quinta-feira, 7 de junho de 2018

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

"As eleições de outubro serão um divisor de águas na história do País. As lideranças políticas precisam enxergar que está em jogo a recuperação da legitimidade democrática da autoridade política ou a desorganização política, econômica e social do Brasil
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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República. O Estado de S. Paulo, 6/6/2018.

Merval Pereira: Autoindulto

- O Globo

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi a responsável por fazer valer uma antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir a investigação de um presidente por fatos não relacionados ao seu mandato.

Seu antecessor, Rodrigo Janot, evitou investigação sobre atos da então presidente Dilma Rousseff argumentando que a Constituição proíbe a responsabilização do presidente por crimes cometidos antes do início do mandato.

Raquel Dodge recuperou a tradição do entendimento do STF segundo a qual o presidente pode ser investigado, mas não denunciado por crimes cometidos fora de seu mandato presidencial.

Os dois, porém, investigaram o presidente Temer por supostos crimes cometidos já depois de ter assumido definitivamente a Presidência da República. Janot pediu processos contra Temer em duas ocasiões, e o Congresso negou a autorização.

Raquel Dodge investiga um decreto assinado por Temer sobre a política portuária, que teria beneficiado amigos do presidente. Mas mesmo admitindo que o presidente pode ser investigado, Raquel Dodge já indeferiu duas vezes pedidos da Polícia Federal de quebra dos sigilos do presidente Temer.

A primeira, no inquérito que apura acusações de pagamento de propina do setor portuário, Temer só teve seus sigilos bancário e fiscal quebrados porque o ministro Luís Roberto Barroso apoiou o pedido da Polícia Federal, que a procuradora-geral da República havia recusado.

Esse processo pode gerar mais uma ação de impedimento contra Temer a ser analisada pelo Congresso, embora seja difícil que a autorização seja concedida. Não que Temer continue tendo uma ampla margem de votos na base aliada, mas porque não parece razoável tirá-lo neste momento, a quatro meses das eleições.

William Waack: Linha do tempo

- O Estado de S.Paulo

Já sabemos muito sobre o que vem por aí. É de tirar o sono

Mesmo com tamanha imprevisibilidade sobre as eleições de outubro já sabemos algo sobre o que vem por aí, e não é pouco. Vamos do mais próximo ao mais distante na linha do tempo.

Uma candidatura única do centro é dúvida ainda para o clássico, mas a aproximação do deadline de julho apressa conversas sem que ainda se tenham nomes claros fora o do ex-governador Geraldo Alckmin, com dificuldades mesmo dentro do partido que preside. Perduram os vaticínios de que a candidatura de Jair Bolsonaro vai se derreter sozinha, mas a candidatura perdura. Falta pouco para o PT cometer um inédito suicídio político, se insistir em que só Lula é o candidato do partido, mas a beira do abismo costuma infundir medo nas pessoas.

Adoro e joguei futebol, mas nunca vi tanto desinteresse por uma Copa como o que registro agora, o que sugere que essa eleição seja inédita por mais um fator (além da curta duração, regras restritas de financiamento, curto tempo de televisão, forte presença de plataformas digitais, máquina do governo encurralada, grau de indignação popular, destruição do sistema político e falta de lideranças genuínas – tudo isso me parece sem comparação com outros pleitos).

Bruno Boghossian:Ciro e Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Pedetista sobe o tom para encurtar caminhos e emplacar marca de 'anti-Bolsonaro'

“Eu até confesso para você publicamente aqui. Acho que muita gente não vai gostar de mim, mas eu votei no Ciro Gomes para presidente da República”, disse Jair Bolsonaro à TV Bandeirantes do Rio, em 1999.

Na eleição seguinte, o deputado repetiu a dose. “No primeiro turno, trabalhei para Ciro Gomes, que perdeu”, afirmou, na tribuna da Câmara, em 2002. No segundo turno, rejeitou José Serra e optou por Lula.

Por anos, Jair Bolsonaro (PSL) nutriu certa admiração pelo tom nacionalista e pelo estilo ácido de Ciro Gomes (PDT). Em 2018, a dupla desponta em polos cada vez mais distantes de uma disputa presidencial.

Nesta quarta (6), Ciro deu um passo largo para tentar fincar uma bandeira como principal adversário de Bolsonaro na corrida ao Planalto.

Em sabatina do jornal Correio Braziliense, o pedetista foi ao ataque. Disse que o militar é “um tresloucado” e “um boçal despreparado”. “Temos obrigação de extirpar este câncer enquanto ele pode ser extirpado”, acrescentou.

Maria Cristina Fernandes: Um esforçado leitor de Maquiavel

- Valor Econômico

A calúnia a Temer contradiz seu autor de cabeceira

Recepcionado com euforia na inauguração do comitê do candidato do PT à sucessão do seu irmão Cid, no governo do Ceará, em 2014, o ex-ministro Ciro Gomes se valeu de cinco adjetivos para se referir ao senador Eunício Oliveira (PMDB), que rompera com a família por não ter sido o escolhido para a cabeça de chapa: aventureiro, mentiroso, pinóquio, pinotralha e lambaceiro.

Quatro anos depois, Ciro, em balanço do jornal "O Povo", de Fortaleza, acumulara 80 processos apenas na Justiça estadual, dos quais 37 movidos por Eunício. A animosidade não impediu que Ciro, em evento em Sobral, cidade comandada por Ivo, o caçula dos Gomes, sinalizasse uma aproximação com o presidente do Senado, candidato à reeleição: "Se Eunício viabilizar recursos para o Estado, eu agradeço publicamente. Ao invés de perseguir, ele ajudou. Se amanhã isso vai criar ou não um ambiente que adversários de ontem podem dar as mãos com respeito do povo, só o tempo vai dizer."

Seus ambiciosos planos para a Previdência, revelados ontem pelo Valor, exigiriam o manejo ao limite do duelo entre retórica e conciliação que marcam a prática política do pré-candidato do PDT. A entrevista ao "Roda Viva" da semana passada foi farta em tentativas. A começar da maneira encontrada por Ciro para lidar com seu proverbial pavio curto. Ante as provocações, exibiu seu esforço em esticá-lo.

Foi assim também que fez merchandising de sua negociação com petroleiros quando da passagem pelo Ministério da Fazenda: "Você endurece e senta para negociar. Às vezes o endurecimento é só retórica".

Ricardo Noblat: À sombra de Bolsonaro

- Blog do Noblat

Disputa pela segunda vaga

Dez entre dez candidatos à sucessão de Michel Temer dão como certo que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) disputará o segundo turno da eleição presidencial de outubro – salvo se ele cometer graves erros até lá, no que não acreditam.

Não dizem isso de público porque seria o mesmo que elegê-lo por antecipação, e talvez direto no primeiro turno. Mas é isso o que pensam e admitem em conversas com seus principais assessores. E não somente eles, mas também políticos experientes pensam assim.

O melhor a fazer, portanto, é pegar carona com Bolsonaro. Opor-se a ele. Criticá-lo direta ou indiretamente. Tentar tomar-lhe algumas de suas bandeiras. Tudo para crescer nas pesquisas de intenção de voto e – quem sabe? – disputar com ele o segundo turno.

Marina Silva, candidata da REDE, a terceira ou quarta colocada nas pesquisas, não irá por aí, embora admita o favoritismo de Bolsonaro. Mas Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) dão claros sinais de que estão dispostos, sim, a ir por aí.

Ciro está decidido a bater de frente com Bolsonaro, e ontem chamou o deputado de boçal e de câncer a ser extirpado. Alckmin apressou-se a lançar seu programa de governo para a área de segurança e apresentou um general da reserva como seu assessor especial.

Por ora, Bolsonaro finge que não se incomoda e foge de qualquer debate com seus adversários. Por despreparado para governar, não pode arriscar-se a ver suas ideias se desmancharem se expostas ao contraditório.

*Roberto Macedo: Multifacetada paralisação de caminhoneiros

- O Estado de S.Paulo

'Solução' encontrada deve ser vista como provisória e não ampliável

Ela é chamada de greve, a cessação do trabalho por trabalhadores assalariados, por mais benefícios ou manutenção dos existentes. Por extensão, greve se aplica a outras interrupções de atividades. No caso, prefiro paralisação, porque estimula mais indagações quanto à sua natureza. Ela veio de caminhoneiros autônomos em conjunto com assalariados. Estes também em prol de seus patrões e estimulados por eles.

Pelo menos no início, o apoio de grande parte da população deveu-se à sua oposição ao governo Temer e à visão social do caminhoneiro, em particular o autônomo, como um batalhador dedicado a um trabalho árduo, muitas vezes longe da família, e uma vocação que preza a liberdade de tocar por si mesmo o trabalho, e de percorrer caminhos espalhados por este país de natureza exuberante. Os caminhoneiros são tema de várias canções e uma cantora é tida como rainha deles, Sula Miranda. O apoio mútuo dentro do grupo é também respeitado e invejado no contexto social. O rádio é indispensável, hoje com o telefone celular e um aplicativo, o WhatsApp, muito adequado à comunicação grupal.

A paralisação abalou essa boa imagem dos caminhoneiros, pois trouxe também muita impertinência e violência dentro do grupo e contra a sociedade. Como ao atentarem contra o direito de ir e vir dos cidadãos, bloqueando o trânsito em estradas, e por meio de pequenos grupos a queimar pneus em vários pontos, o que lembra ações de guerrilheiros.

A segurança pública precisa se preparar melhor contra isso. Pouco adianta mandar veículos com policiais civis ou soldados que levarão muito tempo para chegar aos locais, se é que chegarão com o trânsito interrompido. Cabe utilizar helicópteros, facilitado porque usualmente são locais de fácil aterrissagem.

Carlos Alberto Sardenberg: A confusão é obra do governo

- O Globo

O país tem 38.535 postos. Antes da greve, o preço era livre. Como o governo vai saber qual o preço então vigente em cada posto?

Vamos falar francamente: não existe a menor possibilidade de o governo federal conseguir cumprir as duas medidas principais que prometeu aos caminhoneiros e empresas de transporte: regular os preços do diesel e do frete rodoviário. Não porque seja traidor. Mas, primeiro, porque a tarefa seria impossível mesmo se estivessem lá os melhores técnicos. Segundo, porque mesmo se os técnicos fossem geniais, os políticos não os deixariam fazer a coisa certa.

Assim, ao tentar controlar e tabelar dois preços complexos, o governo consegue causar uma enorme confusão. O frete, por exemplo.

No auge da greve, o governo, via Agência Nacional dos Transportes Terrestres, ANTT, publicou uma tabela de preços mínimos do frete rodoviário em todo o país. No detalhe: caminhão por caminhão, eixo por eixo, quilômetro por quilômetro. Você lê a tabela e parece coisa de gênio: caramba, pensaram em tudo!

Passam-se alguns dias, greve já acabou, e simplesmente se paralisa o transporte de soja no país. Não por outra greve, mas por conta: produtores e empresas comercializadoras fizeram o cálculo e verificaram que o frete ficou muito mais caro do que o preço pré-greve, formado pelo mercado. Mais contas ainda: pequenos e médios agricultores chegam à conclusão de que valerá mais a pena comprar um caminhão do que contratar frete terceirizado.

A distorção parece tão evidente que o pessoal do governo nem discutiu. Quer dizer, o erro não foi reconhecido formalmente, mas a ANTT ficou encarregada de fazer outra tabela, ouvindo também a parte do agronegócio. Vai dar errado de novo, pois os caminhoneiros vão insistir na primeira tabela que, aliás, está em vigor até que seja feita a outra.

Repararam bem? Tem uma tabela oficial, mas nem tanto, porque vai mudar. Claro que não será utilizada. A soja que espere. Ou, seus consumidores que esperem. Ou vai por fora da lei: um frete a preço de mercado, não de tabela.

E se a tabela for respeitada, sobe o preço dos alimentos, a ser pago por toda a sociedade.

Vinicius Torres Freire: Temer discute carreto, país vai ao brejo

- Folha de S. Paulo

Efeitos do caminhonaço detonam novas crises, juros e dólar sobem sem controle

O governo passa o tempo a discutir o preço do carreto, de frete de caminhão. Tenta criar seus fiscais do Sarney do tabelamento do diesel.

Enquanto isso, o país vai para o brejão, talvez o "Brejal dos Guajás", obra do emedebista emérito José Sarney que trata de casinhos da política da roça.

As taxas de juros estão em alta, todas, a ponto de o mercado negociar dinheiro a um preço que sugere uma alta da Selic (os "juros do Banco Central") já neste mês, um novo disparate neste país desembestado. Por enquanto, o céu é o limite para o preço do dólar.

A nova morte do governo de Michel Temer, sequestrado e atropelado pelo caminhonaço, soltou o resto dos demônios represados no mercado financeiro. Isto é, medo de farra no que restou da política econômica e de clima mais propício à eleição de um presidente disparatado.

Sim, o problema de fundo são ou eram os Estados Unidos, a alta mais rápida de juros por lá e a política econômica do Nero Laranja, sabor fantasia, Donald Trump. Essas pressões, no entanto, nos esmagam tanto quanto oprimem países em crise externa grave, como Turquia e Argentina, ou México, que respira a fumaça tóxica do vizinho gigante.

Zeina Latif: Laços com a sociedade

- O Estado de S.Paulo

O modelo tradicional de comunicação, com bravatas e apontando vilões, está mofado

A desejada renovação da política não é para já. Em alguma medida porque as regras eleitorais contribuem para reforçar a competitividade dos grandes partidos e dos políticos atuais. Uma trajetória como a de Macron na França enfrentaria muitas dificuldades no Brasil.

Há algo, porém, mais relevante. O engajamento da sociedade na política é um fenômeno recente, não tendo sido possível o surgimento de novas lideranças políticas competitivas. Bons nomes, dentro e fora da política, há. Faltou tempo para depuração. O quadro nas eleições de 2022 será, provavelmente, diferente.

Nem tudo está perdido, no entanto. Há um lado positivo da não renovação neste momento. Diante da urgência de reformas, tudo que o Brasil não precisa agora é de um presidente inexperiente. A reforma da Previdência não pode mais esperar, apenas para citar a mais urgente delas.

Experiência e habilidade política serão atributos essenciais ao próximo presidente. Mais do que no passado. O chamado presidencialismo de coalizão, que caracteriza a busca de maioria no Congresso, dependerá mais da boa política, porque as barganhas tradicionais estarão racionadas. A lei das estatais limita a oferta de cargos políticos e, por conta do orçamento apertado, reduziu-se o espaço para emendas parlamentares e matérias no Congresso que beneficiem políticos e grupos de interesse.

Mas não é só isso. Capacidade de diálogo e de comunicação também serão essenciais. O próximo governo terá, pois, de modernizar a relação da política com a sociedade para ser bem sucedido. A importância do diálogo aumentou, pois a agenda de reformas é desafiadora, demandando apoio da sociedade, hoje mais participativa.

Adversários partem para o ataque a Bolsonaro

Alckmin desafia presidenciável do PSL para debate; Ciro Gomes o chama de ‘boçal’

Adversários de Jair Bolsonaro na corrida presidencial radicalizaram o discurso contra o pré-candidato do PSL. Ciro Gomes (PDT) chamou-o de “boçal” e “câncer a ser extirpado”. Numa rede social, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) desafiou o rival para debater segurança pública. Em sabatina no “Correio Braziliense”, Marina Silva (Rede) repudiou a política de armar a população proposta por Bolsonaro, que, depois de críticas ao Bolsa Família, passou a elogiar o programa.

Bolsonaro na mira

Às vésperas de nova pesquisa, pré-candidatos elevam o tom contra o deputado

Bruno Góes e Cristiane Jungblut | O Globo

-BRASÍLIA- Liderando as pesquisas de intenções de voto para a Presidência da República, o précandidato do PSL, Jair Bolsonaro, tornou-se ontem um alvo comum dos principais postulantes ao Palácio do Planalto. Durante sabatina promovida pelo jornal “Correio Braziliense”, o précandidato do PDT, Ciro Gomes, e o presidenciável do PSDB, Geraldo Alckmin, questionaram a capacidade do ex-capitão do Exército para presidir o país. Enquanto Alckmin desafiou Bolsonaro para um debate sobre Segurança Pública — e o PSDB foi ao Twitter para tornar pública a provocação —, Ciro partiu para os insultos. Depois de classificar o líder das pesquisas de “maluco” e “boçal”, o pedetista afirmou que Bolsonaro seria “um câncer a ser extirpado”.

Ao rivalizar com Bolsonaro, tanto Ciro quanto Alckmin tentam desgastar o adversário e conquistar pontos nas pesquisas ao cooptar potenciais eleitores do ex-capitão. A dupla tem perdido espaço em seus currais para eleitores do candidato do PSL. No Sul e Sudeste, por exemplo, o tucano enfrenta pressões por não conseguir decolar. O desempenho de Bolsonaro nas duas regiões, e sobretudo em São Paulo, principal reduto do tucano, é um dos grandes problemas do tucano. O mesmo ocorre com Ciro na região Norte e Nordeste, onde deputado federal também aparece bem posicionado.

Antes de participar do evento em Brasília, Alckmin lançou no Rio, estado sob intervenção na segurança e principal reduto de Bolsonaro, as diretrizes de seu programa de Segurança Pública. Uma das propostas do tucano é aumentar o tempo máximo de internação de adolescentes, no caso de crimes hediondos, de três para oito anos. E, ao completar 18 anos, o jovem iria para uma ala separada. Hoje ele fica em instituições especiais até os 21 anos.

Minutos depois do lançamento das propostas, quando Alckmin já havia sugerido o debate sobre segurança, o perfil do Twitter do PSDB fez o desafio: “Durante um anúncio sobre a equipe de programa de governo, @geraldoalckmin desafiou Bolsonaro para um debate sobre Segurança Pública. E aí, será que ele vai aceitar ou vai correr?”

Logo em seguida, durante entrevista que será transmitida no domingo pela emissora CNT, Alckmin voltou a atacar seu adversário.

— Eu tenho total discordância com o Bolsonaro. Ele sempre votou contra o Brasil. Ele sempre votou com o PT. Sempre. Você pega todos os projetos, desde o Plano Real. Tudo igualzinho ao PT. Quem anda para trás é caranguejo — afirmou o tucano, que criticou o adversário mais uma vez à noite. — Nós não vamos resolver o desemprego a bala.

Articulação para unir o centro é ‘conversa de bêbado’, diz Maia

Deputado afirma que campo ainda não apresentou candidato relevante

Bruno Góes, Cristiane Jungblut e Roberto Maltchik | O Globo

-RIO E BRASÍLIA- Um dia após o lançamento de uma frente de políticos de sete partidos, que tem por objetivo unir as forças de centro nas eleições deste ano, o presidente da Câmara e pré-candidato do DEM à Presidência, Rodrigo Maia (RJ), afirmou que este debate é semelhante a uma “conversa de bêbado”. Na sabatinado promovida ontem pelo jornal “Correio Braziliense”, Maia disse que, por enquanto, não está disposto a deixar sua candidatura para apoiar um outro nome.

— O problema é que estamos falando muito em centro e a sociedade não enxerga o centro como entendemos. Então, fica uma conversa meio de bêbado. A sociedade não encontra nenhum candidato como de centro. Na minha opinião, pelas pesquisas, o único candidato de centro era o Joaquim Barbosa. Por isso, é muito difícil tomar uma decisão hoje. Não acredito que essa candidatura apareceu ainda para a sociedade — disse Maia.

Para o presidente da Câmara, o centro é um campo em que há o diálogo constante com forças de esquerda e de direita. Ele avalia que, se algum nome relevante tivesse aparecido para organizar as forças políticas, o cenário seria diferente. Mas, até agora, isso não aconteceu.

No “Manifesto por um polo democrático”, esta frente de políticos de centro conclama as forças “democráticas e reformistas” a se unirem durante a disputa. O movimento foi idealizado pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF) e pelo secretário-geral do PSDB, Marcus Pestana (MG). E ganhou o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de cientistas políticos.

A posição de Maia é mais um revés às articulações do pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, que pretende unir o maior número de partidos em torno de sua candidatura. Aliados do ex-governador afirmaram ontem que o tucano está muito perto de fechar o apoio de quatro legendas: PPS, PTB, PV e PSD. 

ALCKMIN: “FUTRICA DA CORTE”
A ideia é que nenhum deles indique o nome para o vice na chapa. Os tucanos esperam uma sinalização do DEM, com a retirada da candidatura de Maia, para que o partido assuma este posto. Ontem, em entrevista à emissora CNT, que será transmitida no domingo, Alckmin elogiou Maia, a quem chamou de “um grande quadro” da política nacional. E negou qualquer possibilidade de desistir da disputa por causa do baixo desempenho eleitoral.

Na segurança, Alckmin se põe à meia distância de Bolsonaro

Por Cristian Klein e Vandson Lima | Valor Econômico

RIO E DE BRASÍLIA - Com seu eleitorado e o do PSDB sendo abocanhado pelo concorrente da extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL), o pré-candidato à Presidência e ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin lançou ontem as diretrizes de seu plano de governo para a segurança pública, no Rio de Janeiro, Estado submetido a intervenção federal e reduto de Bolsonaro.

O tucano evitou comparar diretamente suas propostas com as do deputado federal e ex-capitão do Exército, que faz da segurança pública um dos carros-chefes da pré-campanha eleitoral. Mas buscou delimitar semelhanças e diferenças com o adversário. Depois de anunciar as diretrizes para a segurança pública, em apresentação num salão esvaziado, na Tijuca, zona norte do Rio, à imprensa, Alckmin se reuniu com o general e interventor Walter Braga Netto, na sede do Comando Militar do Leste. O aceno aos militares o aproxima do perfil de Bolsonaro e está presente em algumas propostas do tucano.

O ex-governador defendeu a criação de uma Guarda Nacional "própria e permanente", cujo efetivo seria formado por egressos do serviço militar obrigatório. Alckmin disse que a Guarda Nacional seria diferente da atual Força Nacional, que retira policiais das forças de segurança dos Estados. "Ela poderá ser inclusive formada com aqueles que saem do serviço militar, o que poderá ajudar os Estados na questão do patrulhamento preventivo das chamadas áreas rurais", disse.

Em mais uma semelhança com Bolsonaro, Alckmin defendeu atenção especial à zona rural, e justificou mencionando o crescimento do agronegócio. "Há tecnologia cara, em áreas ermas, e você não encontra polícia, não tem 190", disse. O tucano lembrou do isolamento do campo, por experiência própria, quando seu pai, antes um militar, passou a trabalhar como veterinário especializado em peixes numa fazenda. O ex-governador propôs ainda o porte de armas para quem mora no campo, assim como já fez Bolsonaro.

Ao mesmo tempo, Alckmin marcou diferenças em relação ao adversário. Em vez da redução da maioridade penal, sugeriu o aumento do limite do tempo de internação de três anos para oito anos, nos casos de menores de idade que cometem crimes hediondos, proposta de lei que já tramita no Congresso Nacional. "Com isso não precisa mexer na Constituição, pois alguém pode falar 'Ah, mas isso é cláusula pétrea'. Vai ficar numa discussão enorme."

Alckmin escolhe general do Exército para equipe de segurança

Pré-candidato pretende criar uma Guarda Nacional, formada por jovens egressos do serviço militar obrigatório

Lucas Vettorazzo | Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - O pré-candidato à Presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin, escolheu um general do Exército para compor a equipe que atuará nas questões de segurança pública durante a campanha.

Em agenda nesta quarta-feira (6) no Rio, ele apresentou a equipe que o auxiliou na criação de seu plano nacional de segurança.

O general João Campos, que foi comandante da Escola de Estado Maior do Exército, é um dos integrantes, assim como o coronel da reserva da PM de São Paulo José Vicente da Silva, que foi secretário nacional de Segurança Pública no governo de Fernando Henrique Cardoso.

A equipe é liderada pelo professor de relações internacionais da USP Leandro Piquet Carneiro, que estuda a segurança em uma parceria entre a universidade de São Paulo e a OEA (Organização dos Estados Americanos).

Também integra a equipe a prefeita de Caruaru, Raquel Lyra, ex-policial federal.

O pré-candidato apresentou as bases para seu programa de segurança. Ele disse que pretende criar uma Guarda Nacional, formada por jovens egressos do serviço militar obrigatório. A mesma medida, disse ele, poderia ser utilizada pelas polícias.

Homens que deixarem o serviço militar poderiam engrossar as fileiras das polícias estaduais por dois a quatro anos. Também prometeu a criação de uma agência nacional de inteligência, que reuniria informações da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), das Forças Armadas, das polícias Federal e Rodoviária Federal e também das forças de segurança dos estados.

Alckmin diz que não há chance de o PSDB trocar nome ao Planalto: 'Isso não existe'

Pré-candidato tucano à Presidência está sob pressão de aliados devido ao desempenho ruim nas pesquisas de intenção de voto

Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, disse nesta quarta-feira, 6, que não há possibilidade de seu partido trocar o nome que vai disputar o Palácio do Planalto. "Isso não existe", afirmou ele. "Agora, claro que tudo está nas mãos de Deus e eu preciso estar vivo."

Sob pressão de aliados e sem conseguir crescer nas pesquisas de intenção de voto, Alckmin chegou a se irritar com correligionários do PSDB, em jantar na segunda-feira, perguntando se queriam mudar o candidato ao Palácio do Planalto. "Não tem estresse. Todo partido grande tem divergência. Isso é natural", respondeu ele, ao ser questionado sobre o assunto na sabatina do jornal Correio Braziliense.

Indagado se as investigações que atingem o senador Aécio Neves (PSDB), alvo da Lava Jato, não prejudicam ainda mais sua campanha, Alckmin disse que "o PSDB não passa a mão na cabeça de ninguém". Em seguida, partiu para a ofensiva contra o PT. "Quem cometeu erro paga por seu erro. Somos diferentes dos que fazem campanha à beira de penitenciária e querem eleger um imperador", afirmou, numa referência indireta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba.

Ao ser perguntado se adotaria em relação ao ex-presidente Fernando Henrique o mesmo tratamento defendido para Aécio Neves sobre investigações, o ex-governador não titubeou. "Se precisar investigar, investigue-se. Todos estão submetidos à lei. Ninguém está acima da lei", respondeu ele, ao comentar a notícia de que Fernando Henrique recorreu ao empresário Marcelo Odebrecht com o objetivo de conseguir fundos para a campanha dos tucanos Antero Paes de Barros e Flexa Ribeiro ao Senado, em 2010.

Na sabatina, Alckmin também tentou se desvincular de Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, acusado de ser operador do PSDB. Disse que o risco de seu nome ser citado em uma delação é "zero". Quando jornalistas lhe perguntaram sobre o impacto de Paulo Vieira em sua campanha, ele respondeu: "Nenhum. Ele mesmo já disse que nunca me cumprimentou na vida."

Presidente do PSDB, Alckmin disse que, se eleito, pretende privatizar o máximo de empresas que puder. "Mas eu não vou privatizar o Banco do Brasil, não vou privatizar a prospecção de petróleo da Petrobrás. Agora, a TV do Lula, o trem bala, que não tem trem... Temos de ter mais disputa de mercado e mais competitividade", argumentou.

O ex-governador ironizou comentários de que é preciso um outsider para ganhar a confiança do eleitor. "O que é o novo na política? É a idade? É ter 30 anos, não ter 60? Eu sou forjado com o povo. Não sou filho da fortuna pessoal nem da dinastia política." Com dificuldades para fechar alianças, Alckmin disse que está procurando firmar acordo com partidos que não têm candidatos.

Deputados do DEM chegaram a assinar, nesta terça-feira, 5, o manifesto Por um Polo Democrático e Reformista, uma iniciativa do PSDB e do PPS para pregar a unidade do centro político, mas acabaram voltando atrás. Na tentativa de conter o mal estar, Alckmin elogiou o DEM e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), pré-candidato do partido. Em recente entrevista ao Estado, Maia admitiu que o casamento entre o PSDB e o DEM "está terminando".

Pré-candidato no RJ, antropólogo afirma que sociedade viveu cegueira sob Cabral

Segundo Rubem César, bom momento econômico impediu que indícios de irregularidades fossem notados

Italo Nogueira – Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - O antropólogo Rubem César Fernandes (PPS), pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, afirmou nesta quarta-feira (6) que a sociedade viveu uma cegueira durante as duas administrações do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), atualmente preso.

O Viva Rio —ONG fundada há 25 anos pelo pré-candidato como uma forma de mobilização da sociedade civil contra a crescente violência urbana— manteve uma série de parcerias com as polícias Civil e Militar durante a gestão Cabral. Para ele, o bom momento econômico impediu que indícios de irregularidades fossem notados.

“A sociedade do Rio viveu um momento de cegueira. E aí eu me incluo. A um ano da Copa, a gente não imaginava o tamanho do buraco que a gente estava entrando. E não imaginava o tamanho da cobiça desses dirigentes, e da irresponsabilidade da República do Cabral”, disse.

A declaração foi dada durante sabatina promovida pela Folha, UOL e SBT. Fernandes filiou-se ao PPS em março deste ano para tentar chegar ao Palácio Guanabara.

O antropólogo defendeu que as Forças Armadas continuem atuando ao longo de todo mandato do futuro governador, não necessariamente por meio da atual intervenção federal. Ainda assim, defendeu a nomeação de um general para a Secretaria de Segurança.

“As Forças Armadas são o atacado, coordenação de inteligência, logística e apoio às ações. Eles pensam macro. A polícia pensa a rua”, disse ele.

Na área de segurança, ele defendeu o projeto das UPPs, criadas por Cabral. Para ele, o projeto pode ser recuperado, junto com investimento social e de desenvolvimento econômico nas favelas.

“Desenvolvimento local e focado na rapaziada da pá virada, rapaziada do risco. E respeito pelas comunidades, que são vista como lixo pela sociedade, classe média”, declarou.

Embora o PPS esteja mais próximo de fechar aliança nacional com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), Fernandes declarou que aceitaria quase todos os candidatos em seu palanque. Mencionou também a ex-ministra Marina Silva (Rede) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Atacou apenas o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas na ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Com certeza Bolsonaro não sobre no meu palanque. Para mim ele é um palhaço, fica fazendo falação gratuita sem consequência. Pessoal gosta porque ele é engraçado. Os demais tudo bem. Pensando no Rio de Janeiro e o desafio, o maior número de adesões, melhor”, afirmou.

O próximo a ser entrevistado será o deputado federal de Índio da Costa (PSD), na sexta-feira (8), seguido do ex-governador Anthony Garotinho (PRP), no dia 11, e os deputados Tarcísio Motta (Psol), no dia 12 e Pedro Fernandes (PDT), no dia 15.

O PT ainda define entre o ex-ministro Celso Amorim e a escritora Márcia Tiburi o pré-candidato a ser entrevistado no dia 14.

Romário (Podemos) afirmou que só daria entrevistas quando fosse oficializado candidato. Eduardo Paes (DEM) até o momento nega a pré-candidatura e não aceitou o convite.

As sabatinas ocorrem no estúdio do SBT, na zona norte do Rio de Janeiro, sem a presença de público. Começam às 9h e serão transmitidas ao vivo nos sites da Folha, UOL e SBT.

Violência em estágio de emergência nacional: Editorial | O Globo

Número de homicídios ultrapassa barreira e pressiona o poder público a enfim executar o projeto consensual do enfrentamento compartilhado da criminalidade

O fato de a divulgação do Atlas da Violência 2018, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ocorrer enquanto se espalham atos de violência pelo país, alguns com aspectos de terrorismo, ilustra a gravidade das informações da pesquisa.

Uma onda de ataques de incendiários a ônibus em Minas Gerais e no Rio Grande do Norte reforça antiga constatação de que a criminalidade se expandia territorialmente, uma tendência que se firma. Ao mesmo tempo, os tiroteios com armas pesadas passam a ser parte do cotidiano do carioca, more ele em qualquer região da cidade.

Nos últimos dias, têm ocorrido no Leme, um dos pontos extremos do cartão-postal da Praia de Copacabana. As duas comunidades do local, Babilônia e Chapéu Mangueira, que passaram a ser frequentadas por turistas no período de bonança permitido pelas UPPs, são QGs de quadrilhas rivais que não poupam munição.

A situação crítica da segurança pública no Rio de Janeiro e outros estados se reflete em dados como o de 62.517 mortes violentas contabilizadas no país em 2016, fazendo com que a barreira das 30 mortes por grupos de 100 mil habitantes fosse ultrapassada pela primeira vez — o indicador atingiu 30,3. Ou três vezes o limite máximo de 10 assassinatos por 100 mil, definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como fronteira a partir da qual a violência é considerada endêmica.

602.960: Editorial | Folha de S. Paulo

Homicídios cresceram no país de 2006 a 2016 tanto em termos absolutos quanto relativos

O número deveria chocar a todos, a começar pelos presidenciáveis. A cifra do título corresponde ao total de homicídios de 2006 a 2016 e precisa constituir argumento, em ano eleitoral, contra ideias retrógradas que veem em mais violência a solução para tal carnificina.

Acaso já não bastam 603 mil assassinatos num período de 11 anos?

Engana-se quem acreditar que o crescimento é vegetativo e só acompanha o aumento da população. Não, está em expansão também a taxa de homicídios.

Segundo o “Atlas da Violência” compilado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea, a proporção de mortes por 100 mil habitantes ultrapassou a marca de 30 pela primeira vez.

A catástrofe social aí refletida se evidencia não só na quantidade, crescente, mas também na qualidade das mortes: legiões de jovens pobres e negros perecem nessa guerra, não se sabe ao certo de quem contra quem, em particular no Nordeste e no Norte do país.

Mais da metade das mortes, 325 mil, foram de pessoas entre 15 e 29 anos. Um salto de 23% na média do país, com explosões como os 382% no Rio Grande do Norte.

A taxa de homicídios nesse grupo de idade alcança 65,5 por 100 mil, mais que o sêxtuplo da média mundial nessa faixa. As vítimas são cada vez mais jovens: o pico de mortes recuou dos 25 anos, em 1980, para 21 anos, agora.

Vários Estados do Nordeste ultrapassam o limiar de 100 assassinatos de jovens por 100 mil habitantes: Sergipe (142,7), Rio Grande do Norte (125,6), Alagoas (122,4), Bahia (114,3) e Pernambuco (105,4).

A sedução do controle de preços: Editorial | O Estado de S. Paulo

A despeito dos muitos exemplos da história recente do Brasil de que o controle de preços é invariavelmente danoso para a economia, esse expediente voltou a ser considerado válido pelo governo e por parte significativa da sociedade, agora para atender aos reclamos dos caminhoneiros que fizeram greve para obrigar a queda do preço do diesel. Houve até ministro que prometeu usar “todo o poder de polícia” para garantir que a redução do preço desse combustível acertada com os caminhoneiros chegasse aos postos – como se os preços na bomba não fossem livres.

Se controle de preços funcionasse, o Plano Cruzado teria sido um retumbante sucesso. Como se sabe, mas volta e meia se esquece, o Cruzado, lançado em fevereiro de 1986 pelo então presidente José Sarney, congelou preços na expectativa de finalmente conter uma inflação que àquela altura era típica de país conflagrado. “Iniciamos hoje uma guerra de vida ou morte contra a inflação”, anunciou Sarney na TV. O Brasil foi fragorosamente derrotado nesse combate porque, em resumo, não se pode revogar as leis básicas da economia.

Se a inflação desorganiza o mercado, porque se perde a noção de valor do dinheiro e dos produtos, o congelamento de preços igualmente afronta as relações econômicas. Preços têm a função de refletir a disponibilidade daquilo que é precificado. Uma vez tabelado, o preço deixa de cumprir essa função básica, desorientando os agentes econômicos e levando ao desabastecimento – afinal, não há porque produzir mercadorias se o preço destas, por estar congelado, não puder refletir os custos da produção, que sobem livremente.

Essa lição elementar foi ignorada em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff, quando a petista anunciou a redução das tarifas de energia elétrica, à custa do caixa da Eletrobrás, e manteve, para os leilões do setor, sua obsessão pela modicidade tarifária, que naturalmente afugentou os investidores.

Desvalorização contínua do real pressiona os juros: Editorial | Valor Econômico

As expectativas se deterioraram ainda mais com a greve dos caminhoneiros e provocam agora incêndios no mercado de câmbio. Ele é alimentado também pela valorização do dólar em relação às moedas emergentes e pela crise fiscal, que, embora grave, não seria um motivo imediato para a forte depreciação do real, nem para a aposta dos investidores em juros mais altos já - explosiva para as contas públicas.

O cenário externo deixou de ser benigno e a perspectiva tranquila de meses atrás de que os juros permaneceriam aonde estão até o final de 2019 desapareceu. O aumento imediato dos juros, porém, não deveria estar no horizonte, pois a retomada da economia é de uma lentidão exasperante e a inflação segue domesticada. É possível um repique pontual devido aos efeitos da paralisação dos caminhoneiros, e alguma influência, ainda desconhecida, do repasse da escalada do dólar em alguns preços. Ainda assim, todas as previsões de inflação do mercado estão abaixo do centro da meta para 2019.

Uma disputa eleitoral sem qualquer previsibilidade ocorrerá desta vez sem constrangimentos externos. O déficit em conta corrente está perto do zero, as reservas se mantêm na casa dos US$ 380 bilhões e a balança comercial exibe superávits vigorosos. O fluxo cambial continuou positivo em maio e no ano - US$ 1,7 bilhão e US$ 20,08 bilhões, respectivamente, mesmo com a pressão por saída de recursos, expresso no déficit de US$ 5,1 bilhões na conta financeira no mês passado, mais da metade dele reflexo da debandada dos investidores da bolsa de valores.

O Banco Central ampliou a oferta de swaps cambiais e na terça-feira dobrou a oferta, colocando algo como US$ 2 bilhões em contratos para suavizar a alta das cotações. Após baixa inicial, o real continuou se desvalorizando, movimento que prosseguiu ontem. Ainda assim, os juros futuros foram subindo - contratos para 2027 registraram taxa superior a 13%. Pior que isso, os contratos mais curtos, os de janeiro de 2019, foram contaminados pela onda, de modo que passaram a indicar a aposta de que a taxa Selic deveria ser elevada já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária.

Linda Baptista: Foi assim (Lupicínio Rodrigues)

Joaquim Cardozo: Cemitério da Infância

No cemitério da Infância
Era manhã quando entrei,
Das plantas que vi florindo
De tantas me deslumbrei...
Era manhã reluzindo
Quando ao meu país cheguei,
Dos rostos que vi sorrindo
De poucos me lembrarei.

Vinha de largas distâncias
No meu cavalo veloz,
Pela noite, sobre a noite,
Na pesquisa de arrebóis;

E ouvia, sinistramente,
Longínqua, esquecida voz...
Galos cantavam, cantavam.
— Auroras de girassóis.

Por esses aléns de serras,
Pelas léguas de verão,
Quantos passos repetidos
Trilhados no mesmo chão;
Pelas margens das estradas:
Rosário, cruz, coração...
Mulheres rezando as lágrimas,
Passando as gotas na mão.

Aqui caíram as asas
Dos anjos. Rudes caminhos
Adornam covas pequenas
De urtiga branca e de espinhos;
Mais perto cheguei meus passos,
Mais e demais, de mansinho:
As almas do chão revoaram:
Um bando de passarinhos.

Oh! aflições pequeninas
Em corações de brinquedos;
Em sono se desfolharam
Tuas roseiras de medo...

Teus choros trazem relentos:
Ternuras de manhã cedo;
Oh! Cemitério da Infância
Abre a luz do teu segredo.

Carne, cinza, terra, adubo
Guardam mistérios mortais;
Meninos, depois adultos:
Os grandes canaviais...

— Crescem bagas nos arbustos,
Como riquezas reais,
Pasta o gado nas planuras
Dos vastos campos gerais.