terça-feira, 26 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Caso Marielle avança após 6 anos do crime

Folha de S. Paulo

Polícia Federal prende três suspeitos de terem mandado matar vereadora; processo criminal, porém, está longe de acabar

São estarrecedoras as conclusões da Polícia Federal no inquérito sobre os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, cometidos com brutalidade em 14 de março de 2018 —ainda que o processo criminal esteja longe de acabar.

De acordo com a PF, o duplo homicídio foi arquitetado por três figuras conhecidas na esfera pública: Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro; seu irmão Chiquinho, deputado federal eleito pela União Brasil-RJ (o partido decidiu expulsá-lo de seus quadros); e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio. Todos eles foram presos.

Veio do nome de Barbosa a maior surpresa dessa lista. Ao comandar apurações à época do crime, ele manteve relação próxima com a família de Marielle e prometeu ações expeditas para deslindar a trama.

Merval Pereira - Momento oportuno

O Globo

O Rio de Janeiro pode ser o projeto-piloto para uma força-tarefa de combate ao crime organizado

É crescente a sensação de que o momento social e político que permitiu a revelação dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco abriu uma brecha no muro de silêncio que os blindava, permitindo aprofundar as investigações sobre o conluio entre políticos, policiais e bandidos no submundo do crime do Rio de Janeiro.

Esse, no entanto, não é um problema apenas do Rio, mas uma chaga nacional, que precisa ser atacada para neutralizar a influência do crime organizado nas instituições federais. Como a situação do Rio é mais aguda, especialmente no momento em que ficou escancarada a ação criminosa no aparato institucional, seria importante aproveitar essa vitória do Estado de Direito para ir adiante na desarticulação.

O Ministério da Segurança Pública, que infelizmente não foi retomado pelo governo Lula, deveria ser o ponto de partida das mudanças estruturais necessárias para que a questão, que se tornou incontornável para o Estado brasileiro, seja enfrentada devidamente. Os três centros de custo do Estado são justamente saúde, educação e segurança, e apenas os dois primeiros têm um piso constitucional de financiamento, enquanto a segurança, quando vem a crise financeira do Estado, não tendo essa proteção, nem mesmo uma definição de tarefas em nível nacional, acaba irremediavelmente afetada.

Míriam Leitão - O crime reduz a democracia

O Globo

Revelações da PF sobre o caso Marielle mostram que houve no Rio uma simbiose entre o crime e a estrutura do próprio Estado

É de democracia que se trata no caso da morte de Marielle Franco. Desde o começo. Os que mataram a vereadora, crime no qual morreu também o motorista Anderson Gomes, estavam atingindo um mandato, uma representante que se dedicava a uma agenda ampla de defesa dos moradores do Rio. A operação contra os suspeitos de serem mandantes joga luz sobre o risco democrático que se vive no Rio, pela promiscuidade entre o crime, a política e a polícia. Marielle era uma vereadora em início de primeiro mandato, sem conexões com o poder local, nascida em área de periferia, e mesmo assim, foi vista como um obstáculo à expropriação de terra pública, que seria grilada para depois, em muitos casos, ser o caminho para explorar os pobres sem casa.

Luiz Carlos Azedo - Aberta a Caixa de Pandora da política fluminense

Correio Braziliense

As conexões criminosas são conhecidas, mas estavam blindadas pela profundidade e extensão do crime organizado e o pacto de silêncio entre as autoridades no Rio de Janeiro

O mito da Caixa de Pandora explica a criação da mulher, suas qualidades e suas fraquezas. Prometeu roubou o fogo de Zeus e o entregou aos mortais, para garantir aos homens a superioridade sobre os animais. O fogo era exclusividade dos deuses, e Zeus, o todo-poderoso do Olimpo, resolveu se vingar. Encarregou Hefesto, deus do fogo e dos metais, e Atena, deusa da justiça e da sabedoria, de criar Pandora.

Pandora foi a primeira mulher na Terra. Recebeu qualidades como graça, beleza, inteligência, paciência, meiguice, habilidade na dança e nos trabalhos manuais. Ao ser enviada à Terra, Zeus entregou-lhe uma caixa com a recomendação de que a mesma não deveria ser aberta.

A caixa guardava todas as desgraças: a guerra, a discórdia, o ódio, a inveja, as doenças do corpo e da alma. Mas também continha a esperança. Curiosa, Pandora não resistiu e abriu a caixa. Ao fazê-lo, liberou todos os males, menos a esperança. O caso Marielli Franco, finalmente desvendado pela Polícia Federal, abriu uma caixa de Pandora na política fluminense.

Carlos Andreazza - Ninguém quer Cid

O Globo

O tenente-coronel atualiza a máxima para o destino de quem se associa a Bolsonaro e ao bolsonarismo: entrar e então morrer

O tenente-coronel Mauro Cid atualiza a máxima para o destino de quem se associa a Bolsonaro e ao bolsonarismo: entrar e então morrer. Variadas as formas, as expressões, da morte. Entrar e morrer. Sina. Sempre uma questão de tempo — já condenados também os caiados que se pensam livres da maldição. É inescapável.

Entrar e então morrer. Morrer e continuar morrendo. Úteis, alguns dos mortos. Mortos a serviço. Mortos para sacrifício. Finados em ação. Os defuntos ativos, matando (matando-se) e morrendo.

Os áudios de Cid divulgados pela Veja expõem um morto que se mata — ou se deixa matar:

— Quem mais se fodeu fui eu. Quem mais perdeu coisa fui eu. O único que teve pai, filha, esposa envolvidos. O único que perdeu a carreira, o único que perdeu a vida financeira fui eu.

Isso é desabafo de zumbi.

Maria Cristina Fernandes - Método bolsonarista embaralha cartas para confundir investigadores

Valor Econômico

Percepção entre magistrados é de que vídeos na Embaixada da Hungria são usados pelo bolsonarismo com propósito de forçar prisão

A prisão preventiva hoje interessa mais a Jair Bolsonaro do que à investigação. Se o ex-presidente ainda tem algum poder de mobilização, daqui a um ano ou dois, com as decisões do relator, ministro Alexandre de Moraes, respaldadas em plenário e a provável derrota de seus recursos, a mobilização arrisca esmorecer.

A conveniência da prisão divide os tribunais superiores de Brasília, mas não a percepção de que o vídeo divulgado pelo jornal americano “The New York Times” com a ida do ex-presidente à Embaixada da Hungria na noite da segunda-feira de Carnaval está sendo usado pelo bolsonarismo com o propósito de forçar uma prisão.

Ninguém tem dúvida de que buscou asilo, mas, uma vez lá, pode ter desistido da ideia face à confirmação da ida do governador Tarcísio de Freitas à manifestação na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro. A confirmação veio em 14 de fevereiro, mesmo dia em que Bolsonaro deixou a embaixada. Naquele dia também, ficou evidente que o governo perdia a guerra de narrativas sobre a fuga no presídio de Mossoró, ocorrido na véspera. Além de querer ir ao palanque reforçado da Paulista, pode ter calculado que sua prisão, em meio à incompetência para manter chefes do Comando Vermelho presos, daria ao bolsonarismo uma plataforma para deitar e rolar.

Christopher Garman - Fatores locais definem eleição municipal

Valor Econômico

Assim como resultado pífio do PT nas eleições de 2020 não serviu como indicador da vitória de Lula dois anos depois, pleito deste ano não servirá para 2026

A cada ciclo eleitoral, um exército de analistas e algumas lideranças políticas tentam auferir o significado nacional dos resultados das eleições municipais. O mesmo deve ocorrer este ano, quando a disputa na capital paulista será vista como a mais importante no embate entre petismo e bolsonarismo.

De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva articulou ativamente a volta da ex-prefeita Marta Suplicy ao PT para pleitear, ao lado de Guilherme Boulos (Psol), a prefeitura paulistana, que o Palácio do Planalto vê como estratégica. De outro, o ex-presidente Jair Bolsonaro colocou seu peso político a serviço do prefeito Ricardo Nunes (MDB), após descartar apoio a candidaturas avulsas.

Pedro Cafardo - Uma dica da academia para a retomada industrial

Valor Econômico

Nos anos dourados, a diferença a favor do Brasil em relação a seus vizinhos latino-americanos era um setor agrário forte, com economias regionais diversificadas que já produziam para consumo interno e exportação

É quase consensual a ideia de que o Brasil foi vítima de um longo e penoso processo de desindustrialização, embora alguns trabalhos ainda sustentem a velha tese de que tudo se tratou de uma natural tendência mundial de crescimento do setor de serviços.

Circula nos meios acadêmicos um novo trabalho dos professores Adalmir Antonio Marquetti (PUC-RS) e Pedro Cezar Dutra Fonseca (UFRGS) que joga mais luzes sobre as mudanças estruturais da economia brasileira de 1930 a 2022 e sugere estratégias para a reindustrialização. O “paper” (“Do desenvolvimentismo à desindustrialização: Brasil, 1930-2022”) explica a vigorosa industrialização do país nos 50 anos do chamado “período desenvolvimentista”, de 1930 a 1980. E analisa a veloz desindustrialização dos 40 anos seguintes, “período de neoliberalismo e financeirização”.

São marcantes a velocidade e a intensidade tanto da ascensão quanto do descenso da indústria brasileira. A indústria ganhou impulso expressivo em plena Grande Depressão. A participação da indústria no PIB passou de 10% em 1930 para 17,5% em 1947 e 27,3% em 1986. Observa-se a intensidade desse processo ao comparar o PIB industrial brasileiro com o dos EUA: em cinco décadas, essa relação subiu de 3,4% para 15%.

Eliane Cantanhêde – Xandão: e daí?

O Estado de S. Paulo

Moraes dá de ombros para ‘asilo’ de Bolsonaro e diz ao Exército: nada contra o general Richard

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso Marielle no Supremo, telefonou para o comandante do Exército, general Tomás Paiva, para dizer que não há absolutamente nada contra o general Richard Nunes no inquérito conduzido pela Polícia Federal. O telefonema veio na hora certa, quando o também general Braga Neto tenta empurrar para Richard a “culpa” por nomear para a direção da Polícia Civil no Rio o delegado Rivaldo Barbosa, que foi preso no domingo, não apenas por obstruir provas como por ter participado diretamente do planejamento do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

João Paulo Charleaux* - Asilo de Bolsonaro, na prática, já aconteceu

Folha de S. Paulo

Ex-presidente ficou dois dias na embaixada da Hungria, em Brasília, logo após ação da Polícia Federal

Quando o STF (Supremo Tribunal Federal) pediu que o ex-presidente Jair Bolsonaro entregasse seu passaporte à Justiça, a intenção era impedir que ele deixasse o país.

Se Bolsonaro passou dois dias dentro da embaixada da Hungria, em Brasília, ele, de alguma forma, burlou essa medida judicial, pois, nos termos da Convenção de Viena de 1961, embaixadas e consulados, assim como seus veículos, são protegidos.

Ou seja, nos dois dias em que esteve abrigado ali, Bolsonaro estava inalcançável pela Justiça de seu próprio país. Se a Justiça foi atrás dele nessas 48 horas ou não, isso é apenas um detalhe. No que diz respeito à oferta de proteção internacional, ela ocorreu na prática.

Quem duvida pode dar uma relembrada no caso de Julian Assange, o fundador do Wikileaks, que passou sete anos vivendo dentro da embaixada do Equador, em Londres, para evitar a captura, ordenada por autoridades inglesas.

Alvaro Costa e Silva - Bolsokele, o clone de Bolsonaro e Bukele

Folha de S. Paulo

Marketing político de Tarcísio de Freitas esbarra na realidade

Como o chefe está com o passaporte retido na PFTarcísio de Freitas deixou a capital sem luz e esteve em Israel para tirar uma foto com Bibi. Este já foi chamado, um dia, de Senhor Segurança. Apelidos e epítetos vão e vêm. Na época em que estava à frente do Ministério da Infraestrutura, Tarcísio foi o Tarcisão do Asfalto. Ao assumir o governo de São Paulo e bater martelos alucinadamente em leilões de privatização, virou o Thorcísio, alusão a Thor, o deus nórdico. Hoje se candidata a ser um produto híbrido de Bolsonaro Bukele, o presidente de El Salvador que se autodefiniu como "o ditador mais cool do mundo".

Hélio Schwartsman - Boas e más notícias

Folha de S. Paulo

Elucidação do caso Marielle deve ser celebrada, mas revela que deterioração da segurança pública é maior do que se temia

aparente elucidação do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes é uma excelente notícia. Espero que os investigadores tenham coletado provas robustas o bastante para que o julgamento dos suspeitos de ter encomendado a morte da vereadora se dê de forma técnica, rápida e certeira. O momento é de satisfação e deve ser celebrado. Não há como esconder, porém, que a boa nova chega embrulhada numa série de circunstâncias que pintam um quadro de deterioração da segurança pública muito pior do que se acreditava.

Se é verdade que o próprio chefe da Polícia Civil fluminense participou do planejamento do assassinato, então estamos diante de nada menos do que a falência do Estado. Se aqueles que deveriam zelar pela ordem pública são membros ativos do crime organizado, não há mais distinção entre polícia e bandido, entre lei e barbárie.

Dora Kramer - A síntese do contágio

Folha de S. Paulo

O embate ideológico distrai, mas o combate ao crime é também defesa da democracia

prisão dos suspeitos de mandarem matar Marielle Franco é uma síntese, embora incompleta, da infiltração do crime organizado nas instituições públicas: um deputado federal, um conselheiro de tribunal de contas e um delegado ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

A coisa vai além. A despeito do muito bem-vindo desfecho do caso, não há que se falar em triunfo do Estado. Este segue desorganizado frente à crescente estruturação da criminalidade no país, sendo o Rio o exemplo mais visível. Ali atuam várias famílias que mandam e desmandam na política, algumas com ligações criminosas.

Poesia | Círculo Vicioso, de Machado de Assis

 

Música | Fátima Gaspar - E vamos à luta (Gonzaguinha)