terça-feira, 12 de maio de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci*

Que todos os membros de um partido político devam ser considerados intelectuais, eis uma afirmação que se pode prestar à ironia e à caricatura; contudo, se pensarmos bem, veremos que nada é mais exato. Dever-se-à fazer uma distinção de graus; um partido poderá ser uma maior ou menor composição do grau mais alto ou do mais baixo, mas não é isso que importa; importa, sim, a função, que é diretiva e organizativa, isto é, educativa, intelectual.

*Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo, jornalista, crítico literário e político italiano. “Os intelectuais e a organização da cultura”, p.17, Círculo do Livro / Civilização Brasileira

Merval Pereira - A quem interessa?

- O Globo

Como nomeia o diretor-geral da PF, Bolsonaro acha que deveria mandar na instituição, que, no entanto, é do Estado, e não de seu governo

Não é preciso ter um papel assinado com a confissão para saber-se que tanto interesse assim na direção-geral da Polícia Federal tem objetivos além da simples nomeação. Um organismo técnico, de fundamental importância para a estruturação de um sistema nacional de combate à corrupção, deveria ter sua atuação acertada pelo presidente da República com seu ministro da Justiça em termos conceituais, e a escolha do comando do órgão deveria atender a esses critérios técnicos.

Basta ouvir com ouvidos que não sejam de mercador o depoimento do ex-diretor-geral da PF Mauricio Valeixo para saber que há mais coisa nessa história do que a simples vontade de ter um diretor-geral “mais afinado” com Bolsonaro.

A expectativa geral, no entanto, é que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, mande arquivar o processo, não porque não existam condições para a denúncia, mas provavelmente ele vai aceitar a tese de que não há um ato de ofício que incrimine o presidente.

Esse talvez seja o principal embate entre Augusto Aras e o ex-ministro Sergio Moro, que, quando juiz da Operação Lava-Jato, seguiu a trilha aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão, e passou a não tratar o tal “ato de ofício” como condição indispensável para condenar alguém.

Míriam Leitão - Constrangimento dos generais

- O Globo

Três generais prestarão depoimento hoje como testemunha. Eles defenderão um presidente que anda de jet ski sobre a dor do país em uma pandemia

Hoje, três generais vão prestar depoimento: três ministros do governo Bolsonaro, um deles, o general Luiz Eduardo Ramos, é da ativa e até junho do ano passado comandava o II Exército. São apenas testemunhas e puderam usar as prerrogativas do artigo 221 do Código de Processo Penal, como a de participar da escolha de hora e local dos depoimentos. Falarão ao mesmo tempo em salas diferentes, para não combinarem versão. Houve reação à expressão “debaixo de vara”, do ministro Celso de Mello, mas ela não tem no mundo jurídico o mesmo peso. A questão é que esse é o momento em que o Exército começa a ver, de forma transparente, o impacto negativo da simbiose com o governo Bolsonaro.

Os três generais, Augusto Heleno, Braga Netto e Eduardo Ramos, têm, evidentemente, avaliações positivas do governo no qual trabalham, mas eles sabem que já pesa sobre a farda toda a evolução de uma administração que vive em conflito com a maior parte da sociedade brasileira, com as autoridades regionais e com as instituições democráticas. Podem negar o teor da conversa que tiveram com Moro, mas suas palavras estarão sob escrutínio da opinião pública, dado que o processo é público. Independentemente do que aconteça com esse inquérito, este é um momento de constrangimento para os militares.

Carlos Andreazza - Teve churrasco

- O Globo

O longo processo de cozimento das instituições republicanas

Sabe o churrasco de Bolsonaro? Teve. Foi na quinta, 7 de maio, dentro do STF. Assado mais explícito de um longo processo de cozimento das instituições republicanas, cujas maminhas — sobre essa chama que ora sobe, atiçada pela oportunidade que a peste dá aos extremos — se foram amaciando, amanteigando, cedendo o brio dos nervos, até que nacos seus se pudessem cortar não apenas sem resistência; mas em oferta.

Desde o começo do governo Bolsonaro, um criador para abate em grande escala, houve estímulos — de início meramente verbais, dissimulados na imensidão do zap profundo — a manifestações contra STF e Congresso. Depois, com progressiva adesão física de agentes do Planalto, os atos evidenciariam o que sempre foram: propriedade do bolsonarismo — de modo que não tardaria a que se visse, por exemplo, general Heleno sobre carro de som em protesto de ataque às instituições.

O governo — o projeto de poder autocrático disfarçado em governo — passava a fazer pressão, contra a democracia liberal, também por meio do corpo forjado a partir do investimento, aposta pessoal de Bolsonaro, na formação de um movimento de rua que reage, com violência, ao soar do apito-mestre. Não demoraria — a peste já entre nós — até que o soprador ele próprio se juntasse à matilha adestrada ao cerco de Supremo e Parlamento; numa das vezes para tocar o berrante, criminalizando (novamente) a ideia de negociação (enquanto negociava com notórios vendedores de si mesmos), defronte ao QG do Exército.

Bernardo Mello Franco - Conhecereis a verdade

- O Globo

A mando de Bolsonaro, a AGU tenta esconder seu exame de coronavírus e a fita de uma reunião explosiva. Agora o STF pode fazer valer o versículo que ele adora citar

Desde a campanha, Jair Bolsonaro martela uma passagem do Novo Testamento: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). O presidente levou pouco tempo para mostrar que não leva o versículo a sério. Agora ele usa a Advocacia-Geral da União para travar uma guerra contra a transparência.

A mando de Bolsonaro, a AGU tenta esconder os exames que atestam se ele contraiu ou não o coronavírus. O capitão já havia perdido em duas instâncias judiciais. Na sexta-feira, foi salvo por uma canetada do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha.

O ministro opinou sobre o caso antes de julgá-lo. Mesmo assim, ignorou pedido do jornal “O Estado de S. Paulo” e não quis se declarar impedido. Não seria o único motivo para isso. Em discurso recente, Bolsonaro se referiu a ele como “um amor à primeira vista”.

José Casado - Falta governo na pandemia

- O Globo

País desconhece a realidade sanitária nas cidades, de pessoal, leitos e equipamentos na rede hospitalar

Falta governo na saúde. A evidência está na devastação provocada pelo vírus em menos de vinte semanas.

Em dezembro, quando a China confirmava a disseminação, 11 estados brasileiros fechavam 17 hospitais e 30 postos do SUS. Faltou dinheiro, alegaram aos repórteres André de Souza, Marlen Couto e Sérgio Roxo.

Jair Bolsonaro repetia Dilma Rousseff, que presidiu a desativação de 11,5 mil leitos hospitalares — um a cada duas horas —, nos primeiros dois anos e meio. A redução da rede e as greves aumentaram a fila do SUS, única opção para três em cada quatro brasileiros. A imprevidência fez nascer outra fila, a das aposentadorias.

Antes do carnaval, no 28 de janeiro, deputados cobraram um plano federal para a Covid-19. Fez-se silêncio no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios. A prioridade era o corte linear nos gastos.

Ricardo Noblat - Como Bolsonaro pagará a conta do mal provocado pelo Covid-19

- Blog do Noblat | Veja

Não será com o cartão corporativo da presidência da República

A maior demonstração de pesar do presidente Jair Bolsonaro pela morte até aqui de mais de 10 mil brasileiros vítimas do coronavírus limitou-se a duas frases ditadas, ontem, por ele à entrada do Palácio da Alvorada: “Lamento cada morte que ocorre a cada hora. Lamento”.

Em seguida, explicou o que lhe caberia fazer a respeito: “Agora, o que podemos fazer, nós todos, é tratar com o devido zelo os recursos públicos. Está tendo denúncia em todo lugar. Gente presa. Em vez de fazer notinha de pesar, tem que dar exemplo. Gastar menos”.

Engana-se quem pensa que ele se referia à denúncia de que gastou só este ano com cartão de crédito corporativo R$ 3,76 milhões, segundo o Portal da Transparência. O valor representa um aumento de 98% em relação à média dos últimos cinco anos no mesmo período.

Também não se referia à fraude descoberta pelo Ministério da Defesa: militares de todas as patentes, da reserva e da ativa, se cadastraram no aplicativo da Caixa Econômica para receber o auxílio emergencial de R$ 600. A lei que criou o benefício não lhes deu tal direito.

Ranier Bragon – Jair me arrependi

- Folha de S. Paulo

É observado o desenvolvimento de anticorpos em parte do conservadorismo nacional

A saída de Sergio Moro do governo acelerou o movimento de parte do conservadorismo brasileiro de reconhecer a terrível derrapada que deu ao se associar a Jair Bolsonaro.

Nenhum antipetismo poderia justificar isso. A confiança de que as instituições e o peso do cargo iriam dar prumo à coisa se revelou uma belíssima de uma aposta furada. Poucos tiveram a hombridade do tucano Alberto Goldman (morto em 2019), que, diante do inominável, declarou voto em Fernando Haddad (PT).

Não se tratava de PT, mas de democracia, razão e sensibilidade. E se tem alguma coisa pela qual Bolsonaro jamais poderá ser cobrado é de ter escondido quem ele realmente era.

Hélio Schwartsman - Salvar a democracia

- Folha de S. Paulo

País já falhou na epidemia; não pode falhar na democracia

Não gosto da ideia de adiar as eleições municipais previstas para o segundo semestre e considero golpe a proposta de esticar o mandato dos atuais prefeitos e vereadores até 2022.

No mês passado, num momento da pandemia ao que tudo indica mais agudo do que será outubro, sul-coreanos foram às urnas sem que o surto tenha recrudescido. É uma prova de princípio de que eleições podem ser realizadas sem pôr a população em perigo.

É claro que talvez sejam necessárias adaptações. O problema é que nossa legislação eleitoral é rígida, detalhista e não admite alterações que não tenham sido aprovadas ao menos um ano antes do pleito. Daí que sugiro aprovar desde já uma PEC que conceda à Justiça Eleitoral, em caráter excepcional, poderes discricionários para alterar prazos e eventualmente mexer em outros aspectos do pleito.

Pablo Ortellado* - Paulo Guedes é Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Política de Guedes não é contrapeso racional ao radicalismo de Bolsonaro, mas sua própria expressão econômica

Existe uma compreensão difundida de que Paulo Guedes seria uma espécie de contrapeso racional e tecnocrático ao radicalismo irresponsável de Bolsonaro. Mas, se olharmos com atenção, veremos que Guedes não é um contrapeso, nem mesmo um adendo, mas a própria expressão econômica do desatino.

Muitos acreditam que enquanto na política Bolsonaro propagava desinformação sobre o coronavírus, na economia Paulo Guedes desenhava respostas sensatas de política econômica —era o tecnocrata cauteloso e prudente que ia às reuniões de máscara e que contrastava com o governo, que promovia aglomerações e combatia o distanciamento social.

Mas as declarações e o conteúdo das políticas de Guedes parecem o oposto disso. Suas políticas são não só compatíveis como a consequência lógica da retórica despreocupada com a proteção da vida.

Desde o começo da crise, Guedes defende a ideia de que a queda rápida no desempenho econômico será compensada por uma retomada acelerada, em formato de V. "Vamos surpreender o mundo", disse repetidas vezes.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Coronavírus: incerteza e liderança

- Folha de S. Paulo

Firmeza na sustentação de medidas deve nos guiar, e não pressão de militâncias

Existe um tipo de conduta claramente indevido e até criminoso com relação ao coronavírus: o negacionismo científico e a promoção de teorias da conspiração.

Nas últimas semanas, vimos a fake news de que caixões vazios estariam sendo enterrados para gerar pânico nas massas ser difundida até por uma deputada federal bolsonarista.

Que um organizador de protesto bolsonarista contra o STF tenha sido internado na UTI com Covid-19 é uma boa ilustração do caráter suicida da ganância e sede de poder desenfreadas que movem essa corrente.

Superado o negacionismo criminoso, contudo, temos muito mais perguntas do que respostas.

Acompanhamos apreensivos a reabertura de países que fizeram sua lição de casa. Mas será que seus números piorarão conforme voltem às atividades? Quais os efeitos marginais de um “lockdown” estrito sobre o contágio e a economia? Ninguém sabe ao certo.

Eliane Cantanhêde - E daí?

- O Estado de S.Paulo

Moro mirou no que viu e acertou no que não viu, ou sabia do potencial explosivo do vídeo?

O ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro mirou no que viu e acertou no que não viu, ao jogar luz, e curiosidade pública, na fatídica reunião ministerial com o presidente Jair Bolsonaro no dia 22 de abril, no Planalto. Ou será que não? Será que ele citou a reunião apenas para efeito jurídico e para confirmar suas acusações? Ou será que, intencionalmente, para expor o que foi dito, e como foi dito, ali?

O fato é que, com os temores dos efeitos jurídico, político e midiático da reunião, os três poderes giram em torno de um vídeo, que foi central no depoimento de Moro e causou boas trapalhadas no Planalto, até ser “achado”, reconhecido e colocado sobre a mesa do relator do processo no Supremo, Celso de Mello. E, hoje, será visto pelo próprio Moro, a PF e a PGR. Sem direito a pipoca, choro, risada e muito menos tédio.

O potencial jurídico do vídeo, pelo menos o esperado por Moro e temido por Bolsonaro, é dar materialidade à acusação do ex-ministro de que o presidente não apresentava nenhuma razão para demitir o superintendente do Rio e o diretor-geral da Polícia Federal, senão ter a liberdade para interferir politicamente no órgão (ou seja, nas suas investigações e operações). É isso, segundo Moro, que Bolsonaro admite na reunião com ministros.

Ana Carla Abrão* - 'Mais que palavras'

- O Estado de S.Paulo

Enquanto Bolsonaro for na direção contrária dos governadores, esforços estarão sendo desperdiçados

Esse é o título em português de um artigo em fase de elaboração que começou a circular na última semana nos grupos de economistas brasileiros (More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic). Nele, dois economistas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Nicolas Ajzenman e Daniel da Mata, além de Tiago Cavalcanti, da Universidade de Cambridge, analisam o impacto das palavras e ações do líder político de uma nação sobre o comportamento das pessoas.

Os autores buscam responder a essa questão dentro do contexto brasileiro atual. Com base em uma análise que combina informações eleitorais com dados de telefones celulares, os autores concluem que houve uma redução do isolamento social nas localidades onde a presença de cidadãos pró-governo é mais relevante, relativamente às localidades onde o apoio é menor, após as manifestações do presidente Jair Bolsonaro minimizando publicamente os riscos da pandemia da covid-19 no Brasil. Ou seja, os resultados do trabalho sugerem que as palavras e ações do presidente da República têm impacto negativo no nível de obediência dos seus apoiadores às medidas de isolamento social.

Vale lembrar que na ausência de uma vacina ou de um medicamento, o isolamento social é a única medida comprovadamente eficaz para conter a disseminação da pandemia. Essa disseminação é determinada pela taxa de contágio que, por sua vez, está vinculada ao número de contatos que uma pessoa contaminada venha a ter e portanto à sua capacidade de passar o vírus adiante. Em particular, pessoas que estejam contaminadas e não apresentem sintomas são aquelas com maior potencial de contaminação.

Pedro Fernando Nery* - Por um teto de pobreza

- O Estado de S.Paulo

A lógica é intuitiva: se houver criança na pobreza, outras despesas podem esperar

Três de cada 5 mães solo vivem abaixo da linha da pobreza. Esta trágica estatística se manteve estável nos últimos anos, como informa anualmente o IBGE na pesquisa Síntese de Indicadores Sociais. Embora o Dia da Mães possa ter sido de menos escassez este ano por conta do auxílio emergencial – que alcança mais mães e paga valores maiores que o Bolsa Família –, o benefício tem prazo para acabar. Mães e seus filhos cairão de novo na pobreza, e até na extrema pobreza. Uma PEC pretende erradicar essa situação intolerável: imitando o teto de gastos, cria um teto de pobreza infantil.

Metas de pobreza foram instituídas na década passada no Canadá, na Nova Zelândia e no Reino Unido (nestes dois últimos, especificamente, para a pobreza entre crianças). Se o teto de gastos estabelece limites para a despesa, o teto da PEC 11 estabelece anualmente limites para a pobreza infantil. Se o descumprimento do teto de gastos aciona gatilhos para controlar a despesa (como proibição de aumentos salariais), o descumprimento do teto de pobreza igualmente acionaria gatilhos para que metas fossem cumpridas.

Joe Biden* - A falsa escolha que a Casa Branca quer impor

- O Estado de S.Paulo

Os americanos exigem uma liderança constante, empática e unificadora, diz candidato democrata à presidência dos EUA

Até o momento, o coronavírus matou mais de 79 mil americanos. Um em cada cinco trabalhadores entrou com pedido de seguro-desemprego – a taxa de desocupação agora é a mais alta desde a Grande Depressão. É um momento extraordinário – do tipo que exige uma liderança constante, empática e unificadora.

Mas, em vez de unificar o país para acelerar nossa resposta à crise de saúde pública e obter alívio econômico para quem precisa, o presidente Donald Trump recorre a uma estratégia familiar de desviar a culpa e dividir os americanos. Seu objetivo é tão óbvio quanto covarde: ele espera apartar o país em um duelo, classificando os democratas como mercadores do pessimismo, que querem manter os EUA na lona, e os republicanos como combatentes da liberdade, tentando alavancar a economia.

É uma tática infantil – e uma falsa escolha na qual nenhum de nós deve cair. Todo mundo quer que os EUA retomem suas atividades o mais rápido possível – alegar o contrário é completamente absurdo. Governadores de ambos os partidos estão fazendo o possível para que isso aconteça, mas seus esforços foram reduzidos e dificultados porque não receberam do governo federal as ferramentas, os recursos e as orientações que precisam para reabrir com segurança e sustentabilidade. Essa responsabilidade recai sobre os ombros de Trump, mas ele não está preparado para a tarefa.

Rubens Barbosa* - Desafios do acordo Mercosul-União Europeia

- O Estado de S.Paulo

Além das incertezas vindas da Argentina, competitividade e meio ambiente estão em foco

Um fato novo complica o entendimento entre os países do Mercosul. Em abril a Argentina informou que não mais acompanharia Brasil, Paraguai e Uruguai nas negociações em curso do Mercosul com outros países, como Canadá, Cingapura, Coreia do Sul, Líbano e Índia. Mas manteria sua participação nos acordos, já concluídos e não assinados, com a União Europeia (UE) e com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). Na semana passada o governo argentino voltou atrás, num confuso comunicado em que ressalta ter decidido manter-se nas negociações conjuntamente, mas sempre levando em conta as sensibilidades dos setores menos competitivos (industriais).

Embora querendo participar de todos os trabalhos e demandando a inclusão de cláusulas que resguardem os interesses argentinos futuros, Buenos Aires não se compromete com a conclusão das negociações em curso. O chanceler Felipe Solá diz favorecer um regime de dupla velocidade, em que a Argentina não fica fora dos acordos, mas quer ter a palavra final sobre como e quando passaria a fazer parte deles.

Andrea Jubé - As 11 mil mortes indignas

- Valor Econômico

“O príncipe deve desejar parecer piedoso, e não cruel”

”A raça humana é a única que sabe que vai morrer e só o sabe pela experiência”, disse Voltaire no século XVIII - embora hoje seja contestado por evidências de que alguns animais pressentem a morte, como os elefantes.

Entretanto, o direito a uma morte digna, com alguma previsibilidade e ritual de despedida foi conquistado pelos homens ainda na Idade Média, a partir da experiência com a peste negra (ou bubônica), que se originou na China e veio a matar 25 milhões de pessoas em quatro anos na Europa no século XIV. A pandemia retornaria em ondas sucessivas: em Londres, entre 1500 e 1665, houve pelo menos 17 surtos diferentes de peste.

A tragédia ensinou que as doenças infecciosas criam padrões que permitiram aos doentes pressagiar o fim iminente, e dessa forma, solucionar as controvérsias pendentes, expressar os últimos desejos, dizer como e onde gostariam de ser enterrados, e despedir-se dos entes queridos.

No livro “Uma história social do morrer”, o professor australiano Allan Kellehear narra alguns rituais peculiares que surgiram após a epidemia. No condado de Hereford, na Inglaterra dos séculos XVI e XVII, havia o “devorador de pecados”. Pobres eram pagos com pão, cerveja e seis centavos para tomar para si os pecados do morto, e assim, liberá-lo para seguir em paz rumo ao descanso eterno.

Pedro Cafardo - Presunções e conjecturas para tempos do pós-covid

- Valor Econômico

Pandemia deve mudar economia, política e comportamentos

Antes, infelizmente muito antes do fim da mais grave crise sanitária global em cem anos, já é possível vislumbrar algumas prováveis mudanças que essa tragédia vai provocar na economia, na política e no comportamento.

Países, pelo menos os mais poderosos, não serão mais tão descuidados com sua segurança. Sempre pensaram que a posse de armas nucleares seria suficiente para desencorajar invasores que ameaçassem a vida dos cidadãos nacionais. Desde o fim da Segunda Guerra e até hoje, EUA, Rússia (ex-União Soviética) e outras potências estão sentados em seus arsenais nucleares e empenhados em impedir que países menos avançados obtenham armas atômicas.

Mas não foi preciso explodir bombas para matar até agora 285 mil pessoas no mundo, sendo 80 mil nos EUA, 32 mil no Reino Unido, 31 mil na Itália, 27 na França, 27 mil na Espanha, 11,5 mil no Brasil, 5 mil na China.

Um vírus microscópico fez o serviço. E o fez, na maioria dos casos, porque as grandes potências, que têm total controle da produção de bombas atômicas, não o têm na fabricação de um banal aparelho respirador. Pelo simples fato de que algumas peças dessa bombinha (de ar) que pode ser montada no fundo de quintal só são feitas na China. E isso porque na atual estrutura de cadeias globais de fornecimento os chineses detêm as linhas de produção mais eficientes e mais baratas para essas peças.

*Maria Clara R. M. do Prado - Impacto da crise na área externa

- Valor Econômico

Em oito meses, o Brasil perdeu US$ 52,5 bilhões em reservas líquidas, um valor expressivo em termos absolutos

Queda do PIB, com a expressiva redução do emprego e do investimento, no contexto de uma pandemia mundial que ninguém sabe quando chegará ao fim, além de uma crise política que coloca em dúvida a capacidade administrativa do governo federal, configuram o cenário brasileiro de uma tempestade mais que perfeita. Seu impacto na área externa do país é significativo e tende a aumentar no curto e médio prazos.

O aumento no fluxo de saída das divisas estrangeiras, que abandonam o país diante das incertezas crescentes, reflete-se no acentuado declínio das reservas internacionais. A rigor, o saldo das reservas começou a declinar a partir de agosto do ano passado, quando o Banco Central sinalizou a continuidade do processo de redução da Selic, a taxa de juros de curto prazo que rege as operações de liquidez entre a autoridade monetária e as instituições financeiras no dia a dia. Aquela taxa caiu de 6% em agosto para 3% neste mês em termos nominais. A metade, portanto.

A sensação de que o país caminha para um estado de anarquia espanta os investidores estrangeiros

A consequência foi o desinteresse dos investidores estrangeiros pelo Brasil, em especial aqueles que gostam de ganhar dinheiro com operações de arbitragem entre juros e câmbio e que são a maioria. Em fim de agosto de 2019, o saldo das reservas internacionais pelo conceito de ativos estava em US$ 386,477 bilhões, enquanto que na mesma data as reservas medidas pela liquidez, ou seja, em divisa estrangeira conversível, eram de US$ 371,792 bilhões.
De lá para cá, o quadro sofreu drástica alteração. No fim de abril deste ano, as reservas medidas em ativos caíram para US$ 339,316 bilhões, ao passo que o saldo contabilizado como disponível em divisa estrangeira conversível foi de US$ 319,264.

Em oito meses, o Brasil perdeu US$ 52,528 bilhões em reservas líquidas, um valor expressivo em termos absolutos. As informações são do banco de dados do FMI, da sessão Reservas Internacionais e Liquidez em Moeda Estrangeira, atualizada no dia 08 de maio passado.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Brincando de ser presidente – Editorial | O Estado de S. Paulo

O enfrentamento da crise é quase impossível quando se tem um presidente absolutamente incapaz de ver o mundo além do próprio umbigo

O Brasil decente e solidário está de luto. O Congresso e o Supremo Tribunal Federal decretaram no sábado passado luto oficial de três dias, depois que o Brasil superou a triste marca de 10 mil mortos pela covid-19. O governador de São Paulo, João Doria, já havia feito o mesmo na quinta-feira, dia 7, e o luto paulista será mantido até o fim da pandemia. Como lembrou o Supremo, em nota oficial, “precisamos, mais do que nunca, unir esforços, em solidariedade e fraternidade, em prol da preservação da vida e da saúde”. E a mensagem da Corte arrematou: “A saída para esta crise está na união, no diálogo e na ação coordenada, amparada na ciência, entre os Poderes, as instituições, públicas e privadas, e todas as esferas da Federação deste vasto país”.

No mesmo dia em que as principais autoridades do Judiciário e do Legislativo manifestavam pesar pelos milhares de concidadãos mortos e rogavam aos brasileiros que se unissem na luta contra a pandemia, circularam pelas redes sociais imagens do presidente Jair Bolsonaro a passear de moto aquática pelo Lago Paranoá, em Brasília, divertindo-se à beça. A este senhor, que brinca de ser presidente, não basta incitar seus camisas pardas vestidos de verde e amarelo a desafiar as instituições republicanas e a intimidar jornalistas; é preciso tripudiar sobre o sofrimento dos milhares de brasileiros que morreram e dos milhões que ora se encontram em quarentena, abrindo mão de sua vida social e enfrentando as agruras do desemprego e da redução de renda.

Música | Teresa Cristina - Preciso me encontrar

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.