domingo, 9 de julho de 2023

Merval Pereira - Encontro ao centro

O Globo

Fernando Haddad, e Tarcisio de Freitas, dois potenciais candidatos à sucessão de Lula em 2026 se aproximaram do centro político se distanciando dos radicais do PT e dos bolsonaristas

Parafraseando Vinicius de Moraes, a política é a arte do encontro, embora existam tantos desencontros na política. Dois personagens tiveram protagonismo nesses encontros e desencontros das últimas semanas, além, é claro, do presidente da Câmara, Arthur Lira, que conseguiu a mágica de reter em Brasília numa sexta-feira a maior parte dos deputados para aprovar a volta do voto de qualidade do Carf, fundamental para aumentar a arrecadação do governo.

Falo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do governador de São Paulo Tarcisio de Freitas, dois potenciais candidatos à sucessão de Lula em 2026 ( se ele realmente desistir da reeleição), e que se aproximaram do centro político se distanciando dos radicais do PT e dos bolsonaristas.

As reformas econômicas estão andando, Haddad se apoiou em Lira e num Congresso com tendência mais liberal na economia para avançar na aprovação de temas essenciais para sua gestão: arcabouço fiscal, reforma tributária, mudança no Carf da Receita Federal. O presidente Lula, lembrando aquele que teve sucesso no seu primeiro governo prosseguindo nas reformas econômicas vindas do governo Fernando Henrique, agiu de maneira diferente em relação à reforma tributária do que faz incessantemente com o Banco Central independente, que não engole, embora os bons resultados estejam evidentes.

O ministro Haddad acompanha Lula e os petistas contra Roberto Campos Neto para não perder tração no campo petista, que não é de hoje não o engole. Quando ministro da Educação, mesmo sob pressão dos petistas, Haddad não entregou o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o cofre da pasta, ao partido. Colocou lá um servidor de carreira do Tesouro. Ele se legitimou através da boa gestão, mas engoliu poucas e boas calado, até mesmo aguardar com paciência que Lula liberasse a vaga de candidato em 2018 para ele.

Míriam Leitão - A dimensão da reforma tributária

O Globo

O Brasil saiu do bloqueio para a cooperação federativa e deu a largada na maior reforma econômica em três décadas

A reforma tributária apenas começou, mas o passo concluído na madrugada da sexta-feira tem uma dimensão maior do que se imagina num primeiro momento. O Brasil saiu do bloqueio para a cooperação federativa nessa matéria. Deu a largada na maior reforma econômica em três décadas. Esta é uma reforma diferente das outras, em todos os pontos. Um deles é o fato de não ter tido a origem no Executivo. Apesar disso, na lista dos vencedores dessa histórica votação está o ministro Fernando Haddad que entendeu o espírito do momento.

O grande vencedor da semana é o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que sentiu a tendência do plenário, a maturidade do debate e conduziu o esforço para a superação dos obstáculos. A escolha da pauta central da semana foi feita por ele apesar dos resmungos de articuladores políticos do Planalto que preferiam que fosse seguida a ordem que imaginavam a melhor. Se tivesse feito isso, Lira teria perdido o momento do quórum para a votação de uma emenda constitucional. Na sexta-feira, a Câmara aprovou o texto-base do Carf .

A reforma veio vindo no tempo, sendo discutida, adiada e descartada, reapresentada. Primeiro na Constituinte, depois com o projeto do presidente Fernando Henrique, em seguida com o do presidente Lula no primeiro mandato. O economista Bernard Appy saiu do Ministério da Fazenda, do qual participou como secretário, entre 2003 e 2008, para a formulação desse projeto. Criou um centro de estudos e formulou a reforma que chegou ao Congresso em 2019 através da Emenda 45, do deputado Baleia Rossi. Desta forma, Rossi e Appy estão também na lista dos vencedores.

Elio Gaspari - Lira e Haddad dão pista livre a Lula

O Globo

Com estilos diferentes, presidente da Câmara e ministro da Economia conquistam resultados inéditos

A aprovação da emenda constitucional da Reforma Tributária mostrou que, com a costura de Arthur Lira, presidente da Câmara, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula terá uma pista livre para governar. Lira e Haddad têm estilos diferentes. Quando os dois estilos se juntam, conseguem resultados inéditos. A PEC teve 382 votos, 74 acima do necessário, no primeiro turno e 375, no segundo.

A Reforma Tributária ficou na agenda do país por 30 anos. Sabendo-se que entre a hora em que o presidente americano John Kennedy quis mandar um americano à Lua e o dia em que Neil Armstrong lá pisou, passaram-se apenas oito anos, vê-se o tamanho dos obstáculos que estavam no caminho.

Tão significativa quanto o resultado da última quinta-feira, foi a autoimolação a que Jair Bolsonaro submeteu seus mais fiéis seguidores. É verdade que em condições normais de temperatura e pressão, Bolsonaro é o adversário dos sonhos de políticos habilidosos como Haddad e frios como Lira. Em menos de uma semana, o ex-capitão perdeu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por 5 a 2 e na Câmara, por 382 a 118.

Luiz Carlos Azedo - Reforma sedimenta a aliança entre Lula e Lira

Correio Braziliense

PEC da Transição proporcionou o estoque de emendas parlamentares que Lula teve para negociar aprovação do arcabouço e da reforma. Estão dadas as condições para a consolidação da parceria

Apesar do forte simbolismo da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice, Geraldo Alckmin, eternizado na foto de subida da rampa do Palácio do Planalto em companhia do cacique Raoni e outros representantes de minorias, o marco inaugural do novo governo foi 8 de janeiro. Enquanto bolsonaristas de extrema direita invadiram, e depredaram, as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com claro objetivo de provocar uma intervenção militar, o ex-presidente da República e alguns auxiliares mais próximos, como ex-ministro da Justiça Anderson Torres, acompanhavam as cenas pela tevê, em Miami, nos Estados Unidos.

A tentativa de golpe virou caso de polícia, a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Nesses seis meses, a agenda do país mudou radicalmente. A pauta identitária, que estava dando o tom do governo, ao lado da agenda ambiental e da diplomacia presidencial, ficou em segundo plano. A centralidade política passou a ser a defesa da democracia, compartilhada com os demais poderes, principalmente o STF.

Naquele momento, embora dono de 58.206.322 votos (49,1%), 400 mil a mais do que em 2018, Bolsonaro iniciava o processo de isolamento que culminou na sexta-feira passada, com a fragorosa derrota que sofreu na Câmara. A reforma tributária foi aprovada em primeiro turno por 382 deputados a favor e 118 contrários (três se abstiveram). Na segunda votação, foram 375 votos a favor e 113 contrários à PEC.

Dorrit Harazim - Morte cívica

O Globo

Para alguns prisioneiros políticos do regime ditatorial de Ortega, aceitar a extradição seria desalmar-se em vida

Tonitruante defensora de trabalhadores sem direitos nos Estados Unidos do início do século XX, foi Mary Harris Jones quem cunhou a frase “Meu endereço é como meu sapato — viaja comigo para onde há luta”. Viveu admirada como Mother Jones entre mineiros e sindicalistas da época e temida pelos donos das minas como “a mulher mais perigosa da América”. Na Nicarágua de 2023, Mary Jones não teria caminhos por onde gastar sola de sapato. Os endereços de luta lhe estariam vetados. Seria uma errante desterrada sem documentos nem cidadania, sem chão. A liberdade física equivaleria a uma morte cívica. Para alguns prisioneiros políticos do regime ditatorial de Daniel Ortega, como o bispo católico Rolando Álvarez, aceitar a extradição seria desalmar-se em vida.

Celso Rocha de Barros* - Lula teve semana de ouro

Folha de S. Paulo

Reforma Tributária é grande vitória para o governo, mas não só dele

Câmara dos Deputados aprovou a Reforma Tributária proposta pelo governo Lula.

Foi a primeira grande reforma tributária aprovada desde o fim da ditadura. O Brasil vai ter um sistema tributário mais parecido com o dos países desenvolvidos. Distorções que prejudicaram nossa indústria nas últimas décadas serão eliminadas. A frente ampla que elegeu Lula mostrou que pode entregar mais do que a reconstrução da democracia: a reforma foi resultado de gente diferente conversando sobre progresso.

O economista Samuel Pessôa já havia escrito nesta Folha que ela pode ser um novo Plano Real. Não sei se será, mas as projeções dos economistas são mesmo boas. Além do que, depois da última década, meio Plano Real já seria suficiente para me fazer dar volta olímpica na praça dos Três Poderes.

Bruno Boghossian - O ministério que virou trocado

Folha de S. Paulo

'Vai não vai' de ministros oscila entre o dramalhão mexicano e a comédia pastelão

Quando foram revelados os laços do grupo de Daniela Carneiro com milicianos, o governo segurou a ministra na cadeira. Eram os primeiros dias de mandato, e Lula não queria testar tão cedo os humores de sua base.

Ficava claro que o controle do Ministério do Turismo era uma questão de pragmatismo bruto. Alguns lances da política são assim, mas poderiam dispensar o espetáculo de humilhação coletiva encenado depois.

Ninguém sai ileso da caótica troca de guarda na pasta. Lula ficou com o prejuízo de ter entregado o ministério a um grupo com força política limitada a Belford Roxo. A barbeiragem ainda deu ao centrão a oportunidade de exercitar sua vocação chantagista e obrigou o petista a admitir que, hoje, é o lado fraco da relação.

Vinicius Torres Freire - A conspiração do atraso nos impostos

Folha de S. Paulo

Favores do Senado para empresas, estados e municípios podem matar a reforma

O Senado quer deixar sua "marca" na Reforma Tributária. Tudo bem, desde que não seja para ferrar o gado, aliás uma crueldade, e arrebanhar favores para certos tipos de empresas e para governadores e prefeitos. Isto é, toda essa gente que diz querer a reforma, desde que ela não exista: desde que continuem todos os regimes especiais para empresas e a liberdade dos governos de fazer besteira, confusão e favor com impostos.

Uns senadores querem meter a mão na mudança dos impostos aproveitando ideias ruins já que circulam na casa. Outro tanto deles é bolsonarista e quer derrubar a reforma por espírito de porco. A reforma corre risco no Senado.

Muniz Sodré* - A overdose de cada dia

Folha de S. Paulo

Fé não se discute, mas o cabimento de projetos de ampliação da isenção tributária das igrejas sim

O poeta e semiólogo Décio Pignatari relatou-me certa vez como produziu, por encomenda, a marca nacional de um óleo lubrificante para automóveis: programou no computador uma combinação de palavras oscilantes entre brasilidade e lubrificação, de modo a obter um resultado satisfatório. Faz pouco, o processo me pareceu reverberar numa rua de subúrbio do Rio, onde entrepostos religiosos ostentam variações de "primitiva de Cristo" a "tabernáculo de fogo". Há 150 mil deles no país, e crescem.

Fé não se discute, seja na eficácia de um óleo posto no mercado, numa divindade que passe tempo eterno contabilizando dízimos ou na sacralidade indiana da vaca. Scholars do pensamento social enxergariam com razão preconceito em argumentos contrários.

Ruy Castro - Típica salada de Paris

Folha de S. Paulo

Um hotel em Montparnasse onde se diziam besteiras e genialidades nos anos 20

Em Paris é assim. Você procura um endereço histórico, encontra-o e descobre, ao lado, outro ainda mais importante. Deu-se comigo outro dia, quando saí atrás da rue Campagne Première, em Montparnasse, onde Jean-Luc Godard filmou a sequência final de "Acossado" (1959) —em que Jean-Paul Belmondo recebe ordem de prisão dos tiras, tenta fugir, é baleado e sai trôpego pelo asfalto, seguido pela câmera, até cair e morrer. Mal sabia eu que, no número 29 da rua, quase em frente de onde cai Belmondo, fica o Hotel Istria.

Hélio Schwartsman - A guerra dos chips

Folha de S. Paulo

Livro conta a história dos circuitos integrados e como eles moldam até as relações entre potências

Cada vez mais fala-se em desmaterialização da economia. Estão embutidas aí tanto a noção de fazer cada vez mais com cada vez menos recursos materiais como a de que o valor está migrando de produtos físicos para conhecimento, expresso em programas de computador e assemelhados.

"A Guerra dos Chips", de Chris Miller, mostra que, por mais que a informática tenha avançado, ela é e continuará sendo dependente de uma base material, que são os chips, os circuitos integrados. Aliás, a maior parte do incremento do poder computacional de nossos apetrechos tecnológicos se deve a avanços nos chips, que, pela miniaturização, processam cada vez mais informação de forma cada vez mais rápida e eficiente.

Eliane Cantanhêde - O Centrão e ‘a prioridade do governo’

O Estado de S. Paulo

Se os ministros estão com a cabeça a prêmio, os da área social também?

Com dois ministérios, um para o PP, outro para o Republicanos, uma estatal daqui outra dali e R$ 7 bilhões em emendas de uma tacada só, o presidente Lula conseguiu a aprovação folgada da reforma tributária e da mudança no Carf e obteve a sua maior vitória desde a posse: isolou o PL na Câmara, dividiu a extrema direita e ajudou a empurrar Bolsonaro de volta à insignificância.

Por uma barbeiragem do Planalto, a votação da reforma ficou por um fio na quinta-feira. O ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, entendeu errado a reunião de Lula com a (ainda...) ministra do Turismo, Daniela Carneiro, e soltou nota dizendo que ela continuava no cargo. Para quê? O União Brasil (UB) da Câmara pegou em armas, ameaçando votar contra a reforma, o Carf e a âncora fiscal.

Rolf Kuntz - FMI, juros e governo sem plano

O Estado de S. Paulo

Cenários desenhados para a economia nos próximos anos ainda são deprimentes. E não se sabe como o governo do Brasil enfrentará as limitações econômicas

Reclamar dos juros e atacar o presidente do Banco Central (BC) têm sido ações lucrativas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Disfarçam a pobreza da política econômica, atraem apoio parlamentar e empresarial e podem, se o jogo avançar um pouco mais, facilitar sua intervenção na política monetária. Se isso ocorrer, o arsenal do populismo será enriquecido. Mas essa é uma briga perigosa para o País e para o governo. A inflação tem recuado, mas ninguém pode, com segurança, descartar o risco de um repique. As condições globais estão melhores do que há alguns meses, mas a geopolítica permanece inquietante e é cedo para celebrar a normalização dos preços e das finanças. O novo conjunto de riscos foi resumido pela vice-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, em “três verdades incômodas para a política monetária”. Incômodas também, pode-se acrescentar, para um governante pouco disposto, aparentemente, a aceitar os custos da austeridade e das políticas de ajuste.

Memória | Declaração da Conferência Caio Prado Jr. cobra reformas

Memória | Declaração da Conferência Caio Prado Jr. cobra reformas

https://gilvanmelo.blogspot.com/2011/04/conferencia-caio-prado-jr-cobra.html

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

‘Reindustrialização’ proposta por Lula é erro à luz dos fatos

O Globo

Recursos de governo sob pressão fiscal devem ser usados em educação, saúde e ajuda a pobres, não em subsídios

A política industrial voltou à agenda depois que, nos Estados Unidos, Joe Biden ofereceu incentivos a setores como semicondutores ou energia limpa para competir com a China. No Brasil, o governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu, sob o mote da “reindustrialização”, ressuscitar subsídios para automóveis, indústria naval e sabe-se lá o quê. O sufoco das cadeias de suprimento na pandemia é visto como pretexto para reviver a proteção a “campeões nacionais” ou “indústrias estratégicas”. Defensores de políticas industriais costumam justificá-las dizendo que nenhum país se desenvolveu sem adotá-las — e apontam para Estados Unidos, Europa e Ásia. Trata-se, porém, de uma interpretação equivocada dos fatos históricos.

Poesia | Bertold Brecht - Nada é impossível mudar

 

Música | Adoniran Barbosa - Conselho de mulher