sábado, 26 de novembro de 2022

Marco Aurélio Nogueira* - As transições que nos desafiam

O Estado de S. Paulo

O governo Lula não poderá ser do PT. Sua melhor chance de sucesso é ser um governo de coalizão, plural e aberto a diversos partidos

Não se fala de outra coisa. Todos querem saber como passaremos do governo Bolsonaro para o governo Lula. É compreensível. Motores potentes turbinam o evento: o espetáculo em si, a disputa por espaços políticos, a composição ministerial, a ansiedade.

O novo governo está recebendo dados e ideias. O desenho é para que tudo dê certo. Mas até as pedras sabem que nada será fácil ou tranquilo.

Antes de tudo, porque já não se vive mais nos anos dos primeiros governos petistas. Nem na economia, nem na política e na cultura. A época problematiza a democracia no mundo. Partidos não funcionam mais como antes. Políticos estão sendo substituídos por “engenheiros do caos”. Uma guerra cultural permanente fomenta uma versão não liberal e autoritária de governo, impulsionada por agitadores, mídias de opinião, redes de desinformação. Busca-se criar instabilidade e deslegitimar governos, explorando o que há de declínio da confiança social na política e na democracia. O trumpismo se liga ao bolsonarismo, que se liga ao putinismo, ao orbanismo, a formas variadas de negacionismo, de antiglobalismo, de ataques ao progressismo.

Ascânio Seleme - Haddad na Fazenda aponta para 2026

O Globo

A indicação de um nome para o Ministério da Fazenda ajuda nas negociações da PEC da Transição, mas a possível nomeação de Fernando Haddad para o cargo tem um sentido maior e ulterior. Ela mira desde já a eleição de 2026. O mais testado e reconhecido quadro petista, Haddad está se preparando e sendo preparado para a era pós-Lula. Ainda há no PT muitos que acreditam que o presidente eleito vai concorrer à reeleição, mas mesmo estes admitem que é fundamental ter um Plano B. Para outros, e não poucos, Haddad é o Plano A.

Para estar em condições de concorrer e vencer uma eleição presidencial, Haddad terá que estar nos próximos quatro anos sob intensa luz. A visibilidade é uma das mais importantes premissas de uma candidatura majoritária. Ensinam os especialistas em pesquisas que a luminosidade dá ao candidato a possibilidade de uma largada competitiva. Se voltar para a Educação, o petista pode até fazer um bom trabalho, mas jamais terá os holofotes que a Fazenda lhe garantiria. Claro que o exemplo de José Serra mostra que é possível emergir de uma pasta importante mas lateral, fora do foco político, para o centro. Entretanto, as circunstâncias que encaminharam a eleição de 2002 não estão presentes agora.

Eduardo Affonso - As massas e os messias

O Globo

São pessoas que se desconectaram de si mesmas e embarcaram num delírio coletivo. Não necessariamente por desinformação

Nos anos 80, ocupavam a Cinelândia, no Centro do Rio. Resistiram algumas décadas — hoje não há mais vestígios do que um dia foi a aguerrida Brizolândia. Em 2018, começaram uma vigília em frente à Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. Por 580 manhãs, renovavam sua fé gritando: “Bom dia, presidente Lula!”. Desde o segundo turno das eleições de 2022, estão acampados diante de quartéis ou bloqueando estradas.

Muda a cor das roupas e bandeiras — sai o vermelho, entram o verde e o amarelo. Mudam as palavras de ordem: “Lula livre!”, “Intervenção militar!” e... (o que é mesmo que queriam os brizolistas, além de lutar contra as “perdas internacionais”?). Em comum, a inabalável fé num messias. E a negação — do resultado de eleições, da condenação ou do ocaso do seu líder, do seu capitão, do seu salvador. Nunca chegam a formar multidões — talvez daí o empenho em fazer tanto barulho.

Winston Fritsch* - Um presidente verde

O Globo

É na área do clima, da transição energética e do meio ambiente que Lula tem tudo para entrar para a História

O Brasil é o que podemos chamar de uma jabuticaba climática. Temos matriz energética extremamente limpa, representando apenas 20% das nossas emissões brutas de gases de efeito estufa, ante 80% no mundo. Entretanto nada menos que 46% das emissões do Brasil em 2022 vieram de “mudanças no uso da terra e florestas”, eufemismo usado para o gás carbônico proveniente, principalmente, de um vergonhoso desmatamento de florestas, que nos torna o quinto maior emissor do planeta.

Menos conhecida é a evolução da extensão desse desmatamento. A destruição do Cerrado e de sua área de transição amazônica foi avassaladora durante a rápida expansão da fronteira agropecuária pelo Centro-Oeste nas últimas décadas do século XX. O crescimento do desmatamento foi revertido em 2004 pela implantação de sistema eficiente de monitoramento e controle na Amazônia, mas voltou com força em anos recentes — em 2022, subiu assustadores 23,6%, segundo dados do Observatório do Clima (www.seeg.com.br) —, destruindo a alta credibilidade conquistada pelo Brasil nas negociações multilaterais do clima.

Ricardo Henriques - Refundar a trilha do conhecimento

O Globo

Nos últimos anos, abusamos da ignorância. É hora de voltarmos a planejar o futuro, com investimento público ampliado

Da creche à pós-graduação, todos os níveis educacionais no Brasil sofreram nos últimos anos os efeitos devastadores da pandemia e do descaso do governo Bolsonaro. Entre tantas urgências – e todas precisarão ser enfrentadas –, uma é a recomposição do ecossistema de ensino superior, científico e tecnológico.

Um estudo divulgado neste mês pela Frente Parlamentar Mista da Educação e pelo Observatório do Conhecimento estimou que o chamado orçamento do conhecimento – composto pelo investimento em ensino superior público e pesquisa – poderá ter no ano que vem um valor 58% abaixo do registrado em 2014.

Esse sangramento desestrutura o desenvolvimento científico, econômico, social e ambiental. E é sentido de várias maneiras, como na falta de recursos em instituições federais de ensino técnico e superior para a execução de despesas mais básicas e para bolsas de apoio a estudantes e de iniciação científica.

Cristina Serra - Nardes e o insulto à democracia

Folha de S. Paulo

Áudio vazado elimina qualquer vestígio de impessoalidade do ministro

ministro do TCU Augusto Nardes tomou chá de sumiço, valendo-se de conveniente licença médica depois do vazamento de sua conversa de teor golpista com interlocutor do "time do agro".

É esse "time" que tem financiado os bloqueios em rodovias que contestam a vitória de Lula. O site "De Olho nos Ruralistas" levantou a ficha de Nardes e de parentes dele, conectados em intrincada rede de empresas. A esposa do ministro, Adriana Beatriz Freder, é sócia da NPC Mineradora e Incorporadora Ltda. A empresa conseguiu quatro autorizações para pesquisar diamantes no Piauí, duas delas no governo Bolsonaro. No mesmo endereço da NPC, em Brasília, funciona a Progresso Participações, que tem como sócio o próprio Nardes.

Alvaro Costa e Silva - Golpista demais se atrapalha

Folha de S. Paulo

Brasil adota o cambalacho como nova identidade nacional

Aviso aos internautas: há um novo golpe, de simples funcionamento, envolvendo nudes. Homens recebem fotos e depois passam a sofrer chantagem e extorsão, para que não sejam denunciados por pedofilia. Uma única quadrilha movimentou mais de R$ 5 milhões, fazendo vítimas em todo o país. É outra das bem-sucedidas vigarices virtuais que substituíram os contos do vigário aplicados nas ruas.

O Brasil não tem a exclusividade do cambalacho, mas ocupa atualmente um lugar de vanguarda e experimentação. É como se tivéssemos abandonado antigos comportamentos de nossa identidade caseira — o jeitinho, a carteirada, a cervejinha do guarda — para passar à condição de golpistas de fama internacional. A prova foi a prisão nos Estados Unidos de uma mulher que se dizia guru espiritual e namorada de Leonardo DiCaprio; na verdade, ela comandava uma rede de prostituição.

Demétrio Magnoli - O código de Infantino

Folha de S. Paulo

Discurso do presidente da Fifa justifica violações de direitos

Gianni Infantino, o suíço-italiano que preside a Fifa, é um cara esperto, antenado com os discursos da moda. Antes da abertura do evento, numa conferência de imprensa, ele pronunciou um monólogo de quase uma hora destinado à defesa do Qatar como sede da Copa. Nele, partiu com a bola dominada para o ataque, acusando o Ocidente de hipocrisia terminal.

Não é o Qatar que deve se emendar, tratando os operários migrantes segundo regras trabalhistas civilizadas e os LGBT como cidadãos plenos, clamou em tom apaixonado. É o Ocidente que, vergado sob o peso de culpas históricas irremissíveis, precisa oferecer desculpas ao emirado do Golfo Pérsico.

Infantino tinha diversos esquemas viáveis para montar uma retranca. A ditadura totalitária chinesa promoveu duas Olimpíadas separadas por apenas 12 anos, passando quase incólume. A Rússia, sede da Copa de 2018, não restringe com menos fervor os direitos dos LGBT. Por que singularizar o Qatar?

João Gabriel de Lima* - Um romance que é como o Brasil

O Estado de S. Paulo

O Brasil independente tem 200 anos, e está na hora de encarar os fantasmas de nosso passado

A escritora Maria Firmina dos Reis nasceu em 1822, mesmo ano em que d. Pedro I deu o grito do Ipiranga. No ano em que se comemora o bicentenário da Independência de nosso país, vale ler o romance Úrsula, publicado pela primeira vez em 1859. Maria Firmina dos Reis é a autora homenageada na Festa Literária de Paraty, a Flip, que ocorre nesta semana na cidade histórica fluminense.

O romance Úrsula é um pouco como o Brasil. Aparentemente, trata-se de um folhetim sobre o amor impossível entre a personagem-título, que sofre nas mãos de um vilão cruel, e seu interesse romântico, o bacharel Tancredo. À medida que a história se desenrola, instalase um núcleo secundário, como nas tramas da televisão. O jovem Túlio, o atormentado Antero e a experiente Mãe Suzana aos poucos roubam a cena. Os três são negros escravizados. Irrompem em meio à fantasia romântica para mostrar a face real do Brasil do século 19.

Adriana Fernandes - Haddad e a escolha da reforma ‘do Appy’

O Estado de S. Paulo

Para aprovar a tributária, o governo precisa querer de fato apoio no Congresso

O mercado financeiro reagiu mal às declarações do petista Fernando Haddad no almoço anual da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Cotado para a cobiçada cadeira de ministro da Fazenda, Haddad, na avaliação dos operadores, não teria correspondido à expectativa em torno da PEC da Transição e um compromisso maior de responsabilidade fiscal.

É bem verdade que ele poderia ter falado as frases de efeito em torno do compromisso fiscal que tanto o mercado gosta para fazer e realizar suas apostas. Essas palavras poderiam ter sido ditas à exaustão que em nada mudariam a desconfiança do mercado com os compromissos de sustentabilidade da dívida pública num governo Lula.

Marcus Pestana - Sistema partidário: passado e futuro

Eu adoro a frase do ex-ministro da fazenda Pedro Malan que revela, com crueza e humor, a nossa vocação crônica para a instabilidade: “No Brasil, até o passado é imprevisível”.

E eu, aqui, em plena Copa do Mundo, falando de legado e aprendizado das eleições de 2022, quando uma parte minoritária de lideranças e da sociedade insisti em questionar os resultados do pleito e nosso sistema de votação e apuração, em guerra aberta contra o TSE, propondo um retrocesso inaceitável, quando as mesmas urnas eletrônicas é que determinaram a vitória de Bolsonaro em 2018, o crescimento da representação da direita no Congresso Nacional no primeiro turno e as eleições de governadores como Tarcísio, Cláudio Castro, Jorginho Mello e Zema.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É preciso ficar de olho nas nomeações finais de Bolsonaro

O Globo

No fim de governo, presidente usa caneta para distribuir agrados a aliados e tentar se proteger

O presidente Jair Bolsonaro ficou muito tempo isolado no Palácio da Alvorada depois de perder a eleição, mas isso não o impediu de tomar medidas para ajudar aliados que colocarão o novo governo diante de desagradáveis fatos consumados. Sem dar expediente no Planalto durante 20 dias, Bolsonaro usou a caneta para fazer nomeações cujo único sentido para quem está próximo a deixar o cargo é tentar se proteger de futuros problemas judiciais.

Entre elas, estão as do ministro da Secretaria de Governo, Célio Faria Junior, e do chefe de sua assessoria especial, João Henrique Nascimento de Freitas, para a integrar Comissão de Ética Pública, que trata de conflitos de interesse no primeiro escalão de governo. A comissão tem ainda outros cinco nomeados por Bolsonaro, todos com mandato de três anos. Não são submetidos à apreciação do Congresso e só podem ser substituídos por renúncia.

Poesia | Um Anjo - Machado de Assis com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Pablo Milanés - A Salvador Allende