“O interesse de Mill pelas ideias socialistas é comprovado pelo fato de que nos últimos anos ele escreveu um ensaio, que permaneceu incompleto, sobre o socialismo. Nos quatro capítulos concluídos encontram-se uma exposição das doutrinas socialistas de Louis Blanc, Considérant, Owen e Fourier (mas não de Marx), a sua contestação, as dificuldades práticas que a aplicação dos programas socialistas, enfrentariam, e uma discussão sobre a propriedade privada, que é, do ponto de vista teórico, o capítulo mais interessante. Nele sustenta que, embora tendo a propriedade individual um longo futuro diante de si, nada leva a crer que não deva sofrer alguma modificação. Na conclusão, o comunismo não é categoricamente rejeitado. Uma sociedade comunista, contudo, precisaria, segundo Mill, de uma educação superior da qual a sociedade atual está ainda muito distante.
Que fique bem claro, o ensaio de Mill sobre o socialismo não é uma obra socialista. É, antes de tudo, um estudo sobre algumas correntes de pensamento socialista, diferenciadas entre escolas gradualistas, às quais ele destina sua simpatia, e revolucionárias, que são radicalmente refutadas. Nele admite, contudo, que os principais defeitos do sistema vigente podem receber emendas de modo a obter as principais vantagens do comunismo por meio de disposições compatíveis com a propriedade privada e com a concorrência individual. Para a nossa finalidade, interessa-me observar que Perry Anderson, em recente ensaio, sustenta que a ”parábola” de Mill em direção ao socialismo permite refletir sobre o fato de que se “liberalismo e socialismo foram por longo tempo entendidos como antagonistas pelas suas tradições políticas e intelectuais, teve inicio desde então um distinto percurso na história das ideias, ao qual se juntariam outros pensadores, menos autorizados, como Bertrand Russel e John Dewey, nos quais veríamos as duas doutrinas, tradicionalmente antagonistas, convergirem.”
*Norberto Bobbio (18/10/1909-9/1/2004), filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e foi senador vitalício italiano. “Teoria Geral da Política – A filosofia Política e as Lições dos Clássicos”, p. 358. Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000