domingo, 4 de abril de 2021

Fernando Henrique Cardoso - A hora se aproxima

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Se cada um brasileiro se dispuser a falar e a agir, é de esperar-se um futuro melhor

A única vantagem que os mais velhos podem eventualmente ter é que já viveram situações difíceis. Elas não deixaram saudades. Os que se aproximam dos 90 anos (questão de três meses no meu caso) passaram pela Segunda Grande Guerra; viram a migração do Nordeste tocada pela pobreza e, mais tarde, a do Sul, abrindo fronteiras no Oeste e ocupando terras; passaram pelo golpe de 1937, viram outra vez, de lado político distinto, o movimento de 1964 (em ambos os momentos, carreiras foram cortadas, e mesmo vidas ceifadas, às vezes pela tortura) e viram a democracia voltar a ser um valor. A liberdade é como o ar que respiramos: sem dar-nos conta, é dele que vivemos. Basta cortá-lo para aparecerem consequências nefastas.

Daí que veja com apreensão o momento atual. O país sofre de uma crise sanitária gravíssima (talvez só comparável com o que ocorreu na “gripe espanhola¨ em 1918/9); ainda está com as dificuldades econômicas, devidas não apenas à recessão, mas também à utilização de tecnologias poupadoras de mão de obra, as quais, sem que haja dinamismo na produção, mostram com clareza as dificuldades para a obtenção de empregos. E ainda por cima, temos um governo que não oferece o que mais precisamos: serenidade e segurança no rumo que estamos seguindo.

Nem tudo se deve à condução política do presidente. Convém repetir: ele foi eleito pela maioria e disse o que faria.... Fez; e não deu certo. Em função disso, para onde vai o país? Primeiro, não julgo que seja suficiente distribuir “culpas”. Há várias culpas e vários culpados, interna e externamente. Sejamos realistas: ainda que o residente fosse capaz de conter seus ímpetos, não nos livraríamos do vírus que nos atormenta. Mas poderia haver menos mortos. A credibilidade dos que mandam é quase tão eficaz para conter desatinos como a competência dos serviços de saúde para evitar mortes.

Míriam Leitão - O governo acabou, mas permanece

- O Globo

O governo Bolsonaro acabou, mas ainda não terminou. Foi o que me disse uma fonte, um pouco antes de eu sair para tomar a primeira dose da vacina. Receber o imunizante virou festa, emoção, defesa de valores, bandeira. Não há o que Bolsonaro faça que apague as muitas gravações que existem mostrando seus ataques à vacina. Sua tardia rendição é inútil. Os últimos tempos têm sido dilacerantes. O gráfico das mortes é uma exponencial. Numa semana de muitas emergências e dores, o presidente mandou celebrar a ditadura, demitiu os chefes militares, combateu, de novo, as medidas de proteção.

O fim do governo se vê por todos os lados. Ele virou um peso morto. O desmonte na área econômica é visível. Na quinta-feira demitiu-se o presidente do conselho do Banco do Brasil, Hélio Magalhães, e foi acompanhado pelo conselheiro José Monfort. Já saiu muita gente. Quem se enganou com esta administração o fez porque quis. O presidente intervém em qualquer setor da área econômica ou empresa. O ministro Paulo Guedes não se opõe. Ele disse, segundo o blog de Tales Faria, do UOL, que já sabia das substituições (na Petrobras e no Banco do Brasil). “O presidente não estava satisfeito e é um direito dele.” Guedes mimetiza a visão de Bolsonaro: acha que ele foi eleito rei absolutista e não presidente temporário de uma república democrática e federativa. O ministro fez feia acusação a Roberto Castello Branco. “No caso do Castello, ele, na verdade, vinha segurando aumento nos preços dos combustíveis. É claro que, quando soube que ia sair, começou a realinhar os preços.”

Paulo Fábio Dantas Neto* - Carolinices sobre solução política de uma não questão militar

Na conjuntura crítica do Brasil atual, uma coluna semanal sobre política já corre o risco de deixar o tempo passar e, como uma Carolina tarda, mal ver a banda tocar. Se deixar de circular uma semana, aí então é que a fila anda e a banda toca longe da sua janela. A política brasileira tornou-se matéria volátil, seu relógio se perde nos minutos, enquanto a força desestruturadora da pandemia parece absorver para si as horas todas, assumindo, em paradoxo com seu andamento trágico, uma regularidade própria de rotinas de uma estrutura. Após duas semanas, eis-me tentando juntar, como num quebra-cabeça, fragmentos de fatos para montar um texto que comente alguma vida passada nessa rotina de morte.

No meio tempo entre a coluna anterior e essa, Jair Bolsonaro, ao lado de oferecer, ao Presidente da Câmara dos Deputados, a secretaria ministerial do seu governo (mais um anel que talvez desejasse manter nos dedos), perfilou - ou ajustou controles sobre - os Ministérios da Justiça e da Defesa, a AGU e a Polícia Federal, além do que já tem sobre os órgãos de informação. Se houvesse conseguido emplacar comandantes amigos nas forças armadas, estaria completo o desenho de um misto de bunker e trincheira para uma luta decisiva que acalenta em seus delírios. Restaria conseguir produzir a centelha de desordem pública que persegue, meses a fio, para justificar uma virtual proposição de estado de sítio, ou algo equivalente, com respaldo de comandos militares. Hoje o Congresso não o concederia. Mas num hipotético cenário de violência miliciana nas ruas, insubordinação nas PMs combinada com caos sanitário, povo amedrontado, pedindo ordem, o Congresso e o STF poderiam ficar emparedados. Assim parecem pensar os que respaldam os movimentos de Bolsonaro, ou os que hesitam em repeli-los.

Merval Pereira - 11 cabeças, uma sentença

- O Globo

O julgamento do dia 14 no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a decisão do ministro Edson Fachin de encaminhar para a Justiça do Distrito Federal os processos contra o ex-presidente Lula, anulando suas condenações, o que o tornou elegível para a eleição presidencial de 2022, promete mais polêmicas. Retomado o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro na 2ª Turma do STF, o ministro Nunes Marques surpreendeu muita gente votando contra a tese, no que poderia ser um placar de 3 a 2 contra o relator Gilmar Mendes se a ministra Carmem Lucia não tivesse alterado seu voto, alegando que fatos novos surgiram desde que votara na primeira sessão a favor de Moro. Nada, além das mensagens roubadas dos celulares dos procuradores de Curitiba, surgiu no horizonte para justificar tão brusca mudança de voto.

No dia 14, quando o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar o recurso da Procuradoria-Geral da República contra a decisão de Fachin, essa questão será debatida. Foram ou não usadas as mensagens roubadas dos celulares dos procuradores no julgamento da suspeição de Moro? São provas inválidas ou não?

A suspeição em si estará também em julgamento, pois há quem acredite que, tendo Fachin determinado que, com a transferência de jurisdição, o julgamento de Moro perdera o objeto, a sessão não poderia ter prosseguido.

José Murilo de Carvalho* - Até quando?

- O Globo

Tristeza e desânimo é o que nos causa o fato de que, há exatamente 57 anos do golpe de 1964, quepes e fardas voltem a ocupar as páginas dos jornais e hoje também as redes sociais. Com 81 anos de idade, pergunto-me quando é que nossa República será capaz de se autogovernar dentro dos parâmetros da democracia, descartando a tutela militar? Ao longo dos 33 anos que se seguiram à redemocratização de 1985, acreditamos que caminhávamos nessa direção. Achávamos que o profissionalismo, a não interferência na política, passara a ser a marca da atuação de nossas Forças Armadas. Mas o fatídico tuíte do comandante do Exército, general Villas Bôas, em 3 de abril de 2018, pressionando o STF às vésperas do julgamento de um habeas corpus em favor de Lula, veio nos desenganar. As Forças Armadas, particularmente o Exército, continuavam, e continuam, convencidas de seu papel tutelar da República, expresso, segundo elas, nas palavras “garantias dos poderes constitucionais” do artigo 142 da Constituição.

A situação agravou-se quando os militares endossaram a candidatura do capitão indisciplinado e entraram em massa, de generais a oficiais subalternos, nos quadros governamentais, seja por ideologia, seja por fisiologismo, seja pelas duas coisas. Os alertas sobre o perigo que isso poderia representar para a unidade e a imagem das Forças Armadas não foram ouvidos. Ao longo de dois anos, ficaram claros os sinais de que o presidente buscava apoiar-se nelas, até para desafiar os outros poderes da República. Só aos poucos a ficha foi caindo e chegou ao ponto de conflito aberto quando, nesta semana, os comandantes das três Forças decidiram colocar seus cargos à disposição, sendo, a seguir, demitidos para que o governo salvasse a própria cara. Não me lembro de caso semelhante na história da República.

Bernardo Mello Franco - Topa tudo pela toga

- O Globo

Na disputa por uma cadeira no Supremo, vale tudo para agradar Jair Bolsonaro. Até ignorar a ciência e defender a reabertura de templos no pior momento da pandemia.

Na noite de quarta-feira, o procurador-geral da República pediu a derrubada do decreto paulista que suspendeu temporariamente os cultos presenciais. A medida fez parte de um pacote emergencial para tentar frear o avanço da Covid.

Sem argumentos racionais à mão, Augusto Aras apelou a um misto de negacionismo com misticismo. Ele disse estar preocupado com a “saúde mental e espiritual da população brasileira, que precisa de assistência religiosa para o enfrentamento de momento tão grave da epidemia”.

Na manhã de quinta, o advogado-geral da União correu para endossar o pedido. “Como é de sabença geral, a fé cristã está embasada na pessoa de Jesus Cristo”, escreveu André Mendonça. Ele dissertou sobre as origens da Páscoa e informou que a data é comemorada desde o Concílio de Niceia, no ano 325.

Ricardo Noblat - Missão dada por Bolsonaro, missão cumprida por Nunes Marques

- Blog do Noblat / Veja

O vírus é ateu e não discrimina ninguém

É assim que se rebaixa quem deve o uso da toga não aos conhecimentos jurídicos que acumulou e ao respeito conquistado ao longo de uma carreira bem-sucedida, mas à indicação de um presidente da República que a condicionou ao cumprimento estrito de suas vontades e caprichos. Era previsível que o ministro Nunes Marques se comportasse assim no Supremo Tribunal Federal.

Na undécima hora, para não dar tempo a contestações, o ministro Kassio Nunes Marques autorizou a realização de cultos e celebrações religiosas presenciais em todo o país, acolhendo ação movida ainda em 2020 pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos. Templos e igrejas, portanto, poderão abrir neste domingo de Páscoa em locais onde estavam fechados.

 “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual”, escreveu o ministro em sua decisão. Bolsonaro amou.

Eliane Cantanhêde - Operação mequetrefe

- O Estado de S. Paulo

Governos acuados fazem reforma ministerial, mas para que serve a de Bolsonaro?

Além de não perder uma, duas, mil chances de ficar calado, o presidente Jair Bolsonaro perdeu ótima chance de fazer uma reforma ministerial para valer, com um embaixador reconhecido internacionalmente no Itamaraty, um grande jurista no Ministério da Justiça e um, ou uma, parlamentar de peso para fazer a articulação com o Congresso. Mas seria esperar muito. O governo tem o tamanho de Bolsonaro. 

Governo acuado cria uma comissão e faz uma reforma ministerial. Bolsonaro não foge à regra, mas a comissão (ou frente) de combate à pandemia produziu algo hilário: todos falam uma língua para a sociedade, o presidente fala outra para a sua seita na internet. E a reforma foi um remendo. 

Com a tragédia da política externa de Bolsonaro, que mistura ideologia, crenças, implicância e burrice, o pior chanceler da história, Ernesto Araújo, deveria ser substituído por um embaixador de carreira com enorme prestígio no Itamaraty e pelo mundo afora. Nomes não faltam, mas o presidente preferiu um irrelevante, que siga o protocolo: “um manda, outro obedece”. 

Lourival Sant'Anna - A alma militar e a guerra

- O Estado de S. Paulo

Com ou sem guerra, é melhor uma estrutura profissional nas Forças Armadas

Nas minhas coberturas de conflitos armados ao longo de décadas, convivi com muitos militares, dos mais diversos países e culturas. Aprendi a apreciar o que se chama de “a alma militar”, e a observar como as circunstâncias podem moldá-la e conduzi-la para concepções inteiramente destoantes sobre seu papel.

A formação de um soldado é diferente da de qualquer outro profissional. Consiste em introjetar a obediência a uma ordem que pode levá-lo à morte; a aceitação de que ele, e não seu colega ao lado, tenha sido o escolhido para ir na frente, numa posição que diminui em muito suas chances de voltar vivo. O objetivo principal da formação do soldado é torná-lo parte de um corpo, e não mais um indivíduo. A isso se dá o nome de “espírito de corpo”.

Ao longo da carreira, o militar prova muitas vezes essa entrega à pátria: nos treinamentos exaustivos, nos exercícios arriscados, no rigor da disciplina e da hierarquia, na vida austera da caserna e nas mudanças periódicas de cidade que desorganizam sua vida familiar. A guerra, o risco de morte, galvaniza essa entrega, numa prova suprema de doação e de lealdade. 

Eliézer Rizzo de Oliveira* - Bolsonaro provoca crise militar

- O Estado de S. Paulo

O presidente está fragilizado, tenta mostrar uma força que não tem

O Brasil vive uma perigosa crise de inteira responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro: a intervenção política nas Forças Armadas com o propósito de instrumentalizá-las como “partido do presidente”.

Bolsonaro teria ordenado ao general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, que se opusesse ao Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de decisões favoráveis ao ex-presidente Lula da Silva, seu provável adversário em 2022, a exemplo do que fizera o general Villas Bôas em abril de 2018, num erro monumental. Bolsonaro não foi atendido e exigiu a cabeça do general Pujol. Nesse contexto, o general Paulo Sérgio, em entrevista ao Correio Braziliense, abordou a política de saúde da Força em consonância com os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), não com a cloroquina de Bolsonaro. Um ano antes, diante da pandemia, o general Pujol estabelecera que salvar vidas era a guerra mais importante do Exército. Bolsonaro de um lado, Exército do outro.

Bolsonaro trocou a direção do Ministério da Defesa e os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. A crise não se resolveu, apenas mudou de fase. Pois o seu cerne está em Bolsonaro pretender que as Forças Armadas sejam instituições de seu governo (“meu Exército”) para pressionar o processo político, ameaçar a sociedade e forçar os governadores e os prefeitos (que verdadeiramente combatem a pandemia) a abrir a economia e abandonar o isolamento social.

Sérgio Augusto - Paris o sesquicentenário da histórica comuna

- O Estado de S. Paulo

 Ela foi a réplica da arraia-miúda à revolução burguesa de 1789, que alguns confundem com as agitações de 20 anos antes

O delegado do Dops quis saber se eu era comunista. “Não”, respondi. “Gostaria de ter sido communard”, complementei. O beleguim, apesar de visivelmente desconcertado pelo complemento, não deu o braço a torcer, e foi dormir sem perguntar e muito menos saber o que diabos eu queria dizer com “comu...comunar”. Se mais instruído e safo, teria perguntado: “E por que não foi isso aí?” Ao que eu responderia: “Porque não tinha idade.”

Não tinha mesmo. Um século então nos separavam, amime ao delegado, da insurreição dos communards parisienses, em 1871, a cujo sesquicentenário, rolando até o dia 28 de maio, nossa mídia não tem dispensado a devida atenção.

Pois é, os franceses brindando ao aniversário da mais espetacular rebelião popular europeia do século 19 e os militares daqui encanados em mais um aniversário da maior desgraça por eles infligidas ao País no século passado: o golpe de 64, que, aliás, o novo ministro da Defesa prefere chamar de “movimento”, eufemismo combinado entre seus pares para maquiar a história.

Maquiar, perdão, é outro eufemismo; a palavra certa é falsificar.

Vinicius Torres Freire - Plano Biden é reviravolta nos EUA

- Folha de S. Paulo

Presidente quer trilhões para mudança desenvolvimentista, a maior em 40 anos

Joe Biden tem planos de mudar a economia e a política americanas de um modo que não se via faz uns 40 anos. Mesmo que dê certo, não será reviravolta tão grande quanto a conduzida por Ronald Reagan, até porque o presidente dos EUA teria de recuperar décadas de terreno perdido para o extremismo de mercado e para a extrema direita. Mas não é pouca porcaria.

Do que se trata? De um programa nacional-desenvolvimentista, para resumir a coisa de modo sarcástico, mas não muito. Biden lançou na semana passada o Plano de Empregos Americanos, um projeto de gastar US$ 250 bilhões em cada um dos próximos oito anos, um total de US$ 2 trilhões (o PIB do Brasil é algo perto de US$ 1,6 trilhão).

No mês passado, o Congresso já aprovara o pacote de Biden para combater o desastre econômico da epidemia e suas consequências sociais duradouras, uma despesa de US$ 1,9 trilhão em um ano.

Ainda virá um plano de US$ 1 trilhão para infância, saúde e educação, despesa a ser bancada por aumento de impostos sobre renda, ganhos de capital e patrimônio de ricos.

Os objetivos principais do Plano de Empregos Americanos são, óbvio, criar empregos, reconstruir a infraestrutura e enfrentar “os grandes desafios de nosso tempo”: a crise do clima e as “ambições de uma China autocrática”, como se lê no texto oficial de divulgação do projeto. Há apoio explícito à organização dos trabalhadores, direito derrotado até na Justiça e decadente faz décadas, um motivo do aumento da desigualdade nos EUA.

Bruno Boghossian - Candidatura de laboratório

- Folha de S. Paulo

Consórcio da terceira via faz manifesto, mas não produz nome com chances de 2º turno

Um consórcio de empresários e caciques partidários se convenceu de que o país chegará a 2022 disposto a votar num nome de terceira via para o Palácio do Planalto. Na última semana, eles inventaram um grupo de WhatsApp e um manifesto político. Não conseguiram produzir ainda um projeto que mostre força suficiente para ir ao segundo turno.

Pesquisas feitas a 18 meses da disputa indicam que cerca de 60% dos brasileiros declaram intenção de votar em Jair Bolsonaro ou em Lula. Parece haver espaço de sobra para um nome alternativo, mas o terreno pode não ser tão fértil assim.

Para alcançar o segundo turno, a chapa precisaria deslocar Bolsonaro pela direita, desidratar Lula na esquerda ou aglutinar o eleitorado que, segundo esse grupo, está no centro. Por qualquer dessas rotas, seria necessário se aproximar dos 25% dos votos para seguir adiante.

Janio de Freitas - Por falar em demissões

- Folha de S. Paulo

Militares não repudiam o que há de mais criminoso contra o Estado democrático

O primeiro ato do general Braga Netto como ministro da Defesa foi de obediência a Bolsonaro e de confronto com a inquietação deflagrada nos altos comandos do Exército, da Marinha e da Força Aérea.

Braga Netto frustrou o ato, muito simbólico, dos comandantes das três Forças: antecipou-se, demitindo-os, à entrega dos seus cargos em resposta à exoneração do general Fernando Azevedo e Silva, até então ministro da Defesa.

Mas as exonerações em questão eram outras. A insatisfação de Bolsonaro com a falta de pronunciamentos políticos do general Azevedo, para fortalecê-lo em seu isolamento crescente, concentrou as explicações para a turbulência.

Esses raciocínios, muito defensáveis, embalaram-se até à função das Forças Armadas e sua relação com governos e política. Por isso, soterraram uma causa primordial para a mexida de Bolsonaro na Defesa e a perigosamente importante nomeação do delegado Anderson Torres para ministro da Justiça.

Um dos personagens mais relevantes no problema entre Bolsonaro e o Exército ficou citado apenas como um dos ministros substituídos. Ministro da Saúde ideal para Bolsonaro, pela dócil obediência e, sobretudo, pela tolerância aos efeitos letais de que foi agente, para o Exército o general Pazuello veio a ser um problema.

Em parte, pela projeção do seu desempenho sobre a Força e a capacidade dos colegas. E também por ser da ativa, o que agravava a situação. O general Luís Eduardo Ramos resistiu pouco e passou à reserva, para continuar no Planalto. Pazuello, não.

Elio Gaspari - De Jango@edu para Bolsonaro@gov

- O Globo / Folha de S. Paulo

João Goulart escreve a Jair para contar sua experiência: "Porque ambos sentamos na mesma cadeira"

Presidente,

Faz tempo, no dia de hoje, eu estava num aviãozinho Cessna pilotado pelo Maneco Leães, voando de minhas terras para Montevidéu. Pousamos, pedi asilo e só voltei ao Brasil em 1976, morto.

Escrevo-lhe porque vi que o senhor já falou em estado de sítio, um deputado da sua copa tentou aprovar uma medida parecida e há no seu pelotão o interesse de montar um dispositivo militar.

Não tenho simpatia por vossa figura e sei que a recíproca é verdadeira. Mesmo assim, escrevo-lhe para contar minha experiência, porque ambos sentamos na mesma cadeira.

Estado de sítio, eu também tentei, em outubro de 1963. Parecia boa ideia, e a Central Intelligence Agency disse ao presidente John Kennedy que o comandante do Exército e “a maioria dos militares provavelmente apoiariam as medidas fortes”. Estávamos enganados, a proposta do estado sítio naufragou e tive que retirá-la.

Dias depois, empossei na chefia da Casa Militar o general Assis Brasil. Desde o primeiro momento, ele se dedicou a montar um dispositivo de apoio militar ao governo. Como ele trabalhava no palácio, era o único general que eu via todos os dias. Considerava seu dispositivo “imbatível”. No início de março de 1964, ele dizia que seu esquema “se não é perfeito, é pelo menos o melhor de quantos já se armaram neste país”.

Hélio Schwartsman - A criança é o pai do homem

- Folha de S. Paulo

Um dos projetos de Bolsonaro já anunciava o que seria seu governo

"The Child is Father of the Man" (a criança é pai do homem). O célebre verso de Wordsworth é em geral usado como glosa a situações em que o traço de personalidade ou comportamento observado num estágio antecipa uma característica muito saliente exibida numa fase posterior.

Não sei bem como foi a infância e a adolescência de Jair Bolsonaro, mas temos farta documentação de suas ações como deputado federal, cargo que exerceu por quase 28 anos antes de ser eleito presidente. E o que fez Bolsonaro nesse período?

Embora tenha proposto mais de 170 peças legislativas, conseguiu a aprovação de apenas dois projetos de lei e de uma emenda constitucional —uma produtividade assustadoramente baixa e que já explica algo da ineficiência de sua administração.

Ruy Castro - Canções cheias de luz

- Folha de S. Paulo

O samba-canção não falava só de relações fracassados; nele o amor também podia dar certo

Outro dia (21/3), escrevendo sobre Antonio Maria, falei de duas injustas acusações ao samba-canção: a de ser o "bolero brasileiro" e não passar de uma "pré-bossa nova". Outra ofensa é chamá-lo de "música de fossa". Sim, muitos sambas-canção falam de amores fracassados, mas isso não será uma condição da música romântica? É só conferir as letras de "Night and Day", de Cole Porter, "Star Dust", de Hoagy Carmichael e Mitchell Parish, e "One For My Baby", de Harold Arlen e Johnny Mercer, tecnicamente músicas "de fossa". E o que dizer dos blues?

Mas o samba-canção tinha também músicas leves e arejadas, autênticas celebrações da vida e do amor. Duvida? "Copacabana", "Somos Dois" e "Uma Loura", com Dick Farney, "Sábado em Copacabana", com Lucio Alves, "O que É Amar", de e com Johnny Alf, "O Amor e a Rosa" e "Meiga Presença", com Elizeth Cardoso, "Dó-ré-mi", com Doris Monteiro.

Luiz Carlos Azedo - A Páscoa na pandemia

- Correio Braziliense / Estado de Minas

O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos

Antes de mais nada, feliz Páscoa para todos. É uma data ecumênica por sua própria origem, pois foi ressignificada pelos cristãos como um momento de renovação das esperanças. A origem da Páscoa é o Pesach, a comemoração judaica da libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Narrada nos Pentateucos, os primeiros cinco livros da Bíblia, em hebraico, a palavra significa “passagem” e faz menção ao anjo da morte no Egito — a décima praga, conforme a narrativa bíblica. A festa foi reinventada pelos cristãos, passando a se remeter à crucificação e à ressurreição de Cristo.

“E, se Cristo não ressuscitou, logo logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”, diz o apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14. Na fé católica, foi por meio da ressurreição que a humanidade teve a redenção de seus pecados. Jesus Cristo sacrificou-se para redimir o povo e dar-lhe uma nova chance de salvação. No seu sacrifício, o poder de Deus teria se manifestado.

Estamos encerrando a Semana Santa sem procissões nem missas campais, porém, plena de simbolismo. O Brasil vive uma das maiores tragédias de sua história, com uma média de mais de 3 mil mortos por dia nas últimas semanas, em razão do descontrole da pandemia da covid-19. Existe uma energia humana nos subterrâneos dessa tragédia social que, em algum momento, transbordará para as ruas. Essa resiliência, que seria traduzida nas cerimônias religiosas tradicionais, de alguma forma, acabará se transformando em manifestação política.

Dorrit Harazim - Páscoa

- O Globo

Mora no Museu de Israel, em Jerusalém, a obra “Angelus Novus”, criada por Paul Klee em 1920. Há quem veja no célebre desenho comprado no ano seguinte pelo filósofo alemão Walter Benjamim uma melancólica representação do eterno ciclo de desesperança da história humana. Klee tinha uma visão metafísica da realidade, e seu anjo também pode retratar nossa Páscoa amarga de 2021 — nada a celebrar, tanto a prantear. Nas palavras de Benjamin, que se suicidaria ao tentar fugir do nazismo em 1940, o quadro retratava o anjo da história. “Sua face está voltada para o passado... gostaria de permanecer aqui, despertar os mortos e tornar inteiro o que foi destruído. Mas uma tempestade sopra do paraíso; ela aprisionou com tanta violência as asas do anjo que ele não pode mais fechá-las e é impelido para o futuro, sem possibilidade de resistência... Essa tempestade é o que chamamos de progresso”, escreveu.

Também nós não sabemos ressuscitar os que perdemos. E quem partiu no arrastão fúnebre da pandemia nem sequer pôde se despedir dos presentes. Nos tornamos órfãos coletivos de desconhecidos, de pais e familiares, amigos, colegas, vizinhos; de toda uma parte da humanidade que vivenciou um mesmo mundo, um mesmo tempo de história. À medida que as perdas se sobrepõem, uma espécie de “escolha de Sofia” invertida despedaça os que ficam: por quem chorar primeiro — pelo pai ou pelo irmão? Pela amiga querida ou pelo vizinho de todas as horas? A própria natureza cambiante da memória e das emoções, quando atropelada e sem tempo para tomar fôlego, tem poder anestesiante de um luto contínuo. Um luto profundo e silencioso para não atrapalhar os ainda à nossa volta.

Cacá Diegues - Cesta da Paixão

- O Globo

Hoje, em vez de refletir sobre o abstrato, temos a televisão e a internet que nos dão a conhecer o mundo

Na casa de meus pais, a Semana Santa era uma oportunidade sagrada de refletir sobre nós mesmos e o mundo podre e cruel à nossa volta. Tratava-se de adquirir um conhecimento que os Santos, mas sobretudo Jesus Cristo, nos ofereciam para que soubéssemos o que ainda não sabíamos sobre o sofrimento e o Paraíso a que ele podia nos levar. Não era permitido abrir a boca, éramos obrigados ao silêncio absoluto durante toda a Sexta-Feira da Paixão, refletindo sobre a morte e a salvação, sobre nós mesmos e a dor. Devíamos sair da reflexão com uma cesta nova de conhecimentos para a nossa vida, para que ela fosse de fato santa. Hoje, em vez de refletir sobre o abstrato, temos a televisão e a internet que nos dão a conhecer o mundo.

Essa história, por exemplo, eu colhi no Youtube. Me distraiu um pouco da miséria política desses dias, me deu uma certa esperança na invenção humana. Manuel da Silva é um português de 76 anos que vive em Cedral, cidade de 12 mil habitantes, no litoral do Maranhão. Manuel, que todo mundo chama de Seu Maneles, antes de vir para o Brasil passou alguns meses com índios na Guiana Francesa, com os quais aprendeu a usar arco e flecha, a construir embarcações de madeira e a viver nu. Mas não se trata de viver nu como força de expressão, vestido com um shortinho ou uma cueca meia-bomba. É nu mesmo, de cabo a rabo.

Cristovam Buarque* - Olhe a responsabilidade, gente

- Blog do Noblat / Veja

Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo

Nesta semana, a reforma ministerial mostrou que Bolsonaro já está trabalhando para o pós-segundo turno, enquanto os líderes e partidos de oposição continuam no pré-primeiro. Com o novo Ministro da Defesa, ele deseja controlar as Forças Armadas; com o novo Ministro da Justiça busca o controle sobre as polícias estaduais; com a liberação da compra e porte de armas, equipa sua milícia paralela. Com Forças Armadas, polícias e milícias, Bolsonaro passa a ter forças armadas nas ruas, para contestar derrota por pequena margem de eleitores, caso não consiga argumento para contestar o resultado na Justiça Eleitoral.

Enquanto isto, as oposições continuam divididas entre os possíveis candidatos que depois disputarão entre eles qual vai ao segundo turno. Estes embates deixam marcas que poderão levar outra vez a abstenções e votos nulos no segundo turno, como aconteceu em 2018. Difícil imaginar os eleitores do PT votando em Ciro ou outro candidato, e eleitores do Ciro e de outros candidatos votando no Lula ou outro do PT, salvo se fosse construída uma aliança ampla de todos desde o primeiro turno.

Alberto Aggio* - A experiência chilena de Allende, 50 anos depois


- Horizontes Democráticos

Há 50 anos, o Chile vivia uma experiência política extraordinária. Foi o período em que Salvador Allende governou o país, depois de ter vencido as eleições em 1970 e, quase três anos depois, ser deposto por um golpe militar, em 11 de setembro de 1973.[1] Tão logo se começa a rememorar o período vêm à mente as imagens que correram o mundo ao registrarem o assalto ao Palácio La Moneda, em Santiago. Cenas chocantes especialmente em se tratando de um país que cultivava, interna e externamente, a imagem de estabilidade política e solidez institucional.

O que ocorreu para que se chegasse a tal ponto? Até hoje, 50 anos depois, esta pergunta é feita e há muitas respostas para ela, tanto quanto as incógnitas que permanecem submersas. Diversos aspectos são apresentados como fatores explicativos. Dentre eles, o fato de que Allende tornou-se Presidente mas seu apoio eleitoral era minoritário, uma vez que havia sido eleito com apenas 36% dos votos e sua posse aprovada, em segunda instância, pelo Congresso; que as forças políticas da época se dividiam em três — os liberais e nacionalistas, a democracia-cristã e o eixo socialista-comunista —, com projetos de sociedade distintos, o que dificultou a convivência e o equilíbrio do sistema político ao extremarem suas posições; que as reformas implementadas por Allende, aprofundando a reforma agrária, estatizando bancos e empresas, evidenciaram-se excessivamente maximalista e o caminho adotado para realizá-las, por meio do Executivo, acabaram abrindo espaço para a contestação e a ingovernabilidade; que o apoio dos EUA à oposição e, por fim, ao golpe de Estado, não deixam dúvidas a respeito da transcendência do que se passou no Chile, um dos palcos da confrontação acionada pela “guerra fria”.

Os três anos nos quais Allende governou o Chile são identificados como a experiência chilena, que mesmo depois do golpe militar continuou a provocar uma sensação paradoxal, constituindo-se numa referência positiva e negativa em razão do fracasso da chamada via chilena ao socialismo, que acalentava a ideia de que seria possível a construção do socialismo mediante a manutenção e o aprofundamento da democracia. Tratava-se de uma proposição inédita, de repercussão universal.

Por muito tempo fez-se uma discussão reducionista da via chilena ao socialismo. Para alguns era mais uma ilusão reformista; para outros, ensaiava-se uma perspectiva nova de construção do socialismo. Entre os protagonistas, as avaliações posteriores tenderam a reproduzir a divisão que habitava a esquerda chilena do período Allende.[2] Imerso nesse antagonismo anacrônico, onde inutilmente se busca uma “saída” para o governo Allende, o passado permanece envolto numa bruma que não se dissipa.

Eduardo Rocha / Gurgel - O Brasil tem urgência na vacinação

Um problema extraordinário exige uma solução extraordinária. O Brasil tem urgência na vacinação e as organizações empresariais podem ajudar. O combate eficaz à escalada colossal e fúnebre da pandemia e a defesa da vida exigem uma inédita cooperação entre o Estado, o mercado e toda a sociedade brasileira para promover a universalização acelerada da vacinação.

Propõe-se aqui que os governadores e prefeitos enviem aos seus respectivos      Legislativos, de comum acordo com o Governo Federal e o Congresso Nacional, um projeto de lei que autorize as empresas privadas nacionais e internacionais que atuam no Brasil adquirirem vacinas já disponíveis no mercado mundial contra a Covid-19.

As vacinas compradas seriam divididas em duas partes. Uma destinada a vacinar os trabalhadores dessas empresas adquirentes e outra seria doada ao Sistema Único de Saúde (SUS) para vacinar a população dos estados e municípios, seguindo a ordem dos grupos prioritários já definidos.

Música | Paulinho da Viola - Argumento

 

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.