O prefeito de BH, Márcio Lacerda (PSB), disse que o PT forçou o rompimento da aliança vitoriosa em 2008 e nacionalizou a campanha.
"É um jogo nacional. Eles nacionalizaram"
Para candidato do PSB, PT usou chapa de vereador para romper aliança em BH, mas questão foi maior
Amanda Almeida, Fernanda da Escóssia e Silvia Fonseca
BELO HORIZONTE
O senhor foi eleito com apoio de PT e PSDB. Como explica o rompimento com o PT?
Trabalhei pela manutenção da aliança até o último dia. Foi rompida porque um setor do PT, que controla o diretório municipal, queria candidatura própria. Comecei a trabalhar pela aliança por volta de maio de 2011, porque o PT saíra machucado da eleição de 2010, com a derrota em BH do Hélio Costa (PMDB) e do Patrus (PT). Tínhamos boa avaliação, mas senti que o PT estava querendo caminhar para um rumo próprio.
O ministro Patrus disse que foi o senhor que pulou fora...
Vou chegar lá... Em maio de 2011, procurei o senador Aécio Neves (PSDB) porque entendia que ele tinha condição de negociar em nome do grupo dele. Coisa que nunca aconteceu com o PT, que tem vários grupos em BH, com um entendimento muito difícil entre eles. O senador aceitou a ideia de replicar a aliança com o PT de vice. Mas houve reação no PT local. Conversamos com o ex-presidente Lula, que apoiou a reedição da aliança. Depois o Rui Falcão disse que o PT aceitava, mas pediu tempo de TV para o vice pedir votos para candidatos a vereador. O PT local, com apoio nacional, exigiu a coligação proporcional (para vereador). No fim de junho, senti que estava fazendo água no barco. Falei com todo mundo. A presidente Dilma esteve aqui em junho, e disse a ela que estava difícil. Aí o PSB tomou a decisão de não aceitar a coligação proporcional. O PSDB também não queria. O PT saiu da aliança porque nós, o conjunto dos partidos, não aceitamos fazer a proporcional.
Por que o senhor não queria a proporcional?
O PSB não ia conseguir aumentar a bancada na Câmara. O PSDB também resistiu. Então, decidimos que o PSB não faria nem com PT nem com PSDB. A tese do PSDB era simples: eles (o PT) já têm o vice, a maioria dos cargos comissionados, já têm poder muito forte na administração.
No Rio, o PT já foi chamado de partido da boquinha. Em BH, é conhecido assim também?
O PT tem uma estratégia voltada para o poder político, para aplicar as suas teses de políticas públicas, que implica ocupar o máximo de cargos na administração. Isso é nacionalmente conhecido. Não quer dizer que esteja certo ou errado.
O senhor se opôs como prefeito?
Muito pelo contrário. Assim que assumi, a participação do PT até aumentou. No último levantamento nosso, por volta de março, eram 900 cargos comissionados. Após o rompimento, saíram uns 40.
Eles continuam na administração?
Continuam. A gente perguntou aos demais: vocês vão continuar com postura profissional, sem usar o cargo para fazer campanha? Sim? Continuam.
Se o senhor vencer, cogita reaproximação com PT?
Não se trata disso. Fizemos um projeto para BH em 2008. Pimentel e Aécio não tinham candidatos competitivos. Buscaram um terceiro para ser o candidato. Tiveram apoio do Ciro (Gomes), do Lula, do Eduardo Campos. Essas lideranças, depois do desgaste do mensalão, estavam imaginando a hipótese de reordenamento partidário. Foi uma tentativa de aproximar esses partidos, que poderia ou não ter reflexo no futuro. A aliança funcionou bem em BH.
Até quando?
Até agora. O PT cometeu o erro de entregar o comando do diretório municipal ao grupo que defendia a candidatura própria. Não tivemos na prefeitura disputa política (entre partidos da aliança). Pelo nosso modelo de gestão, não teve espaço para artimanhas, disputas políticas, cascas de bananas.
Mas o senhor teve problemas com o seu vice (Roberto Carvalho), do PT.
Ele não tinha função de fato. Tentamos dar função a ele. Não executou nenhuma. E com um gabinete de 40 pessoas, que o Pimentel deixou para ele... Outro dia, numa entrevista, perguntaram a ele para que serviam dezenas de assessores no gabinete. Ele disse que era para olhar a cidade. Lutei pela manutenção da aliança porque queria continuidade do bom trabalho e porque eu não tenho plano para 2014.
O senhor pode não ter, mas os principais patrocinadores da sua candidatura têm. O senhor ficou no meio da suposta antecipação do jogo de 2014?
Sempre dizia "quero a manutenção da aliança e, em 2014, na eleição para o governo do estado, serei neutro". Recebi recados: rompa com o outro lado que você será nosso candidato a governador. Mas esse canto da sereia nunca me comoveu. O rompimento do ponto de vista político e pessoal foi um trauma. Não estava preparado e não queria isso.
E agora como vai se colocar como contraponto a Patrus?
Nossa mensagem é muito simples. Fizemos um plano de governo em 2008 bastante detalhado. Os partidos participaram da elaboração desse plano. Nosso relatório de metas é bastante positivo. Tivemos o maior conjunto de obras na história da cidade. Ao contrário do que dizem, investimos fortemente nas políticas sociais, no Suas (Sistema Único de Assistência Social).
Como é conviver com um vice adversário?
Não é nada agradável. Você não pode tirar férias. Não pode ir ao exterior. Tentei uma convivência. Ele participou dos planejamentos e de todas as reuniões de conjuntura política. Quando viu que a nossa gestão estava se consolidando na opinião pública, ele se afastou e criou uma agenda de oposição. Ele lidera grupo minoritário no PT de BH, mas que assumiu o controle do diretório. Ele foi um dos articuladores e fundadores de um movimento contra o prefeito.
É por isso que o senhor gostava tanto de usar jatinho fretado? Para não ter de esperar a fila no aeroporto e o vice não assumir... (Lacerda é alvo de ação do MP que questiona gastos da prefeitura com aluguel de jatinhos).
Usei como outros prefeitos usavam. Muitas vezes fazendo meia agenda aqui, meia em Brasília. Fiz o trabalho render mais. Consegui milhões de financiamentos e repasses no governo federal. Não tem ilegalidade nisso. Se fosse para passear, tirar férias, fim de semana, mas isso não aconteceu nunca.
O que acha do Bolsa Família?
Nunca critiquei o Bolsa Família. Critiquei a postura messiânica do adversário, como dono do monopólio da bondade. O que disse é que, às vezes, as pessoas distribuem um donativo, uma esmola, e acham que desceram do céu para salvar a humanidade. O Bolsa Família foi uma ferramenta de distribuição de renda e inclusão social, gerou mercado interno. Acho é que, se não tivermos as famosas portas de saída, corremos o risco de chegar à segunda e à terceira geração, daqui a 10, 20 ou 30 anos, dependendo disso.
A questão do mensalão, quando o senhor, na campanha do Ciro Gomes, foi citado por ter pegado dinheiro com Valério, ficou explicada?
Mais do que explicado fica difícil. No fim do ano passado, houve representação dizendo que eu não havia sido denunciado por circunstâncias políticas. O juiz passou para o Ministério Público, que disse que não tem nada. O juiz mandou arquivar. Em 2002, ficou uma dívida de campanha do marqueteiro do Ciro, que trabalhou no segundo turno para Lula. Eu não era tesoureiro, ajudava no comitê. Esse marqueteiro pediu minha ajuda. Liguei para o tesoureiro do PT e disse "tenho uma conta a pagar". Ele me ligou e disse "tem um empresário de Minas nos ajudando a pagar dívidas de campanha". Falei "o empresário está ajudando, o PT declarou no relatório de prestação de contas, não tem nada de errado nisso". Nunca tinha ouvido falar em Marcos Valério.
Seu adversário diz que faltou liderança para buscar recursos junto ao governo federal para o metrô.
O governo federal veio em BH em setembro passado. Foi a primeira capital onde anunciou parceria para ampliar o metrô. É retórica política dele. A fala da Dilma já responde a isso. Ela disse que "é muito bom fazer parceria com o Marcio porque ele entrega resultado".
O ministro Pimentel contou que te disse que o senhor é um peão no jogo de xadrez (das eleições presidenciais de 2014).
Eu tinha sido surpreendido pela notícia de que eles (o grupo de Pimentel) estavam em minoria no PT municipal. Dias antes, o Pimentel me dissera que ficasse tranquilo, que aceitariam a aliança. Fui meio vítima. Assim como ele foi vítima da luta interna no PT, meio fratricida. Para mim, era muito mais cômodo (ter o PT de vice), seria mais fácil. Na conversa (com Pimentel), ele disse "você precisa compreender que é apenas um peão nesse jogo". É um jogo nacional. Eles (do PT) nacionalizaram esse processo.
Quem foi mais determinante na recusa da proporcional com o PT? Aécio ou Eduardo Campos?
É difícil dizer. O PSB rompeu com o PT em Recife e Fortaleza, antes daqui. Nosso caso veio por último. Isso gerou no PT um "opa, peraí, o PSB está tomando caminho próprio". O José Dirceu espalhou essa interpretação pelo blog dele. De repente, pelo fato de ter Aécio aqui, além do risco de ter Eduardo Campos e Cid contra lá, era demais. Por isso a presidente Dilma entrou no processo. Mas veio a reação do outro lado. Entre os dias 30 de junho e 5 de julho, foi um inferno esse negócio.
Ao contrário de 2008, o senador Aécio está tendo participação discreta na campanha.
Em 2008 houve superexposição dos apoiadores, o que prejudicou. É o prefeito quem está disputando e tem de mostrar a que veio.
O PSB não está buscando um caminho próprio?
Se a eleição fosse daqui a seis meses, o PSB estaria com a presidente Dilma. O PSB é um partido transparente, partido de quadros relevantes na política. Participa do governo e é leal. Tem participação pequena se comparada à qualidade do apoio que dá, sustentação política forte, com seis governadores.
Mas a eleição não é daqui a seis meses...
O cenário que vejo é que, a não ser que a economia entre num desastre, o que não vai acontecer, a reeleição da presidente Dilma seria muito tranquila. Mas não me posiciono sobre isso. É um entendimento que tenho com o PSDB. Não tenho posição sobre 2014.
FONTE: O GLOBO