quinta-feira, 25 de abril de 2024

Maria Cristina Fernandes - Impeachment inédito preocupa os Poderes

Valor Econômico

Jantar marcou uma atuação coordenada do Executivo e do Supremo para evitar uma maioria bolsonarista no Senado em 2027

O Congresso não se enterneceu com o apelo conciliatório do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o governo ganhou tempo. Lula disse que depois que um projeto de lei sai do Executivo o Congresso pode lhe dar o destino que quiser. No dia seguinte, o governo suou para adiar a votação dos vetos presidenciais. Não sem antes assegurar a retaguarda.

Veio na forma de uma ação de inconstitucionalidade impetrada no Supremo Tribunal Federal pela AGU contra uma desoneração que privou o Tesouro de R$ 10 bilhões anuais. A ADI é fruto da aliança entre Executivo e Supremo que enfurece o Congresso. Seu relator será o ministro Cristiano Zanin.

Lula, o conciliador, entrou em campo depois do jantar com ministros que, no Congresso, foi lido como maquinação entre os dois Poderes contra o terceiro. O ministro Alexandre de Moraes também foi à luta. Arquivou o inquérito da hospedagem do ex-presidente Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria. Ao ministro Gilmar Mendes coube suspender as ações em curso no Judiciário relacionadas ao marco temporal. O STF havia derrubado a tese, levando o Congresso a aprovar lei para reinstituí-lo.

O vento da conciliação entrou pelas frestas do TSE antes mesmo da mudança de sua composição, em junho, com a saída de Moraes. A votação sobre a cassação do senador e ex-ministro da Pesca do governo passado, Jorge Seif (PL-SC), foi adiada e ele foi recebido por Mendes, que não integra a Corte eleitoral.

O ministro Flavio Dino questionou a efetividade da decisão do STF que pôs fim ao “orçamento secreto”. Parece uma nota dissonante, mas o despacho também pode acabar oferecendo uma saída se essa toada conciliatória desafinar. Não é a única. O “orçamento secreto” fez vítimas na Corte. Os inquéritos correm em segredo de Justiça mas estão espalhados no tribunal. Aquele que investiga o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA) já tem relatório da PF pronto à espera de manifestação da PGR.

A preocupação com o desmonte da polarização no Congresso, prato de resistência do jantar, é guiada, no Executivo, pela busca de governabilidade, e no STF, pela sobrevivência de seus ministros, como a ampliação do foro privilegiado já havia mostrado. Os próprios ministros são beneficiários, uma vez que não estarão à mercê de um juiz bolsonarista de primeiro grau ao deixarem a Corte.

É visível o avanço da resistência à permanência das excepcionalidades na condução do inquérito das “fake news” por Moraes. Se esta resistência, mais concentrada no bolsonarismo, fez 32 senadores, alguns nos dois Poderes se perguntam quantos fará com sua ampliação para segmentos não-alinhados ao ex-presidente no empresariado, no meio jurídico, na imprensa e na classe média.

A conta é simples. Com maioria simples do plenário (metade mais um dos presentes) do Senado um togado pode ser afastado. E com dois terços (54) sofre impeachment. Também são 54 as vagas em renovação. Entre os 27 que permanecem, o bolsonarismo tem 19.

O senador Davi Alcolumbre (União-AP) é favorito à disputa pela mesa em fevereiro, o que lhe daria condições para disputar a reeleição em 2027. É esperado que a plataforma de campanha de uma Casa com eventual maioria bolsonarista seja o primeiro impeachment no STF. E é esperado também que Alcolumbre, como acumula inquéritos na Corte, tema a reprise do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, afastado depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Alcolumbre cultiva boas relações com os ministros e estará com três deles (Moraes, Mendes e Toffoli) até o sábado no hotel Península (R$ 8,3 mil a diária mais barata), de Londres, para um fórum que tem entre seus organizadores e patrocinadores os bolsonaristas Karim Miskulin, promotora de almoço de empresárias com Bolsonaro na última campanha, e Alberto Leite, da FS Securities. Ele foi dos anfitriões de Elon Musk em condomínio do interior de São Paulo onde o bilionário encontrou Bolsonaro em 2022.

As chances de um acordo para que nada prospere são, portanto, grandes. Resta combinar com o eleitor. Não é só o STF que precisa evitar que isso aconteça no Senado. Um governo do PT também estaria encalacrado para fazer aprovar no Senado indicações em tribunais superiores, PGR, embaixadas, agências reguladoras e BC. O Supremo tem meios de limitar a atuação das lideranças políticas, na conciliação ou na vara, mas o eleitor é tarefa de Lula.

No já decantado discurso desta semana, o presidente se mostrou resignado à tarefa: “As pessoas podem não gostar de um presidente, mas podem gostar da política que está em curso”. Lula precisa do STF para garantir os recursos de governo e a Corte precisa que ele vá bem para barrar seus algozes no Congresso. Mas, pelo menos para o STF, há alternativas. Bolsonaro e os partidos que o cercam (PL, PP e União) investirão por maiorias folgadas no Congresso. Colocado ante a perspectiva de impeachment sob este cenário, um ministro do STF diz que a Corte invalidaria o processo, ou seja, reconhece a possibilidade de colapso constitucional.

A vitaliciedade dá aos ministros a possibilidade de enxergar no ocupante do Palácio do Planalto um inquilino. Na disputa pela Presidência, o candidato mais vistoso, Tarcisio Freitas, cultiva boas relações com os ministros e é por eles cultivado. O governador de São Paulo não tem, em relação ao STF, a mesma hostilidade que lhe dedica seu padrinho. É o plano B.

2 comentários:

Daniel disse...

Análise excepcional. A colunista mostra vários aspectos nada evidentes, mas realmente importantes.

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade.