terça-feira, 21 de julho de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

No país das múltiplas crises, já não se sabe qual é a pior e a mais danosa: a que alcança o cotidiano dos cidadãos ou a que compromete o futuro do país?

São, como se sabe, crises diferentes, ainda que de certa forma complementares e com a mesma gênese, o mesmo ponto de partida.

A crise, vista de Brasília, é, hoje, essencialmente moral e política, mistura explosiva de aparelhamento da administração federal, compadrio político, corrupção endêmica, má gestão e, agora, risco de comprometimento de algumas das condições básicas de governabilidade.
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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB, em artigo ‘Qual crise?’ Folha de S. Paulo, 20 de julho de 2015.

Presidente Dilma e seu governo têm piores avaliações desde 2011

Lucas Marchesini e Bruno Peres | Valor Econômico

BRASÍLIA - (Atualizada às 11h38) A avaliação do governo e da própria presidente Dilma Rousseff registraram os níveis mais baixos desde 2011, conforme pesquisa da CNT/MDA, divulgada nesta terça-feira.

A avaliação positiva do governo atual ficou em 7,7% em julho, abaixo dos 10,8% apurados em março e distantes dos 49% de agosto de 2011, o primeiro levantamento sobre o mandato de Dilma.

Por sua vez. a avaliação negativa da gestão da presidente correspondeu a 70,9% em julho, sendo que 18,5% classificaram como ruim e 52,4% como péssima. Em março, a percepção negativa somou 64,8%. Em agosto de 2011, essa cifra era 9%.

O índice de desaprovação da presidente subiu para 79,9% em julho, ante 77,7% registrados na pesquisa antecedente. A aprovação da dirigente caiu de 18,9% para 15,3%. Em agosto de 2011, esses percentuais eram 21% e 70%, respectivamente.

Foram entrevistadas 2.002 pessoas, em 137 municípios nas cinco regiões do país, entre os dias 12 e 16 de julho. A pesquisa de março é a mais recente antes da divulgada neta terça-feira.

Lava-Jato
A presidente Dilma é considerada culpada pela corrupção investigada na operação Lava-Jato por 69,2% dos entrevistados que declararam acompanhar o noticiário sobre o caso. Esse número representa 78,3% do total de entrevistados.

Dentro desse grupo, 40,4% apontou o governo como o maior responsável pela corrupção investigada nessa operação. Outros 34,4% assinalaram os partidos políticos como o principal responsável, enquanto 14,2% indentificaram como maior culpado os diretores ou funcionários das empresas. As construtoras foram apontadas por 3,5% dos entrevistados que acompanham o noticiário sobre o caso.

A maioria dos entrevistados para a pesquisa CNT/MDA está descrente com a possibilidade de punição dos investigados. Entre os que acompanham o noticiário sobre a Lava-Jato, 30% acreditam que os envolvidos em corrupção serão punidos, enquanto 67,1% não acreditam.

Além disso, 86,8% dos entrevistados do mesmo grupo afirmaram que as denúncias sobre corrupção na Petrobras prejudicam a economia no país, enquanto 11,9% discordam dessa afirmação.

Mais de 60% se declara a favor de impeachment de Dilma, revela CNT/MDA
Quase dois terços da população é a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, de acordo com a pesquisa CNT/MDA divulgada nesta terça-feira. O levantamento entrevistou 2.002 pessoas, das quais 62,8% se disseram a favor do impeachment da presidente. Outros 32,1% se disseram contra o impeachment de Dilma, enquanto 5,1% não souberam ou não responderam a pergunta.

Entre os motivos assinalados para um eventual afastamento da presidente, 26,8% apontaram irregularidades nas prestações de contas do governo envolvendo as “pedaladas” fiscais. Além disso, 25% indicaram como causa a corrupção na Petrobras, enquanto 14,2% apontaram como motivo as irregularidades nas contas da campanha para a Presidência em 2014. Outros 44,6% assinalaram todos os três motivos apresentados.

Lula perderia 2º turno para para Aécio, Serra ou Alckmin
O ex-presidente Lula perderia em um eventual segundo turno para os três principais políticos do PSDB, caso a eleição presidencial fosse realizada nas datas da pesquisa CNT/MDA, entre 12 e 16 de julho.

A maior diferença seria em uma disputa com o senador Aécio Neves. Nesse caso, o tucano receberia 49,6% dos votos dos entrevistados contra 28,5% para Lula. Além disso, 17,6% indicaram que votariam em branco ou nulo.

Já em uma disputa contra o senador José Serra, o petista receberia 31,8% dos votos contra 40,3% do ex-governador de São Paulo. Nesse caso, 21,8% votariam em branco ou nulo.

A menor margem aconteceria em uma disputa contra o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Nessa simulação, o tucano receberia 39,9% dos votos válidos, contra 32,3% para Lula e 20,8% em branco ou nulo.

Dirigentes de empreiteira são condenados a 15 anos

• Justiça pune três primeiros ex-empreiteiros na Lava-Jato; "ninguém é intocável", diz procurador

Cleide Carvalho, Germano Oliveira e Tiago Dantas

Escândalos em série

SÃO PAULO - O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal do Paraná, condenou ontem por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa três executivos da construtora Camargo Corrêa envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato. Foi a primeira condenação de integrantes do primeiro escalão de empreiteiras pelo pagamento de propinas e formação de cartel para fraudar licitações e contratos da estatal. A Lava-Jato se tornou a maior ação de combate à corrupção no país, não apenas pela descoberta de desvios bilionários dos cofres da Petrobras, mas por investir ao mesmo tempo contra corruptos, corruptores e operadores do esquema. A sentença de ontem, referente à 7ª fase da Lava-Jato (novembro de 2014), foi a primeira a atingir empreiteiros. Aguardam no banco dos réus outros 21 dirigentes e executivos de cinco das maiores empreiteiras do país: OAS, Galvão Engenharia, Mendes Junior, Engevix e UTC.

Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa, e Eduardo Leite, ex-vice-presidente da empreiteira, foram condenados a 15 anos e 10 meses de reclusão, mas serão beneficiados com a redução da pena por terem colaborado com as investigações. O ex-presidente do Conselho de Administração da construtora João Ricardo Auler foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção ativa e organização criminosa, e deverá voltar à prisão. Ele estava em liberdade com tornozeleira eletrônica. Como não fez acordo de colaboração, deverá cumprir a pena em regime fechado, além de pagar multa de R$ 627,1 mil. Os três têm direito a recorrer em instâncias superiores.

Ao GLOBO, Deltan Dallagnol, um dos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, definiu as condenações e a continuidade das investigações como marcos no combate a crimes de colarinho branco:

- A lição que fica é a de que não há ilícito que não possa ser apurado dentro dos limites legais e constitucionais, nem ninguém que seja intocável em nossa República.

Empreiteira terá de devolver R$ 50 milhões
Os executivos da Camargo Corrêa foram considerados culpados no processo que apurou fraude em licitações e contratos de obras nas refinarias Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, e Getulio Vargas (Repar), no Paraná. O juiz Sérgio Moro estabeleceu que a construtora deve devolver à Petrobras R$ 50,035 milhões a título de ressarcimento. Foi o valor mínimo necessário considerado pelo magistrado apenas em função das propinas pagas à diretoria de Abastecimento da estatal. Ainda não foram computadas propinas à diretoria de Serviços, que, segundo as apurações, ficava com dois terços da propina.

O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Yousssef, intermediário das propinas, também foram considerados culpados nesse processo. Eles foram condenados a 12 e 8 anos, respectivamente. Sérgio Moro mencionou na sentença que políticos investigados no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) se beneficiaram dos desvios nos contratos da Camargo Corrêa. Costa repassava parte da propina a políticos do PMDB e do PP, que o indicaram para o cargo.

Também foi condenado o policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Careca, que fazia a entrega das propinas a mando de Youssef. A pena dele é de 11 anos e 10 meses de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa, e multa de R$ 284 mil. Ele também perde o cargo na Polícia Federal. Ainda nessa ação, foram absolvidos Márcio Bonilho, da Sanko Sider, fornecedora da Camargo Corrêa; Adarico Negromonte, irmão do ex-ministro Mario Negromonte acusado de fazer entrega de propinas; e Waldomiro de Oliveira, acusado de fornecer de notas frias para o esquema.

Moro sugeriu na sentença que a Camargo Corrêa busque regularizar sua situação com a Controladoria-Geral da União (CGU), o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) e o Ministério Público Federal, além da Petrobras: "Considerando as provas do envolvimento da empresa na prática de crimes, incluindo a confissão de seu ex-presidente, recomendo à empresa que busque acertar sua situação junto aos órgãos competentes." Em outro trecho o juiz disse que "este juízo nunca se manifestou contra acordos de leniência, e talvez sejam eles a melhor solução para as empresas".

Em nota, a Camargo Corrêa frisou que os condenados são ex-dirigentes da construtora e que tem se colocado à disposição das autoridades desde que tomou conhecimento das investigações, além de ter "empreendido esforços para identificar e sanar irregularidades, reforçando sua governança corporativa e sistemas de controle."

Beneficiados pela delação, Avancini e Leite cumprirão de dois a seis anos de regime semiaberto, contados a partir de março de 2016. O uso da tornozeleira eletrônica poderá ser dispensado. Depois de março de 2018, se tiverem pena a cumprir, valerá o correspondente ao regime aberto. Em relação às indenizações acordadas, Avancini pagará R$ 2,5 milhões, e Leite, R$ 5,5 milhões. Os dois poderão ser alvo de novas condenações, em novas ações judiciais. Moro afirmou que as penas serão unificadas, caso sejam condenados.

Réu em todos os processos envolvendo a diretoria de Abastecimento, Costa será condenado a até 20 anos de prisão na soma de sentenças, mas cumprirá no máximo dois anos no regime semiaberto domiciliar. Youssef, que também é réu em várias ações, ficará só três anos na cadeia em regime fechado. O restante será cumprido em regime aberto por até 30 anos.

'Condenações têm papel didático'

• Procurador diz que empresários já mudaram a forma de se relacionar com o poder público

Thiago Herdy – O Globo

SÃO PAULO - Um dos procuradores da força-tarefa do MP, Carlos Fernando dos Santos Lima, disse, em entrevista ao GLOBO, não só acreditar que a operação Lava-Jato já vem mudando a relação de empresários com os agentes públicos como diz que doações partidárias vem diminuindo e que o país está no caminho para ser mais republicano.

O indiciamento e a condenação de empreiteiros podem ter efeito no comportamento de empresários que têm o poder público como cliente?

Já se verificam sinais de mudança de comportamento entre os empresários brasileiros quando o assunto é o seu relacionamento com o poder público, seja como fornecedores de bens e serviços, seja como doadores de campanha. Não é por outro motivo que as doações oficiais neste ano estão em um dos níveis mais baixos já registrados. Indiciamentos, denúncias e condenações contra empreiteiros têm o papel didático de colocar à classe dos empresários a necessidade de rever conceitos arraigados.

A sentença e a continuidade das ações da Lava-Jato representam um marco no combate a crimes de colarinho branco?

Um marco dentre diversos marcos. Não haveria Lava Jato sem a Operação Banestado. Nela aprendemos a lidar com novos mecanismos investigativos, bem como alcançar o melhor da cooperação internacional no combate à lavagem de dinheiro. O mérito é de de uma operação em que se conjugou e conjuga o melhor da experiência de anos do MPF e da Polícia Federal no combate do crime de colarinho branco.

Além da ação de órgãos de controle, que mudanças são necessárias para combater a cultura da corrupção no país?

Obviamente há ainda o que se fazer. O importante é a percepção de todos de que estamos no caminho para um país mais republicano.

Justiça condena primeiros empreiteiros na Lava Jato

• Antiga cúpula da Camargo Corrêa pagou propina de R$ 50 mi, conclui Justiça

• É a primeira condenação de executivos investigados na Lava Jato por desvios na Petrobras

Bela Megale, Graciliano Rocha – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A Justiça Federal condenou três ex-executivos da Camargo Corrêa investigados na Lava Jato por pagarem R$ 50 milhões em propina para conseguir contratos na Petrobras. Eles foram considerados culpados na primeira instância pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e atuação em organização criminosa.

A decisão afeta Dalton Avancini, ex-presidente da empresa, Eduardo Leite, ex-vice-presidente, e João Auler, ex-presidente do conselho. Eles foram acusados por irregularidades em obras da Repar (refinaria Getúlio Vargas), no Paraná, e da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

É a primeira condenação de executivos investigados por corrupção na Petrobras. Na sentença, o juiz Sergio Moro também penalizou o doleiro Alberto Youssef, o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa e o policial federal afastado Jayme Oliveira, conhecido como Careca.

Dos três executivos condenados, dois fizeram acordo de delação premiada e tiveram abatimento de pena. Inicialmente, a sentença estabeleceu para Avancini e Leite uma punição de 15 anos e dez meses em regime fechado, mas, devido à colaboração com as investigações, eles vão ficar em prisão domiciliar até março de 2016.

Depois, terão mais dois anos no regime semiaberto diferenciado, em que precisam dormir em casa e prestar cinco horas semanais de serviços comunitários.

Único do grupo a não fazer delação, Auler foi condenado a nove anos e seis meses de reclusão e não terá direito aos mesmos benefícios que seus colegas. Ele deve voltar à cadeia até concluir cerca de dois anos em regime fechado.

Além do encarceramento, os réus foram condenados a devolver dinheiro à Petrobras. Terão que ressarcir os R$ 50 milhões à estatal. Também precisarão pagar multas criminais e civis –cujos valores somados, entre os executivos, ultrapassam R$ 10 milhões.

Todos os condenados têm o direito de recorrer a instâncias superiores.
Peças-chave nas investigações da Operação Lava Jato, os também delatores Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa receberão uma série de benefícios. Todas as condenações que receberem serão unificadas. No caso do doleiro, ele passará no máximo três anos na cadeia, independentemente da soma final de suas condenações.

Já o ex-diretor de Petrobras Paulo Roberto Costa, que está em prisão domiciliar, poderá deixar sua casa durante o dia, com obrigação de retornar à noite e ali permanecer nos finais de semana, a partir de outubro.

"Efetividade"
Em diversos trechos da sentença, Moro enalteceu a "efetividade" das delações premiadas e a importância do instrumento para os desdobramentos da investigação.

"A efetividade da colaboração de Alberto Youssef não se discute. (...) Forneceu provas relevantíssimas para a Justiça de um grande esquema criminoso. Embora parte de suas declarações demande ainda corroboração, houve confirmação pelo menos parcial do declarado", escreveu o juiz sobre o doleiro.

Ouvidos pela Folha, advogados de defesa que atuam no processo avaliam que a decisão de Moro deixa claro que quem não fizer delação sofrerá consequências mais graves. Eles acreditam que esta sentença é um prenúncio do que se dará em outros capítulos da Lava Jato: quem não colaborar volta para a cadeia.

Celso Vilardi, defensor de João Auler, disse que vai recorrer da decisão. Para o criminalista, a sentença de Moro privilegiou apenas as partes das delações que prejudicam seu cliente. "O juiz utiliza as palavras dos delatores para condenar, mas quando esses mesmos delatores absolvem Auler, ele entende que essa parte não é crível."

Já os advogados dos réus que tiveram as penas amenizadas por conta da colaboração com a Justiça disseram que, inicialmente, não veem razões para recorrer.

"Eles confessaram o que tinha que ser confessado e trouxeram novidades. A avaliação é positiva", disse Marlus Arns, que atua na defesa de Avancini e Leite.

Colaborou Gustavo Uribe, de São Paulo

Presidente da Odebrecht e 4 executivos são indiciados

Bela Megale, Graciliano Rocha e Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

• Em notas encontradas pela PF, executivo fala em buscar coordenação com "grupo de crise do governo"

• Empresário menciona contatos com políticos e propõe "higienizar apetrechos" de dois executivos sob suspeita

SÃO PAULO - Anotações encontradas pela Polícia Federal nos telefones celulares do empresário Marcelo Odebrecht sugerem que ele se empenhou ativamente para conter danos causados pela Operação Lava Jato antes de ser preso pela PF.

De acordo com relatório produzido pelos policiais que examinaram as anotações, o executivo buscou contato com políticos e auxiliares da presidente Dilma Rousseff para discutir o avanço das investigações e seu impacto.

As anotações mencionam vários políticos, em geral indicando apenas as iniciais, e muitas são difíceis de interpretar com segurança sem conhecer o contexto em que foram produzidas e a identidade das pessoas mencionadas.

O relatório é um dos elementos apresentados pela PF para justificar o indiciamento de Marcelo Odebrecht por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro, proposto nesta segunda-feira (20).

O empresário está preso em Curitiba desde 19 de junho, junto com outros quatro executivos que trabalhavam para o grupo Odebrecht e também são acusados de participar do esquema de corrupção descoberto na Petrobras.

Os procuradores da Lava Jato devem analisar o relatório da PF e avaliar se novas investigações serão necessárias, ou se já há evidências suficientes para propor à Justiça uma ação penal contra os executivos.

"Grupo de crise"
Uma das anotações encontradas pela PF nos celulares de Marcelo Odebrecht diz ser necessário ter "contato ágil/permanente com o grupo de crise do governo e nós para que informações sejam passadas e ações coordenadas".

A PF não sabe quando a anotação foi feita, mas suspeita que isso ocorreu depois de novembro do ano passado, quando a Operação Lava Jato prendeu executivos de várias empreiteiras que têm negócios com a Petrobras.

A mesma anotação fala em "trabalhar para para/anular (dissidentes PF...)". Segundo a interpretação da PF, trata-se de um indício de que Marcelo Odebrecht pretendia usar policiais "dissidentes" para tumultuar as investigações.

O empresário também parecia empenhado em oferecer garantias a dois executivos do grupo sob investigação, Márcio Faria e Rogério Araújo, que hoje estão presos com ele em Curitiba. "MF/RA: não movimentar nada e reembolsaremos tudo e asseguraremos a família. Vamos segurar até o fim", diz a anotação.

O mesmo arquivo fala em "higienizar apetrechos MF e RA". De acordo com a interpretação da PF, isso significa que o empresário pretendia apagar o conteúdo de telefones, computadores e outros aparelhos dos executivos.

Há referências ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que aparece numa anotação como "ECunha", mas o contexto não deixa claro por que Marcelo Odebrecht pensou neles ao redigir as anotações no telefone.

Segundo a polícia, "MT" é o vice-presidente Michel Temer, "GA" é o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), "FP" é o governador mineiro, Fernando Pimentel (PT), e "JW" é o ministro da Defesa, o petista Jaques Wagner.

A PF achou também um e-mail de 9 de janeiro de 2013 com o título "Pedido específico blindagem JEC". Para o policial que analisou o material, "JEC" pode ser o ministro da Justiça, o petista José Eduardo Cardozo. O texto do e-mail inclui esta frase: "Para Edinho visão da conta toda inclusive gasto com o Haddad. MRF: dizer do risco de chegar na campanha dela?".

Para a PF, "Edinho" pode ser o então presidente do PT de São Paulo, Edinho Silva, hoje ministro da Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto, e a mensagem pode ser uma referência à campanha do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), eleito em 2012.

Justiça condena 3 da Camargo; PF indicia dono da Odebrecht

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

• Lava Jato. Decisão do juiz federal Sérgio Moro é a primeira que atinge investigados na operação ligados a construtoras; presidente da maior empreiteira do País é indiciado por corrupção, lavagem de dinheiro, fraude a licitações e crime contra a ordem econômica

A Justiça Federal condenou ontem ex-executivos da construtora Camargo Corrêa por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Também ontem, a Polícia Federal indiciou o empresário Marcelo Odebrecht, presidente da maior empreiteira do País, por corrrução, lavagem de dinheiro, fraude em licitações e crime contra a ordem econômica. As duas decisões são desdobramentos da Operação Lava Jato, que investiga a Petrobrás. Foi a primeira condenação de empreiteiros, ainda em primeira instância, no âmbito da Juízo Final, etapa da operação que alcançou as empreiteiras que atuam na estatal.

A decisão é do juiz Sérgio Moro, que conduz as ações penais decorrentes da investigação sobre corrupção e propinas empresa petrolífera. Os crimes referem-se às obras das refinarias Abreu e Lima e Repar. Dalton dos Santos Avancini, que foi presidente da empreiteira, e Eduardo Leite, ex-diretor vice-presidente, foram condenados a 15 anos e dez meses de reclusão. Os dois fizeram delação premiada nos autos da Operação Lava Jato e, por isso, o juiz Sérgio Moro concedeu a eles regime de prisão domiciliar.

João Ricardo Auler, ex-presidente do Conselho de Administração da empreiteira, pegou nove anos e seis meses de reclusão por corrupção e pertinência à organização criminosa. Ele foi, absolvido do crime de lavagem de dinheiro. O juiz também condenou o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. O agente da Polícia Federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Jayme Careca, foi condenado a 11 anos e dez meses de prisão por lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Na mesma sentença, o magistrado absolveu o empresário Márcio Andrade Bonilho, do Grupo Sanko Sider, do crime de corrupção ativa, por falta de prova. Também foi absolvido Adarico Negromonte Filho - irmão do ex-ministro das Cidades do governo Dilma Rousseff Mário Negromonte - da imputação do crime de pertinência à organização criminosa e de lavagem. Os empresários já não exercem mais funções na Camargo Corrêa.

Eles foram condenados por fatos que, segundo a força-tarefa da Lava Jato, ocorreram no período em que ocupavam a cúpula da empreiteira - Dalton dos Santos Avancini era presidente, João Ricardo Auler, presidente do Conselho de Administração e Eduardo Hermelino Leite, o "Leitoso", exercia o cargo de vice-presidente da Camargo Corrêa. Avancini, que já esteve preso em Curitiba (PR), sede da operação, vai cumprir ainda cerca de um ano de prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica.

Polícia. Marcelo Odebrecht foi indiciado por corrupção, lavagem de ativos, fraude a licitações e crime contra a ordem econômica, supostamente praticados em contratos da Petrobrás. Em relatório de 64 páginas, o delegado Eduardo Mauat da Silva atribui os mesmos crimes a outros dirigentes da Odebrecht -Rogério Santos de Araújo, Alexandrino de Salles de Alencar, Márcio Faria da Silva, Cesar Ramos Rocha, afastados após serem presos.

O agente público da Petrobrás Celso Araripe de Oliveira e os executivos Eduardo de Oliveira Freitas Filho e João Antonio Bernardi Filho também foram indiciados. Odebrecht e outros investigados foram presos no dia 19 de junho, quando deflagrada a Operação Erga Omnes, 14ª. etapa da Operação Lava Jato. O inquérito contra a cúpula da empreiteira foi aberto dia 27 de outubro de 2014, após a deflagração da Juízo Final, fase da Lava Jato que pegou o cartel instalado na Petrobrás. O relatório será agora submetido ao Ministério Público Federal para eventual oferecimento de denúncia.

PF aponta estratégia de Odebrecht para ‘confrontar’ Lava Jato

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

• Relatório parcial com indiciamento de executivos da maior empreiteira do País por corrupção, lavagem, fraude a licitação e crime contra a ordem econômica aponta ‘policiais dissidentes’, ‘cortina de fumaça’,'obstáculos’ às apurações

A Polícia Federal sustenta ter encontrado indícios de que o presidente da maior empreiteira do País, Marcelo Bahia Odebrecht, lançou mão de uma estratégia de confrontar as investigações da Operação Lavas Jato, buscando criar “obstáculos” e “cortinas de fumaça”, que contaria com “policiais federais dissidentes”, dupla postura perante a opinião pública, apoio estratégico de integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ataques às apurações internas da Petrobrás.

“O material trazido aos autos aponta para o seu conhecimento e participação direta nas condutas atribuídas aos demais investigados, tendo buscado, segundo se depreende, obstaculizar as investigações”, informa o delegado da polícia federal Eduardo Mauat da Silva, um dos coordenadores da equipe da Lava Jato.

Nas 64 páginas do relatório ainda pendente de dados sob análise, a PF traça um panorama a partir das anotações feitas pelo próprio Marcelo Odebrecht em seu telefone celular, a partir dos emails e materiais apreendidos, para apontar tal conduta do indiciado.

“Cabe ainda examinar qual teria sido a postura de Marcelo Odebrecht acerca do que envolve a participação da empresa nos ilícitos investigados na Operação Lava Jato”, registra a PF no documento em que pede a manutenção da prisão preventiva do empreiteiro por desvios nos contratos da Petrobrás. Odebrecht está preso desde 19 de junho, junto com outros cinco executivos e ex-executivos do grupo, em Curitiba.

“O dirigente Marcelo Odebtrecht ainda desce a detalhes quanto a sua postura acerca das irregularidades apontadas, o que certamente contrasta com a imagem que se buscou transmitir ao público”, registra o relatório. O documento é base para a denúncia formal que será apresentada pelo Ministério Público Federal, ainda esta semana.

“Verifica-se ainda as ideias do dirigente acerca da Operação Lava Jato, o que demonstra que o mesmo não apenas tinha pleno conhecimento das irregularidades que envolviam o Grupo Odebrecht como pretendia adotar uma postura de confronto em face a apuração.”

Dissidentes. Um dos pontos mais graves da conduta atribuída aOdebrecht para tentar neutralizar as investigações seria a “utilização de ‘dissidentes’ da Policia Federal. No Relatório de Análise 417/2015, da PF no Paraná, consta: “Marcelo ainda elenca outros passos que devem ser tomados identificando-os como ‘ações B’, tido aqui como uma espécie de plano alternativo ao principal.”
“Dentre tais ações estão ‘parar apuração interna’, ‘expor grandes’,'desbloqueio OOG’ (Odebrecht Óleo e Gás), ‘blindar Tau’ e ‘trabalhar para anular (dissidentes PF…)’. Chama a atenção esta última alternativa, cuja intenção explícita de Marcelo Odebrecht, conforme suas próprias palavras, é para/anular a Operação Lava Jato.”

Em outro ponto das anotações do empreiteiro analisadas pela PF, foi identificada a menção a “dissidentes PF…”.

“Uma referência clara à Polícia Federal, ou pelo menos a alguns de seus servidores, ora, ao que parece pela leitura do todo (anotações), Marcelo teria a intenção de usar os ‘dissidentes’ para de alguma forma atrapalhar o andamento das investigações, e, se levarmos em consideração as matérias (grampo na cela, descoberta de escuta, vazamento de gás, dossiês) veiculadas nos vários meios de comunicação, nos últimos meses, que versam sobre uma possível crise dentro do Departamento de Polícia Federal, poder-se-ia, hipoteticamente, concluir que tal plano já estaria em andamento.”

Apurações internas. Outro ponto que seria atacado por essa suposta estratégia da empreiteira de confrontar as investigações seria em relação às comissões internas de apurações da Petrobrás.
“Chama a atenção também a preocupação de Marcelo em relação as CIAS (Comissão Interna de Apuração) da Petrobrás estarem sendo conduzidas por ‘xiitas’ e, nas palavras dele, com seguinte linha de pensamento: temos que encontrar ‘culpado’ caso contrário vamos ser acusados de ‘incompetentes e/ou coniventes!’”, registra a PF.

As comissões internas da estatal passaram a ser abertas após a confissão de dois dois principais delatores da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa e o ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco. A maior parte das já concluídas tem apontado irregularidades e indícios de fraudes em contratos.

“Entretanto, diante da possibilidade de que as informações produzidas pelas CIAs não fossem fidedignas seria de esperar um esclarecimento idôneo por parte da Odebrecht, ao contrário da negativa rasa ou a estratégia de ‘cortina de fumaça’ que tem sido aplicada a cada novo indicio de ilicitude que surge em relação ao Grupo Odebrecht”, informa o delegado Eduardo Mauat da Silva.

O delegado representou “pela manutenção da prisão preventiva dos investigados” Marcelo Odebrecht e dos executivos e ex-executivos Rogério Araújo, Márcio Faria, Alexandrino Alencar e Cesar Rocha. “Face a necessária garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal tanto em face a potencial continuidade delitiva como pela influência negativa que soltos poderiam promover quanto as apurações ainda em curso.”

Depoimento. Os investigados foram ouvidos e optaram pelo silêncio. “Com exceção de Marcelo Odebrecht, que solicitou fosse consignado em seu termo: ‘(…)QUE , perguntado se gostaria de dizer algo em seu favor, respondeu que sempre esteve a disposição da Justiça, prestou depoimento anterior em Brasília, acreditando que não seria necessário o cerceamento de sua liberdade; QUE , continua confiando nos seus companheiros, ou seja, nos executivos que foram detidos, acreditando na presunção de inocência dos mesmos’.”

Para a PF, a partir dessa fala e diante dos elementos contidos até aqui nas apurações, “Odebrecht aderiu de forma inconteste as condutas imputadas aos demais investigados, considerando que delas detinha pleno conhecimento”.

O relatório aponta ainda que membros da OAB possam estar “manipulados” dentro da suposta estratégia da Odebrecht. “A própria OAB faria parte da estratégia de Marcelo Odebrecht, sendo certo que nunca se observou uma atuação tão agressiva da respeitável entidade como durante a fase 14 (Operação Erga Omnes), malgrado até o presente momento não tenha havido qualquer evidência concreta de ofensa a prerrogativas de advogados no exercício dessa atividade”, afirma o delegado da Lava Jato.

Com a palavra, a Odebrecht
Por meio de nota, a Construtora Norberto Odebrecht informou:

“Embora sem fundamento sólido, o indiciamento do executivo e ex-executivos da Odebrecht já era esperado. As defesas aguardarão a oportunidade de exercer plenamente o contraditório e o direito de defesa.

Em relação à Marcelo Odebrecht, o relatório da Polícia Federal traz novamente interpretações distorcidas, descontextualizadas e sem nenhuma lógica temporal de suas anotações pessoais. A mais grave é a tentativa de atribuir a Marcelo Odebrecht a responsabilidade pelos ilícitos gravíssimos que estão sendo apurados e envolveriam a cúpula da Polícia Federal do Paraná, como a questão da instalação de escutas em celas dentre outras.”

Com a palavra, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
“Os presidentes das seccionais da OAB, diante das manifestações de autoridade policial sobre a atuação da Ordem na defesa de prerrogativas dos advogados que têm como clientes pessoas investigadas por desvios de recursos da Petrobras, vem a público declarar:

A OAB não se intimidará e nunca deixará de agir onde prerrogativas profissionais e o direito de defesa forem desrespeitados, sejam eles de advogados de investigados ou de delatores.
Nenhum advogado pode, e nem será, intimidado por autoridades policiais contrariadas com a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito.

As leis existem para serem respeitadas. Investigações devem respeitar preceitos constitucionalmente instituídos.

Caso contrário, correm o risco de serem anuladas, frustrando a expectativa social que deseja ver a correta aplicação da lei.

A OAB, em sua história, sempre lutou por um Brasil em que o Estado Democrático de Direito seja soberano. Junto à população, trabalhou pela aprovação da Ficha Limpa e sempre levantou bandeiras de combate à corrupção, acreditando que pessoas comprovadamente corruptas devam ser punidas.

No entanto, a persecução de uma sociedade mais justa, com corruptos comprovadamente culpados sendo punidos, não pode transbordar para o desrespeito aos marcos legais.

A comunicação entre clientes e advogados é inviolável. Sem ela, não se pode falar em amplo direito de defesa. Em dois anos, nossa procuradoria nacional de prerrogativas realizou mais de 16 mil atendimentos em defesa de advogados.

Tão correta está sendo a atuação da Ordem nos recentes acontecimentos que agitam o noticiário, que a Justiça Federal determinou a suspensão de inquérito em que houve violação da correspondência entre cliente e advogado.

Sabemos que a defesa da Constituição muitas vezes nos leva a zonas poucos confortáveis com determinados setores da sociedade, mas seguiremos lutando pelo devido processo legal, pelo direito à ampla defesa e pelo Estado Democrático de Direito.

Presidentes das seccionais da OAB”

Dilma afirma que investigação sobrie Lula é ‘um absurdo'

- O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff aproveitou a reunião de ontem da coordenação política para defender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, investigado pela Procuradoria da República no Distrito Federal que apura se ele praticou tráfico de influência em favor da Odebrecht. "É um absurdo. Não tem a menor procedência", disse Dilma, conforme relatos de participantes da reunião.

"Se fosse assim, Barack Obama, Angela Merkel e o rei Juan Carlos, que defendem os interesses dos empresários dos seus países, também seriam processados." A suspeita é de que Lula tenha obtido vantagens da Odebrecht ajudando a empreiteira a conseguir obras financiadas pelo BNDES no exterior. Ele nega. Ainda ontem, no Dia do Amigo, a página de Dilma no Facebook postou foto da petista abraçando Lula, com a frase "No Dia do Amigo, a homenagem é ao querido companheiro Lula".

Se Lula falou sobre empresa, 'não meteu cunha', diz Coelho

Cristiane Agostine - Valor Econômico

SÃO PAULO - O primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, afirmou ontem que "pode ter" conversado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o interesse da Odebrecht no processo de privatização da portuguesa EGF, mas disse que o petista "não meteu cunha", ou seja, não fez lobby para beneficiar a empreiteira brasileira.

"Se por acaso alguma menção tenha sido feita [à Odebrecht], foi meramente incidental ou insignificante, no sentido em que poderia haver maior interesse por parte das empresas brasileiras em processos que estivessem anunciados para o futuro", disse Coelho. "Isso pode ter acontecido". O primeiro-ministro e o ex-presidente reuniram-se três vezes e a conversa que "pode ter" havido foi em abril de 2014, cinco meses antes da privatização da EGF.

O primeiro-ministro negou que Lula tenha atuado em favor da Odebrecht em Portugal, conforme apura um inquérito do qual o ex-presidente é alvo. "O ex-presidente Lula da Silva não me veio meter nenhuma cunha para nenhuma empresa brasileira", afirmou Coelho em entrevista, que pode ser assistida pelo site da RTP, Rádio e Televisão de Portugal. "Não me veio dizer: 'há aqui uma empresa que eu gostaria que o senhor, se pudesse, desse ali um jeitinho'. Isso não aconteceu. E nem aconteceria. Estou convencido, nem da parte dele, nem da minha parte", disse o primeiro-ministro a jornalistas.

No fim de semana, o jornal "O Globo" publicou um telegrama no qual o ex-presidente teria pedido ao primeiro-ministro de Portugal para que desse atenção aos interesses da Odebrecht na privatização da EPG.

Lula é alvo de um inquérito que investiga o suposto tráfico de influência em favor da Odebrecht em negócios em Portugal e em Cuba. O ex-presidente nega e na semana passada pediu a anulação do inquérito.

Ao falar com jornalistas, em um hotel de Lisboa, o primeiro-ministro disse que nem a Odebrecht nem outra empresa brasileira apresentou proposta para a compra da EGF, que foi vendida em setembro de 2014 para uma empresa portuguesa. Para o governo de Portugal, o interesse de empresas brasileiras na privatização da estatal ficou "aquém do esperado".

Em entrevista à Rádio e Televisão de Portugal, o embaixador brasileiro em Lisboa, Mário Vilalva, disse que Lula e Coelho "trocaram impressões sobre o comércio bilateral", nas conversas que tiveram. "Nesse contexto é que as empresas são citadas. Isso foi o que o ex-presidente Lula fez, inclusive por sugestão minha, que citasse as empresas que têm interesse em Portugal", afirmou Vilalva.

MP de Portugal confirma que está ajudando o Brasil na Lava-Jato

Eduardo Bresciani e Evandro Éboli – O Globo

• No Brasil, presidente do BNDES diz que banco "é o mais transparente do mundo"

BRASÍLIA - A Procuradoria-Geral da República de Portugal confirmou ontem o recebimento de um pedido de cooperação internacional do Brasil para colaborar com as investigações da Operação Lava-Jato. O pedido, segundo a PGR de Portugal, tem caráter "reservado", e o teor não pode ser divulgado.

O GLOBO revelou domingo telegramas do Ministério de Relações Exteriores que indicam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez lobby junto ao primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, a favor da empreiteira Odebrecht. Segundo relato do embaixador brasileiro em Lisboa, Mario Vilalva, enviado ao Itamaraty em maio de 2014, o ex-presidente Lula "reforçou o interesse da Odebrecht pela EGF" em conversa com Passos Coelho.

A Empresa Geral de Fomento (EGF) foi privatizada pelo governo português, e, na época do telegrama, a Odebrecht fazia parte de um dos sete consórcios que estavam na disputa. A empreiteira brasileira, porém, desistiu do negócio em julho de 2014, e não formalizou proposta.

"Confirma-se a recepção de pedido de cooperação judiciária internacional, através de carta rogatória", diz nota da PGR de Portugal enviada ao GLOBO. "O teor do pedido formulado pelas autoridades brasileiras é de natureza reservada. O Ministério Público português não deixará de investigar todos os factos com relevância criminal que cheguem ao seu conhecimento".

A Procuradoria-Geral da República do Brasil confirmou o envio do pedido, mas também alegou sigilo para não revelar o teor da colaboração solicitada.

Em entrevista à imprensa portuguesa ontem, Passos Coelho disse que Lula não lhe pediu qualquer "jeitinho" para beneficiar a empreiteira brasileira.

- O ex-presidente Lula da Silva não me veio meter nenhuma cunha para nenhuma empresa brasileira. Para ser uma coisa que toda a gente perceba direitinho, é assim. Não me veio dizer: "Há aqui uma empresa que eu gostaria que o senhor, se pudesse, desse ali um jeitinho". Isso não aconteceu. E nem aconteceria, estou eu convencido, nem da parte dele, nem da minha parte - disse o primeiro-ministro português.

Na reunião de coordenação política, ontem, a presidente Dilma Rousseff fez uma defesa veemente de Lula.

- Na História do mundo, reis, príncipes, ex-presidentes defendem os interesses de seus países. Por que Lula não pode? - perguntou Dilma, segundo participantes da reunião.

Lula já é investigado pela Procuradoria da República do Distrito Federal pela suspeita de crime de "tráfico de influência em transação comercial internacional". A investigação tem como base outra reportagem do GLOBO que mostra a atuação dele a favor da Odebrecht em Cuba, onde a empreiteira construiu o porto de Mariel.

"Ingerência política" negada
Sobre as suspeitas de interferência de Lula na concessão de financiamentos pelo BNDES, o presidente do banco de fomento, Luciano Coutinho, negou "ingerência política" na instituição:

- Não há nenhuma relação. Os processos de governança são rigorosos. Não há possibilidade de ingerência política.

Coutinho disse ver com tranquilidade a instalação de duas CPIs para investigar o banco:

- Todos os contratos estão na internet. É obrigação nossa esclarecer. Digo que o BNDES é o banco mais transparente entre todos os bancos de desenvolvimento do mundo.

Sem omissão de resposta
A assessoria de imprensa do Instituto Lula divulgou em seu site, na sexta-feira, respostas enviadas ao GLOBO sobre telegramas diplomáticos que indicam a atuação do ex-presidente a favor da construtora Odebrecht. As respostas foram divulgadas antes mesmo de a reportagem ser publicada na edição de domingo. Após a publicação, o instituto atualizou o assunto no site, afirmando que O GLOBO de omitiu as respostas. Diferentemente do que disse o Instituto Lula em seu site, O GLOBO não omitiu as repostas encaminhadas pela assessoria do ex-presidente.

As mensagens de diplomatas divulgadas na reportagem revelavam que o ex-presidente Lula atuou a favor da construtora Odebrecht, reforçando o interesse da empreiteira brasileira na privatização de uma empresa portuguesa.

O GLOBO destacou na edição dominical os principais trechos das respostas do Instituto Lula que tinham relação com o conteúdo da reportagem. Na resposta enviada à redação, o instituto negou que Lula tenha feito lobby a favor da Odebrecht ou qualquer outra empresa. Alegou que ele apenas comentou o interesse da empreiteira brasileira pela empresa portuguesa, "que, aliás, era público há muito tempo", como frisou.

Cunha tende a perder força, avalia governo

Andrea Jubé, Thiago Resende, Bruno Peres e Lucas Marchesini - Valor Econômico

BRASÍLIA - A avaliação do governo sobre os desdobramentos da crise política é de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), excedeu-se ao anunciar o rompimento com o Palácio do Planalto e dessa forma perderá força política entre os deputados. Ministros e líderes governistas que participaram ontem da reunião de coordenação política não consideram que esteja em curso uma "crise institucional" e, por determinação da presidente Dilma Rousseff, já preparam uma ofensiva de articulação para resgatar aliados descontentes.

Em contrapartida, fontes palacianas não acreditam que a nova acusação contra Cunha traga alívio ao governo, que ainda enfrentará os julgamentos das "pedaladas" fiscais no Tribunal de Contas da União (TCU) e da ação de impugnação do mandato no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Se tudo der certo, respiramos em setembro", desabafou ao Valor uma fonte do palácio. Até porque Cunha perde força, mas segue no cargo, no comando de uma instituição e com a caneta em mãos. Apesar das especulações, não se acredita, no palácio, que Cunha se licenciará do cargo, ao qual se apegará para enfrentar e responder às denúncias. Mesmo assim, é unânime a leitura de que Cunha perde apoios entre aliados, incluindo a oposição e até setores do PMDB.

Um dos 12 ministros que participaram da reunião da coordenação disse ao Valor que "o que houve foi uma ação aloprada do Cunha, que foi muito além do razoável". Outro participante do encontro emendou que Cunha "passou do ponto e perdeu o controle da situação".

Dilma orientou os ministros a deflagrarem uma ofensiva política para ocupar espaços na Câmara, junto aos deputados de seus partidos e de seus Estados para resgatarem os que se desgarraram da base aliada.

A orientação é que, simultaneamente, a articulação política do Planalto intensifique o processo de nomeação de cargos do segundo e terceiro escalão e apresse o pagamento das emendas parlamentares, a fim de diluir o clima de insatisfação que paira sobre a Câmara.

Uma avaliação é de que o pemedebista agravou sua situação ao atirar, inclusive, contra o Ministério Público Federal e o Poder Judiciário, que comandam a investigação da Operação Lava-Jato. Na semana passada, veio a público o depoimento do lobista Júlio Camargo, da Toyo Setal, ao juiz Sérgio Moro, de que Cunha teria lhe cobrado propina no valor de US$ 5 milhões.

Paralelamente, o governo tentará afinar o diálogo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Embora Renan tenha subido o tom no pronunciamento divulgado no domingo, a leitura de bastidores é de que o pemedebista tenta avocar para si o protagonismo no Congresso, diante do enfraquecimento de Cunha. Mas ao contrário do presidente da Câmara, Renan não rompeu com o governo nem acenou com essa possibilidade.

"A posição do presidente do Senado [Renan Calheiros] foi de um aliado colocando ponto de vista", disse o ministro da Defesa, Jaques Wagner, em entrevista coletiva ao final da reunião de coordenação. "A posição do presidente da Câmara foi de alguém que se diz fora da base do governo, esse é o ponto mais importante", definiu.

Wagner também minimizou a declaração de rompimento de Cunha, quanto aos projetos de interesse do governo que serão votados na Casa. "Foi uma decisão individual, já que ficou mais ou menos registrado que o PMDB não acompanha ele [Cunha]". Ele acrescentou que o governo continuará trabalhando com sua base de sustentação normalmente, "para aprovar, a partir do retorno do recesso, tudo aquilo que é importante".

Embora nos bastidores avalie que Cunha perde musculatura, a estratégia do governo é não polemizar com o pemedebista. O líder governista na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que Cunha será tratado com respeito e que o governo hasteará a "bandeira branca" na volta do recesso. Para Guimarães, nem a ameaça de Cunha de entregar postos importantes nas recém-criadas CPIs do BNDES e dos Fundos de Pensão é algo grave. "Vamos encarar com naturalidade. Na CPI da Petrobras, fizeram um aranzel geral na véspera de convocarem o [ministro da Justiça, José Eduardo] Cardozo, mas no fim até a oposição reconheceu que ele se saiu muito bem".

Eduardo Cunha reagiu à fala de Guimarães de que hasteará "bandeira branca". Disse que não está com um "fuzil de guerra" em mãos. "O fato de eu ter mudado meu alinhamento político não significa que eu vá exercer a presidência da Câmara com um viés de qualquer natureza. Será independência de poderes com harmonia", retrucou.

Planalto nega mudança na Casa Civil

Andrea Jubé, Thiago Resende e Bruno Peres - Valor Econômico

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff fez ontem uma defesa enfática do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião de coordenação política do governo, diante da abertura de uma investigação na Procuradoria da República no Distrito Federal contra seu antecessor. Segundo relatos de participantes do encontro, Dilma observou que é natural que ex-governantes de modo geral viajem o mundo divulgando os seus países e suas empresas.

Embora o Instituto Lula tenha apresentado os documentos no prazo legal, o Ministério Público abriu investigação contra o ex-presidente para apurar suas palestras para empresas. O instituto pediu o arquivamento do procedimento. Nos bastidores, está em curso a formulação de um roteiro de viagens pelo Nordeste em que Dilma e Lula cumpram ao menos uma agenda juntos. Ontem, o Palácio do Planalto deflagrou uma ação para exaltar a proximidade de Dilma e Lula. Divulgou nas redes sociais uma foto de ambos abraçados pelo "Dia do Amigo".

Depois da reunião, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, negou que Dilma pretenda fazer mudanças no primeiro escalão, diante de rumores de que ele poderia assumir a Casa Civil no lugar de Aloizio Mercadante.

Em outra frente, Jaques Wagner negou, mais uma vez, que deixe a Defesa pela Casa Civil. "Eu estou muito bem posicionado. As pessoas que torcem pelo governo externam uma opinião aqui ou ali. [...] Somos uma equipe sob a batuta da presidente Dilma, a equipe está afinada", definiu.

O ministro Mercadante tem prestado um serviço importante para o governo e para a presidente", arrematou.

Oposição espera volta do recesso para avaliar quadro

Raphael Di Cunto e Fernando Taquari - Valor Econômico

BRASÍLIA eSÃO PAULO - A oposição adota uma distância estratégica do rompimento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o governo enquanto aguarda a volta do recesso para avaliar efetivamente como será a postura do pemedebista neste novo cenário e os desdobramentos das denúncias contra ele na Operação Lava-Jato.

Se por um lado esperam que o novo posicionamento de Cunha aumente a quantidade de temas em que estarão unidos na Câmara para provocar desgastes no governo e no PT, tucanos ouvidos pelo Valor procuram manter uma distância protocolar do pemedebista e rejeitam tacitamente a classificação de que agora pertencem ao mesmo grupo.

"Não há o que falar em aliança. São convergências em torno de conteúdos", afirma o deputado Marcus Pestana (MG), que classifica o movimento de Cunha como "pendular", ora aliado ao governo, ora aliado à oposição. "Na PEC da Bengala, convergimos. Na redução da maioridade penal, ele tinha uma postura mais radical e aderiu à nossa proposta. Mas nos vários projetos do ajuste fiscal ficamos em lados completamente opostos", pondera.

A negativa, repetida por vários tucanos com os quais o Valor conversou, embute um afastamento à espera dos desdobramentos da denúncia feita pelo lobista Julio Camargo, da Toyo Setal, de que o presidente da Câmara o pressionou a pagar US$ 5 milhões em propina por contratos da Petrobras. Cunha nega e a maioria dos deputados por enquanto lhe dá o benefício da dúvida, mas o PSDB quer se manter distante o suficiente para abandonar o pemedebista sem prejuízos à sua imagem pública.

Pestana lembra: PMDB e PSDB têm anunciado a intenção de lançar candidaturas à Presidência em 2018 e o PMDB ainda está na base do governo, embora um de seus líderes tenha rompido. "São projetos de poder diferentes."

Com exceção de partidos de oposição que apoiaram Cunha na disputa pela presidência da Câmara, como Solidariedade, PSC e DEM, as outras legendas contrárias ao governo - PSDB, PPS e PSB - votavam com o pemedebista em pautas pontuais, principalmente quando nos embates com o PT, como na terceirização e na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras.

"Não precisamos nos unir ao Cunha. Até porque votamos no Júlio Delgado [PSB-MG] na eleição da Mesa Diretora. Agora, se ele tomar medidas que vão de encontro aos nossos interesses, ótimo. Não vamos negar esse apoio", diz um deputado da bancada paulista do PSDB.

Os oposicionistas imaginam que estas alianças se tornarão mais constantes, como nas CPIs dos Fundos de Pensão e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que o pemedebista mandou instalar na sexta-feira e em que o PMDB cogita ceder um dos postos mais relevantes - a presidência ou a relatoria - para a oposição.

Enquanto os principais líderes do PSDB evitam comentar o caso, tucanos estudam se reunir nos próximos dias para debater a postura em relação aos desdobramentos da crise política e das denúncias. Não é aguardado nenhum desagravo como ocorreu na CPI da Petrobras logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar a abertura de investigação contra Cunha, mas também são improváveis críticas públicas até que novas informações sobre o inquérito sejam conhecidas.

No TCU, Planalto usará Estados em sua defesa

João Villaverde, Tânia Monteiro – O Estado de S. Paulo

• Para explicar "pedaladas fiscais" diante da corte, presidente vai utilizar ainda argumento de que manobra semelhante foi praticada durante governo FHC

Em sua defesa formal a ser encaminhada amanhã ao Tribunal de Contas da União (TCU), a presidente Dilma Rousseff vai sustentar que 17 Estados e o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso adotaram práticas semelhantes às "pedaladas fiscais". As pedaladas são atrasos em repasses do Tesouro Nacional para a Caixa Econômica Federal cumprir compromissos de programas sociais. 

O argumento é que essas manobras não constituíram operações de crédito e, portanto, não infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como apontou a corte de contas. Dilma reuniu ontem sua equipe para tratar dos detalhes da defesa.

O Planalto quer evitar a qualquer custo uma inédita reprovação de suas contas pelo TCU, que analisa o balanço anual do governo federal há 78 anos. O parecer da corte, que deve ser emitido em agosto, subsidia o julgamento das contas pelo Congresso. A oposição e setores rebelados da base governista apostam numa eventual rejeição para pedir o impeachment de Dilma. Em sua defesa, o governo mencionará, ainda, que também houve atrasos na transferência de recursos à Caixa, ocorridos em 2000 e 2001, para justificar pontos destacados pelo ministro do TCU, Augusto Nardes, relator do processo de análise de contas, como "distorções" no balanço do governo Dilma.

Além disso, um levantamento feito pelo governo apontará que os 17 Estados trabalharam da mesma forma, com atrasos pontuais em repasses de re-cursos públicos. Para o governo, os contratos da Caixa com os ministérios que administram os pagamentos do programa Bolsa Família, e dos programas seguro-desemprego e abono salarial, todos financiados com recursos do Tesouro, são contratos de "prestação de serviços". Dessa forma, os atrasos nos repasses - que o governo admite - não podem ser compreendidos como crime de responsabilidade fiscal.

Ao apresentar dados sobre as manobras de 2000 e 2001, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal tinha acabado de ser sancionada pelo ex-presidente FHC, Dilma Rousseff pretende mostrar ao TCU que a prática, em maior ou menor medida, nunca foi causa para uma reprovação das contas. A mensagem também é considerada importante para o Congresso, que é o responsável pela decisão final sobre as contas do governo. Dilma também sustentará que mudanças no entendimento do TCU não podem fomentar condenações sem um aviso prévio, mas devem alterar condutas futuras do governo.

Sobre o não contingenciamento de R$ 28 bilhões em gastos no decreto de programação orçamentária de novembro de 2014, o governo vai sustentar que baseou suas estimativas na aprovação do projeto que reduzia a meta fiscal, já em tramitação no Congresso. Mais uma vez, o Palácio do Planalto deve citar como exemplo a era FHC. O governo levantou um decreto orçamentário de abril de 2002 , quando o governo deixou de realizar alterações fiscais porque conduzia "estudos para elevação das alíquotas do IOF".

Com ministros, Dilma finaliza defesa ao TCU

Vinicius Sassine e Luiza Damé – O Globo

• Prazo para enviar documento termina amanhã; texto defende "pedaladas fiscais"

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff decide hoje, na véspera do prazo final, se assina a defesa a ser protocolada no Tribunal de Contas da União (TCU), numa tentativa de evitar a rejeição das contas de 2014. Dilma convocou reunião ontem à noite com todos os ministros e presidentes de bancos oficiais envolvidos na elaboração do documento, que nega indícios de irregularidades nas contas da presidente, incluindo as "pedaladas fiscais".

No encontro, de cerca de uma hora, Dilma analisou os pontos da defesa e concordou com o já preparado até agora, segundo fontes do governo. O prazo de 30 dias dado pelo TCU para que a presidente se explique sobre 13 indícios de irregularidades termina amanhã. O documento será entregue no prazo.

Estão na linha de frente da elaboração da defesa o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Ainda participaram da reunião o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o ministro da Controladoria Geral da União, Valdir Simão, e os presidentes do Banco Central, Alexandre Tombini, do Banco do Brasil, Alexandre Abreu, do BNDES, Luciano Coutinho, e da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior.

Decisão final caberá ao Congresso
As "pedaladas" consistiram num represamento de repasses do Tesouro aos bancos oficiais, que precisaram arcar com pagamentos de benefícios como o seguro-desemprego e o Bolsa Família. O governo alega que a manobra já ocorria em outros anos, e que o TCU nunca reprovou as contas de um presidente por conta dessa prática.

Quando o TCU definiu o prazo de 30 dias, o relator das contas, ministro Augusto Nardes, disse que a defesa precisa ser assinada por Dilma, e não pelo advogado-geral da União. Adams, por sua vez, diz que são questionadas as contas do governo, e não a pessoa da presidente. Nova reunião está prevista para hoje, quando Dilma deverá decidir se assina as explicações.

O TCU deve julgar as contas em agosto. A decisão definitiva, pela aprovação ou rejeição, é do Congresso Nacional.

Governo tenta esvaziar Cunha e reorganizar base no Congresso

Fernanda Krakovics, Júnia Gama, Luiza Damé, Simone Iglesias e Patrícia Cagni – O Globo

• "Se acharem alguém que indiquei, podem demitir", diz presidente da Câmara

BRASÍLIA - O governo aproveitará o recesso de duas semanas do Congresso para tentar reorganizar sua base e evitar novas derrotas na Câmara e no Senado. Além de orientar os ministros a conversar com os parlamentares de seus partidos, o Palácio do Planalto promete acelerar a liberação de emendas parlamentares ao Orçamento e a nomeação para cargos federais. A estratégia inclui não alimentar a polêmica com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PDMB-RJ), que, após ser acusado pelo consultor Júlio Camargo, em delação premiada na Operação Lava-Jato, de ter pedido propina de US$ 5 milhões, declarou sexta-feira que foi para a oposição. O governo pretende aproveitar o oposicionismo momentâneo de Cunha para tentar ocupar o seu espaço.

Em relação ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a estratégia definida na reunião de ontem da coordenação política foi a de "reconstruir a ponte" com ele e a bancada do PMDB no Senado. Em pronunciamento gravado sexta-feira na TV Senado, Renan criticou o ajuste fiscal chamando-o de "tacanho" e previu que meses serão turbulentos para o governo.

Ao chegar em Brasília ontem, Cunha disse que não está com um "fuzil de guerra". Ele respondeu ao líder do governo, José Guimarães (PT-CE), que, dissera ser preciso "estender a bandeira branca".

- Não precisa estender bandeira branca, porque não estou com fuzil de guerra. Estou em um alinhamento político diferente do que eu estava antes - disse o peemedebista.

Questionado se entregaria os cargos sobre os quais tem influência no governo, respondeu:

- Não tenho nenhum cargo indicado. Se acharem algum que indiquei, podem demitir.

O governo aposta no vice-presidente Michel Temer para neutralizar o viés oposicionista de Cunha. No comando da articulação política, Temer tem feito acordos com parlamentares, mas as promessas param nos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), e Joaquim Levy (Fazenda). A presidente Dilma Rousseff determinou ontem que os acordos fechados com os congressistas sejam cumpridos o mais rapidamente possível.

Temer diz que há "crisezinha política"
Após a reunião, os ministros Eliseu Padilha (Aviação Civil), Jaques Wagner (Defesa) e Nelson Barbosa (Planejamento) minimizaram os ataques de Cunha e Renan. Padilha, que também é do PMDB, chegou a chamar o presidente da Câmara de "um dos mais brilhantes parlamentares da Casa, uma pessoa de alta qualificação pessoal, tirocínio singular, conhecedor do regimento, uma pessoa de altíssima qualificação para o exercício da atividade parlamentar".

Padilha e Wagner disseram que as críticas de Renan têm de ser vistas como contribuição:

- Os aliados não estão proibidos de fazer críticas, e o governo tem que ter humildade e sensibilidade para acolher as críticas, analisá-las e, na medida do possível, dialogar com esse parceiro que critica determinadas posições - afirmou Padilha.

- Críticas a gente tem que saber ouvi-las, até porque elas vêm para construir - completou Wagner.

Em Nova York, Temer chamou de "crisezinha política" o rompimento de Cunha com o governo:

- Até uma crisezinha política existe, por causa da posição de Eduardo Cunha. Mas crise institucional é que não existe. Quando eu falei crise institucional, diferenciei da crise política porque o país vive uma tranquilidade institucional, apesar de todos esses embaraços.

Apesar de dizer que não executará uma "pauta da vingança", Cunha autorizou o funcionamento de duas CPIs que preocupam o palácio: a do BNDES e a dos Fundos de Pensão.

Temer diz que Planalto enfrenta apenas uma 'crisezinha'

Altamiro Silva Junior – O Estado de S. Paulo

• Em Nova York, vice de Dilma tenta minimizar impacto do processo desencadeado após denúncia contra Cunha

O vice-presidente da República, Michel Temer, afirmou ontem que existe uma "crisezinha" política no País por causa da decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de se tornar oposição ao governo da presidente Dilma Rousseff. "Na verdade, até uma crisezinha política existe, por causa da posição do presidente Eduardo Cunha. Mas institucional é que não existe. Quando eu falei (em palestra) da crise institucional, eu diferenciei da crise política para revelar que o País vive de qualquer maneira uma tranquilidade institucional, apesar de todos esses embaraços. Esses acidentes ou incidentes que ocorrem de vez em quando não devem abalar a crença no País", disse Temer, após fazer uma palestra para investidores e acadêmicos em Nova York.

O vice-presidente declarou que vai continuar a manter o diálogo com o Congresso Nacional, "que tem sido sensível às nossas afirmações, às nossas postulações". "Devemos superar essa breve crise política que estamos tendo no momento."

"Embaraços". Questionando sobre aposição que tem sido defendida em Brasília por alguns políticos, como o deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), sobre o afastamento de Cunha da presidência da Câmara enquanto é investigado pela Operação Lava Jato, Temer disse que é uma questão a ser resolvida pela Casa. "É uma decisão do Congresso Nacional. Quanto menos tivermos embaraços institucionais é melhor para o País." Temer, que também é presidente nacional do PMDB, ainda foi questionado sobre a posição de seu colega de partido e presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), que declarou no final de semana que o ajuste fiscal que vem sendo conduzido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é "cachorro correndo atrás do rabo" e "enxugar gelo até ele derreter".

"Acho que o Renan quis dizer que o ajuste fiscal ainda não é suficiente. Estamos todos de acordo. Temos que trabalhar mais para arrecadar mais." O vice-presidente declarou que o combate à corrupção no Brasil está sendo feito "às claras". "O que importa não é a existência da corrupção, o que importa é o combate à corrupção, que está sendo feito às claras, nada subterrâneo", afirmou ele, destacando que organismos, como a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário trabalham e funcionam com "toda tranquilidade e independência".

"Estamos passando por um momento de depuração." Temer também minimizou a piora da situação da atividade econômica no País durante sua apresentação. "Crise econômica eu diria que também não temos. O que há é uma necessidade de reacomodação da economia." O vice-presidente ressaltou que até há pouco tempo o País era devedor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, além de ter saldado as dívidas, tem reservas internacionais na casa dos US$ 370 bilhões.

Leilão. Temer chegou em Nova York na noite de sábado e fez ontem uma apresentação de uma hora para investidores e acadêmicos norte-americanos. Na exposição, ele convidou os norte-americanos a investirem no Pais, principalmente nos projetos de infraestrutura que vão, entrar em leilão em portos, aeroporto, estradas e ferrovias. "O Brasil tem segurança institucional, cumpre contratos", ressaltou.

"Estamos em um clima de estabilidade institucional. Contamos com empresários norte-americanos para investir em infraestrutura no Brasil." Hoje, o vice-presidente volta a fazer uma apresentação em Nova York e, em, seguida, tem encontros reservados com investidores dos Estados Unidos.

PMDB enfrenta dificuldades com potenciais candidatos

Thiago Resende - Valor Econômico

BRASÍLIA - As últimas semanas mostraram pontos negativos de possíveis candidatos do PMDB na disputa eleitoral de 2018 - indicando dificuldades ao plano traçado pelo partido. Uma pesquisa que circulou na Câmara dos Deputados aponta que há uma forte rejeição ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, na capital estadual. E a situação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pode ser aprofundar com o eventual agravamento de denúncias do envolvimento dele em irregularidades na Petrobras.

Levantamento encomendado por partidos da oposição ao PMDB no Rio de Janeiro concluiu que 42,6% dos entrevistados consideram a administração atual ruim ou péssima. Os que avaliaram a prefeitura como boa ou ótima representam 20,6% dos 1,2 mil consultados. Concluída no mês passado, a pesquisa, a que o Valor PRO teve acesso, não foi registrada na Justiça Eleitoral. A ideia é mapear o cenário para sustentar possíveis candidaturas à eleição municipal.

As principais reclamações são nas áreas de segurança, obras, transporte coletivo, postos de saúde e educação. O primeiro tópico surpreendeu os pesquisadores. Não estava entre os cinco itens mais relevantes há cerca de um ano. O documento revelou ainda uma rejeição de 48,3% ao governador do Estado, Luiz Fernando Pezão. Apenas 9% deram nota ótima ou boa a ele.

"Percebemos que, do ponto de vista político, há um cansaço do eleitor em relação ao PMDB, que tem a Vice-Presidência da República, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, o governo do Estado, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a prefeitura da capital e a Câmara de Vereadores", afirmou um dos integrantes do partido de oposição ao PMDB.

Paes não quis comentar os dados. Um dos principais pemedebistas na Câmara dos Deputados acredita que esse quadro se reverterá com o início da Olimpíada a ser realizada na cidade. "A avaliação é de que ele [Paes] vai recuperar a popularidade e terminar o mandato muito bem", disse o deputado, que tem força política no Estado. Por causa desse protagonismo no próximo ano, o prefeito do Rio é, por enquanto, o principal nome do PMDB à eleição presidencial de 2018.

Integrantes da bancada do partido na Câmara contam que o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, o vice-presidente da República, Michel Temer, e Cunha também estão na lista de possíveis candidatos ao Palácio do Planalto. No entanto, para esses parlamentares, é uma incógnita se Temer tem interesse na disputa.

No caso de Cunha, outro pemedebista observou que os desdobramentos da Operação Lava-Jato podem comprometer uma eventual candidatura. Os ideais conservadores dele também dificultariam em uma eleição majoritária, acrescentou.

Na semana passada, antes de o lobista Júlio Camargo acusar Cunha de cobrar US$ 5 milhões em propina envolvendo contrato da Petrobras, o presidente da Câmara não negou que pode ser um presidenciável na próxima eleição ao Palácio do Planalto. Destacou apenas que a decisão é do PMDB, que quer ter candidato próprio.

"Isso o tempo vai dizer. Eu vivo o presente. Se fosse pensar no futuro, eu não tomaria muitas atitudes que eu tomo às vezes. Vou buscar fazer aquilo que eu prometi fazer na minha campanha a presidente [da Câmara]. E, a partir daí, ser julgado pela minha atuação positivamente ou negativamente", disse.

Merval Pereira - "Negócios corruptos"

- O Globo

Depois de todas as revelações da Operação Lava-Jato - incluindo o indiciamento do empreiteiro Marcelo Odebrecht pelos crimes de fraude a licitação, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, crime contra a ordem econômica e organização criminosa; e a condenação, pelo juiz Sérgio Moro, a 15 anos de prisão de vários dirigentes da Camargo Corrêa, outra gigante da construção -, por que seria surpreendente que o ex-presidente Lula esteja sendo investigado por suas relações com a Odebrecht, quando se sabe que a atuação do cartel de empreiteiras na Petrobras aconteceu durante todo o governo Lula, entrando pelo de Dilma, e que o PT foi o grande artífice do esquema de corrupção, montado para financiar o partido e seus aliados?

"Lula está apoiando empresas corruptas a fazer negócios corruptos no exterior", definiu Alejandro Salas, diretor regional para as Américas da Transparência Internacional em Berlim. A declaração dá o título de uma reportagem da revista americana "Foreign Policy", uma das mais prestigiadas sobre política internacional.

Por que acreditar que os negócios que o governo brasileiro apoiou, por meio de empréstimos do BNDES, em países africanos e ditaduras latino-americanas como Cuba, ou protoditaduras como a Venezuela, são corretos, quando se sabe o histórico de negociatas envolvendo esses governos totalitários, e temos, no próprio Brasil, o exemplo invulgar da Refinaria Abreu e Lima, que custou até agora seis vezes o que fora previsto, numa associação da Petrobras com a PDVSA que nunca deveria ter saído do papel?

Beira o patético a afirmação de que Lula, ao viajar nas asas da Odebrecht pelo mundo, estava só querendo ajudar uma empresa brasileira a ter êxito no exterior, que Lula está sendo acusado de ajudar o país.

Mesmo que o ex-presidente estivesse cumprindo apenas uma agenda de palestras nesses países, uma atividade legítima de diversos ex-presidentes pelo mundo, ele não poderia levar dirigentes de empreiteiras a reuniões palacianas com os dirigentes do país em que atuava como palestrante, justamente para não misturar as coisas. O conflito de interesses está bastante claro nessa atitude dupla de misturar prestígio pessoal como ex-presidente com negócios particulares.

Os negócios particulares do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton tiveram que ser contidos quando sua mulher Hillary assumiu como secretária de Estado no governo Obama, e até mesmo financiamentos de países árabes para programas sociais de sua fundação foram paralisados, devido ao óbvio conflito de interesses.

Mesmo assim, a "Foreign Policy" critica o hábito de atividades particulares de ex-presidentes e ex-primeiros-ministros não serem investigadas com rigor, citando, além do caso de Clinton - considerado um claro conflito de interesse nunca totalmente resolvido -, diversos outros, como os do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que hoje faz parte de diversos conselhos de empresas e bancos de investimentos, ou do ex-chanceler alemão Gerhard Schröder, que dirige uma empresa de energia ligada ao governo russo.

Vários ex-presidentes pelo mundo, porém, estão sendo ou foram investigados por fatos que aconteceram durante seus mandatos, o que se deve provavelmente a fatores culturais. No Brasil, até hoje não houve condições políticas para que Lula fosse incluído no rol de investigados pelo mensalão, por exemplo, quando ficou claro que, para que o processo pudesse ter êxito, a culpa teria que parar no ex-chefe da Casa Civil José Dirceu.

E, mesmo no caso do petrolão, com informações de diversos acusados de que a campanha presidencial de 2010 foi irrigada com dinheiro desviado da Petrobras, não há até agora nenhuma investigação sobre a responsabilidade de Lula no esquema, embora ele tenha começado em seu governo.

A. P. Quartin de Moraes - Chega de papo furado ::

- O Estado de S. Paulo

Uma coisa é preciso que se diga a respeito de Lula: o homem se acha! É verdade que nenhum outro político pode se gabar de trajetória tão brilhante. Esse mérito ninguém lhe tira. Mas é verdade, também, que o destino andou conjugando as circunstâncias de modo a facilitar essa jornada. E contou, justiça seja feita, com uma mãozinha do interessado, que aprendeu cedo que a vida é um pouco mais complicada do que o conflito entre o bem e o mal, mas teve a astúcia de manter o mal sempre à vista, para contra ele investir cavalgando o bem de lança em punho, impávido e determinado.

Depois de vencer quatro eleições presidenciais, duas diretamente e duas por controle remoto, é natural que Lula se sinta cheio de si a ponto de acreditar, agora, que tudo o que começou a dar errado só pode ser atribuído a uma imperdoável circunstância: ele não continuar ocupando o trono que deixou provisoriamente aos cuidados de uma sucessora – que falseta do destino! – muito incompetenta.

Não se poderia esperar outra coisa, portanto, senão que Lula tente defender a preservação de seu precioso legado apelando ao recurso mais eficiente de seu repertório de encantador de massas: deitar falação. Para Lula, mais do que qualquer outra coisa, o político tem de falar. Falar muito. Se conseguir pensar também, ajuda. Mas, como a categoria não prima pela conjugação frequente das duas habilidades, que pelo menos fale. O conteúdo ele próprio fornece, se for o caso. Afinal, ele é o cara.

Assim, há meses Lula não faz outra coisa senão martelar a cabeça de sua cada vez mais rebelde pupila – se é que ainda a considera como tal – com o mantra que abre o caminho da luz na senda obscura e tortuosa que ela anda trilhando: Fale ao povo, minha filha, fale ao povo.

Para Lula, que parece continuar achando que o povo acredita em tudo o que ele e sua turma falam, bastará que Dilma Rousseff passe a falar o que precisa: em vez de coisas negativas, como Operação Lava Jato e ajuste fiscal, ela tem de criar uma agenda positiva e passar a falar sobre fim da inflação, crescimento econômico, fim do desemprego, pátria educadora, saúde para todos, transporte bom e barato, segurança nas ruas e dentro de casa, enfim, tudo aquilo que – falemos francamente – dá votos, em vez de volume morto.

Resta saber, porém, se o povo ainda está disposto a dar ouvidos à presidente que se reelegeu prometendo uma coisa e entregando outra. A julgar pelas pesquisas de opinião pública, não está. Apenas 9% dos brasileiros ainda avaliam positivamente o governo e por isso se entusiasmariam com novas promessas. Não é à toa que há um bom tempo Dilma não se expõe em ambientes abertos nos quais estará inevitavelmente sujeita ao constrangimento de vaias e impropérios. E o próprio Lula tem mantido a mesma postura cautelosa: só aparece e fala em círculos restritos, sob rigoroso controle de segurança, e diminuiu sua presença nesses eventos depois que muitos deles tiveram quórum baixo.

Mas o que é, exatamente, que Lula quer que Dilma diga ao povo? O que é que ela tem de bom a dizer?

Tanto não tem, que Lula e o PT ficam falando que ela precisa criar a tal agenda positiva. A hora, porém, não é de fazer promessas, pelo simples fato de que a presidente não tem nenhuma credibilidade para fazê-las. Estaria Lula sugerindo que ela deve, então, mentir? A última experiência nesse campo, durante a campanha reeleitoral, não foi feliz.

Se é para mentir, ou então, dito de forma mais sutil, dourar a pílula, levar o povo na conversa, Lula deve, ele próprio, sair pelo País soltando o verbo, deitando falação, para o que lhe sobram talento e repertório. Ele até se diz disposto a isso, mas tem alegado que só poderá fazê-lo depois que Dilma lhe apresentar, se não um programa de governo, pelo menos algumas propostas objetivas e bem adornadas para serem exibidas à massa arredia. Trata-se, porém, de um blefe, pois não cometerá a imprudência de se expor para valer diante do povo e sabe que isso não mudará tão cedo.

É claro, argumentará o petista otimista, que Dilma precisa continuar falando a todos que os governos do PT, entre muitas outras conquistas, criaram o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, tiraram milhões de brasileiros da miséria e promoveram outro tanto à classe média. Com boa vontade, é verdade. Mas a insistência na propagação dessas proezas teria exatamente o mesmo nenhum efeito prático que teve em 2002 os tucanos se vangloriarem do Plano Real, que havia acabado com a inflação galopante que sacrificava principalmente os pobres e lançado as bases para a estabilidade e o posterior crescimento econômico. Esses feitos – só para recordar –, apesar de Lula chamá-los de "herança maldita", alavancaram as conquistas econômicas e sociais que turbinaram sua extraordinária popularidade de então.

Num país livre e democrático, conquistas sociais e econômicas, por mais importantes que sejam, só são úteis como ativos eleitorais até o momento em que, incorporadas ao cotidiano dos cidadãos, são substituídas por novas reivindicações impostas pela dinâmica social. E é aí que Lula, Dilma e o PT se complicam: estão pondo a perder o que construíram lá atrás e não têm mais credibilidade, nem recursos, para sustentar um projeto de poder que micou porque acabou se transformando num fim em si mesmo.

Está na hora, portanto, de Lula parar de achar que ainda é o maioral e também com o papo furado de "falar ao povo". Pois sabe que só terá condições e tempo útil para fazê-lo, mirando 2018, se Dilma for afastada da Presidência e ele, na oposição, ficar livre para acionar a metralhadora giratória e praticar aquilo que sabe fazer como ninguém: ser contra "tudo isso que está aí". Se não, vai continuar no movimento pendular peculiar à sua condição de metamorfose ambulante.

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*A. P. Quartim de Moraes é jornalista