segunda-feira, 8 de julho de 2019

Fernando Gabeira: Luz e contraluz

- O Globo

Acordo com os europeus, ao lado da reforma da Previdência, pode ser um estímulo para novos investimentos

Trouxe o livro de Steven Pinker para a estrada. Na forma papel, só é possível quando me desloco de automóvel. Tem quase 700 páginas, o que pesa muito para quem vai trabalhar com as mãos, ainda que levemente, todo o dia. “O novo iluminismo” é uma defesa da razão, ciência e progresso. Há um imenso campo de discussão sobre essas três palavras.

Recolhi até agora algo que me estimulou a pensar sobre o momento. Pinker aponta a religião como uma adversária do iluminismo. De fato, há dois momentos perigosos em atitudes religiosas. Um deles é colocar suas regras morais acima da felicidade das pessoas. Daí a dificuldade de aceitar o homossexualismo e as diversas identidades sexuais. O “New York Times” perguntou como as pessoas se definiam. As respostas foram múltiplas e variadas.

Outro momento delicado é o questionamento da ciência a partir de uma visão da fé. Pinker cita o caso do júri de um professor americano que ensinava Darwin, que ficou conhecido como o julgamento do macaco. É histórico. Eu mesmo citei o filme sobre aquele júri, “O vento será tua herança”, quando a ministra Damares questionou o espaço que se dava a Darwin.

Pinker considera também na base do contrailuminismo o que chama de uma tendência tribal que se expressa também no nacionalismo, na hostilidade às iniciativas globais. Referia-se mais aos Estados Unidos após a vitória de Trump. Mas esse traço é diferente no Brasil. Apesar da ideologia antiglobalista, o governo não só assinou como comemorou o acordo com a Comunidade Europeia. Na verdade, um passo na integração internacional.

E o avanço de um movimento muito amplo, apesar da resistência de Trump. É a marcha do capitalismo com todas as suas consequências, nem sempre positivas, sobretudo para os que vão sendo deixados para trás.

Ana Maria Machado: Esse nivelzinho

- O Globo

Brasil é sério candidato a se consagrar como o maior espetáculo de besteiras da Terra

Logo depois do golpe de 1964, desde o primeiro momento em que ficou evidente que a mediocridade comia solta, metendo os pés pelas mãos e dizendo o que lhe dava na telha, Stanislaw Ponte Preta se deu conta da intensidade do fenômeno e começou a registrá-lo em suas crônicas. Depois, reuniu alguns dos mais notáveis exemplos em uma série de livros — os sucessivos volumes do “Festival de Besteiras que Assola o País”, o Febeapá. Na certa não imaginava que, após mais de meio século, ainda no mesmo atoleiro de bobajadas e derrapando sem sair do lugar, os brasileiros estaríamos de novo obrigados a conviver com outro tanto de tolices, em meio ao que acaba de ser classificado como um “show de besteiras”. Desta vez, o diagnóstico vem do respeitado general Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, ex-comandante de forças de paz da ONU no Haiti e no Congo.

Mesmo neste tempo de comediantes no poder em outros países e com a concorrência de estrelas como Trump em cenas internacionais, o Brasil é serio candidato a se consagrar como o maior espetáculo de besteiras da Terra. Basta ver a que nos reduzimos, perdendo tempo com tititi, intrigas, retrocessos, rompantes, tuítes primários e xingamentos que circulam no entorno presidencial. Ficamos nesse nivelzinho de coisa, como definiu Santos Cruz. Como se pudéssemos nos dar esse luxo num país com 13 milhões de desempregados, em que a desigualdade é escandalosa, a saúde pública é uma calamidade, mais de metade da população não tem acesso a saneamento, 40% dos jovens entre 15 e 17 anos estão fora do ensino médio, e a OCDE revela que a média salarial dos professores é a pior entre todos os países pesquisados. E enquanto o mundo se dá conta de que a ameaça climática é cada vez mais premente, escolhemos dar de ombros para o perigo de catástrofe. Como se negar o problema faça com que deixe de existir.

Festival ou show de besteiras? Classifique como quiser a irresponsabilidade que assola o país. Mas o Oscar da vergonha é nosso.

Cacá Diegues: A vida começa aos 80

- O Globo

Kurosawa, um dos gênios do cinema japonês pós-Segunda Guerra, declarava sua admiração por Bergman

Domingo que vem, 14 de julho, Ingmar Bergman, cineasta sueco, um dos maiores artistas e pensadores na história do cinema, estaria fazendo 101 anos de idade. Filho de pastor luterano, educado em restrita disciplina religiosa, Bergman, depois de montar Ibsen e Strindberg no teatro, inventaria um cinema de gritos e sussurros, extraordinário encontro jamais igualado de beleza plástica com densidade humana.

Morto aos 89 anos de idade, em 2007, Bergman assistiria, ainda em vida, no isolamento e na solidão da Ilha de Faro, à sua consagração, da nouvelle vague francesa ao cinema independente americano, de Kubrick,

Woody Allen e Tarantino ao argentino Torre Nilsson e ao brasileiro Walter Hugo Khouri. Federico Fellini, gênio do improviso e da intuição, da ilusão e do humor cáustico, inventor de outra graça, proclamava Bergman o maior artista do século.

Do outro lado do mundo, vindo de uma cultura exuberante e combativa, Akira Kurosawa, um dos gênios do fértil cinema japonês posterior à Segunda Guerra Mundial, também declarava sua admiração por Bergman. Kurosawa começara sua carreira artística como pintor, numa exposição de estreia aos 17 anos, enfatizando sua influência das artes plásticas do Ocidente. Além de obras-primas cinematográficas, como “Os sete samurais” ou “Ran”, Kurosawa nos deixaria quadros pintados a partir do storyboard de seus 30 filmes, que ele mesmo desenhava, em mais de 50 anos de profissão.

*Marcus André Melo: Felicidade política

- Folha de S. Paulo

Votar no candidato perdedor diminui a felicidade e a satisfação com a democracia

Votar no candidato perdedor diminui a felicidade das pessoas. Com relação à eleição presidencial de 2016, nos EUA, o efeito é brutal: tem um impacto equivalente a ficar desempregado.

Mas não há simetria entre perdas e ganhos: ganhar eleições não aumenta a felicidade das pessoas na mesma proporção.

Essa é a conclusão do estudo Presidential Elections, Divided Politics and Happiness in the US (eleições presidenciais, política dividida e felicidade nos EUA (2019), de Sergio Pinto e Carol Graham.

A felicidade é medida por métricas que capturam o nível subjetivo de satisfação com a vida e por atitudes que lhes são correlatas. A fonte é a pesquisa diária do Gallup com 11 mil eleitores, de 2012 a 2016.

As eleições afetam também a satisfação com a democracia, segundo Shane Singh (University of Georgia), em estudo com 67 mil eleitores e 62 eleições. Mas há uma diferença entre os eleitores que votaram e se identificam com o candidato vencedor e os que não se identificam, mas votaram nele. Neste grupo de eleitores de “voto útil”, o efeito é bem menor.

*Celso Rocha de Barros: Seis meses disso

- Folha de S. Paulo

As instituições que Bolsonaro ataca vêm se defendendo

Seis meses depois da posse de Jair Bolsonaro, algumas coisas ficaram claras: ninguém dentro do governo conseguiu moderar o presidente, mas as instituições que Bolsonaro ataca vêm se defendendo. Só o Congresso mantém o Brasil em funcionamento. O acordo com a União Europeia talvez estabeleça novos limites para o autoritarismo presidencial. Dois terços da projeção de crescimento econômico desapareceram desde que Bolsonaro tomou posse. Naquilo em que o presidente não depende de autorização do Congresso –a fiscalização ambiental, a gestão educacional–, a devastação é total.

No governo, é cada vez mais claro que não há espaço para moderação. Os generais conseguiram algumas vitórias em política internacional, mas Mourão teve que baixar o tom das críticas e Santos Cruz, que parecia ser um sujeito decente, foi demitido. Sergio Moro é visto como um rival por Bolsonaro, perdeu as batalhas por moderação e parece, ele sim, ter se convertido ao bolsonarismo depois da VazaJato. Paulo Guedes viu a condução das reformas passar inteiramente para o controle do Congresso e mal consegue impedir que Bolsonaro atrapalhe o trabalho de Rodrigo Maia.

Por outro lado, o Congresso assumiu a responsabilidade de evitar que o furdunço generalizado no Poder Executivo desorganize de vez o Brasil. Quando Bolsonaro tentou mexer na reforma da Previdência em favor dos policiais na última hora, ficou claro que a reforma é de Maia. A reforma tributária de Bernard Appy, promovida pelos parlamentares, é muito melhor do que a do governo. O senador Tasso Jereissati tem um projeto de saneamento básico que pode ter efeitos positivos em uma área importante (e acelerar investimentos).

Leandro Colon: É sério isso

- Folha de S. Paulo

Frases fora de hora ditas por Bolsonaro não devem ser tratadas com normalidade

Em menos de três dias, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a prática do trabalho infantil, comparou o Brasil a uma virgem que atrai tarados e tratou a lenda João Gilberto, que morreu no sábado (6), apenas como uma “pessoa conhecida”.

Não se pode dizer que Bolsonaro causa espanto com essas declarações. As suas limitações são de domínio público desde os tempos de deputado federal. Ele foi eleito sem enganar nem mesmo seus eleitores.

Frases fora de hora e absurdas ditas pelo chefe da República não devem ser tratadas com normalidade.

Ao exaltar o trabalho infantil, o presidente faz a apologia de uma ilegalidade. A Constituição do país liderado por ele proíbe menores de 16 anos de trabalharem (com exceção dos aprendizes a partir de 14). O IBGE estima que ao menos 1 milhão de crianças trabalhem ilegalmente.

Sergio Lamucci: Inflação trienal é a menor desde década de 30

- Valor Econômico

A média da inflação ao consumidor acumulada em três anos está no menor nível desde meados dos anos 1930. No período de 2017, 2018 e 2019 - considerando a projeção do consenso de mercado para este ano -, a média do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá ficar em 3,5%, a mais baixa desde os 2,4% de 1932 a 1934, segundo levantamento de Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

A combinação de forte contenção de gastos e crédito públicos, expectativas inflacionárias sob controle e grande ociosidade na economia ajuda a entender o comportamento benigno dos índices de preços ao consumidor, na visão de Castelar. Além disso, a forte inércia contribui para manter os indicadores em níveis modestos, ao propagar a inflação baixa do passado para o futuro. Para alguns analistas, um IPCA repetidamente inferior à meta perseguida pelo Banco Central (BC), num cenário de recuperação muito lenta da economia, indica que os juros estão consideravelmente mais altos do que deveriam.

Castelar diz que uma inflação baixa como a do último triênio é um sinal de uma "realidade nova" da economia brasileira. "A maior parte das pessoas não se deu conta da grande transformação que o país vive, e a inflação é um bom indicador disso", afirma ele, lembrando que os 3,5% da média de 2017 a 2019 são a meta de inflação para 2022, definida na semana passada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Castelar considera acertada a decisão do CMN, avaliando que uma média da inflação em três anos de 3,5% "tem uma força de ancoragem [das expectativas] muito grande". Para 2019, o consenso de mercado aponta um IPCA de 3,8%, abaixo da meta de 4,25%. Para voltar a uma inflação tão baixa quanto a do último triênio, é preciso voltar aos tempos da Grande Depressão, nota ele.

*Bruno Carazza: A solidão do corredor de longa distância

- Valor Econômico

Guedes será cobrado por Bolsonaro para aumentar velocidade

Quando se corre uma maratona, no começo há a expectativa da largada, a energia contagiante dos demais corredores e o apoio do público. À medida em que se acumulam os quilômetros, os competidores se distanciam, os torcedores escasseiam, a paisagem perde o encanto quando o cansaço começa a castigar. Em determinado momento, você se sente só. É a solidão do corredor de longa distância, como no conto de Alan Sillitoe (e na música do Iron Maiden).

Ao ser escolhido por Bolsonaro para ser seu superministro, Paulo Guedes propôs um programa de longo prazo para a economia brasileira. Numa de suas primeiras entrevistas, no "Central das Eleições" da Globonews (24/08/2018), ele já anunciava os nortes de sua administração: reforma da Previdência robusta para gerar potência fiscal para migrar para o regime de capitalização, privatizações, "mais Brasil, menos Brasília" e um pacote de medidas pró-competitividade, com simplificação e redução de impostos, desburocratização e abertura comercial.

Desde a largada da corrida eleitoral, a torcida por Guedes tem sido grande. Na última quinta-feira (04/07) o ministro foi aplaudido de pé por milhares de participantes num evento da XP Investimentos em São Paulo. Embalado pela aprovação do texto-base da reforma da Previdência na Comissão Especial, iniciou e finalizou sua fala fazendo o "V da vitória" com as duas mãos, ao som de uma música triunfal.

Se considerarmos o mandato presidencial como se fosse uma maratona, estes primeiros seis meses correspondem, aproximadamente, à marca dos 5km. Para chegar com ritmo forte até aqui, Guedes contou com um empurrão da equipe econômica de Temer, que alinhavou o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, deixou um pacote de concessões na prateleira e construiu consensos no Congresso e na sociedade em geral sobre a urgência de se reformar a Previdência.

Por outro lado, o otimismo em relação ao futuro não significa que tudo foi um passeio até agora. Na sua relação com o Congresso, o fardo da capitalização se mostrou pesado demais e teve que ser deixado pelo caminho. Além disso, o terreno para lidar com as contas públicas mostrou-se muito mais acidentado do que se previa - aliás, o ministro abandonou também a promessa de zerar o déficit primário no primeiro ano de mandato.

Cida Damasco: Os próximos ‘vespeiros'

- O Estado de S.Paulo

Governo ataca reformas e incentivos ao consumo, com foco no curto e longo prazos

A reforma anda. Se prevalecer a vontade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a proposta será votada no plenário ainda nesta semana. O parecer do relator, deputado Samuel Moreira, passou na Comissão Especial na semana passada, depois de uma maratona de negociações. Embora determinada pelo cenário externo, a reação favorável dos mercados, com bolsas batendo recordes seguidos, e dólar deslizando, reflete também uma expectativa favorável em relação à tramitação do projeto. É verdade que, na passagem pelo plenário, a reforma pode perder ainda alguma “massa corporal”, ou corrigir “alguns equívocos”, nas palavras do presidente Bolsonaro. Mas tudo indica que o essencial será preservado e vai garantir um ganho fiscal da ordem de R$ 990 bilhões em dez anos, encostando no tal R$ 1 trilhão.

Com a reforma já “precificada”, as atenções dirigem-se para o que virá depois. Especialmente porque “depois da Previdência” virou o mote da equipe do ministro Paulo Guedes, a cada cobrança por novos passos na política econômica. Ao comemorar a aprovação do seu parecer pela comissão, Moreira aproveitou a oportunidade para cutucar o governo, com o argumento de que a nova Previdência é só um alicerce para sustentar um programa mais amplo, que até agora não apareceu. Em bom português, fizemos o nosso serviço, agora façam o seu.

Fareed Zakaria: Conservadorismo tradicional perde espaço

- The Washington Post, O Estado de S.Paulo

Movimento de Thatcher e Reagan, ponderado e instruído, decepcionou seus seguidores e abriu espaço ao populismo de Trump

A crise atual do conservadorismo tem produzido alguns livros em que se procura entender o que exatamente ocorreu com essa crença respeitada. Durante décadas, o conservadorismo foi uma ideologia dominante no mundo ocidental, defendido por Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Hoje entrou em colapso. O populismo de Donald Trump tomou conta do Partido Republicano e a febre do Brexit consumiu os líderes conservadores da Grã-Bretanha.

Entre esses livros sobre o tema está o de George F. Will, The Conservative Sensibility. Sempre admirei George Will, que representa o ideal do conservadorismo ponderado, instruído. Quando eu estava na universidade, ele já era uma figura presente na vida intelectual e política americana – colunista do The Washington Post, comentarista na TV nas manhãs de domingo e autor de diversos livros. Como editor de uma publicação universitária, criei coragem para escrever a Will pedindo para entrevistá-lo e ele concordou. Isso ocorreu há 35 anos e desde então minha admiração e respeito permaneceram intactos. Assim, li o seu livro com grande expectativa.

A obra, como seria de esperar, é profundamente erudita, repleta de exemplos da história e com citações esclarecedoras de políticos e poetas. Will procurou esboçar as características básicas da sua crença. Segundo ele, o conservadorismo americano não tem quase nada a ver com o conservadorismo europeu “que se originou e com frequência foi maculado pela nostalgia da união entre monarquia e Igreja, pela tese nacionalista do sangue e solo, pela irracionalidade e pelo tribalismo”.

Ele parafraseia Margaret Thatcher, observando que “as nações europeias foram criadas pela história, os Estados Unidos pela filosofia”. O conservadorismo americano, assim, é um projeto que busca defender a filosofia original dos Pais Fundadores do país: o liberalismo clássico, que promove um governo limitado e o respeito da liberdade individual.

Ricardo Noblat: É o futebol, estúpido!

- Blog do Noblat / Veja

O capitão que nada aprende e nada esquece

O Brasil não é para amador, ensinou Tom Jobim. O Maracanã vaia até minuto de silêncio, disse o então governador Chagas Freitas, do Rio, ao presidente americano Jimmy Carter ao levá-lo para conhecer o estádio no início de abril de 1978. A presença dos dois na tribuna de honra não foi percebida pela massa dos torcedores.

A presidente Dilma Rousseff provou na pele a fúria do Maracanã na partida final da Copa do Mundo de 2017 entre a Alemanha e a Argentina. Bastou que sua imagem aparecesse nos telões do estádio para que o mundo viesse abaixo. Ela já fora vaiada na Arena Corinthians, em São Paulo, na abertura do Mundial.

Não foi por falta de avisos, pois, que o presidente Jair Bolsonaro amargou um dos maiores constrangimentos de sua vida. Sabe lá o que é sair do corredor dos vestiários, pôr o primeiro pé no campo e já começar a ouvir vaias? E prosseguir sob vaias até o palanque armado para a cerimônia da entrega da taça ao campeão?

Ali, além das vaias, Bolsonaro ouviu os mesmos insultos gritados pela torcida e que tanto chocaram Dilma. Mesmo assim levantou os braços para agradecer aos poucos aplausos que recebeu. E depois da entrega das medalhas aos jogadores, ainda teve a cara de pau de meter-se entre eles e apoderar-se da taça para ser fotografado.

Àquela altura, era o que de fato lhe interessava – aparecer na foto com a taça na mão e cercado por jogadores felizes. No mundo em que vive, Bolsonaro aprendeu que mais vale uma foto postada nas redes sociais para ser vista e disseminada por seus devotos do que possa a imprensa dizer a respeito do que aconteceu de fato.

Natural que como chefe de Estado fosse obrigação dele assistir ao último jogo da Copa América e participar da cerimônia da entrega de medalhas aos jogadores. Mas era perfeitamente dispensável que transformasse a ocasião em um teste para medir a aprovação do seu governo. Foi ele que anunciou que assim seria. Atirou no próprio pé.

Enquanto permaneceu em um camarote acompanhado por nove ministros, entre eles o ex-juiz Sérgio Moro, da Justiça, abalado pela revelação de suas conversas com procuradores da Lava Jato, Bolsonaro foi bem, obrigado. Convidado para entrar em campo, no que o fez foi o desastre previsível. Moro mandou-se sem ser notado.

Uma coisa é a voz das ruas que se ouve quando chamada por um lado ou pelo outro de um país onde o presidente se comporta como se ainda estivesse em campanha, e de certa forma está. Outra é a voz dos estádios que costuma se manifestar de forma irritada contra autoridades que misturam política com futebol.

Pelo visto, Bolsonaro nada aprendeu desde que tomou posse no cargo, e também nada esqueceu.

Imensa dor: Editorial / Folha de S. Paulo

João Gilberto exemplificou em sua saga musical um projeto cosmopolita de Brasil

A morte de João Gilberto representou para o Brasil mais do que a perda de um cantor e compositor com qualidades acima da média, o que já faria de seu desaparecimento físico motivo para imensa dor.

O artista de Juazeiro usou seus notáveis dons para elevar a tradição artística a que se filiava —a da música popular brasileira— a seu ponto culminante de sofisticação.

Num empreendimento estético ambicioso, fez da invenção de um gênero, a bossa nova, um projeto de reformatação do repertório antecedente, lançando luzes a um só tempo para o passado e o futuro.

Composições de autores consagrados, que pareciam prontas e acabadas, encontraram em suas releituras, não raro geniais, um insuspeito acréscimo de excelência.

Não pode passar despercebido o fundo significado político e cultural de sua trajetória, não naquilo que esse tipo de manifestação tem de mais elementar, a semântica empenhada em veicular mensagens.

João exemplificou em sua saga musical a possibilidade de materialização de um projeto cosmopolita de Brasil, simultaneamente rigoroso e radiante, capaz de circular pelo mundo com a naturalidade de patrimônio universal.

Quando o próprio governo cria insegurança: Editorial / Valor Econômico

Menos de 24 horas depois de aprovado o parecer do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) sobre a reforma da Previdência Social, na comissão especial da Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende corrigir "equívocos" no texto. O presidente fez referência direta à aposentadoria especial para os policiais. Em seguida, ele disse que "pouca coisa tem que ser mexida" no projeto, que deve ser discutido agora pelo plenário da Câmara.

Na quarta-feira, quando tentou que os deputados da comissão especial aprovassem regras mais suaves de aposentadoria para os policiais, o presidente foi chamado de "ingênuo" pelo seu ministro da Economia, Paulo Guedes. O ministro julgou que Bolsonaro não tinha entendido que a bola agora está com o Congresso, que é quem vai decidir a questão, por se tratar de emenda constitucional.

Em sua entrevista na sexta-feira, o presidente mostrou ingenuidade, novamente, pois acredita que conseguirá, com o apoio do que se convencionou chamar de "bancada da bala", incluir no texto da reforma apenas regras mais favoráveis para os policiais federais. Ou seja, circunscrever a criação de privilégios somente para esta categoria de servidores.

Há várias emendas ao texto, a serem votadas pelo plenário da Câmara, que estendem a outras categorias as mesmas regalias reivindicadas pelos policiais. E o que os policiais desejam não é pouco.

Querem ter o direito a se aposentar com 100% da última remuneração do cargo efetivo que ocupam, benefício que é conhecido como integralidade. Querem também ter direito, quando estiverem aposentados, a receber os mesmos aumentos que os seus colegas da ativa, o que é conhecido como paridade. Mas não é só isso. Eles não querem ter idade mínima para requer aposentadoria. Apenas o prazo de contribuição de 30 anos.

O consolo da inflação menor: Editorial / O Estado de S. Paulo

Num país com 13 milhões de desempregados, incluídos cerca de 3,2 milhões sem ocupação há mais de dois anos, qualquer trégua da inflação é especialmente bem-vinda. A bênção é ainda maior quando o alívio é encontrado nos preços da comida, como vem ocorrendo há uns dois meses. Comer ainda é uma necessidade vital e corresponde, no jargão orçamentário do governo, às chamadas despesas não discricionárias. Quando o desemprego se prolonga e o dinheiro escasseia, até esse tipo de gasto se torna muito difícil para as famílias. A situação poderia melhorar se algum estímulo animasse os negócios a curto prazo e abrisse caminho para mais contratações. Mas qualquer estímulo, insiste o governo, dependerá do andamento do projeto de reforma da Previdência. Até surgir o sinal desejado, milhões de famílias terão de esperar. Como sobreviver é problema delas. Enquanto isso, há o consolo de uma inflação menos maligna.

A última novidade nesse front foi divulgada na sexta-feira passada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em junho, a vida ficou um pouco menos cara para famílias de renda modesta, com ganho mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos. Usado para medir a inflação desse grupo, o Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1) caiu 0,07%, acumulando alta de 2,72% no ano e 3,85% em 12 meses. Em maio, havia subido 0,26%. No mês passado, baixaram os preços de quatro grandes categorias – habitação, transportes, alimentação e despesas diversas. Para quem vive com orçamento muito apertado, todas essas alterações são crucialmente importantes.

Europa avança com o Mercosul no vácuo dos EUA: Editorial / O Globo

Acordo reafirma aposta em valores da democracia liberal e na cooperação multilateral

Um dos aspectos mais relevantes do Acordo Mercosul-União Europeia está na sua natureza de contraponto à tática do presidente americano Donald Trump de usar o sistema de tarifas alfandegárias como parte da política de segurança nacional dos Estados Unidos.

Com olhos na disputa pela reeleição, em 2020, Trump adotou como regra criar conflitos comerciais, a partir do aumento de impostos sobre mercadorias importadas. Provoca um clima político de tensão global para obter concessões tanto de países competidores dos EUA, como a China, quanto de aliados como México e Canadá.

A China se exercita num jogo de paciência, enquanto expande o seu poder e influência na Ásia e na África. E já iniciou negociações para um acordo monetário com a Rússia.

Na fronteira sul dos EUA, porém, a impulsividade de Trump induz a uma gradual desestabilização do México. Combinada com o agravamento da situação econômica e social em Honduras, Guatemala, El Salvador, Haiti, Cuba e Nicarágua, a Casa Branca se arrisca a fomentar uma situação crítica para todo o continente americano, que já convive com o drama da crise humanitária da Venezuela. É irrealista achar que os interesses estratégicos dos EUA ficariam incólumes a uma convulsão abaixo do Rio Grande.

Vinícius de Moraes: Amigos

Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...

Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido... Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens. Aí os dias vão passar... meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...

Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos...

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado... E nos perderemos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores... mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!!!

João Gilberto: Hino Nacional