quinta-feira, 28 de maio de 2020

Opinião do dia – Cármen Lúcia*

O Supremo Tribunal Federal é uma instituição democrática prevista na Constituição Federal do Brasil para a garantia dos princípios da República e dos direitos dos cidadãos. Nós juízes deste Supremo Tribunal exercemos nossas funções com dever cívico e funcional, sem parcialidade e com impessoalidade. Todas as pessoas submetem-se à Constituição e à lei no Estado Democrático de Direito. Juiz não cria lei, juiz limita-se a aplicá-la.

O Brasil tem, nos ministros deste Supremo Tribunal Federal, garantia permanente de que a Constituição do Brasil é e continuará a ser observada, e a democracia, assegurada. Os ministros honram a história desta instituição e comprometem-se, com todos os cidadãos, com todas as instituições, com o futuro da democracia brasileira. Por isso, agressões eventuais a juízes não enfraquecem o Direito.

*Cármen Lúcia, ministra do STF, é presidente da Segunda Turma do tribunal. O Globo, 27/5/2020.

Paulo Fabio Dantas Neto* - Uma mensagem sobre povo e democracia

Durante o tempo do isolamento social, tenho me ocupado em acompanhar, como posso, os ziguezagues da conjuntura crítica que atravessamos. Saio dessa labuta por um momento para, neste breve texto, compartilhar uma preocupação política adicional, que tem a ver não tanto com a rotina da política democrática, mas com a percepção social sobre ela.

Percebemos, ou supomos, o impacto da militância digital bolsonarista sobre essa percepção. Preocupa-me ainda mais, no entanto, a apropriação desse meio por profissionais do discurso antidemocrático. Noves fora os delírios ditatoriais ou fascistas e as meras ostentações de baixo calão, a versão mais sofisticada e virtualmente eficaz desse discurso é a que se apropria da ideia de democracia. Sofisticada, pois manipula o discurso da democracia direta, ou da democracia de alta intensidade, discursos críticos da democracia representativa e os faz de bumerangues, emulando a parte da esquerda que com eles simpatiza. Eficaz porque resume, numa narrativa simples, duas questões muito complexas: a da relação entre soberania popular e representação política e a da história da formação política do Brasil. Começarei pela segunda.

A fábula de que tudo no Brasil começou com o povo e as forças armadas: é preciso desmascarar essa farsa. E dizer não! No começo havia o estado, os senhores, as armas de ambos e uma população que não era povo. Com o tempo, o poder do Estado foi ficando maior que o dos senhores. Por que? Porque não se sustentou só na força. Para manter sua autoridade, sobre a população e os senhores, o estado precisou criar instituições. Foi através delas que a população do Brasil se tornou povo brasileiro. É essa História que querem desconstruir.

Merval Pereira - PGR à mercê da política

- O Globo

O Supremo, no momento, é que estabelece a maior barreira democrática para coibir os avanços autoritários do governo

O pedido extemporâneo do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para que seja suspenso o inquérito sobre fake news aberto há um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) só tem explicação no clima de tensão que dominou o Palácio do Planalto com a operação de ontem da Polícia Federal contra apoiadores do presidente Bolsonaro.

Sendo assim, o Procurador-Geral coloca o Ministério Público à mercê da disputa política que ora se desenvolve no país, prejudicando sua credibilidade. Suas idas e vindas sobre o tema, apontadas pelo partido político Rede, demonstram que ele se deixou levar pelas incertezas da política, sem emitir pareceres técnicos. De olho grande na vaga do STF que abrirá em novembro, dizem seus críticos.

A cronologia dos fatos é impressionante. Quando assumiu o cargo, Aras discordou de sua antecessora, Raquel Dodge, que, em abril do ano passado, declarou-se contrária à abertura do inquérito sem a presença do Ministério Público, e deferiu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo Rede no sentido de suspendê-lo.

O novo Procurador-Geral, em outubro, manifestou-se pela validade do inquérito, e classificou de imprestável a ADPF. Ontem, seis meses depois, o mesmo Aras mudou de ideia e pediu a suspensão do inquérito baseado na mesma ação do Rede.

Bernardo Mello Franco - A cloaca do bolsonarismo

- O Globo

A operação contra fake news abriu a tampa de um bueiro. Dele saltaram personagens da cloaca bolsonarista, que usa as redes para disseminar ódio e atacar instituições

O inquérito das fake news abriu a tampa de um bueiro. Dele saltaram milicianos virtuais, blogueiros pagos, vivandeiras de quartel e até um ex-mensaleiro. Personagens da cloaca bolsonarista, que usa as redes para disseminar ódio e atacar instituições.

A Polícia Federal dissecou o funcionamento de uma máquina de desinformação. Ela atua de forma coordenada, com disparos em massa, uso de robôs e impulsionamento de conteúdo. É uma estrutura profissional, que depende de apoio financeiro para gerar resultado.

Entre os alvos da operação, estão os empresários Luciano Hang, da Havan, e Edgard Corona, da SmartFit. Eles integram o Brasil 200, que se apresentava como um movimento liberal. Por trás da fachada reformista, estimulavam ataques a parlamentares, juízes e jornalistas.

O ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra dos sigilos da dupla desde julho de 2018. Seguindo o dinheiro, os policiais poderão esclarecer mistérios da eleição presidencial. As descobertas terão potencial para abastecer ações em curso no TSE.

Ascânio Seleme - Spy X Spy

- O Globo

A Polícia Federal é uma instituição do Estado brasileiro, não do chefe do executivo

Claro que cabe à Polícia Federal investigar malfeitos de governadores e outras autoridades estaduais, atendendo a determinação judicial. Também é da competência da PF abrir inquérito para apurar ataques contra membros do Supremo Tribunal Federal. As duas ações deflagradas ontem e antes de ontem são, portanto, absolutamente legais. Houve desvio de dinheiro público no Rio e a conduta do governador Wilson Witzel levanta suspeitas. Sobre as fake news contra o STF e seus ministros que infestam as redes sociais não resta qualquer dúvida, faltando apenas descobrir quem as financia, produz e dissemina.

As duas operações da Polícia Federal estão no meio de um redemoinho político. As ações de busca e apreensão feitas em endereços do governador Witzel, inclusive os dois palácios oficiais do governo, ocorrem pouco mais de um mês depois da intervenção do presidente Jair Bolsonaro na PF. Não que a polícia pudesse agir sozinha, mas ordens judiciais só existem porque são obtidas. Há elementos que corroboram a impressão de que houve uma incitação política no caso. Dois deputados bolsonaristas, Carla Zambelli e Anderson Moraes (ambos do PSL), deram declarações informando que haveria operação da PF antes de ela ocorrer.

Carlos Alberto Sardenberg - Imprensa marrom

- O Globo

Para o presidente Bolsonaro e seus seguidores, ou a imprensa é a favor ou é mentirosa, canalha, lixo e tantas outras ofensas

Antigamente, era mais fácil. Havia muita diversificação entre os veículos de imprensa, mas com uma divisão principal: os independentes e os chapa-branca. Aliás, esta última expressão é ela mesma do tempo antigo. Hoje, as autoridades circulam em carros com placas de bronze — evoluíram, não é mesmo? — ou com chapas frias. Sabem como é, o povo hoje sabe com quem está falando e muitas vezes não gosta.

Mas voltemos ao que interessa, a imprensa. Os veículos chapa-branca eram aqueles que só existiam para fazer propaganda e/ou defender os interesses do governo, de políticos, de igrejas e de negócios setoriais. Viviam de verbas públicas ou de dinheiro colocado pelo patrocinador.

A imprensa independente era aquela que vivia da notícia e, no caso da tevê, do entretenimento. Vivia no duplo sentido: tinha que ser reconhecida como tal pelo público (credibilidade) e tinha de ganhar dinheiro com venda em bancas, de assinaturas e de publicidade. A independência deveria ser editorial e econômica ao mesmo tempo.

Aqui, essa imprensa independente amadureceu ao longo da vida democrática pós-1985.

Míriam Leitão - O ajuste depois da dívida a 100%

- O Globo

Todo gasto extra será financiado por aumento da dívida, depois será preciso ter um plano de reequilíbrio das contas públicas

O dinheiro que o Banco Central passar para o Tesouro, da valorização das reservas, só poderá ser usado para pagar dívida pública, mas de qualquer maneira ajudará indiretamente no financiamento das despesas. O BC deve transferir perto de R$ 500 bilhões para o Tesouro, mas, como explicou um integrante da equipe econômica, “não há mágica. Todo aumento de gasto extra este ano será financiado por aumento da dívida”. Ou seja, mesmo com a valorização das reservas e o resultado positivo do Banco Central transferido ao Tesouro, quando o dinheiro for gasto a dívida ficará maior. A ajuda indireta ocorre porque recursos que seriam usados para pagar a dívida poderão ser utilizados para outras despesas.

O lucro do Banco Central foi resultado da valorização do dólar e, segundo o “Estadão” de terça-feira, a equipe econômica deve pedir a transferência do resultado do BC no primeiro semestre para os cofres do Tesouro. Confirmei que de fato ocorrerá, porém, como me foi explicado, “isso é fonte de financiamento mas não reduz dívida”.

É que na nova lei que definiu o relacionamento entre Banco Central e Tesouro, o Ministério da Economia pode requisitar o resultado positivo da valorização das reservas, desde que a transferência seja aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, em situações de restrição de liquidez para financiar despesa.

Ricardo Noblat - Bolsonaro ameaça o país com uma crise institucional

- Blog do Noblat | Veja 

Cerco à rede clandestina de Fake news
Há quase um mês, quando uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, o país foi dormir sob o risco de acordar em meio a uma crise institucional.

À época, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro avançaram pela madrugada reunidos com ele para demovê-lo do propósito de desrespeitar a ordem do ministro. Na manhã do dia 30, à saída do do Palácio da Alvorada, Bolsonaro contou ainda exaltado a devotos que o aclamavam:

– Tirar numa canetada, desautorizar o presidente da República… Quase tivemos uma crise institucional, quase, faltou pouco. Eu apelo a todos que respeitem a Constituição. Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não é essa forma de tratar o chefe do Executivo.

O risco de desatar uma crise institucional esteve nos cálculos feitos, ontem, por Bolsonaro depois de outra decisão do ministro que ele não está disposto a engolir – a de autorizar a operação da Polícia Federal contra suspeitos de alimentarem uma rede de distribuição de falsas notícias.

Pela manhã, visitou o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, que se recupera de uma cirurgia. Reclamou da nova decisão de Alexandre de Moraes. Depois, orientou Augusto Aras, Procurador-Geral da República, para que se manifestasse contra a operação policial.

À tarde, consultou a respeito os ministros militares que o cercam, e também o vice-presidente, e obteve o apoio deles para adotar uma postura de confronto com o Supremo. À noite, enquanto seu filho Eduardo falava que “o momento de ruptura” está próximo, Bolsonaro advertia no Twitter:

– Ver cidadãos de bem terem seus lares invadidos é um sinal que algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia. Estamos trabalhando para que se faça valer o direito à livre expressão em nosso país. Nenhuma violação desse princípio deve ser aceita passivamente!

José Serra* - Receita venezuelana

- O Estado de S.Paulo

A conduta política de Bolsonaro evidencia que ele está seguindo a cartilha bolivariana

Ninguém se torna ditador de um dia para o outro. Em primeiro lugar, precisa desacreditar o regime democrático e o sistema representativo. Depois de insuflar as massas insatisfeitas contra a democracia e os representantes eleitos, o líder populista procura demolir as instituições e tudo o mais que impõe limites entre a sua vontade e a submissão do povo ao seu desejo de poder absoluto, transmutado em mito. O terceiro passo é angariar recursos de poder, apoio financeiro de setores das classes dominantes, e armar seus seguidores. Tudo isso em nome da liberdade do povo, supostamente usurpada por autoridades legitimamente constituídas.

Jair Bolsonaro costuma citar a Venezuela como o perfil preferido de seus adversários dentro e fora do País. As evidências de sua conduta política mostram, entretanto, que ele está, ao contrário, seguindo a cartilha bolivariana com certa persistência.

É longa a transmutação de um líder político, eleito por voto popular, em figura mítica onipotente. Hugo Chávez, depois do fracasso de sua tentativa de golpe armado, deu um primeiro grande passo revogando a Constituição venezuelana e adotando uma Constituinte unilateral. Sua tarefa foi facilitada pelo boicote de uma oposição moderada muito fragmentada, a tal ponto que boicotou as eleições. Uma situação muito similar à que se observou entre nós quando, mesmo diante da radicalização política dos extremistas, as forças democráticas moderadas nem sequer tentaram se unir contra a ameaça comum.

Sergio Fausto* - Com democracia e bom governo detivemos a aids

- O Estado de S.Paulo

Essa memória não pode ser destruída, porque nos serve para enfrentar o desafio da covid-19

Uma das vigas-mestras da mitologia bolsonarista é a afirmação falsa de que, entre o fim do regime autoritário e a o atual governo, o País esteve entregue aos interesses mesquinhos da pequena política e à degeneração moral da sociedade. Bolsonaro seria o líder providencial com a missão de restabelecer o primado do interesse nacional, com maiúsculas, e dos valores tradicionais, protetores da vida.

Essa mitologia se esfarela a cada dia com a expansão de casos de covid-19 pelo território brasileiro e o crescimento do número de mortos. Em lugar de se guiar pelo interesse maior da sociedade, liderando um esforço nacional de combate aos efeitos sanitários e socioeconômicos da pandemia, o mito se dedica a agitar as suas hostes, em manifestações contra o Congresso e o STF, a proteger a si e aos seus com investidas contra a autonomia da Polícia Federal e a cerrar fileiras com a pequena política para preservar o seu mandato. Um espetáculo de desgoverno como nunca antes se viu na História deste país.

Tão importante quanto mostrar que o rei está nu é desconstruir a sistemática campanha de desmoralização do período de conquista e consolidação da democracia no Brasil. Nada mais oportuno do que comparar a politização descabida e a descoordenação da resposta à covid-19 com a construção da política pública de combate à aids, doença infecciosa que crescia velozmente no Brasil no final do século passado.

Não se trata de desconhecer as diferentes formas de transmissão e as distintas consequências para a saúde pública e a economia provocadas pelo HIV e pelo novo coronavírus, mas de destacar os fatores que levaram o Brasil a se tornar um exemplo mundial de sucesso no combate à aids. Essa memória não pode ser destruída, pois nos serve para enfrentar o desafio atual.

William Waack - Para onde levam os inquéritos

- O Estado de S.Paulo

Onde hoje mora o perigo para Bolsonaro não é no Congresso, é no STF

Onde hoje mora o perigo para Bolsonaro não é no Congresso, é no STF. E não é no inquérito que resultou das acusações do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro ao sair do governo. É no inquérito das fake news, também no Supremo, que começou há mais de um ano atirando nos “procuradores de Curitiba” como principais suspeitos de articulações contra o STF e acabou acertando no esquema bolsonarista de pressão e propaganda que, suspeita-se, é articulado em parte desde o Palácio do Planalto.

Não cabe aqui discutir todos os aspectos jurídicos relacionados ao inquérito, que começou impondo censura a órgãos de imprensa (logo derrubada), corre em sigilo e transforma o STF em investigador e juiz ao mesmo tempo. Integrantes da corte acham que o tal inquérito virou uma metralhadora giratória nas mãos do ministro Alexandre de Moraes – o mesmo se ouve na PGR, que foi contra, depois a favor, e agora contra de novo, mas são coisas que ninguém admite em público.

Em outras palavras, o mundo correto jurídico acha o inquérito abominável, porém ainda mais abominável o que representam as redes bolsonaristas. Uma vez que essa ação dirigida pelo Supremo tem como alvo quem se organizou para destruir a institucionalidade, o inquérito é amplo o suficiente para, eventualmente, levar a uma acusação política grave, além de criminal contra seus alvos. Difícil de calcular são as consequências do tipo de ambiente que provoca.

Os alvos da vez são personalidades das redes bolsonaristas, empresários amigos do presidente e parlamentares que o apoiam. Na lista figura também um ministro, o da Educação, que deverá ser ouvido pelo que disse na já célebre reunião ministerial do dia 22 de abril não no inquérito relacionado a Moro, mas no inquérito das... fake news contra o Supremo. No Legislativo o mesmo inquérito do Supremo reforça uma CPMI para apurar... fake news nas eleições.

Zeina Latif* - Responsabilidade fiscal para todos

- O Estado de S. Paulo

As regras atuais disciplinam a ação do Executivo, mas nem tanto a dos demais poderes

Prover estabilidade macroeconômica – inflação controlada, taxa de juros básica baixa, câmbio menos volátil e, assim, ciclo econômico mais suave – é responsabilidade da União. Não é tarefa simples pois, por um lado, a sociedade pune presidentes que geram instabilidade, mas, por outro, demanda gastos públicos enquanto desconhece o quanto a estabilidade depende da disciplina fiscal.

Decisões tomadas pelos demais Poderes aumentam o fardo da União. Despesas são criadas e receitas suprimidas pelo Judiciário e Legislativo, sem qualquer ônus aos mesmos. Na bondade com o chapéu alheio, a corda acaba estourando no Executivo, sendo que o desrespeito às regras que regem o orçamento federal – regra de ouro, Lei de Responsabilidade Fiscal e regra do teto – é passível de enquadramento como crime fiscal, ameaçando o mandato presidencial.

Um passo foi dado em 2016 para, ao menos, reforçar a disciplina fiscal desses poderes. A partir de 2020, Judiciário, Legislativo, Ministério Público e Defensoria Pública terão de se enquadrar na regra do teto. Seus gastos não poderão crescer além da inflação. No caso de descumprimento, o órgão não poderá conceder vantagem, aumento e reajuste de remuneração de seus membros e servidores.

Outra inovação veio na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018, que estabeleceu que “proposições legislativas e as suas emendas (...) que, direta ou indiretamente, importem ou autorizem diminuição de receita ou aumento de despesa da União, deverão estar acompanhadas de estimativas desses efeitos”.

Cristian Klein - O risco do novo pretorianismo

- Valor Econômico

Falta modernidade a militarismo do governo Bolsonaro

Quanto menos popular, mais um governo tende a recorrer à força e a aparelhos de repressão do Estado. É assim numa ditadura. Pode ser assim numa democracia que vai sendo paulatinamente desgastada, erodida, envergonhada, como a brasileira. Esse é o assunto do momento, em que o país se vê perplexo com a tentativa de controle do Planalto sobre a Polícia Federal e as renovadas pressões das Forças Armadas sobre o sistema político. O Executivo ataca, o Supremo Tribunal Federal (STF) busca reagir - como na operação desta quarta-feira que acossou a suposta associação criminosa que dissemina “fakenews” - e o fragmentado Congresso leva tudo no banho-maria. Mas antes há o quadro geral.

Eleito pelo voto da maioria, Jair Bolsonaro não a tem mais. Os simpatizantes que consegue mobilizar nas manifestações dominicais em frente ao Planalto expõem um pequeno rebanho, embora cada vez mais radical, já denominado pelo decano do Supremo, Celso de Mello, de “bolsonaristas fascistóides”.

Pesquisas indicam queda de popularidade e aumento de rejeição após a resposta dada à pandemia do novo coronavírus. Sem qualquer coordenação nacional para enfrentar a crise, o Brasil se tornou, com o descaso propagado por Bolsonaro, o novo epicentro de disseminação e de mortes pela covid-19, que já ceifou mais de 25 mil vidas.

Com o sexto maior número de habitantes do planeta, o país avança em ritmo acelerado para alcançar o segundo lugar no ranking de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos, que têm população 55% superior. Ou seja, seremos o “campeão imoral” da pandemia.

Ribamar Oliveira - Governo avalia adiar tributos em junho

- Valor Econômico

Queda da receita deve superar R$ 220 bi neste ano

A área técnica do governo avalia a possibilidade de adiar o pagamento da Cofins, do PIS/Pasep e da contribuição patronal à Previdência, referente a junho, repetindo o que foi feito com os pagamentos dessas contribuições devidas em abril e maio.

Embora haja bons argumentos técnicos favoráveis à medida, pois a economia na maioria dos Estados ainda não foi reaberta, e as empresas estão com grande dificuldade de liquidez, não há decisão política sobre o assunto. Ela terá que ocorrer até o início do próximo mês, pois, se favorável ao adiamento, os contribuintes terão que ser avisados com alguma antecedência.

O assunto não é simples, pois, se a postergação do pagamento for adotada, envolverá forte queda da receita da União em junho. A estimativa feita pelo governo e que consta do relatório de avaliação de receitas e despesas do segundo bimestre deste ano foi que, somente com o adiamento do pagamento da Cofins e do PIS/Pasep em abril e maio, a receita cairá R$ 30,2 bilhões, na comparação com o estimado.

José Eli da Veiga* - O drama da sustentabilidade

- Valor Econômico

Sociedades civis devem pressionar para que a sustentabilidade deixe de ser um acessório, ou mero enfeite

A pandemia talvez comporte algum incentivo a que se evite manter debaixo do tapete a maior das dúvidas do século XXI: se os atuais padrões socioeconômicos poderão continuar a coexistir com a biosfera. Não foi por outra razão que emergiu, há quase trinta anos, o novo valor que é a sustentabilidade.

Todavia, o mais provável é que as instâncias de governança global mais graúdas - como o G-20 ou a Assembleia Geral da ONU - continuem a agir sem realmente levar a sério a grande dúvida do século. Pois os agentes que as influenciam tendem a ser os últimos da fila entre os que chegam a se sensibilizar com este tipo de aflição.
Além disto, não há motivo para qualquer otimismo em contexto mundial ultrabipolar, espécie de segunda Guerra Fria, em que os governos dos EUA e da China disputam outro gênero de pioneirismo.

Para ambos, a transição energética das fósseis às renováveis é muito menos relevante que a nova corrida para a Lua, por exemplo. Circunstância em que iniciativas nos âmbitos das grandes convenções internacionais dos anos 1990 - principalmente as do clima e da biodiversidade - têm reles interesse se comparadas aos seus atritos diplomáticos na OMC ou na OMS.

Roberto Dias - Uma ofensiva real

- Folha de S. Paulo

Movimento com diferentes frentes em escala inédita é bem-vindo, mas carrega problemas

O esgoto das fake news enfim ganhou a atenção devida. Neste mês, abriram-se diferentes frentes para combater as mentiras na rede, em ataque descoordenado e de escala inédita. O movimento é ótimo —e problemático.

No Brasil, o principal lance veio do inquérito pilotado por Alexandre de Moraes no STF. A investigação tem raízes questionáveis, mas mira agora um alvo real: a rede que fomenta mentiras em favor do bolsonarismo.

As ações desse ninho foram expostas pela Folha em 2018. Não foi suficiente para que a Justiça Eleitoral investigasse de verdade.

A ofensiva do STF corrige parcialmente a lacuna. Mas não o faz sem atropelos. Um exemplo é o do ex-deputado Roberto Jefferson. Se ele comete crimes ao se expressar, deve ser julgado por isso. Bloquear suas redes não passa de censura. Esse mesmo inquérito, vale lembrar, censurou a revista Crusoé por publicar uma decisão judicial. Os conceitos de fake news no STF são preocupantes.

Bruno Boghossian – O Supremo bate à porta

- Folha de S. Paulo

Nascido sob o signo do arbítrio, inquérito se aproxima de assessores e da família do presidente

O país já viu até onde Jair Bolsonaro é capaz de chegar para defender seus filhos e aliados. Há um mês, ele atropelou o ministro mais popular do governo e detonou uma crise em nome dessa proteção. Agora, o cerco montado contra seu grupo político no inquérito das fake news provoca uma escalada do conflito entre o presidente e o STF.

Os efeitos da controversa operação realizada nesta quarta-feira (27) podem ser calculados a partir dos elementos que se aproximam, cada vez mais, do Palácio do Planalto e dos escritórios da primeira-família.

Um dos pontos surge de passagem na decisão que autorizou buscas contra militantes acusados de atacar autoridades. Ao se referir ao chamado "gabinete do ódio", Alexandre de Moraes transcreve um depoimento que cita três assessores presidenciais que seriam responsáveis pela distribuição de notícias falsas.

Mariliz Pereira Jorge - Ditadura no lombo dos outros

- Folha de S. Paulo

Dizem que não aceitarão uma ditadura de toga, mas uma militar está de buenas

Ditadura no lombo dos outros é refresco. Resumo da reação bolsonarista à operação que apreendeu computadores e celulares de blogueiros, empresários e parlamentares da extrema direita. A cara de pau não fica nem vermelha quando recorrem a princípios democráticos para defender sua agenda golpista.

Dizem que não aceitarão uma ditadura de toga, mas uma militar está de buenas, visto que não arredam o pé da Esplanada, com pedidos de intervenção, de golpe, de prisão de todos que enxergam como inimigos.

O sonho do "cabo e o soldado".

Os mesmíssimos que aplaudiram a devassa de Wilson Witzel posam de indignados diante do mesmo expediente contra seus aliados. Dizem que a ação desta quarta (27) é ilegal (pode ser que seja) e, adivinhe, inconstitucional, referindo-se àquela Constituição que gostariam de reescrever.

Alegam que esse é mais um capítulo de um golpe em curso para impichar Bolsonaro, um presidente "democraticamente" eleito, mas adorariam derrubar parlamentares que chegaram a seus cargos da mesma forma.

Maria Hermínia Tavares* - Tanto pior para o país

- Folha de S. Paulo

É necessário organizar a economia em bases ambientalmente sustentáveis

Os grandes jornais brasileiros publicaram nesta terça (26) manifesto de página inteira assinado por 81 organizações sindicais do empresariado. Com o título “No meio ambiente, a burocracia também devasta”, mesmo os poucos signatários com algum compromisso com medidas ambientalmente sustentáveis terminam por dar pleno apoio às ações do Ministério do Meio Ambiente.

O texto ambíguo acaba sendo um endosso mal disfarçado à proposta vocalizada pelo seu titular, Ricardo Salles, durante a espantosa reunião ministerial de 22 de abril. A certa altura, como se viu, ele propôs aproveitar o momento em que as atenções da imprensa e da opinião pública estão voltadas para o enfrentamento da Covid-19 a fim de passar “a boiada”, de modo a acabar de vez com o que resta das normas de proteção ambiental atropeladas na sua gestão.

Tomado por seu valor de face, o argumento de que a regulação ambiental trava o desenvolvimento já foi enunciado inumeráveis vezes. Agora, repete, com estudada ambiguidade e linguagem fluente, a visão antediluviana que recheia a retórica e preside as ações do governo Bolsonaro na matéria e afirma a incompatibilidade entre respeito ao meio ambiente e progresso econômico.

Fernando Schüler* - A democracia e o direito às ideais erradas

- Folha de S. Paulo

Acordo sobre opiniões nunca foi uma tarefa simples nas sociedades abertas

"Instituições não são a democracia", diz o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, em um tuíte, semanas atrás. O deputado segue fazendo considerações sobre o sentido da democracia ("é a vontade popular") e termina com uma afirmação: "Quem tem atacado tanto o Estado de Direito quanto a vontade popular é o STF".

A frase acima consta no despacho do ministro Alexandre de Moraes como exemplo de mensagens ilícitas ou fraudulentas (as expressões poderiam variar aqui: falsas, odiosas, agressivas) que justificam a operação policial realizada na quarta, no inquérito das fake news.

Outra mensagem diz simplesmente: "Doria e STF trabalhando em conjunto para matar o povo de fome". Essa não sei de quem é, o que é irrelevante. Há milhares de frases como essa, todos os dias, na internet. Aliás, há pouco mais de 30 anos, quando comecei a prestar atenção à política, escuto gente atribuindo a fome ou a miséria a esta ou àquela autoridade.

Outra mensagem parece mais globalizada: "Fui treinada na Ucrânia e digo: chegou a hora de ucranizar!". Sabe-se lá o que a frasista queria dizer com isso. Imagino que tenha a ver com a defesa de algum tipo de iliberalismo. Mas é só um palpite.

Há frases bem sem gracinha, do tipo "a maioria dos juízes nunca foi juiz", e, pasmem, "não querem se reformar". Há frases mais pesadas. Palavrões, que me permito não citar aqui, e bobagens, em regra mal escritas e de gosto duvidoso.

Discordo de todas aquelas frases e, ao contrário daquelas pessoas, tenho a Suprema Corte brasileira em alta conta. Dias atrás elogiei o ministro Celso de Mello pela sua recusa em proibir uma passeata exprimindo precisamente o tipo de ideias que as tais mensagens expressam.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Operação da PF testa ingerências de Bolsonaro – Editorial | O Globo

Ação contra porões bolsonaristas serve para aferir ação do Planalto na Polícia e na Procuradoria-Geral

Deve ser por mera coincidência que ontem, no dia seguinte ao da operação lançada pela Polícia Federal contra o governador fluminense Wilson Witzel e a primeira-dama do estado, Helena, entre outros, em investigações sobre corrupção nos gastos do governo para o enfrentamento da Covid-19, também agentes da PF tenham ido às ruas para cumprir mandados de busca e apreensão no inquérito sobre a ação subterrânea de bolsonaristas na produção de fake news contra adversários políticos e a favor da volta da ditadura militar, com todos os conhecidos e tenebrosos desdobramentos.

Na primeira, o Planalto comemorou; na segunda operação, houve mal-estar palaciano, cara amarrada de presidente e sintomáticas reações negativas de personagens como Carlos Bolsonaro, o filho vereador, ligado, diz-se, a esses porões onde se abrigaria o “gabinete do ódio”, instalado no próprio Planalto e no qual seriam engatilhados arsenais de fake news.

Este inquérito, na verdade, teve um início polêmico: foi instaurado por decisão do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, sem ouvir o Ministério Público, nomeando Moraes para presidi-lo. As investigações foram justificadas pela necessidade de se descobrir a origem de calúnias, injúrias e difamações de ministros e da Corte espalhadas em redes sociais, e dos financiadores da operação. É caro espalhar mentiras. Houve críticas à iniciativa de Toffoli entre os próprios ministros. E quando o inquérito serviu para censurar a revista digital “Crusoé”, um ato, este sim, contra a Constituição, as críticas aumentaram.

Música | Adoniran Barbosa - Despejo na Favela

Poesia | Vinicius de Moraes - Pátria minha (vídeo)