- Valor Econômico
Nos espaços fabricados pelas Novas Crenças não é possível manter conversações porque a norma é a animosidade
Esparrama-se a percepção de que as coisas podem andar para trás, que o progresso individual e coletivo não é uma fatalidade. Esse sentimento é cada vez mais intenso. É a nostalgia do futuro, um sentimento que reflete as angústias que povoam as almas de homens e mulheres, pasmos diante de uma situação econômica e social que ronda ameaçadoramente suas vidas e as de seus filhos.
No mundo açoitado pelo guante da desigualdade e da injustiça, a angústia sem esperança invoca as trevas da anti-razão. Jair Messias e Abraham Wientraub são fiéis pastores de seus crentes. São fiéis a seus fiéis. Para um contingente parrudo de brasileiros, não importam os deslizes de seus Deuses e Messias. Importa, sim, que os Escolhidos insistam e persistam na afirmação das crenças, ideologias, visões do mundo, valores que refletem os ressentimentos dos súditos maltratados pelas frustrações e misérias da vida.
Diante das misérias da vida e de uma vida de misérias, as vítimas dos deuses mundanos buscam refúgio no Incompreensível. Nos tempos de cólera, elas fogem das dúvidas e angústias que as atormentam. Adaptadas, conformadas, até mesmo confortadas e felizes preferem aceitar que sua existência é apenas uma permissão dos deuses e de seus procuradores na Terra.
Nos espaços fabricados pelas Novas Crenças não é possível manter conversações, porque neles a norma não é a argumentação, mas o exercício da animosidade sob todos os seus disfarces, a prática desbragada da agressividade a propósito de tudo e de todos, presentes ou ausentes, amigos ou inimigos.
As redes sociais, prometidas como o espaço do movimento livre de ideias e opiniões, se transformaram num calabouço policialesco em que a crítica é substituída pela vigilância. A vigilância exige convicções esféricas, maciças, impenetráveis, perfeitas. A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida, disposta ao linchamento. Não se trata de compreender o outro, mas de vigiá-lo. "Estranho ideal policialesco, o de ser a má consciência de alguém", diz o filósofo Gilles Deleuze, também suspeito de patrocinar o marxismo cultural.
Andamos na contramão da História ou a História mudou de mão? Na iminência da eliminação da Filosofia e da Sociologia dos currículos, vou arriscar a pele e recorrer ao testemunho de outro filósofo. Na História da Filosofia, Hegel atribui a Descartes a ruptura com todas as filosofias anteriores "principalmente a que tomava como ponto de partida a autoridade da Igreja". Desde então, continua Hegel, "o pensamento deve partir do pensamento mesmo".
O homem do Iluminismo cobrou seus direitos de dominação, reivindicando o poder de suas Luzes, abominando os obstáculos da tradição ou de tudo que lhe figurasse contrário aos princípios de uma ordem natural, desvendada e comandada pela razão.
Sapere Aude! exclama Emmanuel Kant em seu texto, "O Que é o Iluminismo". Para Kant, a ousadia de entender por si mesmo liberta o homem, sua imatura dependência de outrem. A imaturidade é auto infligida. Não resulta da incapacidade dos homens, mas da falta de coragem para usar seu entendimento sem a guia do outro.