Com foco na conjuntura nacional, a discussão envolveu visões muito diferentes sobre o momento atual do Brasil. Para Antonio Lavareda, do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), falar em conjuntura exige falar das eleições de 2010, porque a campanha à presidência da República foi antecipada com a inauguração de obras.
Com sua experiência de 30 anos em eleições, inclusive, participação em 76 campanhas majoritárias, ele afirmou que é cedo para se saber se a eleição, no próximo ano, será bipolarizada como quer o presidente Lula, entre o PT e o PSDB, ou se será fragmentada. “Um pequeno erro em campanhas fragmentadas pode fazer com o que o candidato perca a eleição.”
Lavareda apontou fatores importantes no processo eleitoral, entre eles, o desempenho da economia, a popularidade dos candidatos, o tempo dos partidos na propaganda de televisão e o grau de judicialização do processo eleitoral. “Além disso, há o uso das máquinas das instituições, de todas as esferas, no processo eleitoral, que é mais importante que a inauguração de obras”.
Segundo ele, se as coligações entre partidos se confirmarem, a candidata Marina Silva (PV) terá 43 segundos no horário eleitoral; Ciro Gomes (PSB), 1 minuto e 11 segundos; José Serra (PSDB) 5 minutos e 54 segundos e Dilma Rousseff (PT) 12 minutos e 59 segundos. As novas mídias, segundo ele, deverão ter um papel importante na arrecadação e mobilização na campanha de 2010, lembrando que 60 milhões de pessoas têm acesso à internet no Brasil e existem 160 milhões de celulares no País
A construção recente de uma maioria política, comandada pelo PT, poderá levar avante o desenvolvimento brasileiro, afirmou Marcio Pochmann, presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), depois de três décadas de estagnação. De acordo com ele, essa maioria em construção interrompeu o ciclo neoliberal, que incluía no máximo 40% da população brasileira. E também reduziu a dependência das exportações para países ricos de 85% para 50%, bem como fez a transição do ciclo de “financiarização” para investimentos produtivos.
Na sua avaliação, há necessidade de avançar com reformas como a tributária e do sistema financeiro, que é muito concentrado e com pouca concorrência. Segundo Pochmann, é preciso um projeto de longo prazo para o País, que não será eminentemente nacional, mas também de liderança sul-americana. “Temos uma janela aberta com o Brasil voltando a ter influência na América Latina e África.”
Pochmann apontou, no entanto, a existência de algumas fragilidades: o sindicalismo está se recuperando depois de uma queda dramática na década de 90; há grandes mudanças demográficas com o envelhecimento da população e redução no índice de fertilidade; a maioria das ocupações está à margem da legislação e a necessidade de refundação do Estado para liderar o desenvolvimento.
“Eu sou marxista”, afirmou Luiz Werneck Vianna, do IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) quase no final de sua palestra, com uma crítica demolidora ao atual momento brasileiro. Ao analisar a nova escalada para o desenvolvimento, ele perguntou: “vamos quem cara pálida? O sistema financeiro, o parque industrial moderno e o agronegócio? O pré-sal, os caças franceses, o submarino nuclear?” De acordo com ele, é uma recuperação da história dos anos 50 e 60, da chamada “burguesia nacional”, que agora também está encastelada nos ministérios.
“O capitalismo brasileiro é muito bem sucedido”, disse ele, inclusive para enfrentar a crise que mexeu com o mundo. “Podemos ter uma presença saliente no Continente e na África. É o Brasil grande potência, da implantação da ordem burguesa”. Não há nada para comemorar, destacou. Segundo ele, a esquerda, referindo-se ao PT, hoje “se encaminhou para o interior do Estado”, passando a ser representante de todos e não mais da “comunidade fraterna.”
“Por isso, é difícil pensar em situação ou oposição. Por isso, é difícil pensar em eleição. Nosso passado foi reaberto para nos governar”, afirmou Werneck Vianna.
Leiam a seguir o texto de Werneck:
Tópicos para um debate sobre conjuntura: Luiz Werneck Vianna
1. O capitalismo brasileiro é um experimento bem sucedido. Atestam isso o seu parque industrial diversificado, um mercado interno em expansão, um pujante agronegócio e um sistema financeiro racionalizado, que se mostrou capaz de atravessar sem maiores abalos a crise mundial de 2008. Seu sistema de justiça se encontra sob uma profunda reforma que o deixará mais previsível e racionalizado, os gastos públicos estão submetidos a controles que se tornam cada vez mais eficientes. Por meio de uma continuada política de Estado, foi formada uma base técnico-científica, que ora se amplia e se articula com o sistema produtivo, do que a Embrapa talvez se constitua no melhor exemplo, e já avança para formação de um complexo industrial-militar, em particular nas áreas da engenharia naval e aeronáutica.
2. A crise de 2008 serviu-lhe como um duro teste, quando ficou comprovada a sua solidez. Do êxito da sua estratégia de defesa face à crise, resultaram tanto a sua consolidação no plano interno quanto oportunidades para se projetar no mundo exterior. O capitalismo brasileiro vive uma circunstância que o conduz a um desbordamento para além dos limites nacionais. Mais do que burguesa, essa já é uma ordem grão-burguesa, não apenas escorada pela força expansiva do seu mercado, mas, a essa altura, também levada à frente por uma estratégia de Estado consciente dos seus objetivos econômicos e políticos de maximização de poder, em estreita articulação com o grande empresariado.
3. Essa projeção do Brasil vem sendo compreendida de modo benfazejo pelos principais protagonistas na cena internacional, que a tem favorecido, não só pela natureza emergente da sua economia, como também por sua história de paz com seus vizinhos e sua cultura de boa convivência entre religiões e etnias diversas.
4. Não se pode, entretanto, ignorar que a crescente mobilização de recursos e fins da política para a condução da economia já indicam uma via de capitalismo politicamente orientado, velha conhecida da tradição republicana brasileira, a partir da qual, em conjunturas diversas — a de Vargas, a de JK, e a do regime militar — realizou-se o processo de modernização do país.
5. Se já havia elementos embrionários desse processo, aparentes em particular no segundo mandato do governo Lula, a crise, que denunciou a incapacidade do mercado de se autorregular, ao trazer de volta o tema do Estado e do seu papel como agência organizadora da economia, atualizou, imprevistamente, o repertório da tradição republicana brasileira. Assim com a ênfase que passa a ser concedida à questão nacional (desacompanhada da cláusula do popular, que importava uma luta pela hegemonia entre a fração da burguesia nacional e o movimento operário e sindical, que, na conjuntura da época, intensificava uma postura de autonomia diante do sindicalismo atrelado ao Estado); com os patéticos postulados de grandeza nacional que já se fazem ouvir; com o desenvolvimentismo, quando políticas estratégicas são conduzidas pelo Estado sem anuência explícita da sociedade civil e suas instâncias de deliberação. A mobilização de tal repertório tem ignorado a crítica que lhe foi feita pelos movimentos democráticos e populares, no curso de suas lutas contra o regime autoritário, consagrada institucionalmente na Carta de 1988, que, ao preservar a instância do público como dimensão estratégica, submeteu-a ao controle democrático da sociedade.
6. A apropriação repentina desse repertório pela esquerda que se encontra na chefia do governo, que, antes, com a teoria do populismo e com a denúncia da natureza patrimonial do Estado, foi uma das suas principais críticas — de acordo com a interpretação dos mais eminentes intelectuais que tiveram influência na formação do PT, o nacional-desenvolvimentismo teria sido uma típica floração autoritária da ordem patrimonial brasileira — parece significar, por ora, mais uma mudança provocada por motivos contingentes do que fundamentada em razões programáticas. Contudo, devem-se ter presentes os riscos de que tais práticas alcancem o enunciado de um discurso coerente.
7. A tradição da esquerda de pensar o todo pela perspectiva das partes é abandonada. É o todo, detentor das razões do bem comum, que, por meio de uma intelligentsia iluminada, constituída principalmente por economistas, deve cuidar da articulação dos diferentes interesses das partes, processando-os no interior do Estado. Daí tem derivado a percepção da sociedade como uma comunidade fraterna; o Estado pluriclassista não se apresenta como intérprete de qualquer classe em particular, mas como um intérprete de todos, ponderando-os segundo os cálculos racionais que responderiam aos objetivos do desenvolvimento.
8. Têm-se, mais uma vez, uma modernização a partir do alto, que abriga no seu núcleo diretivo as principais representações das frações burguesas do país, e que procura justificar suas ações em nome de uma imaginada comunidade fraterna. Dessa modernização não deve provir o moderno, que suporia autonomia dos sujeitos na trama do social, e sim heteronomia.
9. Mais que mudanças tópicas ou de ênfase, é toda uma forma de Estado que ressurge, em particular no novo papel concedido às corporações e à representação funcional, evidente nas funções delegadas ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). O Estado se amplia com a incorporação de representantes das entidades classistas de empresários e de trabalhadores, e são guindadas à condução de ministérios estratégicos as lideranças das múltiplas frações da burguesia brasileira — a industrial, a comercial, a financeira, a agrária, inclusive estes culaques à brasileira, que começaram a sua história na pequena e média propriedade — lado a lado com as centrais sindicais e com os representantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST).
10. A política é capturada pelo Estado; de outra parte, o presidencialismo de coalizão em vigência converte os partidos políticos em partidos de Estado e sem representação significativa na sociedade civil. Tal configuração veio a ser reforçada pela crise de 2008, levando a uma revalorização acrítica do Estado Novo e até mesmo de governos do regime militar.
11. Exemplo, entre tantos, da avocação do repertório da tradição republicana: a contribuição sindical. Com a incorporação das centrais sindicais à estrutura jurídica, elas foram credenciadas a terem direito sobre a contribuição arrecadada de toda a massa da população trabalhadora, independente de filiação sindical; dotadas de recursos próprios, as burocracias das centrais sindicais tendem a gozar de autonomia frente a seus filiados; tendência à verticalização e ao domínio das bases pela cúpulas.
12. Por toda parte: centralização, verticalização. Pré-sal, Petrobras, o sistema financeiro estatal brasileiro, a Vale, grandes empreiteiras da construção civil, complexo industrial-militar, cooptação da intelligentsia, dos sindicatos e movimentos sociais. Não é um bom presságio para a democracia brasileira se apresentar sob a retórica de significar uma comunidade fraterna quando se encontra envolvida em uma política de vocação grã-burguesa. Como também não é o fato da sociedade, em sua diversidade, se deixar subsumir ao Estado, conferindo à liderança de um chefe de governo carismático a tarefa de cimentar a unidade dos seus contrários. Estamos conscientes dos riscos aí envolvidos? A pergunta deve incluir como destinatários os principais atores políticos que estão a dirigir esse processo.
14. É falso e anacrônico conceber a próxima sucessão eleitoral como a reedição dos embates entre a UDN e o PTB. Estado forte, sim, mas sob controle da sociedade, e não sobreposto assimetricamente a ela.
(Rio, 30 de outubro de 2009)