sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Fernando Gabeira - O estreito caminho da normalidade

O Estado de S. Paulo

O desespero e a vontade de perturbar estão presentes e devem ser contados como um fator duradouro nos próximos quatro anos

O momento pós-eleitoral de agora é o mais agitado do período de redemocratização. Estradas bloqueadas, multidões diante dos quartéis, cenas de regozijo com a falsa notícia da prisão de Alexandre de Moraes, preces aos militares e até aos alienígenas, com quem tentam se comunicar com a lanterna dos celulares. Neste contexto coloca-se a difícil tarefa do novo governo: pagar suas dívidas de campanha com os mais pobres e reconciliar o País.

Para atender aos mais pobres, o primeiro problema é dinheiro. No Orçamento que o governo Bolsonaro apresentou não estava previsto o Auxílio Brasil de R$ 600, mas só de R$ 405. Além disso, faltam recursos para o Farmácia Popular, a merenda escolar, o aumento do salário mínimo. A saída é estourar o teto de gastos, já muitas vezes furado pela gestão Bolsonaro.

Uma forma suave de conseguir esses objetivos seria não apenas criticar o teto de gastos, mas transitar gradualmente para uma nova âncora fiscal.

De modo geral, a simples e justa crítica ao teto de gastos aparece como se não se admitisse nenhum tipo de âncora fiscal, como se fosse possível viver num mundo de gastos ilimitados.

Vera Magalhães - Saúde mostra estrago de Bolsonaro

O Globo

Presidente transformou a pasta mais importante de um governo num parque de diversões negacionista

O relatório do Tribunal de Contas da União entregue ao governo de transição com o estrago provocado pelos quatro anos de Jair Bolsonaro na Saúde é uma mostra do que deverá ser radiografado em quase todas as áreas da administração: ideologia demais, gestão de menos.

Bolsonaro transformou a pasta mais importante de um governo num parque de diversões negacionista. Trocou um ministro que entendia do assunto, Luiz Mandetta, no início de uma pandemia, porque ele lhe fazia sombra ao dar entrevistas diárias e porque não endossava seu boicote ao distanciamento social e às demais medidas protetivas.

Loteou a pasta entre militares e olavistas, com os resultados conhecidos. Tanto vilipendiou as vacinas, sem nenhum ganho político evidente, só por seguir uma cartilha da extrema direita internacional de destruição da ciência, que o Plano Nacional de Imunizações, um orgulho nacional, está em petição de miséria.

Não foi à toa o chilique do presidente quando questionado no primeiro debate do pool de veículos de imprensa, no primeiro turno, a respeito da baixíssima cobertura vacinal para todas as doenças, inclusive algumas já erradicadas, e da relação que isso guarda com os ataques sem fundamento às vacinas contra a Covid-19. Bolsonaro sabia a bagunça que deixava enquanto só se preocupava com a reeleição a qualquer preço (e bota preço nisso; alô, defensores do teto de gastos feito letra morta em nome de votos!).

Eliane Cantanhêde – Meia-volta, volver!

O Estado de S. Paulo

Por que Bolsonaro nomearia os novos comandantes militares? Para ser bonzinho com Lula?

Por que os novos comandantes militares, escolhidos pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seriam nomeados e assumiriam os cargos ainda em dezembro, antes da posse dele e do seu ministro da Defesa? E por que o ainda presidente Jair Bolsonaro assinaria os atos de nomeação? Para ser bonzinho com Lula? A ideia não cheira bem.

Segundo o repórter Marcelo Godoy, já foi definida até a data da transmissão de cargo do comandante da Aeronáutica, dia 23 de dezembro, uma semana antes da posse de Lula. Assim, ele e os demais seriam nomeados oficialmente por Bolsonaro, capitão insubordinado do Exército.

Qual a intenção? Manter a Aeronáutica, em particular, e as Forças Armadas (FA), em geral, sob algum controle de Bolsonaro? Confrontar o presidente legal, constitucional e legitimamente eleito, futuro comandante em chefe? Tumultuar o País, com as hordas bolsonaristas em torno dos quartéis?

Bernardo Mello Franco – O buraco da comunicação

O Globo

Novo governo precisa desmilitarizar Secom e livrar TV Brasil de programação chapa-branca

Responda se for capaz: quem é o secretário de Comunicação do governo Bolsonaro? O cargo, que já teve status de ministério, hoje é ocupado por um certo André de Sousa Costa. O ilustre desconhecido nunca pisou numa redação. É coronel da Polícia Militar de Brasília.

O enredo se repete na Secretaria de Imprensa do Planalto. O órgão chegou a ser chefiado por Carlos Castello Branco, o patrono do colunismo político brasileiro. Hoje está entregue a uma major da PM.

Os policiais não foram nomeados à toa. Estão lá para vigiar servidores, esconder informações e dificultar o trabalho dos repórteres.

Claudia Safatle - O exemplo que vem do Chile

Valor Econômico

Só com reponsabilidade fiscal é que s pode pensar em responsabilidade social, como ensina Lagos

Ricardo Lagos, presidente do Chile entre 2000 e 2006, eleito pelo Partido Socialista, mostrou uma compreensão incomum entre os seus pares latino-americanos, ao dizer, logo no início do seu mandato, que seria ortodoxo na política fiscal para poder ser ousado na política social. Durante o seu governo, que terminou com elevada popularidade, em 2005 tinha mais de 70% de apoio popular, criou o seguro-desemprego, assinou tratados de livre-comércio com os Estados Unidos, China e União Europeia, conduziu um vigoroso programa de concessões de obras públicas de infraestrutura e implementou diversas reformas concebidas por alguns de seus antecessores.

Tal como o Brasil, o Chile viveu períodos de alta inflação e desajuste nas contas do setor público, até que em 1973 houve um golpe militar liderado por Augusto Pinochet - que depôs Salvador Allende, socialista, que se matou - e implantou uma ditadura terrível. Quando a junta militar assumiu o poder, a inflação estava na casa dos 700% e o déficit era de 23% do PIB, caindo para cerca de 7% do PIB já no ano seguinte.

José de Souza Martins* - Novos sujeitos políticos

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

As nações indígenas emergiram como personagens da história do presente. Houve aqui uma revolução social e quase ninguém percebeu

O regime resultante do golpe militar de 1964, em nome da democracia supostamente ameaçada pelo comunismo, não favoreceu a emergência das populações excluídas dos direitos sociais e políticos próprios das sociedades democráticas, igualitárias e pluralistas. Os “diferentes” foram mantidos na prisão imaginária e excludente, a de sua diferença, como seres menores, aquém do propriamente humano. Ou, em desdobramento atual do regime ditatorial, considerados e tratados como iguais para que se virem com sua igualdade, que os fragiliza em face dos poderes descomunais do Estado e da economia. Na reunião do governo de 22 de abril de 2020, isso ficou claro.

A política repressiva da ditadura de 1964 atingiu a classe trabalhadora, diferente no entendimento anormal dos normais, os que têm poder. Mas atingiu também os grupos sociais residuais que haviam ficado à margem da história. E atingiria também os novos sujeitos que ganhariam corpo e visibilidade em decorrência da política econômica e da intolerância própria da ditadura.

Hélio Schwartsman - A patacoada

Folha de S. Paulo

Ao contestar pleito, PL mira no milagre, mas cai na litigância de má-fé

Como lidar com a patacoada jurídico-eleitoral do PL, que resolveu contestar os resultados do pleito de 2022?

É difícil a minha vida. Sou ateu até o último fio de cabelo, mas também sou um liberal, que não tem, portanto, planos de proibir a religião ou regular o que as pessoas podem pensar e dizer. Isso significa que não posso me valer da saída fácil de exigir que todos os discursos sejam lógicos e estejam amparados por evidências empíricas.

Com efeito, não há, a meu ver, ideia mais disparatada e desprovida de base fática do que a de que existe um papai do céu a premiar ou castigar cada ser humano por seu comportamento, mas isso não me legitima a banir a prática religiosa e nem a exigir que ela se justifique no plano argumentativo. Se o sujeito deseja pautar sua vida por um ser imaginário, esse é um direito dele.

Bruno Boghossian - A trincheira do Senado

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas querem Rogério Marinho (PL-RN) na presidência da Casa para emparedar tribunal

Enquanto tenta agitar as ruas com falsas suspeitas sobre as eleições, Jair Bolsonaro se mexe para montar uma trincheira no Senado a partir de 2023. O presidente e seus aliados intensificaram as articulações para emplacar no comando da Casa um parlamentar que tope emparedar o STF quando o capitão deixar o poder.

A escolha de um presidente do Senado bolsonarista é tema de diversas reuniões em Brasília. A maior parte dos encontros é liderada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Ele deixou claro aos potenciais integrantes da aliança que o principal objetivo é mandar um recado ao STF.

Ruy Castro - O covarde em questão

Folha de S. Paulo

Bolsonaro não tem a hombridade dos generais que perdem a guerra e saem de cabeça erguida

Acontece na guerra: o exército vencido bate em retirada e tenta se vingar do vitorioso deixando um rastro de destruição e morte. Mas, como bem sabem os militares, quem faz isto está sendo só covarde. Primeiro, porque é uma vingança a distância, a salvo, pelas costas, típica dos covardes. E também porque, ao plantar minas ao fugir, tocar fogo em cidades e florestas e envenenar rios e plantações, matarão muito mais inocentes, como crianças e animais, do que os experientes inimigos que pretendem atingir.

Vinicius Torres Freire - Lula começa a escolher seu Vini Jr.

Folha de S. Paulo

Problemas com a PEC da Transição criam crise no PT e elevam pressão pela escolha de ministros

Vini Jr. começaria no time titular? A maioria dos comentaristas dizia que Tite faria uma escalação "mais cautelosa". Ao que parece agora, o técnico da seleção já havia feito seus testes, escondido, e faz tempo escolhera o atacante do Real Madrid, ex-Flamengo.

Nesta quinta-feira de estreia do Brasil na Copa, a praça financeira estava animada com rumores. Corria o zum-zum de que Luiz Inácio da Lula Silva estaria fazendo testes com uma dupla no comando da economia: Fernando Haddad na Fazenda e Pérsio Arida no Planejamento e chutes similares.

Pelo que foi possível investigar, a escalação seria apenas uma hipótese, mas ao menos hipótese já cogitada por Lula (em vez de apenas boato do entorno). Quanto a Arida, não se sabe nem se ele estaria propenso a ir mesmo para o governo ou em que termos aceitaria a tarefa.

Luiz Carlos Azedo - O estranhamento de torcer pelo Brasil sem vestir a camisa amarela

Correio Braziliense

A camisa da Seleção virou uma espécie de uniforme da extrema direita, que protesta à frente dos quartéis e bloqueia as estradas para impedir a posse do presidente Lula

Havia uma expectativa de que a Copa do Mundo de Futebol no Catar mudasse o clima político no país, mas ainda não é o que está acontecendo. Vamos ver se os jogos da nossa Seleção — que estreou com os pés de Richarlison fazendo dois gols, um dos quais uma pintura — contribuirão para criar um novo clima de diálogo e convivência, em que todos estejamos do mesmo lado, ao torcer pelo Brasil. Não vejo em ninguém um sentimento antipatriótico, de rejeição à Seleção Brasileira de Tite, mas também não vejo a mesma sensação de pertencimento e identidade com a camisa canarinho como em outras copas. É muito esquisito!

Talvez o Catar fique longe demais, a maioria conhece muito pouco esse Emirato, que é considerado o país mais rico do mundo. Protetorado britânico, após a queda da Império Otomano, o Catar é governado há 150 anos pela mesma família, que manteve o poder com mão de ferro após a independência, em 1971. Petróleo, gás e alumínio garantem ao país receitas muito superiores ao que gasta com importações, principalmente de bens de consumo, de alimentos, que o deserto não oferece, de carros de alto luxo.

Flávia Oliveira - Adiante, Brasil

O Globo

Indumentária auriverde se tornou imprópria pelo sequestro pelos extremistas de direita

Conhecer o passado é essencial para conduzir o presente e resguardar o futuro. Sou do tempo em que o querido e saudoso Jô Soares (1938-2022) encarnava no Zé da Galera o afã ofensivo da torcida canarinho. Semanalmente, em ligação telefônica de um orelhão, o personagem apelava ao técnico da seleção brasileira:

— Bota ponta, Telê [Santana da Silva, 1931-2006].

Foi ele o homem que comandou o “dream time” de 1982, aquele da Tragédia do Sarriá, estádio espanhol. Eu tinha 12 anos e, por semanas, me culpei por, na tarde daquele 5 de julho, ter vestido a minissaia de brim tingido com o azul do manto de Nossa Senhora Aparecida, cor que inspirou a camisa da final de 1958, até hoje o segundo uniforme. A camiseta amarela já não me cabe.

Rogério Furquim Werneck - O regime fiscal de Lula

O Globo

O novo governo não quer se deixar tolher, de nenhuma forma, pelo teto de gastos ou por regras fiscais

O país continua imerso na mais completa incerteza sobre que governo terá a partir de 1º de janeiro. Ainda não tem a menor ideia de quem serão os responsáveis pela condução da política econômica.

Em meio à apreensão com tamanha indefinição, o que se alega é que o presidente eleito é assim mesmo. Que esse é seu estilo. E não tem faltado quem se apresse a comparar 2022 com 2002, lembrando que o anúncio oficial de que Antonio Palocci seria o novo ministro da Fazenda só foi feito mais de 40 dias após o segundo turno.

A alegação não faz sentido. Muito antes de tal anúncio, Palocci já vinha desempenhando papel crucial como porta-voz econômico e coordenador da equipe de transição do governo então eleito.

Além disso, é bom lembrar que, em 2002, Lula e o PT tinham conquistado pela primeira vez a Presidência da República. Eram um bando de neófitos, forjados em longa e tenaz oposição a vários governos, mas sem nenhuma experiência prévia com a complexidade de tripular e operar a gigantesca máquina política e administrativa do governo federal.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Moraes acertou ao aplicar sanção contra o PL

O Globo

Multa foi exagerada, mas punição firme era necessária para partido entender o custo da aventura golpista

O ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), exagerou por diversas vezes durante a campanha eleitoral ao mandar suspender contas em redes sociais ou vetar conteúdos que considerava desinformação, mesmo em veículos da imprensa. Mas acertou em cheio ao negar o pedido do Partido Liberal (PL) para invalidar parte dos votos do segundo turno das eleições presidenciais, sobretudo de locais onde o presidente Jair Bolsonaro foi derrotado.

O relatório usado para justificar o pedido é tecnicamente ridículo e politicamente abjeto. Põe em dúvida a capacidade de auditar urnas antigas, mas apenas no segundo turno — quando Bolsonaro foi derrotado —, e não no primeiro — quando o PL elegeu a maior bancada da Câmara, com 99 deputados. É um argumento primário. Não passa de uma artimanha golpista para alimentar os delírios das hostes bolsonaristas mais radicais.

Ninguém em sã consciência poderia achar que pedido tão absurdo teria chance de ser acatado. A única explicação plausível para a pantomima é jogar álcool nas fogueiras dos movimentos ilegais que bloqueiam estradas e acampam em frente de quartéis para pedir um golpe militar.

Poesia | Soneto Sonhado | Manuel Bandeira com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Esquadros - Adriana Calcanhotto e Brasil Jazz Sinfônica