à direita, se deve ir ao ataque ou fechar-se na defesa, nenhuma Constituição o pode estabelecer”

Deixo para os fanáticos, aqueles que desejam a catástrofe, e para os insensatos, aqueles que pensam que no fim tudo se acomoda, o prazer de serem otimistas. O pessimismo é um dever civil. (...) Só um pessimismo radical da razão pode despertar com uma sacudidela aqueles que, de um lado ou de outro, mostram que ainda não se deram contam de que o sono da razão gera monstros”.

*Bolsonaro e o pessimismo da razão*, Editorial do Estado de S. Paulo, 10/5/2020.

Fernando Gabeira - Bolsonaro perde bonde do corona

- O Globo

Ele apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump

Confesso que não fiquei tão perplexo com a ida de Bolsonaro ao STF levando um grupo de empresários. Acredito que, tanto quanto eu, ele não esperava nenhuma solução para o problema que levantava: a volta às atividades econômicas.

O objetivo de Bolsonaro era mostrar que estava trabalhando pela economia. Para isso, levou uma equipe de TV e transmitiu o encontro ao vivo, para surpresa do próprio STF. Um golpe de propaganda, nada mais. Interessante como Bolsonaro consegue perder os bondes nessa luta contra o coronavírus.

Perdeu o primeiro, quando se isolou, negando a importância da pandemia, criticando o trabalho de governadores e prefeitos. Uma nova oportunidade de liderança e alinhamento se abriria para ele, no processo de volta às atividades. Compete ao presidente unir governadores e prefeitos em torno de um detalhado plano de retomada.

Dois dias antes de Bolsonaro ir ao Congresso, Angela Merkel reuniu as lideranças regionais para definir e modular um plano de volta.

Ana Maria Machado - Lerdeza fatal

- O Globo

Podíamos ter distribuído a prosperidade quando crescíamos

Mário Henrique Simonsen ensinou que o sistema social menos imperfeito é o que sabe corrigir mais rápido seus erros. Chamava a atenção para um aspecto novo no mundo, lá nos anos 1970: não mais o grande a engolir o pequeno, mas o veloz a devorar o lerdo.

A pandemia escancara como viemos perdendo tempo pelos anos afora e mantendo esta desigualdade escandalosa. Nas reformas estruturais, por exemplo. Sempre adiadas e combatidas por corporativismos que impedem seu alcance na redistribuição de oportunidades. A eleitoral e a tributária empacaram. As que foram aprovadas, tímidas, sofreram com espertalhões garantidores de privilégios e enxertadores de jabutis.

Podíamos ter distribuído a prosperidade quando crescíamos. Agora a urgência do vírus exibe o abismo social acintoso. É inaceitável manter isenção fiscal para igrejas e empresários selecionados. Hipersalários para superfuncionários. Ou tolerar a inadimplência de ocupantes de imóveis da União (que chega a quase um bilhão de reais).

Cacá Diegues - Sonhos impossíveis

- O Globo

Às vezes, eu tenho quase certeza de que o presidente é um homem mau, que pratica a maldade social

O presidente Jair Bolsonaro não é mais apenas um trambolho em nossas vidas. Nesses meses de coronavírus, ele se tornou um pesadelo do qual está difícil acordar, ele não deixa. Assim que começamos a rir da desgraça que ele disse ou fez na semana passada, o presidente capricha na próxima besteira e não nos deixa esquecer a importância que ele tem, pelo que ele é, em nossas vidas. De minha parte, esbarro sempre nessa ideia de que ele foi eleito democraticamente, dentro das regras democráticas do país. Só nos resta, portanto, esperar pacientes e atentos pelos dois anos e meio que faltam para que ele complete seu mandato. A não ser que congressistas e juízes nos apareçam com motivos sérios e legais, para que ele sofra um impedimento. Mas não sei se um terceiro impeachment, em tão pouco espaço de tempo, fará bem ao país. Não sei.

Nunca vivi período político tão insuportável como este. Mesmo durante a ditadura militar, que durou 21 anos, nós sempre alimentamos alguma esperança e a fluida sensação, inventada talvez por necessidades psíquicas, de que o pior já tinha passado. E ainda havia, muito de vez em quando, inesperados sinais de que alguma coisa, afinal de contas, marchava em boa direção. Como foi, por exemplo, o tratamento dado ao cinema, durante o governo do general Ernesto Geisel, promovido pelo ministro Reis Velloso. Era como se o país estivesse ocupado por quem não devia; mas a nação estava lá, esperando que um dia a tomássemos nos braços.

Entrevista | Batalha das narrativas

Para Karoline Postel-Vinay, especialista em narrativas nas relações internacionais do Instituto de Estudos Políticos de Paris, a política 'tem horror à zona vaga das incertezas'

Fernando Eichenberg, especial para O Globo

PARIS – Diante das incertezas científicas que cercam a pandemia da Covid-19, multiplicam-se as narrativas políticas que buscam, por necessidade ou oportunidade, conferir coerência ao enfrentamento da crise, observa a cientista política Karoline Postel-Vinay. Especialista no estudo de narrativas nas relações internacionais, tema de seu próximo ensaio, a analista do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po) afirma que a política “tem horror à zona vaga de incertezas”, terreno no qual não sobrevive.

No caos mundial provocado pelo coronavírus, governos nacionais, organismos internacionais e movimentos de opinião criam seus próprios discursos, em uma “batalha de influências” que, segundo prevê, será ainda mais acirrada no período pós-crise.

Qual a diferença entre as narrativas políticas por necessidade e por oportunidade nesta crise pandêmica?

A necessidade ocorre quando há políticas públicas a serem aplicadas, porque a saúde é um setor soberano, e os governos nacionais são os primeiros a terem de agir. As organizações internacionais também, como o Banco Mundial ou a União Europeia (UE), mas não estão linha de frente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não aplica políticas públicas, envia mensagens e recomendações. Existe a necessidade de uma aplicação de políticas públicas, com coerência, enquanto ainda não se têm todos os dados científicos e há grandes zonas de incertezas.
A oportunidade é quando já existe uma mensagem política que se quer desenvolver ainda mais, e esta situação de crise é uma oportunidade para promover certas narrativas, que não são totalmente novas. Penso que mais nos aproximarmos de um fim da crise, mais estes momentos de oportunidade vão se desenvolver. Já se vê isso nos debates em torno de como será o mundo no pós-crise. Na França, o presidente Emmanuel Macron já abriu a via para isso ao dizer que sairemos transformados desta crise, “eu em primeiro”. E quando se diz que o mundo será diferente, evidentemente se está completamente na mise-en-scène narrativa do pós-crise, não no dado científico.

As narrativas, segundo sua análise, se sustentam menos em uma verdade do que em uma plausibilidade.

A noção de plausibilidade é de Roland Barthes, que a usou para falar de narrativas em um sentido mais filosófico-literário nos anos 1970. O filósofo Paul Ricoeur e outros também desenvolveram toda uma teoria da narrativa. É o meu tema nas relações internacionais, e o utilizo no contexto político. Os teóricos da narrativa disseram que cada indivíduo é confrontado a um conjunto de acontecimentos e dados, e tenta dar um sentido geral a tudo. E a isso se acrescentam as crenças de suas sociedades. Hoje, estamos em uma zona vaga de incertezas, a começar pelos epidemiologistas. E não se faz política com incertezas. A política tem horror deste vazio e desta zona vaga, não sobrevive neste terreno. Então é preciso dar um sentido. Quando se deve administrar um espaço nacional – e também internacional -, se é obrigado a habitar esta zona, preenchê-la. É a própria natureza da política que leva a isso. Qual a verdade do grande debate atual saúde x economia? É preciso organizar uma narrativa que vá produzir algo plausível, que tenha um sentido, seja coerente. Há várias dimensões nesta crise.

Ricardo Noblat - O direito do distinto público de conhecer melhor quem o governa

- Blog do Noblat | Veja

Mostre o vídeo, Celso de Mello

Há muito mais a ser provado pelo vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último do que somente a denúncia feita pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro ameaçou demiti-lo se não trocasse o superintendente da Polícia Federal no Rio.

Bolsonaro queria também a troca do superintendente da Polícia Federal em Pernambuco, sabe-se lá por quê. Mas foi por meio de mensagem remetida a Moro em grupo de WhatsApp que ele tratou do assunto. Quanto a troca no Rio, ela favoreceria sua família em apuros com a Justiça.

É verdade, por exemplo, que o Ernesto Araújo, o sagaz ministro das Relações Exteriores, disse na reunião que o Covid-19 fora criado em laboratório para que a China pudesse depois dominar o mundo? E que batizou-o de “comunavírus”, provocando uma gargalhada de Bolsonaro?

A China, mas não somente ela, tem interesse em conferir se isso de fato aconteceu. Maior parceiro comercial do Brasil, a China anda agastada com o governo Bolsonaro desde que o deputado Eduardo, um diplomata nato e às vezes incompreendido, acusou-a de ter fabricado o vírus.

*Marcus André Melo - Weak strongman

- Folha de S. Paulo

Por que Bolsonaro fez pouco caso da pandemia?

A resposta canônica de líderes iliberais frente à pandemia é apontar a magnitude da ameaça como justificativa para a concentração de poder. O caso exemplar é o de Viktor Orbán na Hungria, que governa virtualmente por decreto.

Bolsonaro, Trump, e Johnson (este mais bufão que iliberal), no entanto, fizeram pouco caso dela.

Este paradoxo pode ser explicado pelo fato de que os dois últimos depararam-se com ameaças —impeachment e Brexit— que precediam a pandemia. Contavam com maiorias parlamentares disciplinadas: Trump foi inocentado no Senado, onde tem maioria; apenas um senador de seu partido (Mitt Romney) votou a favor. Contudo deparavam-se com checks and balances robustos e opinião pública ativa.

Bolsonaro é liderança iliberal hiperminoritária, o que é um oxímoro. Mas a contradição desfaz-se quando se examina as condições excepcionais de sua ascensão: a formação de uma maioria negativa que o rejeitava menos que o rival. Sua crescente vulnerabilidade explica a aliança com o centrão. Ela fortalece seu escudo legislativo (em equilíbrio instável), mas piora a popularidade. Ele também se depara com instituições de controle que adquiriram densidade.

*Celso Rocha de Barros - Bolsonaro é o centrão armado

- Folha de S. Paulo

Presidente está comprando o centrão para aprovar pautas autoritárias e, sobretudo, para evitar o impeachment

O ex-deputado Roberto Jefferson postou uma foto em que carrega um fuzil e se diz pronto para defender o Brasil do comunismo sob as ordens de Jair Bolsonaro.

Sem querer, produziu a melhor síntese do bolsonarismo até agora: o bolsonarismo é o momento em que a corrupção brasileira passou do furto ao assalto à mão armada.

Não foi, a propósito, o primeiro contato do ex-deputado com a extrema direita. Vamos lá, tente adivinhar, o que foi que Roberto Jefferson fez antes com a extrema direita? Resposta no próximo parágrafo.

Você acertou, ele roubou da extrema direita. Em 19 de março de 2010, Jefferson publicou um artigo na seção Tendências/Debates deste jornal, em que argumentava que era a ideologia esquerdista que fazia o PT roubar. Não se sabe que ideologia o inspirou nesse caso, mas o fato é que o artigo era roubado: era plágio de um artigo de Olavo de Carvalho, que escreveu à Folha no dia seguinte reclamando. Jefferson colocou a culpa em “um antigo colaborador”.

O centrão, a propósito, sempre teve uma facção armada, a bancada da bala.

Vinicius Mota - Depois da catástrofe

- Folha de S. Paulo

Pandemia desafia intuição humana, premia paciência e catapulta valor da vacina

A Guerra Fria suscitou pesadelos de aniquilação nuclear e estimulou especulações sobre como seria a vida na Terra após a detonação das ogivas do apocalipse.

A pandemia da Covid-19 não chega perto do que teria sido aquele drama, mas, como poucos acontecimentos na história recente, ela risca no chão de todos os rincões do planeta um antes e um depois.

E com o que se parece, até aqui, o saldo do “dia seguinte” a essa transformação global? Com a vista ainda embaçada pela fumaça opaca e a chuva escura, eis alguns esboços grosseiros:

1. Fomos castigados pelas armadilhas da matemática. Quando cada infectado transmite o vírus a 4 pessoas num período de 14 dias, menos de quatro meses separam o caso mil do 90 milhões. Não há intuição humana capaz de captar adequadamente tamanha disparada.

Leandro Colon - O jogo Bolsonaro x Moro é político

- Folha de S. Paulo

Se o presidente cometeu crime, é problema da PGR; à mesa agora está uma série de elementos políticos graves

Há um movimento em Brasília de desqualificação do depoimento de Sergio Moro à Polícia Federal.

Críticas vêm de advogados de enrolados com a Lava Jato, de parlamentares que integram um Congresso pouco simpático ao ex-juiz e de magistrados de tribunais superiores que nunca morreram de amores por ele.

Os ataques do Planalto à oitiva não contam, afinal Jair Bolsonaro é o alvo dela. O entorno de Augusto Aras, escolhido por Bolsonaro para chefiar a Procuradoria-Geral da República, tem diminuído nos bastidores a importância do relato à polícia.

É fato que Moro frustrou quem esperava algo bombástico. Não foi assim. Não houve um petardo desconcertante em Bolsonaro. Se o presidente cometeu crime, é um problema da PGR e do STF identificá-lo. À mesa agora está uma série de elementos políticos bem graves.

Fernando Collor sofreu impeachment em 1992 e foi absolvido pelo Supremo. Dilma Rousseff foi retirada do Palácio do Planalto em 2016 com base nas pedaladas fiscais, mas pouco sofreu na esfera penal.

*Ruy Castro - Mesas atoalhadas

- Folha de S. Paulo

Os endereços da história, eternos na sua fragilidade, ameaçados pelo coronavírus

O Bar Luiz, restaurante alemão da rua da Carioca, já tinha dois anos em 1889 quando caiu a Monarquia. Sua strudel pode ter alimentado muitas conspirações republicanas. Nos séculos seguintes, ele atravessou o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos, a gripe espanhola, duas guerras mundiais (com a Alemanha como vilã e pondo à prova o amor do carioca pelo seu chope), a Revolução de 1930, duas ditaduras, as obras do metrô (que arrasaram o Centro da cidade) e dezenas de planos econômicos, inclusive um confisco que drenou o dinheiro em circulação. O Bar Luiz sobreviveu a tudo isso. Mas não sabe se, aos 133 anos, sobreviverá ao coronavírus.

Essa crônica da resistência foi levantada há dias pela repórter Raphaela Ribas no Globo, citando também o Café Lamas, ainda mais antigo, 146 anos, e mais histórico. O Lamas está tentando compensar com um serviço de entregas a quebra de 75% no faturamento. O Bar Luiz, já combalido pela ganância do dono do imóvel, um banco, está fechado. O Rio sabe o peso desses endereços em sua memória.

*Bruno Carazza - O powerpoint, os tweets e os guarda-costas

- Valor Econômico

Na aventura autoritária de Bolsonaro, não há projeto de país

Ao longo das últimas semanas Bolsonaro e seus seguidores têm flertado com uma quebra institucional. A presença do presidente em manifestações pedindo a intervenção militar e um novo AI-5, a intimidação ao Supremo Tribunal Federal (STF) com uma visita inesperada escoltado por representantes da elite industrial, os ataques reiterados à imprensa, a demissão de seus ministros civis com maior apoio popular e a nomeação de militares da ativa em toda a Esplanada dos Ministérios, a cooptação da base parlamentar mais fisiológica, a interferência na Polícia Federal, o incitamento de suas milícias virtuais para que invadam as ruas em meio às recomendações de isolamento social - são muitos os movimentos na direção de uma solução autoritária para a crise criada por sua própria incompetência gerencial.

Aqui e ali, nas duas bolhas que dividem o país, ressurgem comparações entre o momento que atravessamos e o clima que levou ao golpe de 1964. Sem dúvida a tática de Bolsonaro de se cercar de militares, das forças políticas mais conservadoras e de parte da elite empresarial para testar os limites de nosso regime republicano guarda semelhanças com o que aconteceu no início dos anos 1960. No entanto, três episódios ocorridos nas últimas semanas ilustram o vazio dessa aliança militar, política e empresarial que Bolsonaro pretende construir em torno de seu projeto autoritário de poder.

Alex Ribeiro - Corte de juro com sabor de aperto

- Valor Econômico

Banco Central gora parece menos preocupado com as condições financeiras

Até alguns economistas e operadores do mercado que defendiam cortes mais agressivos de juros reconhecem, de forma reservada, que a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada não proporcionou todos os benefícios esperados. Em muitos aspectos, teve o sabor de aperto nas condições financeiras. Faltou, para eles, comunicar melhor a estratégia de política monetária.

O Banco Central havia sinalizado, em conversas fechadas com participantes do mercado, a intenção de cortar os juros em 0,75 ponto percentual, por isso as apostas inicialmente se concentravam em um movimento dessa magnitude. Depois da saída do governo do ministro da Justiça, Sergio Moro, as chances ficaram divididas entre 0,75 ponto e 0,5 ponto. Muitos achavam que o BC, que até então vinha se mostrando conservador, não iria tomar riscos excessivos num ambiente mais incerto.

Mas, ao final, a decisão do Banco Central foi bem mais ousada: cortou 0,75 ponto e sinalizou que caminha para fazer outro corte na mesma magnitude na próxima reunião, de junho. Na prática, encomendou um corte de 1,5 ponto percentual, embora de forma envergonhada.

Mais do que a decisão em si, especialistas do mercado veem uma mudança na postura do Banco Central. Até a reunião de março, o comitê estava muito preocupado com o risco de que cortes de juros fossem contraproducentes, levando a um aperto nas condições financeiras. O comunicado da reunião da semana passada exclui essas preocupações, que constavam na versão do documento de março. “É algo que parece ter sido superado dentro do BC”, diz um gestor de fundos de investimento multimercado. Sem essa amarra, em tese não há limites para a queda dos juros, dentro da lógica do sistema de metas para a inflação.

*Ricardo Abramovay - Lições da pandemia para a crise climática

- Valor Econômico

Ao contrário do coronavírus, as emissões de gases de efeito estufa não respeitam o fechamento de fronteiras

A “Eu sabia que havia cem casos de coronavírus na França e estava para viajar àquele país. Eu sabia também que a evolução da doença era exponencial. Eu nem considerei o fato de que se a taxa de infecção estivesse dobrando a cada três dias, em um mês, o número inicial de infectados seria multiplicado por mil. Tudo isso está além de nossa compreensão intuitiva. Inclusive da minha”.

O depoimento à revista New Yorker seria trivial, não fosse o fato de que ele vem de ninguém menos que Daniel Kahneman, psicólogo, autor de “Rápido e Devagar” e contemplado com o Nobel de Economia em 2002, por mostrar o quanto nossos comportamentos distanciam-se da imagem canônica do homem econômico racional. Seu trabalho inspirou as pesquisas de importante vertente do pensamento social contemporâneo, voltada ao estudo da maneira como as pessoas se comportam diante do risco.

Um de seus mais importantes discípulos, Paul Slovic, abriu caminho a estudos que buscam explicar as bases psicológicas a partir das quais nos relacionamos com os riscos e sobretudo com os riscos resultantes de tecnologias industriais. No que se refere ao coronavírus, Slovic, ilustra o crescimento exponencial mostrando que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o tempo entre o primeiro caso da doença e a marca de cem mil atingidos foi de 67 dias. Outros cem mil casos foram registrados 11 dias depois. E levou apenas quatro dias para que mais uma leva de 100 mil pessoas adoecessem.

Entrevista | Marina Silva: ‘Presidente está esfacelando qualquer forma de ação conjunta’

Marina Silva (Rede), ex-ministra e ex-senadora

Ex-ministra critica ação de Bolsonaro durante crise, diz que governo aposta no caos e vê crime de responsabilidade

Vinícius Valfré | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O “e daí?” que o presidente Jair Bolsonaro deu como resposta, no início do mês, a uma pergunta sobre as mais de 5 mil mortes causadas pelo novo coronavírus até então, teve um significado especialmente amargo para a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (Rede) – ontem, foram confirmadads 11.123 vítimas fatais da doença. Na adolescência, no Acre, ela viu familiares e vizinhos perderem as vidas nas epidemias de sarampo e malária. Ela descreve “um sentimento triplo de tristeza, vergonha a indignação por ter um presidente que, em um momento como esse, é capaz de, em atitude de desrespeito e de falta de humanidade, dizer que não tem a ver com isso porque não faz milagre”, afirmou. Em entrevista concedida ao Estadão na semana passada, Marina Silva afirma ver crime de responsabilidade nas atitudes do presidente. Segundo ela, é preciso “sabedoria” para conduzir um eventual processo de afastamento do presidente sem fragilizar a saúde pública nem o socorro a quem mais precisa.

• Que lições a pandemia tem deixado para a atividade política?

A primeira coisa que é óbvia é a proteção da vida das pessoas. É o que temos de mais precioso, acima de projeto de poder, econômico, de protagonismos individuais. Tudo o que possa comprometer essa frágil estrutura de proteger as pessoas, de prevenir, atender, curar, amenizar sofrimentos… Nada disso deve fazer parte da política. Infelizmente, a gente não está vendo isso desse jeito. E o pior exemplo vem do próprio governo. Demite o ministro no meio da crise, dá comando dizendo que a economia é mais importante do que a vida, estimula o contágio, com ele próprio (Bolsonaro) saindo às ruas, e criando crises com governadores e prefeitos. O pior exemplo vem daquele que deveria estar agregando.

*Marco Aurélio Nogueira - Fazendo o que o mestre mandar

- O Estado de S. Paulo

Osmar Terra previu que o coronavírus seria leve no Brasil, com no máximo 800 óbitos. Agora, fala que o problema é sério. Mas continua a banalizar a situação: o que são 11 mil mortos perante a desgraça econômica que a quarentena produz?

O deputado Osmar Terra (MDB-RS) tem 70 anos, é médico, formado pela UFRJ. Na juventude, andou pelo PCdoB e pela ala esquerda do PMDB. Chegou a fazer campanha pela reforma sanitária e pelo SUS. Foi prefeito de Santa Rosa e secretário da Saúde no Rio Grande do Sul. Virou ministro do Desenvolvimento Social no governo de Michel Temer.

Apesar disso, não é propriamente um quadro brilhante. Mexe-se e articula bem, pelo que dizem. Foi ganhando projeção e se tornou estrela de primeira grandeza quando Bolsonaro assumiu. Tornou-se reacionário assumido, ampliando a pauta conservadora que foi modelando ao longo da carreira. Durante dois meses, passou pelo ministério da Cidadania do novo governo, terminando por ser substituído por Ônix Lorenzoni sem nem ter esquentado a cadeira.

No sábado à noite, participou de um debate na GloboNews com o ex-ministro Mandetta e o senador Humberto Costa (PT-PE). Uma bancada de médicos, propícia a uma discussão de alto nível.

*Denis Lerrer Rosenfield - Responsabilidade militar

- O Estado de S.Paulo

Uma situação, diria, patológica: os filhos do presidente atacando e mandando em generais!

O presidente Bolsonaro, ao assumir, manteve uma política de confronto incessante com seus adversários, como se todo aquele que a ele se opusesse fosse um inimigo a ser abatido. Progressivamente, à maneira de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega (editorial do Estado de 25/4), ou a pulsão de morte segundo Freud, fez a destruição reger as relações políticas. Amigos e inimigos passaram a caracterizar suas posições, ambos constituindo uma definição volúvel segundo as circunstâncias.

De inimigos objetivos da campanha (Lula e o PT) passou o mandatário para os políticos em geral, para o “sistema”, para os velhos amigos tornados inimigos, como generais do mais alto prestígio, e, enfim, as próprias instituições democráticas, como o Supremo Tribunal e o Legislativo. O resultado foi o isolamento presidencial, recluso em sua própria família, recorrendo, em manifestação recente, a um suposto apoio das Forças Armadas ao seu governo.

Ora, as Forças Armadas devem obediência exclusivamente à Constituição e à defesa nacional. Constituem uma instituição de Estado, não estão a serviço de nenhum governo. Note-se que desde a redemocratização do País, também por elas liderada, juntamente com os adversários de então, como o MDB, e aliados, como o novo PFL, foram o sustentáculo deste mais longo período de democracia no Brasil.

Fábio Gallo - Redes de proteção social frente a dura realidade

- O Estado de S.Paulo

Realmente os tempos são outros. Os dias de hoje trazem tanto notícias muito boas, como muito ruins. Até os pessimistas estão em dúvida de como enxergar a realidade.

Quem diria que chegaríamos a juros básicos no Brasil em 3%, com taxa real de juros abaixo a 0,26% ao ano e inflação prevista abaixo de 1% para 2020. Até bem há pouco tempo acreditávamos que nosso país fosse ter taxas de baixas de inflação e juros, mas a perspectiva é que essa conjunção de fatores viesse para permitir o nosso desenvolvimento econômico e social. Que nossos dirigentes aproveitassem o momento para acertar as contas do país, déssemos um passo decisivo para o acerto das contas públicas, acabasse a farra fiscal, fim a certos privilégios e tudo que nos tornasse a nação que os brasileiros merecem – aquela que está sempre presente nos discursos, mas que nunca se torna realidade.

Mas, o fato é que não estamos fazendo a lição de casa. A condução do combate a pandemia, os desencontros entre as autoridades, a volta do fisiologismo, que nestas bandas adquire o título de “centrão”, entre outras atitudes, não trazem novo ânimo. Talvez seja a dura realidade se mostrando como tal. No entanto, essa realidade também permite observar atitudes nobres na direção da solidariedade, de união entre concorrentes e de instalação de uma rede de proteção social.

Raul Jungmann* - Polícia Federal: até a próxima crise?

- Capital Político (07.05.2020)

Está de volta ao debate público a questão se a Polícia Federal deve ou não ter autonomia plena. De um lado seus integrantes lutam para garanti-la, com o apoio de boa parte da opinião pública. De outro, políticos, Ministério Público e Judiciário, reclamam por controles mais eficazes.

Nos termos em que se desenvolve a discussão, ela é recorrente, polarizada e parcial, dado que a polícia judiciária federal já é autônoma de fato, ao longo do ciclo de atividades do processo penal; porém, com um controle externo frágil.

Ancorada constitucionalmente no Executivo, noves fora quando polícia administrativa, a PF tem um status único, pois sai integralmente da tutela do Ministério da Justiça e Segurança Pública e passa ao Judiciário quando por este requisitada. Daí que todos cobram do Ministro da pasta informações e controles que ele não pode atender, sob pena de incorrer em crime de obstrução de justiça.

Entendo que só será superada essa ambiguidade da PF se lhe for concedida uma autonomia de direito, associada a controles reais.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Assombrações – Editorial | O Estado de S. Paulo

No Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro, todos os que não devotam total lealdade ao governo são vistos não como opositores, mas como inimigos que almejam destruir o País

Estão bem longe da perfeição as instituições republicanas do Brasil. Não são poucos os exemplos de abusos ou omissões do Supremo Tribunal Federal ou de corrupção e irresponsabilidade do Congresso. Ainda assim, se o Brasil pretende permanecer uma democracia, é preciso lutar para aperfeiçoar e prestigiar esses pilares, e não sugerir, como fazem os bolsonaristas, que estaríamos melhor sem eles.

Do mesmo modo, a saúde da democracia se mede pelo vigor da oposição. Nenhum grupo no poder que se considere democrático pode tratar a oposição como se fosse uma ameaça existencial. No Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro, contudo, todos os que não devotam total lealdade ao governo são vistos não como opositores, mas como inimigos que almejam destruir o País.

O bolsonarismo, como todo movimento de corte autoritário, vive de cevar fantasmas para atemorizar a sociedade. A todo momento, vozes muitas vezes autorizadas por Bolsonaro – quando não o presidente em pessoa – invocam das trevas imaginárias a assombração da volta do lulopetismo ao poder. Segundo esse discurso, quem contraria Bolsonaro – na imprensa, no Congresso e no Judiciário – faz parte de uma grande conspiração para ressuscitar a turma de Lula da Silva, o Belzebu do bolsonarismo.

Música | Gal Costa | Minha mãe / Oração para mãe Menininh

Poesia | Charles Baudelaire - A uma passante

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho… e a noite depois! – Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!