Decidida a tirar de Marina o monopólio do discurso ambientalista, a presidente lança programa "agroecológico" e se constrange com vaias ao ministro da Agricultura
O custo de vestir uma fantasia verde
Dilma tenta avançar na seara de Marina ao retomar a pauta da sustentabilidade e lança um bilionário programa "agroecológico"
Paulo de Tarso Lyra, Daniela Garcia
Disposta a puxar para si o discurso ambientalista que sustenta a ex-senadora Marina Silva, a presidente Dilma Rousseff lançou ontem o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), em uma cerimônia repleta de recados políticos e eleitorais. Apesar de estar pronto desde junho, o projeto é apresentado para contrabalançar a repercussão da aliança de Marina com o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos. Dilma reforçou que não adianta crescer se não houver equilíbrio sustentável, prometeu que os profissionais do Mais Médicos vão para as zonas rurais brasileiras, garantiu a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos e afagou os pequenos produtores rurais. “Temos que discutir o futuro do Brasil Rural e o papel dele no desenvolvimento do país”, defendeu a presidente.
Recepcionada aos gritos de “olê, olê, olê, olá, Dilma, Dilma”, a presidente deixou para o chefe da Secretaria-Geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, a tarefa de resolver a única saia justa na cerimônia. O ministro da Agricultura, Antônio Andrade, vinha sendo vaiado toda vez que tinha o nome anunciado. Representantes de pequenos produtores, como Maria Verônica Santana, pediam que a presidente vetasse o projeto de lei que permite a utilização de agrotóxicos e de uma espécie de semente transgênica no campo.
No momento em que um dos decretos seria assinado, Andrade foi vaiado mais uma vez. Gilberto Carvalho pediu, com gestos de abafamento feitos com a mão, que a hostilidade fosse cessadas. O ministro obteve sucesso e não houve mais manifestações contrárias ao colega.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, reconheceu que o plano estava pronto há mais tempo, mas que “coube à presidente decidir o melhor momento para apresentá-lo”. Sem citar o nome dos possíveis adversários em 2014, a presidente justificou a opção por apresentar a proposta de agroecologia nesta semana. “Sempre vai ter alguém para perguntar: por que demorou tanto? É óbvio que leva muito tempo para as coisas acontecerem, porque um plano não pode sair apenas da cabeça de três ou quatro pessoas”, disse Dilma.
A presidente demonstrou ainda o desejo de que os produtos orgânicos sejam comercializados por intermédio do Plano de Aquisição de Alimentos (PAA), um programa que prevê a compra, pelo governo federal, da produção de pequenos agricultores. Ao explicitar essa vontade, mais uma vez, Dilma fez uma referência indireta à disputa eleitoral. “Nesta época do ano, tem sempre alguém fazendo perguntas estranhas. Perguntaram se o Plano de Aquisição de Alimentos acabaria. Não só não vai acabar como será ampliado”, declarou, sob aplausos da plateia.
Dilma elogiou a presença de jovens e mulheres na cerimônia e confirmou a assinatura de 100 decretos de desapropriação de terras em condições de serem utilizadas imediatamente pelos assentados rurais. Ao lembrar que o embrião do Plano de Agroecologia havia sido lançado durante a Marcha das Margaridas (movimento criado pelas mulheres trabalhadoras rurais), Dilma mencionou novamente, ainda que de forma indireta, a disputa política. “Quando assumo um compromisso, eu cumpro!”, reforçou, durante o anúncio do programa que prevê R$ 8,8 bilhões em investimentos nos próximos três anos. Na cerimônia, Dilma ainda brincou com os cartazes levados pelo público: “Queria avisar para vocês que têm um problema comigo: eu não enxergo de longe com acuidade. É uma trabalheira vocês botarem cartazes. Eu aperto o olho e não consigo ler. Se for pequenininho (o cartaz), aí que eu não enxergo mesmo”.
Agricultores
Ao menos entre a plateia, o discurso de Dilma seduziu parte dos ouvintes. “As coisas podem não ter avançado muito no governo atual, mas já conhecemos a presidente Dilma. Marina ainda é uma estranha para a gente, não sabemos o que pode sair dessa aliança dela com Eduardo (Campos) nem o que um vice poderá fazer por nós”, afirmou o produtor rural Antônio Borges dos Santos, de Mato Grosso do Sul. Já o casal de assentados Clebson Gomes e Cristiane Cavalcanti de Albuquerque — presentes no evento com a pequena Maria Cecília, de 6 anos, no colo — destacou que os movimentos sociais já escolheram candidato: Dilma Rousseff. “Nós conhecemos o Eduardo, ele governa o nosso estado”, disse Cristiane. Ambos são de Vitória de Santo Antão, na zona da mata pernambucana.
A polarização entre Dilma e Marina ocorreu também em um seminário sobre o setor elétrico realizado na manhã de ontem. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que o governo “tem evoluído” em questões relacionadas à construção de usinas e linhas de transmissão, sobretudo na Amazônia, “sem que a discussão ficasse parada no tema bagres e pererecas”, disse, em referência a uma crítica feita pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, à burocracia para a liberação das licenças ambientais destinadas às grandes obras de infraestrutura.
Colaborou Silvio Ribas
Memória
A ministra que irritou Lula
A escolha da então senadora Marina Silva (foto) para o Ministério do Meio Ambiente, em 2003, foi muito bem recebida pela comunidade internacional. Uma das principais referências no setor, Marina era enxergada como o nome ideal para implantar um programa ambiental de fôlego no Brasil. Mas a passagem dela pela pasta foi repleta de embates internos no governo, até a decisão de deixar o cargo, cinco anos mais tarde.
Um dos embates mais tensos foi em relação à demora do ministério em conceder licenças ambientais, especialmente para as grandes obras de energia. Certa vez, Lula reclamou que as discussões ficavam restritas à proteção de “bagres e pererecas”. Marina também embarreirou a concessão de licenças para a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. Durante entrevista ao Correio, há duas semanas, ela afirmou que “não adianta construir uma estrada com floresta de um lado e de outro apenas para os carros passarem”.
Marina deixou a pasta em maio 2008, após divergências com o então ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, sobre o Plano de Desenvolvimento da Amazônia. Ela reclamou que não teria sido consultada e que não conduziria as principais ações do projeto. Em carta entregue a Lula, alegou “dificuldade para prosseguir com a agenda ambiental e a insuficiente ‘sustentação política’ para as questões do setor”.
No ano seguinte, descontente não apenas com o governo, mas com os rumos do PT, Marina decidiu se filiar ao PV para concorrer à Presidência em 2010, quando recebeu 19,6 milhões de votos. (PTL)
Promessas de campanha
Em 16 de outubro de 2010, às vésperas da reunião sobre o apoio do PV no 2º turno, a então candidata petista, Dilma Rousseff, enviou uma carta a Marina Silva na qual se comprometeu a vetar itens polêmicos do Código Florestal que estava em discussão no Congresso Nacional. Três dias depois do envio da carta, Dilma anunciou outros compromissos voltados para a sustentabilidade. Confira as principais promessas feitas há três anos:
» Vetar a anistia aos desmatadores e a redução das áreas de reserva legal e preservação permanente
» Dar seguimento a um projeto nacional de desenvolvimento que assegure grande e sustentável transformação produtiva do Brasil
» Defender o meio ambiente e garantir um desenvolvimento sustentável
» Prover as cidades de habitação, saneamento, transporte e vida digna e segura para os brasileiros
R$ 8,8 bilhões
Previsão de investimentos do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica nos próximos três anos
Fonte: Correio Braziliense