- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
Quando o presidente desqualifica Paulo Freire, só pode ser coisa de um governo que institui aqui o “energumenato”
O presidente definir como energúmeno o educador brasileiro Paulo Freire, mundialmente conhecido pela obra de resgate de milhares de pessoas da escuridão do analfabetismo, só pode ser coisa de um governo que institui aqui o “energumenato”. O que faz do povo um povo sem vontade própria, uma sociedade de ordem unida, desprovida de consciência social e política.
Paulo Freire foi satanizado já antes do golpe e perseguido depois do golpe de 1º de abril de 1964 pelo mero motivo de ter criado um método de alfabetização rápida de adultos, uma necessidade do capitalismo e, é bom que se diga, do protestantismo voltado para o livre exame da Bíblia e para a emancipação republicana que faria de todos os brasileiros, cidadãos.
Freire desenvolveu seu método com apoio da Igreja Católica, que o aplicou no Movimento de Educação de Base, no Nordeste, de 1961. Foi inspirado no personalismo de Emmanuel Mounier, pensador católico, fundador da excelente e erudita revista “Esprit”. Ele pensava numa sociedade centrada na pessoa em oposição à sociedade materialista do indivíduo, fragmentário e alienado. O MEB foi iniciativa de um bispo conservador, Dom Eugênio de Araújo Sales, e da CNBB.
É claro que o método de alfabetização criado por Freire era adaptado à realidade de trabalhadores rurais pobres, já maduros e socializados numa cultura popular e mística que reconhecia na situação social em que viviam e trabalhavam os próprios remanescentes do cativeiro.
Seria ingênua e ineficaz qualquer tentativa de alfabetizá-los com frase de cartilha de criança da cidade, como “Eva viu a uva”.