sexta-feira, 10 de maio de 2019

César Felício: No limite, lá "nos finalmentes"

- Valor Econômico

Bolsonaro e Congresso conversam, com o revólver à mesa

O mais ilustre admirador de Olavo de Carvalho gosta do fio da navalha. Ao assinar o decreto que permite o rearmamento da sociedade, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que foi "no limite da lei". "Não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu de oportunidade para nós, fomos lá no limite. Lá nos finalmentes".

Em ocasião muito anterior, Bolsonaro afirmou que, no que depender dele, oferecerá aos trabalhadores regras que "beiram a informalidade". É um presidente na fronteira, no limiar da irresponsabilidade. Mas que não cruza a linha divisória.

Ao longo dos seus 28 anos como deputado, que lhes deixaram o cheiro impregnado no paletó, como disse na cerimônia de anteontem, Bolsonaro se acostumou a nunca compor. Também nunca rompeu: a quebra da institucionalidade foi um arroubo da juventude, quando chegou a ser acusado, em matéria da revista "Veja" de 1987, de ter desenhado croquis para a instalação de bombas na adutora do Guandu. Ao ser absolvido pelo Superior Tribunal Militar, no ano seguinte, já estava virtualmente fora do Exército, em campanha bem sucedida para vereador.

Olavo de Carvalho não foi importante para Bolsonaro ganhar a eleição, ao contrário do que o presidente diz. O aiatolá da Virgínia e seus jagunços digitais são importantes agora, para Bolsonaro testar seus limites frente aos que podem tutelá-lo ou àqueles que tem a atribuição constitucional de controlar o Executivo.

Retratar Olavo de Carvalho como o Rasputin dos tempos atuais talvez não seja a melhor analogia. Rasputin era um charlatão que seduziu a família do czar, era visto como um enviado de Deus, e a partir daí passou a exercer influência na corte. A comparação será válida caso o olavismo se volte, com o mesmo 'placet' régio que desfruta hoje, contra determinados personagens a quem não interessa ao presidente desestabilizar, ao menos por enquanto, como Paulo Guedes e Sergio Moro. Há método no modo bolsonarista de agir, e não desnorteio.

O presidente sabe que conduz um governo de minoria parlamentar e usa as redes sociais como quem coloca um revólver sobre a mesa. Não há sinais de que pretenda dispará-lo contra o Legislativo, porque sabe que o outro lado também está armado. A maneira como a elite política aniquilou Dilma Rousseff ainda é uma lembrança viva na mente de todos em Brasília.

Maria Cristina Fernandes: A resistência da base bolsonarista à regulação

Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Em 20 anos, a consulta pública de maior audiência da história das agências reguladoras se deu em torno do carbofurano, princípio ativo de um agrotóxico. Resíduos excessivos da substância, que afeta os neurônios e pode causar retardo mental, haviam sido detectados em amostras de alimentos e na água. Por isso, o carbofurano já havia sido proibido nos Estados Unidos, no Canadá, na China e na União Europeia.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu 13.114 manifestações nesta consulta pública. Dessas, quase dois terços foram contrárias à proibição do agrotóxico. Menos de 10% dos participantes eram profissionais de saúde ou representantes de entidades de defesa de consumidores ou pacientes. A grande maioria era formada de pessoas que se autodeclararam "cidadãos", "consumidores" ou "outros profissionais relacionados ao tema da consulta".

Pelo teor das manifestações, no entanto, fica claro que a maioria é formada por usuários do agrotóxico - "A proposta deve ser cancelada até que tenhamos substitutos com custo/benefício comparável ao carbofurano", "as alternativas de controle para minha lavoura são poucas e muito caras", "discordo porque tem me ajudado muito na lavoura e no bolso".
As manifestações evidenciam as razões pelas quais, apesar dos desgastes enfrentados pelo inquilino do Palácio do Planalto, valores da base bolsonarista estão enraizados em setores representativos da sociedade, como o produtor agrícola.

A despeito da maioria pela liberação, a Anvisa estabeleceu um calendário de veto ao uso da substância por tipo de lavoura até a proibição definitiva em todo o território nacional a partir de abril de 2018. A proibição não foi revogada neste governo, o que demonstra a resiliência de setores da burocracia frente aos novos rumos do Executivo.

O achado é parte de pesquisa da professora Natasha Salinas do projeto "Regulação em Números", da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio. Coordenado pelo professor Sérgio Guerra, o projeto pretende formar um banco de dados sobre as agências reguladoras, da mesma maneira que um dia o fez o pioneiro, "Supremo em Números", cujas pesquisas esquadrinharam - e inquietaram - os ministros em sua atuação na Corte.

*José de Souza Martins: Governo em guerra contra o saber

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Acompanhei pela TV a abdicação do imperador Akihito, do Japão, no dia 30 de abril. Os ritos de poder e de autoridade revelam o que é a política nos países que os praticam. Tento entender nossa pobreza no que a isso se refere.

O ex-imperador e sua consorte são intelectuais que, com sua cultura, têm dado um rosto ao seu carisma. Ele tem sido líder e inspiração de um país de grande desenvolvimento científico, técnico e econômico. Se o modelo de sociedade que nos está sendo imposto fosse aplicado lá, o Japão sofreria um imenso retrocesso social e cultural.

Eles, seguindo, aliás, as tradições de seu país, têm grande interesse em agricultura e ambos se dedicam, dentre tantos compromissos, também ao trato da terra com as próprias mãos. Sorte deles não ter por lá um ministro da Educação do tipo que lhes proibisse a sociologia e a filosofia, condenando-os só à agricultura. Para eles, como para outros japoneses lavradores, a agricultura, o arroz, as verduras, as árvores, os peixes são também oferendas, fazem parte da poesia da vida.

Durante sua era, que terminou no dia 30, o ano era inaugurado num encontro com poetas, em palácio, para ali recitarem seus versos, com a participação da então imperatriz, também poetisa, pianista e compositora. Ela musicou vários poemas de seu marido. É autora de um tocante poema sobre a alegria do primeiro aleitamento de seu primeiro filho, o agora novo imperador, também músico, violinista.

O então imperador tinha o hábito de encontrar-se em palácio, no início do ano, com a comunidade científica, agrupada por áreas de conhecimento. Ele é um colega, pois cientista reconhecido, especializado em ictiologia, que fez a classificação científica de oito peixes. É autor de 30 papers científicos. Quando do terceiro centenário de Carl Lineu, em 2007, pai da taxonomia científica, fez uma longa conferência em inglês, em Londres, sobre a vida e a obra desse cientista sueco. O imperador participa de congressos científicos.

Paulo Celso Pereira: Derrotas retratam fracasso da estratégia política do Planalto

- O Globo

Tradicionalmente, há após as eleições um período de trégua entre o governo que chega ao poder e a oposição derrotada nas urnas. É nesse hiato de alguns meses que o vencedor realiza duas tarefas centrais para conseguir governar adequadamente nos quatro anos seguintes: organiza a estrutura administrativa do Executivo e monta uma base que lhe garanta maioria no Legislativo. Após sagrar-se vitorioso em outubro, Jair Bolsonaro realizou a primeira parte do trabalho, promovendo uma ampla e polêmica reformulação de ministérios, mas deliberadamente ignorou a segunda etapa do serviço.

As consequências são evidentes desde o início de fevereiro. A reforma da Previdência, principal pauta do governo, demorou dois meses para ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, quando o plano inicial era que não ficasse lá mais de duas semanas.

Ontem, o Planalto assistiu inerte a uma confluência de novas derrotas. O centrão, que apoia todos os governos desde a redemocratização, aliou-se à oposição e aprovou a retirada do Coaf da alçada do ministro Sérgio Moro. Além disso, devolveu a política de demarcação de territórios indígenas para a Funai, que deve voltar ao Ministério da Justiça.

Bernardo Mello Franco: Moro lavas as mãos sobre futuro dos índios

- O Globo

Sergio Moro não quis contestar Bolsonaro na agenda da liberação das armas. Ao fazer o mesmo com a Funai, empurra os índios para o colo de evangélicos e ruralistas

Sergio Moro mobilizou a tropa lavajatista para tentar manter o Coaf no Ministério da Justiça. Não demonstrou o mesmo interesse em reaver a Funai, retalhada numa canetada de Jair Bolsonaro.

Em janeiro, o presidente transferiu o órgão indigenista para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da pastora Damares Alves. A atribuição de demarcar terras indígenas foi para o Ministério da Agricultura, entregue à bancada ruralista.

Na quarta-feira, Damares informou que pretende manter o que restou do órgão. “A Funai tem que ficar com a mamãe Damares, não com o papai Moro”, disse. O titular da Justiça lavou as mãos sobre o assunto. “Não tenho interesse de ficar com a Funai”, desdenhou.

Entre a gracinha da pastora e o desprezo do ex-juiz, joga-se o futuro de quase 900 mil indígenas. Eles se dividem em 305 etnias, falam 274 línguas e dependem da proteção do Estado. Dezenas de tribos estão sob ameaça permanente de grileiros, garimpeiros e jagunços.

Apesar do desdém de Moro, uma comissão mista do Congresso aprovou ontem o retorno da Funai à configuração original, na pasta da Justiça. Agora o tema será votado nos plenários da Câmara e do Senado.

Míriam Leitão: Sinais mistos no Congresso

- O Globo

Apesar da derrota de ontem, há confiança no Congresso e no governo de que a reforma passará, se novos erros forem evitados

A reforma da Previdência pode ser aprovada na Câmara ainda antes do recesso. Essa previsão é feita por quem entende o movimento do Congresso e essa esperança aumentou na equipe econômica depois do início da tramitação na Comissão Especial. Apesar disso, ontem foi um dia de derrota para o governo na Câmara, com a retirada do Coaf da área do ministro Sérgio Moro e o adiamento da votação da MP que reestrutura a administração do governo.

O que azedou muito o clima ontem na Comissão Especial que analisou a MP 870, da reforma administrativa, foi de novo a sucessão de ataques nas redes virtuais contra parlamentares que votaram pela volta do Coaf ao Ministério da Economia. O vereador Carlos Bolsonaro postou a lista dos que votaram a favor da retirada do órgão da pasta da Justiça, e isso foi a senha para o início de ofensas.

— A gente já não sabe se é o filho ou se é o pai que comanda isso, mas o fato é que eles acham que tudo se passa no mundo virtual. Não é apenas um governo sem articulação. Ontem era como se só fosse honesto quem quisesse manter o Coaf na mão do Moro. E isso é uma ofensa até para o Ministério da Economia. No resto do mundo, órgãos semelhantes ficam na área econômica. E aí? Onde está o erro? —disse um líder político.

Eliane Cantanhêde: Faroeste

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro não escancara o porte de armas por questão política, mas por obsessão

Parece obsessão e é mesmo: com tantos problemas gravíssimos no Brasil, econômicos, fiscais, sociais, éticos, o presidente Jair Bolsonaro só pensa em ampliar a posse e agora escancarar o porte de armas a níveis nunca antes vistos ou imaginados. Assim, causa a euforia dos armamentistas e o pânico dos que são contra.

Pode-se deduzir que Bolsonaro dedicou os dois primeiros projetos realmente dele à flexibilização da posse e do porte de armas por uma questão político-eleitoral. Ele estaria dando satisfação a seus eleitores e mantendo a “bancada da bala” nutrida e unida a seu favor. Mas não é só.

Por trás dos decretos, está a paixão incontida do presidente por armas, uma paixão que ele transferiu de pai para filho e transformou em política de governo num país onde tiroteios, balas perdidas e mortes de policiais, criminosos, cidadãos e cidadãs comuns são parte da paisagem. Multiplicar as armas em circulação vai reduzir esse banho de sangue? Se até policiais justificadamente armados morrem nos confrontos a tiros, por que os leigos estarão mais protegidos?

O anúncio do novo decreto de Bolsonaro foi um tanto atípico, curioso: ele fez solenidade no Planalto para a assinatura e anúncio, deixou vazar uma ou outra medida e guardou a grande surpresa (ou o grande susto) para o dia seguinte, com o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU).

Luiz Carlos Azedo: O caso Temer

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A prisão cautelar do ex-presidente estabelece um novo paradigma na Operação Lava-Jato, que acabará sendo objeto de decisão definitva no Supremo Tribunal Federal (STF)

O ex-presidente Michel Temer foi novamente preso na tarde de ontem. Entregou-se à Polícia Federal (PF) em São Paulo, após revogação do habeas corpus que o mantinha livre. Está provisoriamente numa sala da Superintendência da PF, que alega não ter condições adequadas para acomodá-lo, ao contrário do que acontece com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Superintendência da PF em Curitiba. Por supostamente chefiar uma organização criminosa, que teria recebido R$ 1,091 milhão em propina nas obras da usina nuclear de Angra 3, operada pela Eletronuclear, Temer é acusado pelo Ministério Público de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

O advogado Eduardo Carnelós afirma que não há motivos para a prisão de Temer. “Não há espaço, data vênia, para a manutenção do paciente no cárcere a título cautelar, passado tanto tempo entre os fatos apurados e o presente momento”, argumenta. No habeas corpus que impetrou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a defesa do ex-presidente sustenta: “Salta aos olhos a circunstância de que fatos ter-se-iam dado na Argeplan, empresa que não é gerida por Michel Temer, da qual o Paciente não é sócio, diretor, nem funcionário. Se assim é, como tomar tais circunstâncias contra Michel Temer, sem operar odiosa responsabilização por fato de terceiro?”.

O coronel João Baptista Lima Filho, amigo do ex-presidente e sócio da empresa Argeplan, também se entregou à polícia. Por determinação do desembargador Abel Fernandes Gomes, do Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF-2), ambos ficarão eram São Paulo. Na primeira vez em que foi preso, Temer foi detido por uma equipe de operações especiais da PF em plena rua, o que foi considerada uma ação desnecessária.

O julgamento do habeas corpus de Temer pelo STJ, previsto para terça-feira, é aguardado com grande expectativa, pelos procuradores e juízes da Lava-Jato, porque a sua prisão cautelar é considerada por muitos juristas uma agressão ao direito de defesa. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, somente foi preso após condenação em segunda instância. Ou seja, a prisão do ex-presidente estabelece um novo paradigma na Operação Lava-Jato, que acabará sendo objeto de decisão definitiva no Supremo Tribunal Federal (STF).

Bruno Boghossian: A criptonita do superministro

- Folha de S. Paulo

Ex-juiz veste capa de superministro, mas descobre que política é sua criptonita

O governo não faz muito esforço para segurar o Coaf nas mãos de Sergio Moro. A recente derrota do superministro no Congresso mostra que, além da resistência de alguns partidos à expansão de seus poderes, nem sempre Jair Bolsonaro estará na retaguarda para defendê-lo.

A decisão que abriu caminho para tirar o órgão de controle financeiro do Ministério da Justiça expõe uma vulnerabilidade política. Até a última hora, Moro tentou convencer os parlamentares a apoiarem o fortalecimento de sua pasta. O Planalto, no entanto, agiu como se aquela fosse uma batalha particular do ex-juiz.

Quando a votação foi aberta na comissão especial, o líder do governo usou apenas 22 segundos para defender a vontade de Moro. O sempre estridente Major Olimpio (PSL) não brigou pela palavra e a deputada Joice Hasselmann (PSL) só chegou para acompanhar a derrota.

O isolamento ficou completo quando o chefe da Casa Civil pediu que o PSL, partido do presidente, deixasse o trem seguir sem o vagão de Moro. Onyx Lorenzoni procurou os deputados e pediu que aprovassem logo no plenário a medida que reorganiza o governo, deixando o Coaf de lado.

Reinaldo Azevedo: Voltem para os quartéis, soldados. Deu tudo errado!

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro queria apenas a sua honorabilidade, não suas opiniões

Acabou a ilusão. A cada dia que os militares, da ativa ou da reserva, permanecem no governo Bolsonaro, as Forças Armadas, como instituição, se degradam. E se sujam com a lama ideológica em que se afunda a gestão. Em vez do amor à pátria, uma pistola 9mm; em vez do hino nacional, uma .45; em vez do patriotismo, o ódio —que alguns pretendem redentor— à democracia.

Meu ponto de vista é radical e não admite flertes de nenhuma natureza dos fardados com o poder político. Renuncie, general Hamilton Mourão! Sim, sei que o senhor foi eleito. Deixe que Rodrigo Maia (DEM-RJ) seja o primeiro na linha sucessória. Os loucos vão se aquietar um pouco. Afinal, o presidente o queria apenas como um espantalho para assustar civis.

Voltem, senhores, para os quartéis e seus clubes, e lá se dediquem aos afazeres tipicamente militares e à defesa da Constituição. É por isso que, nas democracias, nós, os civis, lhes damos o monopólio do “uso legítimo da violência”.

Vocês garantem os Poderes constituídos se estes forem ameaçados. Aliás, general Augusto Heleno, prefiro substituir a palavra “violência”, a que recorreu Max Weber na expressão acima, por “força”. Civiliza mais.

Não faz sentido, senhor Rêgo Barros, que um general da ativa seja porta-voz de um presidente. Renega o conteúdo de um livro que o senhor mesmo citou em tom elogioso numa das “lives” de Bolsonaro —aquelas que imitam a estética Al Qaeda.

Em “O Soldado e o Estado”, de Samuel Huntington, o “controle civil objetivo das Forças Armadas”, que o senhor diz defender, o impede de portar a voz de um político. Tanto pior quando esse político promove o achincalhe do ente a que o senhor pertence.

*Ruy Castro: Haja bala

- Folha de S. Paulo

Todo mundo agora pode andar armado —como se o Brasil já não fosse um grande tiroteio

Basta acordar escutando uma emissora de notícias. Operação militar esta madrugada no morro xis termina em tiroteio. PMs faziam patrulha quando foram atacados por traficantes. Na troca de tiros, morreram três traficantes, dois soldados e uma moradora de 90 anos a caminho da igreja. Você já ouviu essa notícia ontem, só que eram PMs contra milicianos. Vai ouvi-la de novo amanhã, de milicianos contra traficantes, e outra, no dia seguinte, de traficantes contra traficantes.

PM de folga, à paisana, é morto por bandidos ao sair de casa. Carro levando família de músicos é confundido com carro parecido, usado por bandidos que estavam sendo procurados, e fuzilado com 88 tiros pelo Exército. Grupo armado passa de carro e chacina 12 pessoas paradas no botequim da esquina. Particular é assaltado na rua e reage a tiros contra assaltante.

Vinicius Torres Freire: A comida esfria no Brasil

- Folha de S. Paulo

Situação ruim da indústria e do varejo de alimentos ilustra recaída da economia

O país fabrica e compra menos comida. Os maus resultados gerais docomércio e da indústria se devem em parte maior a uma pane nas vendas dos supermercados e ao que se pode chamar francamente de recessão na indústria de alimentos.

A degringolada firme começou depois da metade do ano passado, quando o país era ainda mais avacalhado pelo paradão caminhoneiro. A derrocada continua. O resfriado se disseminou por outros setores da economia.

Em agosto de 2018, as vendas do que o IBGE chama de “hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo” cresciam a 4,8% ao ano. Em março passado, cresciam a apenas 1,9%, dado mais recente, divulgado nesta quinta-feira (9). O povo ainda compra mais remédios, mas gasta menos no mercado. O aperto é evidente.

Comparado o primeiro trimestre deste ano com o de 2018, houve queda de 0,9% nas vendas de “hipermercados etc.”. No comércio em geral, ainda há alta de 0,3% (excluídas vendas de veículos e material de construção).

O indicador da Associação Brasileira de Supermercados, obviamente menos amplo que o do IBGE, não vai tão mal, mas não vai nada bem: alta de apenas 0,4% nas vendas do trimestre.

Na semana passada, soube-se que a produção anual da indústria voltou ao vermelho, regredindo 0,1% em 12 meses, baixa que não se via desde agosto de 2017.

A indústria de alimentos já voltara a andar para trás em agosto de 2018. Em março, encolhia horríveis 5,7% (no acumulado de 12 meses). Não se quer dizer assim que:

1) os dados indicam que as pessoas passem fome em regra, embora muita gente esteja faminta, basta andar pela rua ou visitar alguns bairros periféricos de São Paulo para ver;

2) obviamente, vendas e produção de comida não explicam a pane da economia, o que seria uma bobice, mas são um sintoma doloroso.

*Monica De Bolle: De onde vem a fé?

- Revista Época

Ou seja, o sistema de fé dos eleitores da extrema-direita é o mercado acima de todos, as políticas redistributivas abaixo de tudo.

Andar com fé eu vou/Que a fé não costuma faiá
Gilberto Gil

De onde vem a fé? O Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI) organizou recentemente uma conferência sobre os determinantes do populismo. Vou repetir: o FMI, a instituição que ninguém associa à análise de tendências políticas no mundo, foi o anfitrião de uma conferência de dia inteiro sobre o populismo. Se isso não ilustra a relevância do tema nos debates de política econômica mundo afora, não sei o que mais o faria. Estive na conferência e apresentei, com meu coautor, um paper acadêmico sobre o nacionalismo econômico — tantas vezes associado ao que chamamos de “populismo” — que será publicado em breve. As discussões sobre essa e as outras análises apresentadas foram muito interessantes, sobretudo pela diversidade do grupo. Lá estavam economistas, cientistas políticos e pessoas que pesquisam psicologia comportamental.

Talvez a análise mais interessante tenha sido a apresentada por Alberto Alesina, professor de economia política de Harvard. Ele e coautores formularam questionários para entender o comportamento dos eleitores em relação a diversas questões hoje encampadas pelos movimentos populistas-nacionalistas de extrema-direita. Embora a pesquisa de campo tenha sido conduzida nos Estados Unidos e na Europa, ela revela traços comportamentais que poderiam caracterizar qualquer país. Por exemplo: as pessoas tendem a acreditar nas “narrativas” internas — detesto a palavra “narrativa” pelo quê de clichê —, a despeito dos dados e fatos. Para constatar isso de forma inequívoca, os autores apresentaram vários fatos aos grupos entrevistados antes de fazer as perguntas. 

Quando o assunto era imigração, por exemplo, mostraram para as pessoas os dados sobre o nível de educação dos imigrantes em cada país, além da quantidade de gente de fora presente. Ainda assim, os entrevistados subestimaram o nível de educação e superestimaram o número de imigrantes em todos os países sobre os quais foram perguntados, mesmo tendo visto os dados reais antes de qualquer pergunta. Os pesquisadores também apresentaram dados sobre os níveis de pagamento de impostos e de uso de serviços e benefícios públicos de imigrantes e nativos. Imigrantes pagam, de modo geral, o mesmo nível de tributos e tendem a usar menos os benefícios públicos, sobretudo quando se trata de seguridade social, nos países analisados. Ainda assim, os entrevistados afirmaram que imigrantes pagavam menos impostos e se beneficiavam mais do sistema público do que os nativos.

Dora Kramer: Patologia da ideologia

- Revista Veja

Se não reage, Bolsonaro incorpora insultos à equipe que escolheu

Foge à compreensão das mentes normais a razão de o presidente do Brasil assistir de maneira complacente à enxurrada de insultos dirigidos a figuras da República, entre as quais o vice-presidente e alguns ministros, por aquele antagonista residente na Virgínia, cujo nome passo a me abster de pronunciar por considerá-lo a materialidade gráfica do baixo calão. O assunto aqui não é ele. É o presidente. Mais que tolerante, Jair Bolsonaro é submisso e até reverente ao autor das ofensas que em última análise lhe são dirigidas, pois atingem profissionais que escolheu porque achou capazes de ajudá-lo a governar o país. Nesse aspecto, não faz diferença se civis ou militares.

Bolsonaro alega que é “dono do próprio nariz” para justificar sua indulgência e afirmar que cada um age como quer no controle da própria vida. Pois se existe alguém impedido de dizer e fazer impunemente o que lhe dá na telha é exatamente o chefe da nação. É o mais comprometido dos brasileiros com o dever de dar satisfação, de medir consequências de seus atos, palavras e até omissões, de atuar no estrito limite da ordem constitucional. Ocupa o cargo por delegação de quem passou a ter a propriedade do nariz presidencial desde a eleição.

E aqui se incluem todos os brasileiros. Os que votaram nele ou deixaram de votar movidos por convicção e os que o escolheram motivados pela rejeição ao adversário. Uma das hipóteses para que o presidente seja dócil ao tratamento hostil é que não queira dar aos cidadãos que compartilham não necessariamente do estilo mas das crenças do autor referido no início a impressão de que esteja cedendo a gente identificada com ideias opostas e aí dando uma demonstração de fragilidade ante o eleitorado de raiz.

Ricardo Noblat: Cadê a metade do chocolate? Bolsonaro comeu

- Blog do Noblat / Veja

Uma zorra!
Este governo não pode passar um dia sem protagonizar mais uma trapalhada inesquecível. É da sua própria natureza. É resultado também da reunião improvável de homens sem experiência em gestão pública e carentes de um plano de voo.

A trapalhada de ontem foi muito além do que poderiam imaginar os afiados roteiristas de programas do tipo “Zorra Total” e “Pânico”. Toda quinta-feira à noite vai ao ar no Facebook uma nova edição da “live” estrelada pelo presidente Jair Bolsonaro e auxiliares.

Desta vez houve um quadro para explicar o corte de 30% na verba para as universidades públicas. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, espalhou 100 chocolates sobre uma mesa. E usou-os para dizer que o corte não passa de um contingenciamento.

Como realizou o prodígio? Separou três chocolates do restante. Partiu outro pela metade com a ajuda de Bolsonaro. E disse que o governo apenas queria que os três chocolates e a metade do outro só fossem comidos pelos brasileiros depois de setembro próximo.

Enquanto o ministro falava, e errava na conta porque 30% de 100 é igual a 30 e não a 3 e meio, Bolsonaro mastigava o pedaço do chocolate partido. Quem assistiu ao programa não entendeu o que o ministro disse e saiu desconfiado de que fora enganado.

Quando nada, cadê a metade do chocolate que só deveria ser consumida a partir de setembro? Bolsonaro comeu.

Ah, Moro, se arrependimento matasse…

Quem mandou confiar no capitão?
Foi só para salvar as aparências que o presidente Jair Bolsonaro saiu ontem à noite a defender a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Justiça e Segurança Pública aos cuidados do ex-juiz Sérgio Moro.

Essa havia sido lá atrás uma das condições de Moro para aceitar o cargo. O Coaf monitora movimentações financeiras suspeitas. Controlá-lo, segundo Moro, seria vital para o sucesso do combate à corrupção e ao crime organizado.

Por Bolsonaro, tudo bem que o Coaf saísse do Ministério da Economia para o de Moro. Mas por maioria de votos, a comissão mista da reforma administrativa no Congresso aprovou a volta do Coaf ao Ministério da Economia. Foi um duro golpe.

Derrota de Bolsonaro? Do governo? O porta-voz da presidência da República declarou que não. Disse que o Congresso é soberano em suas decisões. A derrota, pois, foi de Moro, que se empenhou pessoalmente pelo que lhe foi recusado.

Justiça social é ponto forte em favor da reforma: Editorial / O Globo

Apresentação destaca o papel da Previdência na concentração de renda, na crise da saúde e educação

Mais uma sessão do longo calendário de encontros com parlamentares para convencê-los da importância e dos termos da reforma da Previdência demonstrou algum aprendizado por parte do governo.

Ao contrário do que aconteceu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), houve um mínimo de precaução, quarta-feira, na Comissão Especial, para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não ficasse exposto a salvas contínuas de tiros da oposição.

Bastou que a situação conseguisse que as regras da sessão intercalassem perguntas de ambos os lados. Houve mais organização.

Destacou-se, ainda, o necessário cuidado com o didatismo. A questão da Previdência, discutida no Congresso desde o primeiro mandato de FH, de 1995 a 98, costuma ser rejeitada pelos políticos, pois tem relação direta com o padrão de vida da população.

O Copom também no escuro: Editorial / O Estado de S. Paulo

Espante-se quem quiser, mas o Banco Central (BC), assim como investidores, empresários e consumidores, também se detém diante da incerteza política e econômica. Também por isso a taxa básica de juros foi mais uma vez mantida em 6,50%. Assim deverá ficar até o futuro se tornar menos opaco e surgirem motivos claros para nova mudança da taxa, para cima ou para baixo. Até lá, a palavra de ordem continua sendo a cautela. Quanto menos onda, melhor. A decisão foi anunciada em nota no começo da noite de quarta-feira, depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A importância agora atribuída à incerteza é a grande novidade embutida no último comunicado. Uma nota anterior, emitida em 6 de fevereiro, havia mencionado esse fator, mas com menor ênfase. A linguagem é um dos instrumentos mais importantes da política monetária. Uma palavra a mais ou a menos, quando se comparam dois informes, pode fazer muita diferença. Isso ocorreu de novo nesta quarta-feira.

Os próximos passos, havia informado o Copom no comunicado de fevereiro, continuariam dependendo “da evolução da economia, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação”. A nota de março trouxe dois elementos novos: seria preciso observar “o comportamento da economia brasileira (...) com menor grau de incerteza e livre dos efeitos dos diversos choques a que foi submetida no ano passado”.

Tiros no Planalto: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro amplia direito ao porte de armas de modo temerário para agradar nichos

Em decisão nefasta, que fomenta a violência e atropela o debate, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) mudou de maneira drástica, por decreto, regras decorrentes do Estatuto do Desarmamento.

O édito do Executivo estende o direito ao porte de armas a pessoas ligadas a 20 segmentos profissionais ou sociais —como políticos com mandato, advogados, caminhoneiros, caçadores, oficiais de Justiça, jornalistas da área policial, habitantes de zonas rurais, conselheiros tutelares e colecionadores.

Também se alargam os limites para a aquisição de armamentos até aqui de uso exclusivo das forças de segurança, bem como para a comercialização de cartuchos —que passa das 50 unidades por ano para 5.000. Segundo outra decisão insólita, adolescentes ficam dispensados de autorização judicial para praticar tiro.

As normas somam-se às de decreto de janeiro, que já haviam tornado a posse de armas mais flexível.

Na prática, o Palácio do Planalto instaura um regime de complacência com a circulação desses artefatos, cujos maiores beneficiários deverão ser, além do mercado clandestino, os fabricantes.

Recorde-se que o presidente mantém relações das mais amistosas com o setor. Antes da eleição de 2018, em visita a uma feira de armamentos, Bolsonaro fez propaganda voluntária de modelos de uma empresa cotada em Bolsa de Valores —cujas ações, aliás, subiram depois das novas regras.

Liberação ampla da posse de armas trará mais violência: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro seguiu suas inclinações pessoais e assinou um decreto de flexibilização de porte de armas que equivale a um estatuto do desarmamento. O decreto inclui várias profissões que poderão ter e portar armas sem precisar comprovar a necessidade, de agentes de trânsito, advogados, caminhoneiros, a jornalistas envolvidos em reportagens policiais. A organização não governamental Instituto Sou da Paz calculou o universo potencial de cidadãos que poderiam optar por andar armados segundo as novas regras: 19 milhões de pessoas. Só de advogados há 1,2 milhão em exercício no país, pelos números da OAB.

O ato do presidente dá sentido a seu gesto de fazer "arminhas" com as mãos, mesmo ao lado de crianças. Agora é permitido que, com autorização de um dos pais, crianças e adolescentes possam frequentar aulas de tiros, quando antes era indispensável autorização judicial. Bolsonaro, mesmo em sua residência oficial, dorme com uma arma ao lado da cama. Projeto de lei apresentado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (o filho 03) autoriza portadores legais de armas a embarcarem armados em aeronaves e a utilizá-las em caso de necessidade (O Estado de S. Paulo, ontem).

O decreto já detonou uma batalha judicial, com advogados considerando-o inconstitucional. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já requereu análise de sua constitucionalidade. A questão mais relevante, claro, são as consequências em um país em que 71,1% dos homicídios são cometidos com armas de fogo.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, que não gostou da ideia, disse que o assunto não dizia respeito à segurança pública e que Bolsonaro estava cumprindo promessa de campanha. Se multidões passarem a andar armadas pelas ruas não for questão de segurança pública, poucas outras o serão. O Estado detém o monopólio da violência, que está sendo agora erroneamente democratizado pelo presidente da República.

A ideologia contamina: Editorial / Revista Veja

O governo, ao contrário do que tem dito repetidamente, quer tão somente impor a direita onde antes havia a esquerda

Nesta edição, VEJA apresenta três reportagens de fôlego que, à primeira vista, são distintas em todos os aspectos. Na reportagem inicial, a revista aborda a crise palaciana da hora, que opõe os militares com posto no Palácio do Planalto ao guru da extrema direita, Olavo de Carvalho, que vive fustigando seus inimigos pelas redes sociais. A matéria mostra que, nessa rinha, Jair Bolsonaro dá sinais de que está mesmo do lado do polemista da Virgínia, considerado um “ícone” pela família presidencial.

A segunda reportagem foca a crise vivida pelas universidades públicas, agravada agora com a decisão do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, de fazer um drástico corte de verbas. A terceira reportagem oferece um balanço sobre o Mais Médicos, programa criado para atender populações pobres que não tinham acesso a nenhum tipo de tratamento de saúde.

Examinadas com atenção, as três reportagens — sobre política, educação e saúde — têm um ponto em comum. Em todas elas, a força motriz está concentrada em um único aspecto: o excesso de ideologia que o presidente Jair Bolsonaro vem aplicando a tudo aquilo em que seu governo põe a mão.

Nas disputas entre olavetes e militares, informa a repórter Marcela Mattos, o que está em jogo, no fundo, é o controle ideológico dos rumos do governo. Enquanto os militares tentam imprimir uma condução mais profissional e apartidária, os olavetes batalham pela permanente radicalização à direita, razão pela qual o general Eduardo Villas Bôas classificou o guru de “Trotski da direita”.

Tiro no pé: Editorial / Revista Época

Um estudo internacional colocou o Brasil entre os sete países mais armados do mundo. Existem aqui oito armas para cada grupo de 100 habitantes. O país tem em circulação 16 milhões de armas — quase metade sem registro legal. Muitas foram desviadas de instituições oficiais como Forças Armadas e Polícia Militar. Parte é proveniente de roubos e furtos a pessoas físicas. Das armas apreendidas, 80% são de fabricação nacional.

O número prova que o contrabando não é o vetor mais importante no acesso às armas, apesar de ser significativo quando se trata especificamente de armas de alto impacto, como fuzis e metralhadoras.

Em movimento associado a tal corrida armamentista, nos últimos 25 anos, o percentual de homicídios no país cometidos com armas de fogo subiu de 40% para mais de 70% do total. Armas mataram quase 1 milhão de pessoas no período. Pesquisadores enxergam causa e efeito nesse quadro: mais armas tem sido a resposta ao aumento da insegurança pública, numa tentativa de autodefesa ante o insucesso de políticas públicas no combate ao crime. Em vez de derrubarem os índices de criminalidade, essas armas têm colaborado significativamente para seu aumento.

O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta semana decreto que facilita e amplia a concessão de porte de armas para um conjunto de 20 profissões, como políticos eleitos, servidores públicos que trabalham na área de segurança pública, advogados em atuação pública, caminhoneiros, oficiais de justiça, profissionais de imprensa que atuam em coberturas policiais e agentes de trânsito, entre outras categorias. Também são contemplados os moradores de propriedades rurais e os proprietários e dirigentes de clubes de tiro. As categorias listadas não precisarão comprovar “efetiva necessidade” para justificar a solicitação de porte à Polícia Federal.

Governo reduz previsão do PIB e fará novos cortes

Por Fabio Graner, Gabriel Vasconcelos e Juliana Schincariol | Valor Econômico

BRASÍLIA E RIO - O governo vai reduzir mais uma vez sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2019, o que deve levar a equipe econômica a promover novo corte de gastos. Os cálculos estão sendo finalizados, mas, nos bastidores da área econômica, a nova previsão é de uma expansão em torno de 1,5% - até agora trabalhava-se com a estimativa de 2,2%.

Com menor crescimento, as projeções para as receitas são afetadas negativamente e novas reduções de gastos se tornam necessárias. O quadro é complicado para o governo, já que o corte de quase R$ 30 bilhões no primeiro bimestre já deixou a máquina pública com sérias dificuldades de gerenciamento sendo vislumbradas para o segundo semestre. "Algumas despesas que eram vistas como intocáveis provavelmente terão que ser contingenciadas", disse uma fonte ao Valor.

O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, confirmou que o governo deve anunciar um bloqueio adicional de gastos no relatório bimestral a ser divulgado no próximo dia 22. Ele disse que a situação fiscal do país tem que ser tratada "como de fato é", com déficits esperados para 2020, 2021 e 2022.

Diante do quadro de dificuldades, a equipe econômica busca alternativas para tentar dar algum estímulo ao nível de atividade, mas a restrição fiscal dificulta a atuação do governo. Estuda-se, por exemplo, a liberação parcial de recursos do FGTS, o que poderia dar um alento à economia sem impacto fiscal. Em 2017, a liberação de contas inativas do fundo injetou R$ 44 bilhões na economia e foi vista como grande responsável por garantir um crescimento do PIB naquele ano. Não há, ainda, um acordo sobre isso no governo. Um interlocutor disse que modelos de liberação parcial no curto prazo estão sendo considerados, no entanto, a área econômica pretende privilegiar a solidez e a liquidez do fundo, que tem um estoque de recursos de R$ 500 bilhões.

Murilo Mendes: Os dois lados

Deste lado tem meu corpo
tem o sonho
tem a minha namorada na janela
tem as ruas gritando de luzes e movumentos
tem meu amor tão lento
tem o mundo batendo na minha memória
tem o caminho pro trabalho.

Do outro lado tem outras vidas vivendo a minha vida
tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão
tem a morte, as colunas da ordem e da desordem.

Tom Jobim: João Ninguém (Noel Rosa)