terça-feira, 10 de novembro de 2020

Merval Pereira - A busca do equilíbrio

- O Globo

Chamar o ex-juiz Sérgio Moro de extremista de direita é evidentemente um abuso de linguagem com objetivo político. O presidente da Câmara Rodrigo Maia e a direção do Democratas, inclusive seu presidente ACM Neto, estão há tempos participando dos preparativos para o lançamento da candidatura de Luciano Huck à presidência da República, e o encontro dele com Moro em Curitiba deve tê-los apanhado de surpresa, daí a reação exagerada.

Como uma parte independente do Centrão, o DEM tem que zelar pela capacidade de aliança do grupo, e Moro é figura non grata de todo político apanhado na malha da Lava-Jato, ou que pode vir a ser. Sobram poucos que apóiam ainda a maior operação de combate à corrupção já realizada no país, e Moro, por falta de traquejo político, não se aproxima nem mesmo desses.

Também a esquerda esperneou com a aproximação de Huck com Moro, tendo o presidente do Partido Socialista a classificado de “erro crasso”. Para quem pretende expressar uma candidatura de centro-esquerda, Luciano Huck foi além dessa bolha, praticando o que o presidente do Cidadania, Roberto Freire, define como a saída para enfrentar a polarização em 2022: aceitar todos os que pretendem a derrota de Bolsonaro, sem idiossincrasias.

Luiz Carlos Azedo - Biden antecipa 2022

- Correio Braziliense

 “O encontro do apresentador Luciano Huck com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro mexeu com o tabuleiro político. O apresentador  de tevê se fingia de morto”

“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e, sim, sob aquela com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Quem já não leu ou ouviu essa frase na crônica política? É citada com frequência, literalmente ou não, mas com o mesmo sentido. Está no segundo parágrafo do O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx (Martin Claret), escrito em Londres, sob encomenda, para um semanário que seria lançado em Nova York, em 1º de janeiro de 1852, cujo editor, Joseph Weydemeyer, morreu. O texto acabou publicado numa revista mensal intitulada Die Revolution e introduzido na Alemanha semiclandestinamente, antes de virar um livro-reportagem sobre o golpe de Estado de Napoleão III, em 1851. O título faz alusão ao golpe de 9 de novembro de 1799, esse, sim, dado por Napoleão Bonaparte. É um clássico da análise política, que cunhou os conceitos de “bonapartismo”, “transformismo político” e “cretinismo parlamentar”.

O presidente Jair Bolsonaro não foge à regra dos grandes personagens da História que se repetem, citados por Marx naquele texto: depara-se com circunstâncias que não escolheu e são completamente diferentes daquelas nas quais se elegeu. É como se a roda da Fortuna tivesse girado a favor dos seus adversários, zerando a vantagem estratégica que a conjuntura de 2018 havia lhe proporcionado. Para piorar a situação, antecipou sua campanha à reeleição em todos os movimentos que fez desde quando assumiu a Presidência e, agora, com o gênio fora da garrafa, não tem como pô-lo de volta. Nem bem o primeiro turno das eleições municipais acabou, o quadro eleitoral de 2022 começa a ser desenhado à sua revelia, agora impulsionado por um fator externo cujo impacto no Brasil não pode ser subestimado: a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, inequívoca, embora o presidente Donald Trump se recuse a admiti-la e se movimente como quem deseja criar uma crise institucional para permanecer no poder.

Ricardo Noblat - O centro está engarrafado com aspirantes a candidatos em 2022

- Blog do Noblat | Veja

Política é a arte da conversa em busca do entendimento

Sem conversa não se faz política. É saudável que os diretamente interessados nas eleições presidenciais de 2022 comecem a conversar. Daí porque é estranha a reação do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, à notícia de que o apresentador Luciano Huck e o ex-juiz Sérgio Moro se reuniram.

Huck ainda não teve coragem para se assumir como candidato à sucessão de Jair Bolsonaro, e pode ser que jamais venha a ter. Mas ele se mexe como se pudesse ser. Moro é mais discreto. Mas mesmo que não concorra, seu apoio será disputado.

Maia disparou em Moro ao dizer que não apoiará “uma chapa integrada por alguém de extrema-direita”. A mulher de Moro, no passado, disse que o marido e Bolsonaro são a mesma coisa. À época, Moro e Bolsonaro estavam de bem.

Foi a declaração de uma mulher eufórica com a perspectiva de ver o marido ocupar uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Ela não repetiria, hoje, o que falou. De resto, se Moro é um extremista de direita como quer Maia, Bolsonaro é o quê?

Lula e Ciro Gomes também conversaram. Lula nada revelou a respeito. Ciro, provocado, afirmou: “Lavamos roupa suja pra valer. Sob o ponto de vista das compreensões da questão brasileira, continuamos como estávamos antes de conversar”. 

Fiel ao seu estilo briguento, Ciro aproveitou para bater em Moro, no governador João Dória (PSDB) e indiretamente no ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta que andam tendo muitas conversas. Acusou-os de ser de direita. De centro, seria ele, Ciro.

Eliane Cantanhêde - O impacto em 2022

- O Estado de S.Paulo

Além de reinventar seu governo, Bolsonaro vai ter de se reinventar

Derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, fragilidade do presidente Jair Bolsonaro nas eleições municipais e total falta de estratégia para enfrentar a crise econômica e social. É nesse ambiente que viceja a articulação de uma chapa alternativa de centro para 2022, com participação de Luciano HuckJoão DoriaRodrigo MaiaLuiz Henrique Mandetta e agora Sérgio Moro, além de Fernando Henrique Cardoso. O cerco vai se fechando contra Bolsonaro.

Mais à centro-direita do que propriamente ao centro, a ambição é atrair a direita moderna, que votou em Bolsonaro, mas agora só pensa em se descolar dele, e a parcela da esquerda que cansou da hegemonia e dos erros do PT, mas tem como prioridade livrar o País de Bolsonaro. Os ventos favoráveis vêm de fora, com a eleição de Joe Biden e Kamala Harris, e de dentro, com as eleições municipais e as investigações sobre rachadinhas no Rio.

Como sempre, Bolsonaro vai na contramão do mundo democrático e se recusa a cumprimentar o vitorioso nos EUA, até mesmo a explicar por que não, o que só piora as perspectivas para a relação com o novo governo. Tão negacionista quanto Trump na pandemia, ele também nega os votos e a realidade, como ele. Bolsonaro acha que Trump venceu? Foi tudo fraude?

Assim, ele repete a campanha de 2018 só na forma, animando claques com muita antecedência pelo País afora, mas vai ter de inventar um novo conteúdo. O de dois anos atrás caducou: “nova política”, combate à corrupção, apoio à Lava Jato, reformas e carta-branca para o “Posto Ipiranga”, caneladas no mundo árabe e alinhamento automático com os EUA de Trump.

Míriam Leitão - Política externa perdida no mundo

- O Globo

O Brasil fica mais distante da OCDE, do acordo com a União Europeia e do mundo, enfim, com a eleição de Joe Biden e Kamala Harris. Isso porque o governo brasileiro deveria ter a esta altura uma estratégia de como mover suas peças no tabuleiro do xadrez mundial. Mudaram as circunstâncias, e o erro bolsonarista ficará mais caro. Estados Unidos e União Europeia estarão mais juntos a partir de agora na questão ambiental, e Jair Bolsonaro é o vilão óbvio, com sua política de desprezo à preservação ambiental, de desrespeito aos indígenas, de afronta aos negros.

O governo Biden tem uma lista imensa de urgências. A pandemia é a primeira delas e por isso ontem já estava sendo anunciado o grupo de transição que vai preparar o plano de combate ao coronavírus. A crise econômica é outra emergência. O plano de socorro terá que ser maior do que o programado, e no meio do caminho tem o Senado. A campanha de Biden, muito energizada pela vitória, está jogando tudo para garantir as duas cadeiras do Senado da Geórgia que foram para segundo turno. Caso se confirme o controle dos republicanos no Senado, tudo será mais difícil.

Bernardo Mello Franco - Meninos mimados: O chororô de Trump e Bolsonaro

- O Globo

Jair Bolsonaro quer bajular Donald Trump até o fim. Em Washington, o republicano se recusa a admitir que foi derrotado por Joe Biden. Em Brasília, seu imitador se finge de morto para não cumprimentar o presidente eleito.

A birra de Bolsonaro expõe o país a mais um vexame diplomático. Ao ignorar a vitória de Biden, o Brasil aprofunda seu isolamento no mundo. Outras nações governadas pela ultradireita, como Hungria e Polônia, já reconheceram a derrocada de Trump.

Por aqui, todos os ex-presidentes vivos deram os parabéns ao democrata: Sarney, Collor, FH, Lula, Dilma e Temer. A galeria reúne políticos de esquerda, de direita e de centro. Só o extremista Bolsonaro, atual inquilino do Planalto, insiste na tática do avestruz.

Não é por falta de oportunidade. Ontem o capitão conversou com eleitores, discursou numa solenidade e fez propaganda para candidatos a prefeito de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Fortaleza, Manaus, Santos e Parnaíba. Pediu voto até para Wal do Açaí, que foi apontada como sua funcionária fantasma e agora quer ser vereadora em Angra dos Reis.

José Casado - Cresce pressão sobre o Brasil

- O Globo

Bolsonaro tem 71 dias para escolher se muda ou fica refugiado nas cinzas da era Trump

A realidade bate à porta do insone Jair Bolsonaro. O delírio da “reinvenção do Brasil” numa “nova ordem mundial” sob comando de Donald Trump, como repetia seu chanceler, acaba na quarta-feira 20 de janeiro, quando Joe Biden assume com o plano de mudar o rumo dos Estados Unidos. Aos 78 anos, ele terá pressa em abrir um “caminho irreversível” para a inovação tecnológica em saúde, comunicações e energia limpa.

Se conseguirá, é outra história. Mas sinaliza o fim de uma tragicômica sintonia de negação da ciência: enquanto Trump considerava a mudança climática uma conspiração chinesa, Bolsonaro reduzia a pandemia a gripezinha.

Carlos Andreazza - O recado dessas pessoas

- O Globo

É aposta na derrota desqualificar a legitimidade daqueles que votam em Trump — e Bolsonaro

O que ora vemos nos EUA é um dos futuros do Brasil. Este expediente golpista, de acusar fraude no sistema eleitoral, será usado por Jair Bolsonaro daqui a dois anos, qualquer que seja sua condição competitiva. Ninguém se poderá proclamar surpreendido. O presidente brasileiro não esconde as cartas; ou não terá sido ele, poucos meses atrás, a afirmar ter provas — jamais apresentadas — de que a eleição de que saiu vencedor fora fraudada? Não falava de 2018, mas para 2022.

Donald Trump ataca, em 2020, a mais poderosa expressão da democracia na América: o voto combinado à independência federativa. Mobiliza suspeição sobre a integridade da exata mesma estrutura descentralizada por meio da qual se elegeu em 2016. Empreendimento especialmente grave porque mina — com mentiras vestidas de teorias da conspiração — uma instituição, a tradição eleitoral americana, fundada na confiança entre cidadãos.

Não se trata de um mau perdedor, com o que se confundiria com uma criança. Mas de um sabotador. Um populista autoritário que manipula, como fazem os personalistas, a fantasia influente sobre a própria potência. Ou seja: alguém como ele não perde senão roubado — eis a mensagem, destinada a fomentar o choque e manter ativa a militância.

Trump fala para 2024 e age amparado por um precedente lamentável, embora de natureza diversa. Judicialização de processo eleitoral é sempre trauma. Refiro-me à eleição de 2000; aquela em que o democrata Al Gore levou a apertada derrota para o republicano George W. Bush à Suprema Corte. Dirão ambas as partes, os democratas de então e os republicanos de hoje, que recorrer à Justiça é do jogo. Certo. Vendo agravar-se fissura nunca curada, digo eu que, do jogo, certamente não é, ancorar as demandas judiciais plantando dúvida, sem provas, contra um pacto social, o eleitoral, dependente de boa-fé. Democratas afirmam que assim procedem agora os republicanos. Republicanos, que assim procederam os democratas há 20 anos. Aí está. Não é belo; sendo óbvio o tipo de oportunista que se beneficia do império da suspeição.

Hélio Schwartsman - Sem Trump, o normal volta?

- Folha de S. Paulo

Assim como Trump sucedeu Obama, nada impede que Biden seja sucedido por um neo-Trump

Derrotado Donald Trump, a política nos Estados Unidos volta ao normal? É difícil fazer previsões, mas acho que há duas afirmações que podemos fazer desde já.

A primeira é que, embora a iminente demissão de Trump nos poupe das cenas mais constrangedoras do populismo, as condições socioeconômicas que favoreceram a eleição do magnata laranja em 2016 estão longe de superadas. Assim como Trump sucedeu Obama, nada impede que Biden seja sucedido por um neo-Trump.

A segunda é que está nas mãos dos republicanos definir qual será o jogo daqui para a frente. Não gosto de pintar a história em termos de heróis e vilões, mas é forçoso reconhecer que os republicanos levaram bem mais longe do que os democratas a ideia de que vencer é mais importante do que manter o "fair play" democrático. O Partido Republicano (GOP) precisa decidir se seguirá nessa rota ou tentará algo diferente.

Cristina Serra - A democracia nas Américas

- Folha de S. Paulo

A correção de rumos nos EUA tem algo a nos ensinar

As imagens de celebração nos Estados Unidos mostram um carnaval incomum. Uma explosão de alegria e alívio por se verem livres do governante que exerceu o poder com doses extremadas de ódio, mentira e violência.

Biden venceu porque conseguiu convencer a maioria dos eleitores de que será capaz de restaurar a civilidade no jogo político. O jogo é bruto, mas para ter sua legitimidade reconhecida precisa ser exercido com algum nível de lealdade e respeito às regras. Fora isso, é a barbárie, que seria aprofundada num segundo mandato de Trump.

Sua derrota é o triunfo de uma percepção de sociedade em que se espera que haja lugar para todos, em que pese a profundidade do abismo que separa as classes. Por isso, a palavra "possibilidade" tão presente nos discursos de vitória da dupla Biden-Harris.

Joel Pinheiro da Fonseca* - O jornalismo venceu?

- Folha de S. Paulo

Derrota de Trump anima, mas é desmotivador ver a imprensa se tornar tão parcial

Biden venceu, viva! Uma vitória da democracia, da ciência, das instituições, da imprensa. Mas espere um momento: por acaso a imprensa deveria ser torcedora, ou até participante, nessa disputa?

Todo mundo sabe que não existe veículo completamente imparcial e objetivo. Há sempre valores, ideologias, narrativas, interesses, que inevitavelmente influenciarão as decisões sobre o que e como publicar. Nesse sentido, vejo muitas vozes defendendo que, como a imparcialidade perfeita é impossível, cada veículo de imprensa deveria assumir seu lado. Discordo.

A imprensa é relevante justamente na medida em que não é apenas mais um porta-voz de um campo político. A perfeita objetividade e imparcialidade pode ser uma utopia, inatingível na prática, mas é importante que siga como ideal operante na conduta institucional. A partir do momento em que aceitamos abrir mão de um valor em nome da defesa de um grupo político, é inevitável que a prática seja contaminada e que os padrões rigorosos sejam sacrificados ao partidarismo. À “opinião” do jornal basta o editorial; o jornalismo deve mirar a verdade e objetividade como valores superiores a qualquer causa política, mesmo as desejáveis.

Rubens Barbosa* - Notas sobre a eleição presidencial nos EUA

- O Estado de S.Paulo

A sociedade americana optou por um presidente moderado e conciliador

A histórica vitória de Joe Biden será analisada por muitos anos. O resultado da eleição foi surpreendentemente equilibrado, refletindo a profunda divisão do país. A onda azul, democrata, não se concretizou, mas a sociedade americana preferiu eleger um presidente moderado e conciliador, que promete reduzir o ódio e unir os EUA. O resultado das urnas mostrou que o eleitor separou a figura do presidente falastrão do seu partido. O Partido Republicano, que teve desempenho muito melhor que Trump, saiu fortalecido, com maior número de deputados na Câmara dos Representantes e com a possibilidade de manter a maioria no Senado.

A polarização política nos EUA vem se acentuando nas últimas décadas e esse quadro não se deve alterar no futuro previsível, em razão, entre outros fatores, do aprofundamento, com a pandemia, dos contrastes existentes no país mais rico e mais avançado do mundo. A crescente concentração de renda acentuou as desigualdades entre as pessoas, as regiões e entre os centros urbanos e as áreas rurais, fato agravado pelas consequências econômicas. O impasse, se o Senado continuar republicano, dificultará a execução das reformas prometidas por Biden nas áreas de saúde, economia, energia, imigração, meio ambiente e no fortalecimento da democracia e dos direitos humanos. 

Pedro Fernando Nery* - Nosso norte

- O Estado de S.Paulo

A Amazônia é fundamental para a economia, mas ganhos precisam ser compartilhados

Saindo de São Paulo, leva-se menos tempo para chegar em Tel-Aviv do que a Ipixuna – a cidade brasileira com o pior nível de desenvolvimento no índice Firjan. É localizada no Amazonas, mas o aeroporto de médio porte mais próximo fica no Acre, de onde partem barcos para a longa viagem para a cidade. A precariedade da infraestrutura no Norte do Brasil vai muito além da rede elétrica do Amapá, às escuras depois de um incêndio que chamou a atenção do resto do País nos últimos dias.

Na Região Norte, 1 milhão de brasileiros não correm risco de apagão: eles já não têm acesso a energia elétrica, segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Outros milhões estão em um sistema ainda vulnerável, como mostra o caso do Amapá, cuja solução definitiva levará dias e depende da chegada de balsas.

O País ainda tem um Estado inteiro – Roraima – desconectado do sistema elétrico nacional. A ligação é historicamente polêmica, pelas questões ambientais e indígenas envolvidas. Elas também aparecem na polêmica da pavimentação da BR-319, ligação de uma das maiores cidades brasileiras – Manaus – com o restante do País.

No Norte do Brasil, 40% dos cidadãos vivem abaixo da linha da pobreza – número quase igual à taxa do Nordeste. Mas a pobreza amazônica não ocupa ainda muito espaço no imaginário do Centro-Sul como a pobreza nordestina. É preciso admitir uma verdade inconveniente: esse baixo PIB per capita é um complicador para a preservação da floresta. A influente revista Science publicou este ano um artigo sobre as obras da BR-319: o título é “Estrada para o desmatamento”. Mas estamos falando de uma conexão terrestre com a 7.ª maior cidade do Brasil, ou a nossa Filadélfia

E se a detestável política ambiental que temos tiver o apoio da população local? Nas eleições de 2018, somente quatro Estados entregaram votação para algum candidato acima de 70% (todos para Bolsonaro). À exceção de Santa Catarina, eles estão na AmazôniaRoraimaRondônia e o Acre – este com a maior votação. Bolsonaro teve 77% no Estado de Marina Silva e Chico Mendes. Se tivéssemos um colégio eleitoral como o americano, esses não seriam battleground states. 

Andrea Jubé - O risco do apagão eleitoral de Davi

- Valor Econômico

Falta de água e luz ameaça irmão de Alcolumbre

A foto obrigatória em Macapá é no Marco Zero, o monumento de 30 metros que delimita a passagem da linha do Equador pela capital amapaense. A pessoa se posiciona no meio do traço demarcado no chão, e então, coloca um pé no hemisfério norte, outro no hemisfério sul, e registra o seu instante no meio do mundo.

Um círculo no alto do Marco Zero permite a contemplação do equinócio - quando o sol cruza a linha do Equador - duas vezes por ano. Em março e setembro, o sol alinha-se ao círculo e projeta um raio de luz sobre a linha imaginária.

O fenômeno confere a Macapá o título de “capital do meio do mundo”. Ela também é a única capital banhada pelo Rio Amazonas. O Estado também é reduto eleitoral de autoridades do primeiro escalão da política nacional: o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM), e o ex-presidente José Sarney.

Tanta singularidade e projeção política não asseguraram ao Amapá desenvolvimento ou excelência nos serviços públicos. Ao contrário, a população amargou 100 horas sem água e luz até que um restabelecimento parcial da energia elétrica fosse providenciado a partir de sábado.

Francisco Góes - Biden traz os EUA de volta ao ‘velho normal’

Brasil corre o risco de ficar isolado se não rever suas posições de política externa

Valor Econômico

A vitória de Joe Biden nos Estados Unidos criou a expectativa de uma nova abordagem do governo americano em relação às instituições multilaterais e aos acordos de comércio. Se espera que o presidente eleito ajude o país a voltar a uma situação de “normalidade” quando se trata da inserção dos EUA em um sistema de cooperação internacional que eles mesmos ajudaram a criar e que foi sistematicamente torpedeado por Donald Trump nos últimos quatro anos.

O papel ativo de Biden em favor do multilateralismo, para fortalecer o trabalho conjunto dos países em áreas como sustentabilidade ambiental, saúde e comércio, não vai evitar, porém, que os Estados Unidos continuem a aplicar medidas pontuais de proteção para setores da economia americana.

 “É preciso ter clareza de que, independentemente de o governo ser republicano ou democrata, os EUA sempre vão defender o que é percebido como interesse comercial do país, o que leva em conta lobbies de setores”, diz a economista Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).

Uma diferença importante agora, no entanto, é que os EUA vão fazer a transição de um governo declaradamente protecionista e antiglobalização, sob o comando de Trump, para uma administração que tem apreço pelos mecanismos de concertação internacional, visão essa reforçada nos próprios discursos de Biden.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Vergonha internacional – Opinião | O Estado de S. Paulo

A demora do presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a vitória do democrata Joe Biden ameaça ampliar o isolamento do Brasil.

A demora do presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial dos Estados Unidos ameaça ampliar o isolamento do Brasil, já bastante acentuado em razão do comportamento irresponsável do governo em relação a temas caros à comunidade internacional, como o meio ambiente.

O argumento do governo para que Bolsonaro não se juntasse a chefes de Estado de quase todo o mundo, que cumprimentaram Biden assim que ficou claro o triunfo do candidato democrata, é que ainda cabem contestações ao resultado, por meio de recursos interpostos pelo presidente Donald Trump, que tentava a reeleição.

De fato, é direito do presidente Trump, bem como de qualquer outro derrotado, ingressar na Justiça para questionar o desfecho da eleição, se considerar que houve irregularidades. Dito isso, quase ninguém nos Estados Unidos parece levar a sério as alegações de fraude.

Mas Bolsonaro, que nada tem a ver com as atribulações de Trump, decidiu levar o caso a sério. Certamente aconselhado por seu chanceler, Ernesto Araújo, para quem Trump é nada menos que o “salvador do Ocidente”, o presidente brasileiro dá a entender que acredita na possibilidade de uma reviravolta a favor de seu guru norte-americano.

Música | Coral Edgard Moraes e Maestro Marco César - Risos de Mandarim

 

Poesia | Manuel Bandeira - Madrigal melancólico

O que eu adoro em ti
Não é a tua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Não é o teu espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai

O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que adoro em ti lastima-me e consola-me:
O que eu adoro em ti é a vida!