quinta-feira, 22 de abril de 2021

Eugênio Bucci* - O golpe em gerúndio

- O Estado de S. Paulo

A democracia neste cemitério chamado Brasil já está em pleno desmanche

Uns dizem que o presidente da República é tão despreparado, tão destrambelhado, tão desmiolado e tão desqualificado que não consegue organizar nem mesmo uma quartelada. Dizem que, por aqui, não virá golpe de Estado nenhum. Chance zero. Despreocupados, até reconhecem que o Palácio do Planalto nutre seus delírios com rupturas institucionais, mas desprezam categoricamente a hipótese. Asseguram que não há competência instalada para tanto. Quem planejaria um golpe?, perguntam. Quem montaria a estratégia? O Pazuello? Dão risada. Aparentando segurança e calma, estão certos de que as instituições resistirão até 2022 e o presidente, esse tal que segue no posto, será derrotado nas urnas. Falar em impeachment agora é perda de tempo, desperdício de energia.

Esses uns não são poucos. Gente graúda da oposição está com eles. Esses uns, na verdade, são uns e outros. Dão as cartas. Não há muito que se possa fazer. Só nos resta torcer para que uns e outros estejam certos. Tomara que o avião aguente. No mais, ainda é possível bater panelas, além de levantar o dedo e balbuciar “veja bem”. É disso que trata este artigo: veja bem.

Talvez seja verdade que não virá nenhum golpe de arromba por aí. Oxalá seja verdade. Talvez não nos espere, no calendário próximo, um golpe desses que se deixam fotografar, com tanques de guerra fechando a Rua da Consolação e caças dando rasante na capital federal. Por outro lado, veja bem, é ainda mais verdade que vem vindo, já faz um tempo, um golpe menos espetaculoso, um golpe em processo, um golpe por antecipação, um golpe de cada dia que nos dão hoje, assim como nos deram ontem e anteontem. Enquanto o golpe retumbante não chega, outro golpe vai se adensando, vai se alastrando, vai nos consumindo – em surdo gerúndio.

William Waack - Sem projeto e sem maioria

- O Estado de S. Paulo

Preso a conspirações fantasmagóricas, Bolsonaro aumenta número de inimigos

O novo ministro da Defesa é um general que passou os últimos dois anos pelos gabinetes e corredores do lugar mais estranho do Brasil: o Palácio do Planalto. É o hábitat de seres vivos que, por sua vez, são dominados por fantasmas criados por eles mesmos. Por vezes parece efeito da ingestão de algum bagulho muito doido.

O general discursou com o jeito de quem não sabe qual é a “punchline” de um texto escrito a muitas mãos. Mas, ao exigir que se “respeite o projeto escolhido pela maioria”, o novo ministro da Defesa repetiu a confusão fundamental dos fantasmas que habitam cabeças no palácio. O verdadeiro respeito devido é à Constituição, à qual tem de estar subordinado qualquer projeto de qualquer maioria. 

Talvez por ter sido assessor do presidente do Judiciário, seu antecessor no cargo não se arriscou a insinuar em público o que o novo ministro da Defesa disse de maneira mal disfarçada: que o STF é a causa de desequilíbrio entre os poderes. De fato, é impossível fugir à constatação da judicialização da política e da politização do STF, mas o fantasma que falou pela boca do general abordava outro aspecto.

José Serra* - Flexibilizando patentes na pandemia

- O Estado de S. Paulo

O abuso econômico das patentes deve ser encarado como questão de Estado

O Senado Federal vem discutindo, acertadamente, medidas que alteram a Lei de Propriedade Industrial na direção de uma nova agenda global. Pretende-se promover maior escala de vacinação para enfrentar o novo coronavírus a partir da flexibilização dos direitos de patentes. Trata-se de uma decisão relevante, pois os países em desenvolvimento vêm encontrando dificuldades no acesso às vacinas, ficando mais vulneráveis a novas ondas de contágio da doença. E não apenas esses países, mas também a economia global.

Na Organização Mundial do Comércio (OMC), África do Sul e Índia lideram uma agenda que busca flexibilizar regras sobre patentes previstas em acordos internacionais, com o objetivo de promover a vacinação em países não desenvolvidos. Ex-chefes de Estado enviaram recentemente uma carta ao presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, em apoio a essa demanda. Na carta os signatários manifestam sua preocupação com o monopólio da tecnologia das vacinas durante a pandemia. Nota-se que economistas renomados – com Prêmio Nobel – também assinaram o documento encaminhado ao presidente norte-americano.

Adriana Fernandes – Pontes ambientais fora de Brasília

- O Estado de S. Paulo

'Boiada' de Bolsonaro e Salles deu protagonismo a governadores na política ambiental

A política antiambiental do governo Jair Bolsonaro, liderada pelo ministro do Meio AmbienteRicardo Salles, arrastou o Brasil para o isolamento no cenário internacional, mas acabou servindo para fortalecer as pontes e o canal direto de diálogo dos Estados e municípios com os financiadores internacionais. A turma lá de fora, que tem o dinheiro na mão, e quer apostar em projetos de desenvolvimento sustentável e locais, via governos locais e agências de fomento regionais.

Esse movimento de articulação já estava em gestação antes de Bolsonaro, mas cresceu muito nos últimos dois anos no Brasil, no vácuo deixado pelo governo federal, que preferiu ignorar todos os alertas do prejuízo para a imagem do País e a economia do desmonte da política ambiental.

Bolsonaro e Salles, ao contrário, insistiram no plano de passar a “boiada” na legislação ambiental e, agora, com a troca de presidente dos Estados Unidos tentam contornar o prejuízo ao buscar dinheiro internacional para o combate ao desmatamento.

Celso Ming - O pária e a cúpula do Clima

- O Estado de S. Paulo

Política ambiental desastrosa do governo Bolsonaro é alvo de críticas e pode produzir efeitos negativos para o País

O presidente Jair Bolsonaro comparece na condição de presidente de um país pária do clima à Cúpula de Líderes sobre o Meio Ambiente convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que vai reunir líderes mundiais. Depende exclusivamente de Bolsonaro deixar essa condição e reconduzir o Brasil à linha de frente no combate ao desmatamento ilegal e à redução das emissões de dióxido de carbono (CO2), responsável pelo efeito estufa.  

O encontro virtual será realizado nestas quinta e sexta-feira e terá por objetivo a preparação da 26ª Conferência das Partes sobre a Mudança Climática, a ser realizada em Glasgow, em novembro deste ano, com o objetivo de atualizar o Acordo de Paris, de 2015.

Vinicius Torres Freire - Os testes das mentiras de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Não será fácil ocultar realidade no preço da comida, no ambiente e do Orçamento

As mentiras de Jair Bolsonaro sobre a epidemia de Covid-19 até aqui foram de algum modo toleradas por cerca de 30% do eleitorado, que considera o desempenho do presidente “ótimo” ou “bom”. A inflação anual da comida passou de 20%, a maior desde 2003, mas a carestia também parece não ter abalado o ânimo daqueles 30%. Mesmo em assuntos de vida e morte, a realidade dura não afeta o prestígio de Bolsonaro para 3 de cada 10 brasileiros adultos ou algo assim.

Haverá em breve mais testes, o que em outro ambiente mental ou político seriam choques de realidade: inflação persistente, desastre ambiental, penúria e rolos derivados da gambiarra do Orçamento, a CPI e o meio milhão de mortos. Bolsonaro ainda vai passar com nota 30%?

Maria Hermínia Tavares* - Só promessas, nem pensar

- Folha de S. Paulo

Se depender do ex-capitão, os compromissos serão menos palpáveis do que a fumaça das queimadas

Sob pressão, o governo mudou o discurso. O mesmo mandatário que, em 2019, afirmou ser a questão ambiental de interesse exclusivo de "veganos que só comem vegetais" [sic], escreveu ao homólogo Joe Biden dizendo-se disposto a eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Colaborou na redação o assim chamado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, unha e carne dos madeireiros que namoram a ilegalidade, com os quais, por sinal, confraternizou logo depois de terem organizado violenta manifestação contra o Ibama.

Em dois anos e tanto de mandato, o negacionista da mudança climática disparou uma enxurrada de medidas que enfraqueceram os organismos e instrumentos de monitoramento, controle e penalização de crimes ambientais. Ibama, Inpe, CNBio, Funai, todos perderam lideranças, quadros e recursos financeiros, enquanto as multas despencaram vertiginosamente.

Estudos mostram que acordos internacionais —de variada natureza— podem ser instrumentos aptos a induzir governos a fazer a coisa certa: sempre e quando logrem impor condições aos participantes, estabelecer mecanismos que estimulem o seu cumprimento e tornem crível a ameaça de punição aos transgressores. Ou seja, quando são capazes de criar os chamados mecanismos de trancamento (lock in), facilitando o respeito aos compromissos negociados e sua defesa diante dos opositores domésticos.

Bruno Boghossian - Conversa para boiada dormir

- Folha de S. Paulo

Presidente é visto com desconfiança porque se orgulha de sua agenda antiambiental

Numa tarde de quarta-feira, Jair Bolsonaro enviou ao americano Joe Biden uma carta em que o Brasil se comprometia a acabar com o desmatamento ilegal até 2030. À noite, a Polícia Federal acusou o ministro do Meio Ambiente de dificultar uma operação contra a extração ilegal de madeira na Amazônia. No dia seguinte, o delegado que fez aquela investigação foi demitido.

Bolsonaro tenta convencer o mundo de que tem algum apreço pela preservação ambiental. Enquanto isso, ele mantém dentro de casa seu projeto para facilitar a devastação. O presidente pode até levar à Cúpula de Líderes sobre o Clima um discurso para tentar amenizar sua imagem de vilão internacional, mas o que se pode esperar é uma conversa para uma boiada inteira dormir.

Gabriela Prioli - Disfarçando a passagem da boiada

- Folha de S. Paulo

O risco do discurso sem prática

Era abril de 2020 quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu "passar a boiada" e mudar regras ambientais enquanto a atenção da mídia e da população estava voltada para a Covid-19. Manter o descontrole da pandemia, por esse raciocínio, parecia ser bom negócio para o nosso desgoverno --no meio da gritaria, ninguém ouve os segredos ditos pelos cantos.

Se, no ano passado, o contexto internacional favorecia os arroubos de Bolsonaro, o mundo mudou. E não mudou só no Brasil, onde a CPI da Covid, ao enfraquecer Bolsonaro, aumenta o preço do centrão: o novo presidente americano, Joe Biden, fez da questão ambiental uma de suas principais plataformas. A preocupação é, em especial, com o Brasil. Poucos países foram citados nos debates presidenciais nos EUA.

Mariliz Pereira Jorge - Bolsonaro é a raposa

- Folha de S. Paulo

Não adianta tirar Salles se Bolsonaro vive com a boca cheia de penas

Jair Bolsonaro, que não tem o dom da oratória, terá que se esforçar ao discursar na Cúpula de Líderes sobre o Clima, na tentativa de provar que o governo brasileiro não está destruindo o próprio quintal. O presidente apresentará um plano cheio de nomes bonitos, como "zoneamento ecológico e econômico", "comando e controle", "regularização fundiária", "promoção da bioeconomia".

Na prática, a agenda do dia é acabar com o Ibama e o ICMBio e substituí-los pelo que já vem sendo chamado de "milícia ambiental", permitir que reservas possam ser exploradas pela iniciativa privada, travar as demarcações de terras indígenas, derrubar árvores, transformar a floresta em pasto e deixar passar a boiada. É a festa do gado.

Maria Cristina Fernandes - Mentiroso e cínico

- Valor Econômico

Se falhar na Cúpula do Clima, Bolsonaro se vitimizará com floresta e vacina

A quem interessar possa na turma de censores da Lei de Segurança Nacional, ele tem 84 anos, uma única dose da vacina da AstraZeneca e usa os dois atributos para definir a participação do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula de Líderes sobre o Clima.

Ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) e ex-ministro do Meio Ambiente, Rubens Ricupero até aceita que o estrago poderia ser maior se Ernesto Araújo ainda fosse o chanceler. Não acredita, porém, que a mudança no tom convença o mundo na conferência virtual promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a partir de hoje.

Para sustentar a primeira de suas adjetivações, Ricupero baseia-se na análise, feita pelo “Observatório do Clima”, da carta enviada pelo presidente Jair Bolsonaro para Biden. O aludido compromisso brasileiro com o combate à mudança do clima e com o desenvolvimento sustentável é desmontado em duas tacadas:

O desmatamento na Amazônia teve a maior elevação percentual do século em 2019 (34,5%) e, em 2020 o Brasil liderou, mais uma vez, a destruição de florestas primárias do mundo. É esse desmatamento, mais do que o uso de combustíveis fósseis, que leva o país a ter a quinta maior participação mundial para o efeito estufa;

A exemplo do que aconteceu no Orçamento, a nova proposta de redução na emissão de gases está baseada numa pedalada. O governo elevou o nível de emissões de 2005 em 700 milhões de toneladas para que possa atingir a meta de 43% de redução em 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de gás carbônico a mais do que havia prometido.

Fabio Graner - Seguros e omissões no PLDO do ano eleitoral

- Valor Econômico

LDO-2022 não trata sobre o cenário de pandemia continuar

Escaldado pela terrível experiência do Orçamento de 2021, o governo enviou o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 (PLDO) com uma série de regras para facilitar a execução dos gastos públicos, caso o Congresso não aprove a peça orçamentária do ano eleitoral. Acendeu-se, assim, a luz amarela se o texto teria um viés eleitoreiro, ao permitir, por exemplo, a execução de investimentos, mesmo sem Orçamento aprovado.

Experientes observadores do tema ouvidos pelo Valor apontam, porém, que os mecanismos teriam de fato um viés de precaução da área técnica e não qualquer outra motivação. E consideram que a repetição do vexame ocorrido neste ano é improvável, justamente por causa das eleições.

Uma dessas fontes, que por muito tempo esteve no governo, mostrou levantamento com as datas de sanções dos orçamentos desde 2002. Em anos de eleição geral, apenas em 2006 o Orçamento se arrastou por tanto tempo além do prazo normal, sendo assinado pelo presidente em maio daquele ano.

Além disso, apontam os especialistas, a regra de impositividade das emendas parlamentares reforçaria a tendência favorável à aprovação dentro do prazo (dezembro), dado que deputados e senadores querem entrar o ano já executando suas ações. Por isso, acreditam, o Orçamento de 2022 será aprovado ainda em 2021.

Pandemia pode tirar Bolsonaro do 2º turno, diz Kassab

Presidente nacional do PSD é entusiasta de pré-candidaturas à Presidência de Luiza Trajano e Rodrigo Pacheco

Por Mônica Scaramuzzo e André Guilherme Vieira / Valor Econômico

 São Paulo -  Fundador e presidente do PSD, um dos partidos que integram o Centrão e sustentam o atual governo, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab acredita que a pandemia da covid-19 e o cenário econômico negativo - com desemprego e pressão inflacionária - poderão deixar Jair Bolsonaro de fora do segundo turno da eleição presidencial de 2022.

Kassab considera Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), “bons nomes” como potenciais candidatos da terceira via à Presidência. “São hoje os dois nomes que são as grandes novidades que estão sendo levados em consideração”, afirma. “Dos que estão sendo ventilados como novidades do centro, eles devem ser observados”, diz.

“Quando surgiu o nome da Luiza Trajano, ela rapidamente ocupou esse espaço [como possível candidata de centro] e ela é qualificada mesmo, embora negue essa intenção [de concorrer]”, afirma o ex-prefeito. “O presidente do Senado, mais recentemente, com a visibilidade que está tendo, também ocupou espaço e é visto como bom nome”.

Kassab diz que “faz tempo” que não fala com Luiza Trajano e que não conversou de forma assertiva com Pacheco sobre eventual candidatura dele - apesar de deixar nas entrelinhas que o tema está sendo debatido nos bastidores.

“Não, até porque ele tem dito que não é candidato. Mas quando uma pessoa tem um cargo público de relevância, chefe de Poder, e se surge uma convicção generalizada de que é o melhor nome, uma pessoa como ele não tem o direito de falar não mediante um chamamento. Mas, nesse momento, eu respeito a sua vontade”.

Entrevista | João Doria: “O Brasil é maior do que Bolsonaro e Lula”

Governador de São Paulo confirma que disputará prévias para candidatura presidencial do PSDB

Por César Felício e Cristiano Romero / Valor Econômico

Brasília e São Paulo - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), já definiu o que quer em 2022 e sua estratégia para chegar onde deseja. Redobrará a aposta no projeto de candidatura presidencial, deixando o governo estadual para ser disputado pelo vice-governador Rodrigo Garcia (DEM), preferencialmente filiado ao PSDB. A decisão sobre a migração deve ser tomada por Garcia nas próximas semanas, acredita Doria. Ao ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) estaria reservada a vaga ao Senado ou o papel de puxador de votos para a Câmara, a depender do senador José Serra (PSDB-SP) concorrer ou não a um novo mandato.

Como candidato a presidente, Doria almeja congregar o máximo possível das forças que transitam na faixa do centro, em um arco que vai de Ciro Gomes (PDT) a João Amoêdo (Novo), passando por Luiz Henrique Mandetta (DEM), Luciano Huck, Sergio Moro e o correligionário Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Ele pensa que há “uma avenida democrática” para transitar entre os dois extremos da eleição, o da direita, representado pelo presidente Jair Bolsonaro, e o da esquerda, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Voltar ao passado para garantir a melhor opção para o futuro [...] é a própria falência da democracia”

Aos dois ele não economiza críticas. A Bolsonaro, pela condução da pandemia, define como um “psicopata” e pede a avaliação de uma junta médica. Com Lula, Doria evita ataques no plano pessoal. Diz que um retorno do petista ao poder representaria mais quatro anos de enfrentamento permanente e o fracasso da política e da sociedade em construir uma saída para a crise.

No calendário sonhado por Doria, o debate sobre 2022 esquenta só no fim do ano, quando a pandemia já pode ter se arrefecido com o avanço da vacinação e o PSDB deve fazer prévias para a definição de um pré-candidato. Ele desdenha do fato de ter ínfimos percentuais de intenção de voto em todas as pesquisas eleitorais já realizadas. Cita como precedente a sua largada baixa em 2016, quando se lançou à prefeitura de São Paulo com a apenas 1% nos levantamentos. Ele ganhou com maioria absoluta. O governador falou de seus planos em 40 minutos de conversa com o Valor. Eis os trechos mais importantes da entrevista:

“Rodrigo Garcia tem sido excepcional [...] nossa expectativa é que ele seja um candidato competitivo”

Valor: Como o senhor analisa o momento atual da pandemia?

Doria: O momento é difícil, de muita cautela, embora tenhamos nas duas últimas semanas obtido melhores resultados em relação à ocupação de leitos primários e de leitos de UTI, o que permitiu sairmos da fase emergencial. Mas ainda a covid exige cuidado e atenção.

Valor: No início da crise o senhor imaginava que o país fosse se tornar o epicentro da epidemia mais grave em 100 anos, como chegou a ser?

Doria: Já se prenunciava uma crise mais grave quando o presidente Jair Bolsonaro, diante do agravamento da pandemia, dizia que era um resfriadozinho uma gripezinha, algo não importante. Vários ministros dele diziam em março do ano passado que não morreria no Brasil mais de 4 mil pessoas, como se fosse pouco. O resultado é que nós temos 380 mil pessoas mortas no Brasil. Já se apresentava aí um quadro triste de um governo negacionista. Mas não se imaginava que isso se daria de forma tão sórdida, tão distante da proteção à vida. O Brasil se tornou um pária do mundo. Não foi só Bolsonaro, o Brasil se tornou. Sendo o país com o maior número de mortos na média diária e o segundo em número absoluto em mortes, o mundo está fechando as portas para os brasileiros, não só para o governo brasileiro, o que é ainda mais grave.

Míriam Leitão - O Brasil pode ser o verde da Terra

- O Globo

Não há palavras que desatem os atos de Bolsonaro e de Ricardo Salles na área ambiental. O Brasil vai se sentar na reunião de hoje como vilão, quando poderia ser respeitado por ser o país que é: uma potência ambiental, dono da maior parte da maior floresta tropical, o G1 da biodiversidade. O presidente brasileiro prometerá aumentar a fiscalização mas, na verdade, ela está sendo desmontada. A carta dos servidores do Ibama mostra que eles estão sofrendo assédio. O ministro os impede de trabalhar. É também por cumprir seu dever que Alexandre Saraiva foi exonerado da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas.

Ibama, ICMBio, Funai estão sob ataque do presidente e do ministro do Meio Ambiente. O INPE foi ameaçado. O projeto de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal deu certo e a exoneração de Saraiva é prova cabal. Com esse histórico, Bolsonaro não poderá falar que vai aumentar as ações de comando e controle na região. Não será crível.

Uma alta autoridade do governo brasileiro foi a uma reunião com um grupo de embaixadores dos Estados Unidos e países europeus. Várias autoridades foram chamadas no último mês. O relato do que foi dito lá mostra que não adianta ter conversa para inglês ver.

Merval Pereira - Cabeça de juiz

- O Globo

A novela do julgamento de Lula pode chegar a um fim hoje, se o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entender que a Segunda Turma, que decidiu pela suspeição do então juiz Sergio Moro, poderia fazê-lo mesmo antes de ser definida a questão da competência da Vara de Curitiba nos julgamentos da Lava-Jato.

Mas, como em cabeça de juiz ninguém sabe o que se passa, a dizer que julgam com independência — a evolução da tecnologia médica não permite mais dizer que não se sabe o que tem em barriga de grávida nem em fralda de bebê —, existem algumas situações peculiares neste julgamento de hoje.

O decano do STF, ministro Marco Aurélio, não concordou com a afetação do processo ao plenário, mas, vencido pela “douta maioria” — nesse caso não tão douta assim, na sua opinião —, já votou a favor da manutenção dos processos em Curitiba, e pode votar outra vez, já que disse que a suspeição de Moro é bem mais importante. O ministro é sempre elogioso ao trabalho de Moro na Operação Lava-Jato e, com seu voto, pode ajudar a impedir que seja confirmada a suspeição dele.

O ministro Alexandre de Moraes disse na sessão anterior que não é possível afirmar que o julgamento pelo plenário significa desrespeito ao princípio do juiz natural: “A estrutura da Corte privilegia o plenário, e as turmas só foram criadas devido ao excesso de trabalho do tribunal”. Com essa posição, é provável que defenda que o plenário tem preferência às turmas. Mas não significa que concorde ou não com a suspeição de Moro.

Malu Gaspar - Anular processos não apaga a história

- O Globo

É dos anos 90 uma das mais bem-sucedidas operações-abafa de um escândalo de corrupção na história brasileira. Numa quinta-feira de 1993, agentes da Polícia Federal descobriram no banheiro da casa de um diretor da Odebrecht em Brasília pilhas de documentos incriminadores. Havia de tudo nas 18 caixas e centenas de disquetes levadas pelos policiais: relatórios sobre negociações subterrâneas, contabilidade de doações não declaradas para campanhas eleitorais, listas de obras com os nomes de políticos, acompanhados de porcentagens e valores, até pedidos de liberação de verbas com assinaturas de prefeitos e governadores, já prontos para ser apresentados pelas próprias empresas à Caixa Econômica Federal.

Vivia-se o auge da CPI do Orçamento. A papelada deu origem a um relatório bombástico, lido em plenário pelo senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul. Bisol, porém, cometeu um erro primário ao propagar que um documento com o organograma formal da empreiteira era, na verdade, um mapa de organização criminosa. 

Em sua reação, Emílio Odebrecht explorou o deslize ao máximo. Numa entrevista coletiva tão performática quanto a leitura de Bisol, acusou o senador de perseguição, ignorância e má-fé. O argumento colou na imprensa da época e mobilizou mais de 300 deputados e senadores para enterrar a CPI. Conseguiram. A única consequência prática do escândalo foi a popularização da expressão “trezentos picaretas”, cunhada pelo então oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva para designar os parlamentares.

Luiz Carlos Azedo - Reabrir as escolas, por que não?

- Correio Braziliense

Em quase todos os lugares do mundo, as escolas públicas foram as últimas a fechar e as primeiras a reabrir durante a pandemia; aqui no Brasil, é o contrário

Depois de sete horas de disputa em plenário, na terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que regulamenta a reabertura de escolas e faculdades durante a pandemia (PL 5.595/20), mas a polêmica continua. O texto torna a educação básica e superior serviços essenciais, ou seja, não podem ser interrompidos durante a crise sanitária. O texto seguirá para o Senado, onde a discussão deve pegar fogo. A proposta inverte a equação: proíbe a suspensão de aulas presenciais durante pandemias e calamidades públicas, exceto se houver critérios técnicos e científicos justificados pelo Poder Executivo quanto às condições sanitárias do estado ou município.

O fato de a relatora do projeto ser a polêmica deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), facilitou a vida dos setores de esquerda que se opõem à abertura das escolas, apesar de ter incorporado emendas que estabelecem protocolos para o retorno escolar. Autora da proposta, a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) destaca que “o texto foi alterado para garantir segurança de professores e alunos”. Outros deputados de perfil conservador e liberal patrocinaram a aprovação. “Esse projeto é de suma importância para (…) aquela mãe ou para aquele pai que não tem onde deixar o seu filho, (…) que é analfabeto e que não pode colaborar com a educação domiciliar, (…) que não tem conexão,computador e, como muitos disseram aqui, não tem água nem luz, às vezes”, argumentou a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR).

Música | Roberta Sá - Me erra

 

Poesia | Bertolt Brecht - Aos que hesitam

Você diz:

Nossa causa vai mal.

A escuridão aumenta. As forças diminuem.

Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo,

Estamos em situação pior que no início. Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.

Sua força parece ter crescido. Ficou com aparência de invencível.

Mas nós cometemos erros, não há como negar.

Nosso número se reduz.

Nossas palavras de ordem Estão em desordem. O inimigo

Distorceu muitas de nossas palavras

Até ficarem irreconhecíveis.

Daquilo que dissemos, o que é agora falso:

Tudo ou alguma coisa? Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora

Da corrente viva? Ficaremos para trás

Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?

Precisamos ter sorte?

Isto você pergunta. Não espere

Nenhuma resposta senão a sua.