O 17º Congresso do PPS não deixa de ser um momento de extraordinário valor para atualizar, através do debate, os paradigmas das forças progressistas. Atualizada e relevante é a idéia investigativa sobre o que é novo reformismo de esquerda no Brasil do século XXI. Tentarei, dentro das minhas limitações de aprendiz, contribuir para essa discussão.
É possível ser reformista de esquerda, hoje? A resposta é afirmativa.
Mas, o que seria isso?
Tenho a convicção de que, em primeiro lugar, é essencial reconhecer as mudanças ocorridas no mundo e no Brasil. E, entender, no campo do pensamento, essas transformações. Mas, há duas maneiras de fazê-las: uma consiste em renunciar aos próprios princípios, o que seria dramático e levaria ao cinismo, a um vazio intelectual. E, poderia, no fim, resultar no individualismo dos antigos. Outra maneira é a de pensar novos caminhos e atualizar os conhecimentos. Em outras palavras, criar novos paradigmas A primeira hipótese não seria a melhor solução. A segunda seria, objetivamente, uma experiência coletiva, mais complexa e exigiria o esforço de unir “fortuna e virtù”. Ou seja, reconhecer que a estrada em busca da democracia e da igualdade é longa.
A primeira premissa é perceber o que sucedeu no século passado. O que se passou? O mundo do século XX foi, em primeiro lugar, de violência, durante o qual alguns homens imaginaram concretizar o genocídio dos judeus. Foi, a época de vitimas das perseguições do fascismo e do nazismo. Inicio do tempo das revoluções sociais que tentaram mudar o mundo. Simultaneamente, da tragédia do "socialismo real" dos horrores do stalinismo. Ao mesmo tempo, o século das liberdades reconquistadas, da Europa isenta das ditaduras, da África livre do colonialismo e apartheid, da América Latina plena de jovens democracias. Paradoxalmente, o século XX foi de extraordinárias conquistas da civilização, do progresso, da emancipação humana.
Penso que o novo reformismo de esquerda, hoje, teria de incorporar os valores históricos pelos quais o antigo reformismo nasceu: liberdade, democracia, justiça, igualdade, solidariedade e trabalho. E, acrescentar os novos valores, do novo século: cidadania, direitos, laicismo, inovação, criatividade, integração, mérito, multiculturalismo, oportunidade, segurança, sustentabilidade e internacionalização. Valores estes, consagrados na Constituição de 1988.
Somos contemporâneos de tempo novo, em que o caráter da sociedade capitalista - modo de produzir, de consumo, de trabalho, de comunicação, relacionamento de conceber e organizar a vida individual e social - está se modificando profundamente. Em outras palavras, o o novo reformismo deveria ser, na essência, do trabalho, do desenvolvimento sustentável, da cidadania e dos direitos civis, da criatividade, da meritocracia, do saber, da consciência do individuo e laico, da democracia representativa, da integração mundial, interdependência, da paz e segurança.
Um tema que deveria ficar bem límpido, cristalino para o reformismo de esquerda e moderno: não há no horizonte nenhuma perspectiva de "revolução" à vista. Deveria, além do que, considerar que esse conceito, tem algo a ver com a idéia de recriação do mundo a partir do zero, radicalmente novo. Isso, na prática, não existe. E o mais grave: as duas grandes "revoluções' a francesa e a russa foram impondo limites à cidadania. O indivíduo poderia ser censurado, preso ou proibido de deixar os seus países por pensar de forma diversa dos" "revolucionários" e levaram à falta de democracia: os jacobinos na França e os bolcheviques na Rússia.
Esse novo reformismo de esquerda tem um papel?
Estou convencido que tem. Ele deveria ser o protagonista principal de um movimento progressista, plural, não só na cultura, mas, também, amplo na sua expressão política. Esse reformismo deveria ser a esquerda do nosso século. A esquerda se não quiser se transformar em uma força conservadora, deveria ter melhor consciência das promessas liberadas pelas mudanças e saber formular as grandes opções reformistas, tais como: que verbalize respeito a uma distribuição mais justa das liberdades entre sexos, etnias e grupos sociais; sinalizando respeito à abertura das oportunidades de vida no campo existencial, fecundado em seus aspectos individuais e coletivos; que expressem à defesa do trabalho, de sua dignidade; que manifestem à valorização dos méritos, enobrecimento profissional, a capacidade empresarial, a inovação social, a criatividade cultural em beneficio da iniciativa individual no campo da responsabilidade social.
No espaço reformista do equilíbrio ecológico: a sustentabilidade das técnicas, a proteção da natureza, o valor cultural do ambiente. Opções que digam respeito à integridade do ser humano, o respeito pela vida, o aprofundamento do Estado laico e a liberdade de escolhas com base na convicção ética dos indivíduos. Valorizem a cultura, a história e a memória, com clara consciência que o desenvolvimento das tecnologias midiáticas trás o risco não só de excluir do processo de conhecimento quem não sabe ou não tem condições de se atualizar, mas, também, o empobrecimento das mentes, reduzindo o presente a uma simples representação de narrativas, sem raízes e sem passado. Fale a respeito à ética política: os direitos, mas, também, os deveres da cidadania, as responsabilidades morais dos representantes democráticos.
Sirva para abrir as portas do mundo da política, muito asfixiante. Valorize a capacidade do autogoverno dos cidadãos e das comunidades locais. Reconstruir a política como expressão dos interesses coletivos e lutar contra o indeterminismo, mas batalhar contra aqueles que concebem a política como instrumento de ambições pessoais e interesses corporativos. Tenha como sagrado os princípios constitucionais, da divisão e independência dos poderes da República, não tolere o totalitarismo de quaisquer conotações políticas ou de grupos sociais.
Reformismo que envolve um novo internacionalismo: a luta contra fome e a pobreza e a favor da "globalização" dos direitos humanos. Conceba que justiça e liberdade são valores inseparáveis e que não pode haver justiça sem liberdade, sem democracia, sem respeito aos direitos humanos. Valores a serem defendidos em qualquer lugar do mundo e que nenhum governo tenha o direito de se esconder atrás da soberania nacional para violar esses valores. Mas, não pode ser "pelo alto" sem povo.
É necessário trazer essa idéia para o presente concreto de nossa sociedade. Não um presente rebaixado, sem perspectiva, acontecimentos sem seqüência, sem passado a ser enfrentado conforme a oportunidade ocasional.
O presente só pode ser dirigido se as forças política reformistas, no País manifestarem visões e projetos que envolvam reformas estruturais: a) uma reforma política em médio prazo. O atual sistema proporcional atual precisa ser reformado. É paroquial. Pior, uma mistura entre paroquialismo e lobbismo, pois boa parte de parlamentares se elegem em função de máquinas – partidárias, prefeituras, igrejas, sindicatos, empresas, coronéis urbanos, sem esquecer o crime organizado, etc. b) reforma administrativa que diga respeito a fortes ações mais simplificadas, totalmente informatizadas, imparciais, promova a profissionalização do trabalho público, em outras palavras, uma administração de qualidade; c) reforma trabalhista que leve em conta, em primeiro lugar, a questão do desemprego. O desemprego causa vários problemas: para o desempregado, para a família e para o Estado. Para o cidadão desempregado e sua família, o desemprego provoca insegurança, a indignidade, aquela sensação de inutilidade para o mundo social.
Em segundo lugar, existe uma realidade dramática. O quadro legal é formado por muitos dispositivos constitucionais. Além de muitos artigos da CLT, leis subsidiárias, normas do Ministério do Trabalho, normas do Ministério da Previdência, convenções da OIT ratificadas pelo Brasil e, no campo do Poder Judiciário, por inúmeros enunciados, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do Tribunal Superior do Trabalho.
No campo da estrutura empresarial é formada por mais de cinco milhões micros empresas, quase trezentos mil pequenas empresas, mais de 30 mil médias empresas e cerca de 25 mil grandes empresas. E neste quadro o drama da informalidade alcança milhões empregados em empresas, outros tantos milhões por conta própria, e mais de quatro milhões de empregos domésticos. E mais, segundo o SEBRAE existem milhões de micro-empresas informais. Os reformistas teriam de enfrentar dois problemas propostos: a questão da flexibilização, de um lado, e por outro lado, a precariedade do trabalho.
Teriam de ser aplicadas medidas positivas que garanta emprego decente e proteção social para todos, estimulem o crescimento, a geração de empregos e formalização da mão-de-obra informal. Melhorem o perfil da distribuição de renda e a garantia da estabilidade da economia, com inclusão social de setores marginalizados da população. Combate à inflação e a defesa do desenvolvimento sustentável., seria criado um "fundo para programas de proteção" aos trabalhadores pobres.
Outro desafio para a esquerda reformista seria enfrentar a questão do campo. Há muitas ideais sobre o tema. O sociólogo Zander Navarro, especialista no assunto, em artigo na imprensa fez uma proposta interessante, resumida assim: a) criação de um único ministério para a área, O Ministério do Desenvolvimento Rural; b) apoio e expansão da agricultura de grande porte, especialmente no centro-oeste; c) respeito aos direitos trabalhistas; d) outra relação com os recursos naturais e a não destruição ambiental; e) apoio mais decisivo a agricultura familiar no centro-sul; f) formar uma Agência de Desenvolvimento Rural destinada, exclusivamente, a implantar a reforma agrária no polígono das secas. Isso permitiria assentar, em condições favoráveis, todos aqueles que ainda demandam terra; g) na região amazônica, moratória imediata na expansão da soja e de formação de assentamento pelo leste do Pará, como forma de manter um patrimônio que se tornará ainda mais valioso, iminente de ações para evitar as mudanças climáticas. Com isso, poder-se-ia mudar a face agrária brasileira para melhor, diminuindo, radicalmente, a pobreza rural e promovendo a justiça social.
É evidente, outras reformas estruturais o Brasil necessita. Realizar, sem mais perda de tempo, em particular, a tributária, a previdenciária a urbana e a universitária. E, a esquerda reformista e democrática deveria ser a protagonista, desempenhar o papel de vanguarda, vital para criar um ambiente de esperança e mudança que supere a atual realidade.
*Texto publicado no Fórum de Debates no Portal do PPS