Analistas não veem, porém, maiores consequências políticas ou jurídicas neste momento
Carolina Linhares / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Recentes declarações com conteúdo falso e preconceituoso feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) fogem ao decoro do cargo, reforçam seu caráter antidemocrático e servem para manter engajado seu público de apoiadores fiéis, mas não devem gerar maiores consequências políticas ou jurídicas, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
“Com a certeza de que a reforma da Previdência vai ser aprovada, Bolsonaro fica mais à vontade em assumir o protagonismo em que ele se sai melhor, que é mais como comunicador do que como presidente”, diz Jairo Pimentel, cientista político da Fundação Getulio Vargas.
Nos últimos dez dias, Bolsonaro disse que a jornalista Miriam Leitão mentiu ao dizer que foi torturada, quando ela foi de fato torturada pela ditadura; chamou nordestinos de "paraíbas"; questionou dados sobre desmatamento; disse que o jornalista Glenn Greenwald poderia ser preso e não foi tudo.
Nesta segunda-feira (29), voltou à carga contra o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, dizendo saber como o pai dele teria desaparecidodurante a ditadura militar.
Politicamente, de acordo com especialistas, as declarações tendem a piorar a imagem do Brasil no exterior e, internamente, acirrar ainda mais um ambiente polarizado e radicalizado, mas não são suficientes para desencadear crise institucional grave.
“O Brasil já tem um nível alto de polarização. Então, quem apoia o presidente não vai se importar com essas falas e quem já se opõe não vai se opor mais por causa disso. Também não vai mudar o apoio que ele tem no Congresso”, afirma Bruno Castanho Silva, doutor em ciência política e coordenador do grupo de pesquisa Team Populism (Equipe Populismo).
“Bolsonaro alimenta o clima de polarização que qualquer presidente normal teria tentado reduzir”, diz Maria Hermínia Tavares, professora aposentada de ciência política da USP, pesquisadora do Cebrap e colunista da Folha.
“Ele é uma figura antidemocrática, e nós temos um paradoxo que é um sistema democrático presidido por um líder de extrema direita autoritário. Essa tensão permanece o tempo inteiro”, completa Tavares.
Do ponto de vista jurídico, o professor de direito da USP Gustavo Badaró diz que as declarações tangenciam o crime contra a honra, mas não cruzam essa fronteira. Para ele, Bolsonaro tampouco cometeu crime de responsabilidade.
“Ainda não me parece ter havido crime, o que não significa que tais declarações não sejam deploráveis, extremamente reprováveis, do ponto de vista político e moral e humano”, afirma Badaró.
Carolina de Paula, cientista política da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), aponta ser improvável que o Congresso em sua formação atual abra um processo de impeachment contra Bolsonaro. A pesquisadora lembra que “a tensão entre o presidente e os deputados, na hora do vamos ver, é controlada com as velhas práticas, como pagamento de emendas”.