sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Vera Magalhães: Fábrica de Centrões

O Globo

O instituto das federações partidárias foi concebido para que pequenas legendas ameaçadas de extinção a partir do estabelecimento de cláusulas de desempenho, ou de barreira, sobrevivessem. Mas a negociação em curso para a criação de vários desses agrupamentos passou a levar em conta uma outra lógica, a sobrevivência parlamentar dos partidos no próximo governo. O que se tem são fábricas em que são projetadas novas versões do Centrão, ao gosto do próximo freguês, ops, presidente.

O sucesso do Centrão atual, comandado por Arthur Lira, que tem como satélites partidos como o PL de Jair Bolsonaro, o Republicanos e outros que ora o integram, ora se afastam, foi tal que será inexorável que o eleito em outubro conte com algo parecido para ter alguma capacidade de governar.

Já escrevi aqui, e as declarações subsequentes do cacique do Centrão atual corroboraram: qualquer um que vença o pleito não terá sucesso em desarmar a bomba do Orçamento secreto, na prática o principal motor das relações entre Executivo e Legislativo hoje. Todos os candidatos prometerão fazê-lo, mas é bem provável que o vencedor nem chegue a tentar.

Míriam Leitão: O recuo democrático do Brasil é organizado e comandado de dentro do Planalto

O Globo

O Brasil vive um recuo democrático? Afinal as instituições seguem funcionando, dizem muitos. A revista "Economist" diz que a nota da democracia brasileira diminuiu e que América Latina foi a região em que houve o maior recuo democrático. Eu concordo com a revista. A democracia corre riscos no Brasil.

Quero usar um exemplo que está hoje publicado neste jornal: "A Polícia Federal afirmou ao Supremo Tribunal Federal que uma milícia digital atua contra a democracia e as instituições usando a estrutura do chamado gabinete do ódio”, assim abre a matéria do Aguirre Talento e Mariana Muniz, hoje no "O Globo".

Isso significa que dentro do Palácio do Planalto, essa é a suspeita da PF e há muitos indícios disso, funcionários públicos que, como todos sabem, trabalham sob o comando informal do vereador e filho do presidente, Carlos Bolsonaro, disparam mensagens de ódio contra as instituições brasileiras. Entre os alvos, o principal é o Supremo Tribunal Federal. que é colocado como inimigo da atual administração. A imprensa é outro alvo.

Reinaldo Azevedo: Qual a saída? É a política, estúpido!

Folha de S. Paulo

Considerar Lula e Bolsonaro ‘faces do mesmo mal’ é demofobia eleitoral

Falemos de futuro em vez de alimentar as ideias mortas que ainda matam. É preciso cultivar nosso jardim. Sempre me incomoda quando os tais "mercados" —às vezes, com cara; com frequência, sem ela — resolvem comparecer ao debate público para demonizar a política, como se a empresa de expectativas chamada "Brasil" fosse uma potência massacrada por interesses mesquinhos, que têm de ser exorcizados.

No que há de sincero nessa conversa, trata-se de uma ilusão entre tecnocrática e autoritária. No que há de insincero, é só o vício de sempre se vendendo como virtude, muitas vezes na pena de rufiões da opinião. Isso tem custo. Observo, à partida, que nem sei direito quem é esse "ente" que fala.

As vozes parecem vir de alguma racionalidade empírea, que nos faz o favor de baixar lá do mundo das ideias para nos libertar das correntes da escuridão. Na última vez em que esses arautos julgaram ter visto a luz para nos relatar a verdade do mundo, escolheram Jair Bolsonaro e Paulo Guedes para nos tirar da caverna. Deu no que deu.

Bruno Boghossian: A carta de princípios de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente recicla promessas para reter apoio de policiais, conservadores e agronegócio

Os três últimos anos foram intensos para Jair Bolsonaro. O presidente gastou toda a sua energia política e a verba pública que tinha à disposição para se segurar no cargo, atacar adversários, sabotar a vacinação e passear de jet ski. Faltou força para executar um programa de governo.

O Planalto decidiu reciclar as propostas feitas pelo capitão em 2018 e na permanente campanha pela reeleição que conduziu desde então. Numa portaria publicada na quarta-feira (9), o governo informou que daria prioridade a 45 projetos no Congresso nesta reta final de mandato. A lista foi feita sob medida para agitar alguns dos principais alvos de Bolsonaro na disputa eleitoral.

Vinicius Torres Freire: Não olhe para cima

Folha de S. Paulo

Tem festinha na Bolsa e dólar em baixa, mas asteroide do juro dos EUA é um risco

Aqui na terrinha, o Ibovespa continua em alta, indiferente ao tombo dos irmãos americanos. Para surpresa quase geral, o dólar caiu da casa dos R$ 5,60 de dezembro para perto dos R$ 5,20. Se a gente olhar para cima, porém, verá que o asteroide dos juros americanos ficou mais próximo. Mesmo quando apenas passa perto, costuma causar confusão.

A inflação nos Estados Unidos chegou a 7,5% ao ano em janeiro, a maior em 40 anos, sem sinal de esfriar. As taxas de juros lá deram saltos raros nesta quinta-feira. Agora, se discute em que ritmo o Fed, o Banco Central deles, vai elevar a taxa básica de juros, ora próxima de zero. Muito analista velho de guerra, reputado e administrador de muito dinheiro diz que o Fed está atrasado. Portanto, teria de aumentar muito mais seus juros, para compensar o atraso no controle da inflação.

Aumentos rápidos, grandes e sem hora para acabar podem ser um problema. Além de bater na economia "real", podem causar acidentes. Isto é, pegar gente graúda de calças curtas, em aplicações grandes e erradas, provocando estouros. Não é profecia. É só a cautela de qualquer um que já deu uma olhada na história de viradas financeiras.

Luiz Carlos Azedo: Melhor legalizar o lobby e fazer tudo às claras no Congresso

Correio Braziliense

Todos são políticos profissionais, mas há uma diferença nada sutil entre ser remunerado com um salário de parlamentar ou ter esse salário multiplicado pelo fato de representar grandes interesses privados

Uma das características da política em Brasília é o fato de que o outro lado do balcão não muda muito em matéria de lobbies no Congresso. O que muda é a composição da Câmara e do Senado, a cabeça de quem manda na pauta das duas Casas e a correlação de forças a favor e/ou contra os interesses em jogo. Nos bastidores, os lobistas que atuam a favor desses interesses são muito conhecidos. Quando são flagrados fazendo coisa errada, são rapidamente substituídos por outros.

Há todo tipo de lobistas. Os mais sérios atuam com competência na discussão de mérito e na articulação política. Os bandidos engravatados são os que operam as malas da propina. Como não há regulamentação da prática de lobby, todos acabam estigmatizados pela opinião pública. Por isso, talvez a mãe de todas as prioridades do Centrão deveria ser a regulamentação do lobby, como acontece nos Estados Unidos e muitos países da Europa. Haveria mais responsabilidade e transparência na tramitação das propostas.

O sociólogo alemão Max Weber, na célebre palestra A política como vocação, divide os políticos em duas categorias: os que vivem para a política e os que vivem da política. Na primeira categoria estão aqueles que veem a política como bem comum, ou seja, não são financeiramente remunerados pelos projetos que votam em favor de interesses privados ou corporativos. Na segunda, os que têm a política como verdadeiro negócio, na acepção da palavra, pois se beneficiam financeiramente das leis que aprovam. Muitas vezes são empresários do ramo ou agentes remunerados diretamente pelo engajamento em projetos empresariais. O Centrão é formado por parlamentares que veem a política como negócio.

Eliane Cantanhêde: Tucanos com Lula?

O Estado de S. Paulo

Lula amplia apoios ao centro e à direita, mas adesão de tucanos ao petista é esquecer a história

Como todos os caminhos levavam a Roma, o PT quer fazer crer que todas as articulações levam a um apoio ao ex-presidente Lula. Lula está sedimentando a esquerda e ampliando seus horizontes à direita, é verdade. Mas que todos os partidos estejam indo em fila, bovinamente, para apoiá-lo no primeiro turno, é exagero.

Geraldo Alckmin, tucano desde criancinha, é o troféu de Lula para conversar com líderes de MDB, PSD e Centrão, incluindo o PP do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que é do Nordeste, onde Lula e o PT são campeões de votos. Mas a grande novidade é a aproximação de Lula com tucanos históricos.

Essas conversas com o arquirrival PT, com José Dirceu na jogada, podem estar por trás do jantar desta semana de quatro ex-presidentes do PSDB em busca de alternativas à candidatura de João DoriaPimenta da Veiga e Aécio Neves (MG), Tasso Jereissati (CE) e José Aníbal (SP). Tasso considera apoiar Lula desde a vitória de Doria nas prévias. Zé Aníbal é o mais radical contra esse apoio.

Entrevista| ‘O PSDB não é mais uma referência nacional’, diz Aloysio Nunes

Quadro histórico do partido afirma que prioridade este ano é evitar a reeleição de Bolsonaro

Eduardo Kattah e Pedro Venceslau |O Estado de S. Paulo

Tucano histórico, o atual diretor da SP Negócios, Aloysio Nunes Ferreira, foi um dos líderes tradicionais do PSDB procurados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em aceno ao centro neste ano eleitoral. Em entrevista ao Estadão, Aloysio defendeu como prioridade impedir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Ex-senador e ex-ministro da Justiça e das Relações Exteriores, Aloysio disse ver potencial na candidatura do governador João Doria ao Palácio do Planalto, mas destacou que, se o tucano “não decolar”, não há opção viável na “terceira via”.

Ao analisar a crise interna do partido – uma ala contrária à candidatura própria à Presidência tem pressionado a pré-campanha de Doria –, o ex-chanceler afirmou que o PSDB “não é mais uma referência nacional”.

O ex-presidente Lula teve uma série de encontros com líderes históricos do PSDB – o sr. foi um deles. Qual é o simbolismo desses encontros?

Durante o processo de impeachment (de Dilma Rousseff), o antipetismo acabou se transformando em uma segunda natureza do PSDB. Isso nos fez andar em muito má companhia. Agora, diante do desastre que foi a eleição do Bolsonaro – um desastre até previsível – e do seu governo de destruição sistemática, vem a ideia de que é preciso retomar um diálogo que houve ao longo do tempo com forças de esquerda, como o PT. Talvez o PT tenha sido anti-PSDB, e a campanha Fora FHC é um exemplo disso, mas nós, do PSDB, antes desse processo de radicalização, sempre tivemos a compreensão da importância do PT na vida política brasileira como expressão do movimento popular. Ainda que não houvesse um papel escrito, houve convergência em muitas coisas importantes.

Quais, por exemplo?

No tema dos direitos humanos houve toda uma legislação que nós aprovamos. Lei da Imigração, Comissão da Verdade, Lei de Proteção de Dados, Marco Civil da Internet. Houve um diálogo das forças democráticas, e não só PT e PSDB. O Código Florestal foi um mutirão envolvendo gente do MDB, do PT, do PSDB e do PFL. Mesmo na política externa, fui presidente da Comissão de Relações Exteriores (do Senado), e meu vice era o Jorge Viana (do PT), que fazia constantemente a ligação entre a pauta do plenário e da comissão. A luta contra a pobreza extrema e a transferência de renda. Tudo isso foi feito com uma colaboração não formalizada, mas existente na vida real. São duas vertentes da social-democracia brasileira: uma mais à esquerda, representada pelo PT, e uma mais direita, cada uma com seu sistema de alianças. Aí chega Bolsonaro e destrói isso. Nesse processo de radicalização, que vem de antes do impeachment, uma parte do nosso eleitorado foi embora. Perdemos um componente importante dos nossos eleitores, de uma direita civilizada e moderada.

Entrevista: “Há ilusão de ótica, pois são a segunda via”, afirma Lavareda

Para Lavareda, candidatos à direita disputam o controle da segunda via e devem ter clareza de que o adversário principal é Bolsonaro, sem desperdício de energia com ataques a Lula

Por Cristian Klein / Valor Econômico

Rio - A seguir os principais pontos da entrevista do presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), Antonio Lavareda:

Valor: Qual é a chance dos candidatos da terceira via?

Antonio Lavareda: Terceira via significa, de saída, um formato triangular, e hoje estamos próximo disso. Na verdade, temos mais. Nos votos válidos, há quatro candidatos [Lula, Bolsonaro, Moro e Ciro] com mais de 10%. Isso já configura quatro candidatos competitivos, ou seja, com mais de dois dígitos. Hoje há um formato quase quadrangular.

Valor: Não temos um quadro de polarização?

Lavareda: Pode ser um formato quadrangular, como tivemos nas eleições de 1989 e 2002. As pesquisas estão batendo na trave. Eu desconfio que vai ser reduzido para um formato triangular, como foi em 1998, 2010, 2014 e 2018, havendo risco de ir para o formato bipolar, como ocorreu em 1994 e 2006. Acredito que a lógica do segundo turno vai se impor, vai se imiscuir no final da disputa do primeiro turno.

Valor: Que fatores prejudicam a terceira via?

Lavareda: Qual é a plataforma que impulsiona a candidatura de Bolsonaro? É a incumbência, que é o magneto do debate público. Qual é a plataforma que impulsiona Lula e o lulismo? É a ex-presidência.

Candidatos atacam Lula e Bolsonaro. Mas não estão disputando com os dois. O adversário deles é o bolsonarismo

Valor: Como os concorrentes podem se destacar numa eleição tão baseada nesse voto retrospectivo?

Lavareda: Mais que desafio, o problema dos candidatos da terceira via é que, para protagonizarem a disputa eleitoral, eles ficam batendo à direita e à esquerda. Atacam Bolsonaro e atacam o Lula. Esses ataques nem sempre desgastam os dois candidatos, mas com certeza atraem a ira dos eleitores desses dois candidatos.

Entrevista | “Desafio é captar votos menos convictos de Lula”, diz Cavallari

Para diretora do Ipec, chance da terceira via é muito difícil, mas não impossível

Por Cristian Klein / Valor Econômico

Rio - A seguir os principais pontos da entrevista da diretora da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), Márcia Cavallari:

Valor: Qual a chance dos candidatos da terceira via?

Márcia Cavallari: É um desafio muito grande, porque Bolsonaro e Lula são candidatos fortes, e para ter alguma chance teriam que tirar voto dos dois. Mas eles ainda são desconhecidos. O Ciro, que é o mais conhecido, tem um quarto da população que fala que não o conhece o suficiente para votar nele ou não. Para os outros, o índice aumenta ainda mais.

Valor: Concorrentes à direita, como Moro e Doria, precisam desbancar Bolsonaro?

Cavallari: É, mas tem gente que está declarando voto no Lula hoje porque não quer o Bolsonaro e pode sair do Lula e ir para um deles. O Lula não está colocado como um candidato de extrema esquerda em oposição à extrema direita de Bolsonaro.

Valor: Ao tentar ocupar o centro, Lula também tem mais chance de perder esse eleitor eventualmente?

Cavallari: Sim, se aparecer um candidato com 10%, 12%, que efeito vai ter? Esse eleitor pode dizer: “Ah, nunca gostei do Lula mesmo”, e vem essas ondas... Há um típico eleitor do Lula que não está vendo outra opção, mas se de repente começa um movimento [para outro candidato], quantos vão fazer isso? Quando começa, vira uma onda e aí ninguém segura.

Esse eleitor pode dizer: ‘Ah, nunca gostei do Lula mesmo’, e vem essas ondas... Quando começa, ninguém segura. É possível"

Valor: Ainda seria possível?

Cavallari: Já vimos, não em eleição presidencial ainda. Temos várias eleições a prefeito e governador que começam de um jeito e terminam de outro. O Witzel, no Rio em 2018, assim como outros, foi na carona do bolsonarismo. Mas no caso de Bolsonaro, ele já vinha crescendo, a força maior veio em setembro, depois da facada.

Fernando Abrucio*: Bolsonaro depende da polarização

Valor Econômico

Lógica da campanha bolsonarista não visa só a uma vaga no segundo turno, mas a cristalizar uma polarização paralisante na política brasileira

Diante da enorme impopularidade e das grandes dificuldades políticas que terá em 2022, o presidente Bolsonaro escolheu estratégias muito claras para a disputa eleitoral. Seu provável modelo de campanha, no entanto, vai além da conquista de votos para a chegada ao segundo turno. O bolsonarismo quer consolidar a polarização como lógica principal do jogo político brasileiro, haja a reeleição ou não. Isso causará não só uma disputa com um caráter bélico inédito no Brasil, como também poderá ter consequências para o próximo mandato presidencial.

Tomando como base o que ocorreu desde a criação da reeleição, Bolsonaro é um candidato atípico. Seu objetivo inicial não é liderar a disputa, mas obter algo entre 20% a 25% dos votos no primeiro turno, viabilizando desse modo seu lugar na rodada final. A montagem de suas estratégias passa, primeiro, pela aposta na fragilidade de qualquer tipo de terceira via. A fragmentação das candidaturas assim denominadas e a dificuldade de elas entenderem que o tema geral da eleição é um plebiscito contra o bolsonarismo têm facilitado a vida do atual presidente. Além disso, há o risco de uma vitória de Lula no primeiro turno, e a meta bolsonarista é evitar isso a qualquer custo, inclusive usando armas, digamos, heterodoxas de campanha.

José de Souza Martins*: O salário do medo

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A degradação das relações de trabalho e a difusão do direito à violência privada no caso do linchamento de jovem congolês

O linchamento de Moïse Mugenyi Kabagambe, na noite de 24 de janeiro, jovem congolês de família legalmente refugiada no Brasil, indica mudanças preocupantes nas características dessa prática de violência de turba no Brasil.

Entre nós, os linchamentos têm raízes estruturais, com vestígios fortes das práticas da Inquisição e das normas e valores das Ordenações Filipinas. Os avanços da sociedade brasileira no plano do Direito não foram suficientes para eliminar sua prática. Ao contrário, ela deixou de ser excepcional e anômala para se tornar normal e corrente.

Nos últimos 70 anos, o número de linchamentos cresceu muito. Hoje são, pelo menos, dois linchamentos e tentativas por dia.

Estudei em detalhe 2.028 casos ocorridos no Brasil inteiro e realizei, no respectivo local, três estudos de casos ocorridos no Oeste de Santa Catarina, na Alta Mogiana, em São Paulo, e no Sertão da Bahia por serem casos que continham os mais altos índices de crueldade.

Janaína Figueiredo*: Como a esquerda fará sem recursos?

O Globo

O líder da bancada do agora governista Partido Social-Democrata alemão, Rolf Mützenich, viajou para o exterior pela primeira vez na pandemia esta semana, para participar de um seminário em Montevidéu intitulado “Quem disse que tudo está perdido?”. A pergunta provocadora reflete a enorme expectativa que existe em vários países da região e do mundo sobre o que muitos chamam de uma nova onda progressista ou de esquerda na América Latina.

Que líderes de esquerda são favoritos em eleições de peso, ninguém discute. O jovem Gabriel Boric derrotou o ultradireitista José Antonio Kast no fim do ano passado e será empossado como presidente do Chile no próximo dia 11 de março. Sentado ao lado de Mützenich, na capital uruguaia, esteve Giorgio Jackson, ex-líder estudantil como Boric, nomeado ministro da Secretaria-Geral da Presidência chilena.

Mas duas perguntas se impõem quando a torcida pela esquerda mostra tanta euforia: o que veremos será uma onda de proporções similares à que tivemos nos primeiros anos deste século? Ou apenas uma marola? Como farão os novos governos de esquerda, com menos recursos do que tiveram outros presidentes no passado (atualmente vive-se uma alta de preços, mas não uma explosão de commodities como a ocorrida entre 2000 e 2010), para enfrentar demandas sociais mais desafiadoras e populações mais impacientes?

Pedro Doria: Nazistas do pão e circo

O Globo / O Estado de S. Paulo

Esta é uma coluna sobre o Partido Nazista — mesmo que não pareça.

Toda filosofia que temos para refletir a respeito de liberdade de expressão parte do pressuposto de que há uma barreira de entrada para alcançar um público grande. Fosse para publicar um texto e distribuir ou, mais recentemente, falar na TV aberta, sempre foi difícil chegar lá. Hoje, exige apenas a compra de um aparelho celular. E quem decide o alcance de uma mensagem não é um ser humano. É um programa — e esse programa é um editor de imprensa marrom de quinta que privilegia incentivar conflitos.

Nos séculos XVIII, XIX e XX, o tempo de existência das democracias, levar sua opinião a muita gente era uma corrida de obstáculos. Conseguiam falar com muitas pessoas apenas aqueles que desenvolvessem uma ou mais capacidades. Estudavam muito ou sofisticavam suas habilidades políticas ou desenvolviam um carisma quase mágico. Fundamentalmente, tudo isso demorava tempo e incluía convencer muita gente de que valia a pena levar sua voz a muitos. O século XXI não tem nada disso.

Bernardo Mello Franco: Outras palavravas

O Globo

Ainda vai longe o debate sobre a liberação de paródias musicais nas eleições. Na quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça voltou a analisar o processo da editora de Roberto Carlos contra o deputado Tiririca. O ministro Luis Felipe Salomão considerou que o palhaço não precisa pagar indenização por ter imitado o Rei na campanha de 2014. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista.

Em mensagem enviada à coluna, Caetano Veloso se mostrou preocupado com as consequências da disputa judicial. “Nunca deixarei, se me for permitido impedir, que a melodia de ‘O leãozinho’ ou ‘Odara’, ‘Você é linda’ ou ‘Alegria, alegria’ seja usada para fazer eleitores votarem em figuras que representem o que eu abomino”, afirmou.

“Tampouco quero que qualquer canção minha sirva para vender produtos que eu considere malignos. Eu, que até hoje não vendi nem uma nota ou sílaba para publicidade”, prosseguiu. “Suponho que tenho direito moral personalíssimo sobre minhas composições.”

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

‘PL do Veneno’ traz riscos para a saúde e o meio ambiente

O Globo

Foi irresponsável a aprovação, pela Câmara, do projeto de lei 6.299/02, apelidado de “PL do Veneno” por flexibilizar o controle e a autorização de agrotóxicos no país. A pretexto de modernizar e desburocratizar as normas do setor, a proposta, mais uma das tantas “boiadas” que o governo Bolsonaro passa por cima da legislação e do bom senso, embute riscos seriíssimos ao meio ambiente e à saúde. A desfaçatez é tamanha que chega a trocar a nomenclatura de “agrotóxico” para “pesticida”, como se isso pudesse mudar os efeitos das substâncias químicas.

O projeto contém inúmeras aberrações. A primeira é conferir ao Ministério da Agricultura a competência exclusiva para autorizar novos agrotóxicos. Hoje, essa atribuição é compartilhada com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — que cuida da saúde dos brasileiros — e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) — que trata dos riscos ambientais. Pelo novo projeto, Anvisa e Ibama continuarão se pronunciando, mas não terão mais poder de veto. Infelizmente, se rompe o equilíbrio necessário num tema que não pode ser analisado de forma unilateral.

Poesia | Manuel Bandeira: Velha Chácara

A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinquenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...

- Mas o menino ainda existe.

Música | Marisa Monte: Depois