domingo, 26 de maio de 2013

OPINIÃO DO DIA - Antonio Gramsci: partido e parlamento.

A questão posta por Panunzio a respeito de um ”quarto” poder estatal o de “determinação da diretriz política”, parece que deve ser relacionada com os problemas suscitados com o desaparecimento dos partidos políticos e, portanto, pelo esvaziamento do parlamento. É um modo “burocrático” de por um problema que era antes resolvido pelo funcionamento normal da vida política nacional, mas não se vê como possa ser essa solução “burocrática”.

Os partidos eram efetivamente os organismos que, na sociedade civil, não só elaboravam as diretrizes políticas, mas educavam e apresentavam os homens supostamente em condições de aplicá-las.

No terreno parlamentar as “diretrizes” elaboradas, totais ou parciais, de longo alcance ou de caráter imediato, eram confrontadas, despidas dos traços particularistas, etc, e uma delas tornava-se “estatal”, na medida em que o grupo parlamentar do partido mais forte se tornava o “Governo” ou dirigia o Governo.

O fato de que, pela desagregação parlamentar, os partidos se tornaram incapazes de realizar esta tarefa não anulou a tarefa em si nem apresentou um caminho novo de solução: assim também para a educação e a valorização das personalidades.

A solução “burocrática” de fato, mascara um regime de partidos da pior espécie, partidos que operam às ocultas, sem controle; os partidos são substituídos por camarilhas e influências pessoais inconfessáveis: sem contar que restringe as possibilidades de opção e embota a sensibilidade política e a elasticidade tática.

Antonio Gramsci, “O fim do sistema parlamentarista e a centralização de responsabilidades” In, Cadernos do Cárcere, vol.3, p.341. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007.

Manchetes de alguns dos principais jornais em circulação

O GLOBO
Farra das emancipações: Partidos querem criar 410 novos municípios
Aposentado volta menos ao trabalho
35 anos de Telecurso: Das telas de TV para a sala de aula

FOLHA DE S. PAULO
Navio só entra no Brasil se fornecer 190 informações
Após dois vices, Bayern bate Borussia por 2 a 1 e leva Copa dos Campeões
Neymar confirma que troca Santos pelo Barcelona
Dilma diz que vai aprimorar controle do Bolsa Família
Com desaceleração, China enfrentará 'década perdida', preveem analistas

O ESTADO DE S. PAULO
Transnordestina vai atrasar 5 anos e custar quase o dobro
CGU aponta negligência do governo com bilhetes aéreos
“Pode ter havido falhas”, diz Dilma
Kirchnerismo busca sucessor para Cristina

ESTADO DE MINAS
O efeito Angelina
Dilma admite falhas no Bolsa-Família

O TEMPO (MG)
Pressão tira saúde de bancários
Ofensiva seria resposta a ação de partidos da base
Escultura homenageia 58 vítimas da ditadura

CORREIO BRAZILIENSE
Bolsa Familia é ineficaz contra a desigualdade
Pujança nordestina salva PIB de vexame

GAZETA DO POVO (PR)
Em véspera de ano eleitoral, Dilma turbina inaugurações
Lei do feriado em jogos da Copa irrita comerciantes
Soluções criativas para substituir domésticas
Alemanha é o maior destino de imigrantes europeus

ZERO HORA (RS)
Candidatos ensaiam bandeiras para 2014
Crise do bilionário bate à porta do RS
Em 10 anos, 14 mil gaúchos retornaram

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Dilma perdoa dívida de US$ 900 milhões de 12 países africanos

O que pensa a mídia - Editoriais de alguns dos principais jornais em circulação

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

As aparências e a política - Luiz Werneck Vianna

Dá para sentir que há algo de estranho no ar, embora cada eixo aparentemente gire nos seus gonzos e a marcha das coisas siga caminho previsível, caso da candidatura à próxima sucessão presidencial da presidente Dilma Rousseff, detentora de altos índices de aprovação popular e pretendente legítima à reeleição. A inédita antecedência com que foi anunciada, longe de contrariar esse diagnóstico feliz, deveria ser vista, insistem alguns, como a sua confirmação. Contudo, se aparência e essência coincidissem, um grande pensador costumava dizer, não haveria lugar para a ciência - o sentido das coisas estaria sempre à mão, expondo-se de modo transparente ao observador.

Não são poucos os sinais que, no mundo desencantado da plítica brasileira, têm escapado à nossa vã filosofia, como as motivações que levariam a uma candidatura presidencial o governador de Pernambuco, Eduardo Campos -fora pretensões dinásticas de herdeiro de um cabedal político regional -, parceiro seguro do PT em três sucessões presidenciais e que, ainda hoje, integra com quadros do seu partido, o PSB, posições relevantes na coalizão governamental.

Se, na superfície lisa dos fatos, Dilma e Lula mantêm entre si relações fraternas e solidárias, a cogitada candidatura do governador Eduardo Campos já deixa um rastro de sombras na sua esteira, uma vez que inequivocamente a desconstrução que empreende da imagem de Dilma e do seu governo - por motivos que permanecem difusos - não se faz acompanhar de uma rejeição do seu histórico de firme aliado do seu antecessor.

De outra parte, a situação de altos dirigentes do partido hegemônico, condenados a pesadas penas pela Justiça, ora na iminência de serem recolhidos à prisão, amarga uma parte da militância partidária, cujas reações fogem à previsão, especialmente diante da neutralidade da postura presidencial quanto à sua sorte.

Noutra ponta, da base congressual do governo, provêm sinais de mudança, como no caso dos emitidos ao longo da tramitação dalegislação dos portos, a qual se arrisca em movimentos de autonomia, sem que se saiba ao certo se movida pela pressão de grandes interesses ou pelo legítimo objetivo de ganhar luz própria. De qualquer forma, a aprovação pelo Congresso Nacional dessa regulação reforça a posição da presidente e do seu principal aliado, o PMDB.

Para ressaltar ainda mais a ideia de mistério que ronda a política brasileira, inteiramente distante do prosaísmo da sua sociedade, boa parte dela entretida no consumo e nos apetites desencadeados pelo empreendedorismo, um espectro vagueia pelos palácios do poder nos lugares que já foram seus em tempos idos, assombrando todos com suas aparições.

Na economia e na política, dois temas de complexa administração prometem fazer-se dominantes, ambos tendentes a dramatizar as circunstâncias em quejáse desencadeia, precocemente, a sucessão presidencial: a inflação, em meio a uma situação de baixo crescimento do produto interno bruto (PIB), e as relações entre os Poderes da República. A pilotagem da primeira no sentido de evitar uma escalada inflacionária depende de uma feliz e oportuna intervenção da equipe econômica, da qual depende o destino da campanha pela reeleição. A outra, por sua vez, está entregue aos azares da fortuna, inclusive porque se encontra contaminada pelos resultados da Ação Penal470. No caso, basta lembrar que dois dos condenados por ela ocupam posições na estratégica Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Para além das repercussões desse episódio circunstancial, a questão da separação entre os Poderes, em particular na forma concebida pela Carta de 1988, que reservou papel destacado ao Poder Judiciário, tem sido objeto de controvérsias na esfera pública, no campo acadêmico e no interior do Parlamento, de que é exemplo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.° 33, de autoria do deputado do PT do Piauí Nazareno Fonteles, que visa, entre outros objetivos, a submeter as emendas vinculantes instituídas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à aprovação do Parlamento, ora paralisada por decisão do presidente da Câmara, deputado Henrique Alves.

Tal tema, com sua carga negativa para a vida institucional, tem data certa para reaparecer, logo que a Suprema Corte venha a confirmar as sentenças condenatórias aos réus daAção Penal 470, o que deve ocorrer nos inícios da alta estação do processo sucessório, quando o Parlamento tiver de decidir sobre a cassação dos mandatos dos parlamentares apenados, cumprindoadecisãojudicial ou reabrindo a questão em seu plenário. Nessa hora, é de esperar que o caso mude de escala, com a discussão sobre a sorte dos mandatos dos envolvidos embaralhada com a denúncia de um governo de juízes e da judicialização da política, em nome de uma alegada defesa do princípio da soberania popular, que a ação dos tribunais estaria pondo sob ameaça.

Se os pequenos abalos e sinais podem apenas significar variações momentâneas, eles merecem ser registrados, ao menos se um autor atilado como Tocqueville deva ser levado na devida consideração. Na entrevista concedida pelo ex-presidente Lula ao sociólogo Emir Sader na coletânea de artigos coligidos em 10 anos de Governos Pós-Liberais no Brasil (Ed. Boitempo, São Paulo, 2013), fica a sugestão da necessidade de um retorno aos valorespartidários originários, que teriam sido banalizados por causa das disputas eleitorais. Tarefa difícil para a presidente Dilma, às voltas com a montagem de um largo sistema de alianças a fim de disputar a reeleição, logo ela que não se encontra na galeria dos heróis fundadores. Decerto são apenas palavras, e tanto elas como os sinais podem ser de sentido aleatório, desses a que somente se deve conceder atenção com reservas. Mas, sabe-se lá, pode haver método nessa loucura.

Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo

Dilma quer fazer boato virar ganho

Presidente admite falhas, mas minimiza efeito da mudança no calendário de pagamento do Bolsa-Família na correria às agências da Caixa e se compromete a aumentar fiscalização

Juliana Colares

BRASÍLIA – A presidente Dilma Rousseff disse ontem, em visita à Etiópia, que o Bolsa-Família pode ter tido falhas e que o governo federal precisa aprimorar a fiscalização do programa. Para ela, o problema registrado no fim da semana passada, quando boatos sobre o fim do benefício provocaram uma corrida a agências da Caixa Econômica Federal de 12 estados, tem que ser transformado em ganho.

"Usamos a tecnologia da informação mais sofisticada possível com o Bolsa-Família. A Polícia Federal e a segurança da Caixa vão procurar todos os motivos e vão elencá-los. O que fazemos é garantir que seja o menos possível de ser objeto de falha interna", disse a presidente. "O que a gente pode tirar de bom disso? Que vamos estar sempre mais atentos agora para essa possibilidade, porque durante 10 anos, nunca houve isso", disse.

Enquanto a presidente seguia na última sexta-feira para Adis Abeba, na Etiópia, para participar do aniversário de 50 anos da União Africana, a Caixa Econômica Federal divulgou no mesmo dia uma nota admitindo que alterou o calendário de pagamento do benefício. Os saques foram liberados de uma só vez, o que antes ocorria em vários dias, conforme a data final do benefício.

Sobre a possibilidade de ter havido falha da Caixa, a presidente não negou, afirmando que "somos todos humanos". Porém, ela manteve a linha da declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que levantou a possibilidade de ter havido uma ação orquestrada por terceiros. "O que ela (a Caixa) admite é que está em transição de um sistema e suspendeu, de fato, uma pessoa do pagamento. Isso explica o pagamento dessa pessoa, mas não explica a corrida à Caixa. Não explica o porquê da quantidade de pessoas que procuraram a Caixa no sentido de receber (o benefício)", afirmou, sem mencionar a antecipação da liberação do dinheiro. A oposição avisou que pedirá explicações ao banco.

Telemarketing Para a presidente, uma "falha tópica" não explica a boataria em vários estados. Ela não quis, no entanto, comentar as investigações da Polícia Federal, que ouvirá as primeiras pessoas que receberam as mensagens sobre o fim do Bolsa-Família para descobrir como o boato surgiu e se espalhou. Segundo reportagem da Agência Brasil, a PF já levantou informações sobre pessoas que receberam telefonemas a respeito do Bolsa-Família no fim da semana passada. Uma das linhas de investigação é de que os telefonemas partiram de uma empresa de telemarketing com sede no Rio de Janeiro. A Caixa teria ficado de repassar à polícia dados sobre os dois primeiros saques feitos após o início dos boatos.

Na Etiópia, Dilma Roussef afirmou que a participação do novo ministro do STF no julgamento do mensalão não foi levada em consideração no momento da indicação do advogado Luís Roberto Barroso para a vaga de Carlos Ayres Britto. Ela comentou também a relação com o PMDB. Disse que "há flutuações", mas que os atritos não são significativos "do ponto de vista da qualidade da aliança com o PMDB". "Nós não vemos nenhum problema nas relações com o PMDB. Nenhum", afirmou.

Fonte: Estado de Minas

Oposição cobra explicações da Caixa e do Desenvolvimento Social

Deputados avaliam que erro de banco pode ter contribuído para onda de boatos

Demétrio Weber, Luiza Damé

BRASÍLIA - A antecipação do pagamento dos benefícios do Bolsa Família em maio, confirmada ontem pela Caixa, precisa ser esclarecida pela instituição e pelo governo. A cobrança foi feita pelos líderes do PSDB e do MD (ex-PPS) na Câmara, Carlos Sampaio (SP) e Rubens Bueno (PR), respectivamente. A oposição levanta suspeitas sobre o fato de a Caixa só ter admitido ontem que alterou o cronograma de pagamentos. Sampaio afirma que há uma contradição a ser esclarecida.

Além de tentar convocar autoridades do governo para depor em comissões da Câmara, a oposição planeja também acionar o Ministério Público Federal e acompanhar de perto as investigações da Polícia Federal sobre o episódio.

Sampaio disse que são necessários esclarecimentos do presidente da Caixa, Jorge Hereda, e da ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, às comissões de Fiscalização Financeira e Controle e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.

Da ministra, o tucano quer ouvir se ela tinha conhecimento da liberação de pagamentos antecipados já na sexta-feira, dia 17 de maio, véspera da onda de boatos sobre o fim do Bolsa Família - durante a semana a ministra disse que a liberação ocorreu no fim de semana, para evitar maiores tumultos.

- A Caixa Econômica precisa explicar o que motivou a antecipação dos benefícios e por que só agora admitiu ter feito o pagamento antes do previsto. Não nos parece ser rotineiro e fácil antecipar o pagamento de R$ 2 bilhões de uma hora para outra - afirma Carlos Sampaio, que pedirá, por ofício, que o Banco Central apure a ação da Caixa.

O presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, Otávio Leite (PSDB-RJ), diz que pedirá à Polícia Federal informações sobre o inquérito:

- Estamos diante de uma ação orquestrada, uma vez que se utilizou de telemarketing e do cadastro exclusivo do governo.

Rubens Bueno sugere que a Caixa contribuiu para o episódio e afirma que foi o próprio governo que ganhou com ele:

- A atitude da Caixa pegou a população de surpresa e pode ter contribuído para a criação e a propagação do boato. É preciso uma explicação clara sobre essa operação. Quem foi que se beneficiou do boato? É óbvio que foi o PT e a presidente Dilma, que estão em escancarada campanha antecipada para reeleição. Então, esperemos que a Polícia Federal, que merece nossa confiança, apure com independência e rapidez todo esse episódio.

Fonte: O Globo

Cartilha para tomar um "banho de povo"

Antes de sair em campanha, todo candidato precisa se tornar conhecido dos eleitores. O esforço inclui encarar caravanas pelo interior e marcar presença em programas populares

Paulo de Tarso Lyra

Ao iniciar o planejamento das caravanas que fará pelo país ao longo de 2013, o senador Aécio Neves (MG), provável candidato do PSDB à Presidência, entrará no inevitável roteiro de imersão popular pelo qual passa todo postulante a algum cargo público no país. O périplo inclui viagens aos rincões brasileiros, conversas com a população mais carente, imersões na cultura local — o que inclui fotografias com trajes típicos — e, mais importante, degustação da culinária da região. Praticamente todos os presidentes eleitos no Brasil desde 1988 tiveram de rezar a mesma cartilha para colher um resultado positivo nas urnas.

Considerado o principal líder popular em atividade política no país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprimorou o talento originado nas assembleias sindicais do fim da década de 1970 durante as caravanas da cidadania. Após perder as eleições presidenciais de 1989 para Fernando Collor, Lula decidiu viajar pelo interior para aprofundar o conhecimento que tinha de país. "Não há como negar que as caravanas forjaram o personagem no qual Lula se transformou posteriormente", declarou o secretário de Organização do PT, Paulo Frateschi.

Na contramão de alguns petistas que renegam tudo que venha das hostes do tucanato, Frateschi admite que o ex-presidente Fernando Henrique também tinha conhecimento da realidade brasileira. "Era um conhecimento formado em bases diferentes das de Lula. Mais acadêmico do que prático. Mas era um conhecimento importante para forjar o pensamento dele sobre o país", completou Frateschi.

Mesmo assim, durante a campanha presidencial de 1994, FHC teve que coligar-se com o PFL para ter uma maior inserção social, especialmente na Região Nordeste. Em uma das fotos mais emblemáticas da disputa daquele ano, Fernando Henrique apareceu montado em um burrico.

A atual presidente Dilma Rousseff também teve que ser moldada. Em 2009, quando foi lançada como a mãe do PAC, o que a credenciava para ser candidata ao Palácio do Planalto no ano seguinte, ela não tinha nenhum jogo de cintura. Aos poucos, foi melhorando o traquejo. "Ela está mais desenvolta, habilidosa, faz piadas, abraça as pessoas. Não é mais algo tão estranho para ela", disse ao Correio um governador de um estado nordestino. "Nos palanques, ela aprendeu a deslizar de um lado para o outro, o que dá uma dinâmica melhor na comunicação", afirmou outro petista.

Proximidade

Responsável por coordenar o grupo que vai sistematizar as caravanas de Aécio, o tucano Alberto Goldmann (SP) reconhece a importância de se afinizar. "Muitas vezes, as pessoas mais carentes estão distantes do debate político. Por isso, é importante essa aproximação entre os anseios deles e os nossos projetos políticos", explicou.

Para o especialista em marketing Elsinho Mouco, não é possível "criar um personagem" do nada. "O responsável pelas propagandas do candidato reforça as potencialidades e trabalha em cima delas. É isso que torna o político mais ou menos atraente para o povo", disse. Para ele, não adianta concentrar-se apenas no périplo feito pela maioria dos políticos — e todos eles fizeram — por programas populares nas diversas emissoras de televisão e de rádio. "É preciso provocar emoção no eleitor para que ele pare para ouvir o que você tem a dizer", ensinou Elsinho.

Fonte: Correio Braziliense

Candidatos ensaiam bandeiras para 2014

Candidatos em busca do tom

O PT deu a largada ao dizer que “o fim da miséria é só o começo”, mas coube a Campos impor o debate sobre “fazer mais”

Guilherme Mazui

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff quer “fazer cada vez mais e melhor”. Eduardo Campos “mais e bem feito”. Aécio Neves “diferente e melhor”. Marina Silva – ainda focada na criação de um partido – segue a linha de Aécio, mas com o tom verde sustentável.

Cada vez mais distante do PT, o governador pernambucano Eduardo Campos (PSB) lançou a onda do “fazer mais” na corrida presidencial. Sem se declarar candidato, ele evita rupturas bruscas. Promete manter os avanços de Lula e Dilma, mas vai usar soluções em saúde, educação, emprego e infraestrutura de Pernambuco como vitrine de seu perfil de gestor eficiente.

– Pernambuco hoje é modelo para o Brasil – destaca o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), um dos articuladores da campanha.

Marqueteiro de confiança de Campos, o argentino Diego Brandy pode ganhar a companhia de Duda Mendonça, guru da primeira eleição de Lula. Os dois tentarão aproximar o candidato das classes C e D, reduto petista, mesmo desafio vivido por Aécio.

Na quinta-feira, o mineiro participou do Programa do Ratinho, no SBT. Na internet, a página Conversa com os Brasileiros, criada pelo publicitário Renato Pereira, traz vídeos na tentativa de mostrar um Aécio simples, disposto a discutir o preço do tomate com o eleitor. O tucano apresenta o PSDB como pai dos programas de transferência de renda e do Plano Real, além de explorar “bem-sucedidas privatizações” e o temor da volta da inflação, definido no slogan “País rico é país sem inflação”.

Já Marina Silva manterá a toada verde e ética que lhe rendeu 20 milhões de votos em 2010. Contudo, precisa ir além da ecopolítica e do eleitor evangélico. Antes, corre para formalizar seu novo partido, a Rede. Busca 500 mil assinaturas até setembro.

Alvo dos concorrentes, Dilma não mudará a estratégia para dar ao PT o quarto mandato. Vai centrar a campanha em programas como Bolsa Família. Mas o discurso irá além.

O raciocínio está no jargão cunhado pelo marqueteiro João Santana: “o fim da miséria é só o começo”. Responsável pelas campanhas vitoriosas de 2006 e de 2010, ele esboça uma presidente maternal, zelosa pelo Brasil. A Dilma rígida, que protege a economia, é vigilante do orçamento doméstico, beneficiado pelas reduções da conta de luz e dos juros bancários.


Fonte: Zero Hora (RS)

Sete teses sobre o mundo rural brasileiro

Antônio Márcio Buainain1
Eliseu Alves2
José Maria da Silveira3
Zander Navarro4

O artigo na íntegra será publicado na Revista de Política Agrícola, junho de 2013 – ano XXII, número 2.


Resumo: O artigo apresenta sete teses que procuram interpretar a situação atual e as tendências do desenvolvimento da agropecuária e das regiões rurais brasileiras. A partir da primeira tese, que argumenta sobre a existência de uma nova etapa na história agrícola e agrária do país, instituindo um novo padrão de acumulação, as demais se associam em função de facetas diversas, porém necessárias para interpretar o momento atual e seus desafios futuros - dos novos desafios para a produção e difusão de inovações na agricultura à crescente inviabilidade econômica dos estabelecimentos rurais de menor porte; da necessidade de melhor ajustamento da ação governamental à inexistência de uma política de desenvolvimento rural. O texto também sugere, como outra tese, que esta nova fase pode estar marginalizando a relevância de debates que no passado discutiram as regiões rurais e suas particularidades.

Primeira tese: uma nova fase do desenvolvimento agrário

A partir do final da década de 1990, o desenvolvimento agrícola e agrário passou a experimentar uma nova, inédita e irreversível dinâmica produtiva e econômico-social no Brasil - um verdadeiro divisor de águas em nossa história rural.

Segunda tese: “inovação na agricultura” – o maior de todos os desafios

O processo de produção e difusão de inovações na agropecuária mudou completamente a sua natureza, quando comparado com algumas décadas passadas. É hoje um desafio gigantesco, pois opõe distintos interesses sociais e econômicos (rurais e não rurais). Sob o tema das mudanças climáticas, ultrapassa inclusive as fronteiras nacionais.

Terceira tese: o desenvolvimento agrário bifronte

A nova fase vem concretizando uma dupla face - a dinâmica econômica concentra a produção cada vez mais e, de outro lado, aprofunda a diferenciação social, promovendo intensa seletividade entre os produtores rurais. Em nenhum outro momento da história agrária os estabelecimentos rurais de menor porte econômico estiveram tão próximos da fronteira da marginalização.

Quarta tese: a história não terminou, mas o passado vai se apagando.

O último meio século desmentiu diversas antevisões: da exacerbação da questão agrária, simbolizada nas disputas pela terra, às supostas tendências da concentração da propriedade fundiária e, mais ainda, as teses sobre “campesinatos”. Desaparecem assim alguns temas do passado, entre os quais a reforma agrária.

Quinta tese: o Estado – da modernização às novas tarefas

Durante o período inicial de modernização esgotou-se um conjunto de “primeiras tarefas” de transformações rurais induzidas pelo Estado, combinando crédito rural, pesquisa agrícola e serviços de ATER estatais. Foi fase que constituiu diversos agentes privados que passaram a se dedicar à produção de pesquisa e difundir inovações, além de disputarem o bolo da riqueza. Paralelamente, o Estado foi “saindo à francesa”, o que é comprovado pelos gastos públicos na agricultura. Abre-se assim uma nova fase, sob as quais os agentes privados serão os principais atores do desenvolvimento.

Sexta tese: a ativação de uma relação perversa

Mesmo nas regiões rurais que prosperaram em função de alguma “dinâmica agrícola”, acaba prevalecendo uma tendência perversa em relação aos estabelecimentos rurais de menor porte econômico, ainda que apenas por duas razões. Primeiramente, os filhos migram para não mais voltar, pois existe um custo de oportunidade muito elevado. E, segundo, porque a oferta de trabalho contratado também se reduz, pelo abandono do campo, o que eleva os salários rurais.

Sétima tese: rumo à via argentina de desenvolvimento

Jamais ocorreu no Brasil uma política de desenvolvimento rural. Inexistindo tal ação governamental, o desenvolvimento agrário brasileiro vai impondo uma “via argentina": o esvaziamento demográfico do campo, o predomínio da agricultura de larga escala, a alta eficiência produtiva e tecnológica, mas o posicionamento, no caso brasileiro, como o maior produtor mundial de alimentos.

Conclusões

Este artigo recolhe a experiência, relativamente longa, de quatro pesquisadores do “mundo rural brasileiro”, e propõe sete teses sobre o desenvolvimento recente da agropecuária, também comentando sobre aspectos sociais das regiões rurais do país. São proposições que têm, em especial, um inquestionável lastro empírico para sustentá-las como argumentos gerais que mereceriam a atenção dos responsáveis e tomadores de decisão sobre os rumos de uma atividade econômica que, de fato, vem “salvando” a economia brasileira desde a grande crise econômica do início da década de 1980.

1 Economista. Doutor, pesquisador. 
2 Economista. Doutor, pesquisador. 
3 Engenheiro Agrônomo. Doutor, pesquisador. 
4 Sociólogo. Doutor, pesquisador. 

Greves em 2012 aumentaram em 58%

Em 2012 ocorreram no Brasil 873 greves, 58% a mais do que em 2011, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No ano passado, foram registradas 86,9 mil horas paradas, alta de 37% sobre 2011. No setor privado, o número de greves (461) superou o da esfera pública (409). A maioria das greves no setor privado (330) ocorreu na indústria.

De volta para o futuro - Eliane Cantanhêde

A história rocambolesca do fim do Bolsa Família, a sofreguidão do Planalto em asfixiar a candidatura dissidente de Eduardo Campos, a oposição tirando vantagem da ameaça de CPI da Petrobras.

Se o jogo sujo já está assim, imagine-se em 2014, com Dilma disputando a reeleição, um dissidente vindo do Nordeste, os votos de Minas se desgarrando para a oposição e Marina como Cristo na Santa Ceia.

O cenário tem semelhanças perturbadoras com o relato formidável, viciante, de "Getúlio - Dos Anos de Formação à Conquista do Poder", do jornalista e escritor Lira Neto.

Minucioso, muito bem documentado, o autor nos induz "de volta para o futuro". Afora as guerras, literais degolas, a retórica barroca e a precariedade dos transportes e da comunicação, estão lá os ingredientes políticos de ontem e de hoje.

O peso do palácio (antes Catete, agora Planalto), a lei do mais forte, dinheiro jorrando, traições, compra de votos, chantagem, cooptação de governadores (ou presidentes estaduais) e mentira, espionagem e contrapropaganda, dos jingles de então à sofisticação da internet.

Encaixam-se bem aí a boataria, o corre-corre e os saques desesperados do Bolsa Família, com os eleitores à mercê de insinuações. Para Dilma, "desumano". Para Lula, "gente do mal". Para Rui Falcão, "terrorismo eleitoral". O que vale é a versão, danem-se os fatos. E o pior é que há versões e há fatos de todos os lados.

Em 2006, malas de dinheiro dos "aloprados" sacudiram a reeleição de Lula dias antes do primeiro turno, a versão de que os tucanos privatizariam a Petrobras nocauteou Alckmin no segundo. E o vale-tudo, desta vez, começou muito antes.

As semelhanças com "Getúlio", ainda bem, terminam por aí. O Brasil não vive mais de um produto só (o café), não há previsão de novo crash na Bolsa de NY e, afinal, estamos mais civilizados. Nenhuma guerra à vista. Só a guerra eleitoral, que já é suficientemente sangrenta.

Fonte: Folha de S. Paulo

Pecado original - Denise Rothenburg

Com 24 partidos representados no parlamento e a dificuldade de se alcançar consenso, qualquer presidente teria dificuldades em lidar com o Congresso

Muito se tem falado das dificuldades da presidente Dilma Rousseff no Congresso, e do que passou a ser chamado de inabilidade presidencial para exercitar o dia a dia da política. Também muito se tem dito a respeito do desequilíbrio entre Legislativo e Judiciário. As palavras do novo ministro Luís Roberto Barroso, sobre "decisão política deve tomar quem tem voto", representam um alento nessa selva institucional. Experientes observadores do funcionamento da Câmara, que vivem o Congresso há 30 anos, caso do ex-deputado Genebaldo Correia, consideram que a Casa perdeu a eficácia. Hoje, salvo raríssimas exceções, como a MP dos Portos, os assuntos passam sem que a maioria saiba o que se está votando.

Genebaldo deixou a Câmara nos tempos da CPI do Orçamento, nos anos 1990. Foi líder peemedebista em uma época em que a maioria era composta pelo seu partido (sempre ele!!!), o PFL e algumas outras poucas legendas. Os partidos com poder de decidir as coisas no Parlamento não chegavam a uma dúzia. Na Legislatura passada, 21 deles eram representados. Antes, 19. Na eleição de 2002, eram 18.

Hoje, são 24 partidos com representação na Casa, com uma gama deles bem mediana. Uma reunião de líderes virou praticamente uma assembleia geral, onde os comandantes levam vice-líderes e assessores. A grande mesa de reuniões e a ampla sala da presidência, destinadas a esses encontros, não comportam mais tanta gente. Ali, as discussões se sucedem e nem sempre chegam a uma conclusão, porque são tantos partidos com diferentes visões sobre os temas que as conclusões são raras. E a selva partidária cada dia aumenta mais. Ou seja, as pessoas que têm voto não estão conseguindo resolver tudo o que o país deseja e as reformas urgentes emperram. Ou caminham pelas madrugadas adentro. E, quando perdem, correm ao STF em busca de virar o jogo.

Para resolver isso, o país precisaria empreender uma reforma política que desse uma enxugada no quadro partidário. O problema é que, da forma como o projeto foi colocado no mês passado, soou como uma arma para dinamitar a pré-candidatura presidencial de Marina Silva por um novo partido, a Rede Solidariedade. Ou seja, o governo e os congressistas jogaram um projeto acertado, mas erraram no tempo. Agora, a sensação que se tem é a de que a janela para reforma política desta Legislatura se fechou. O portal só reabre em 2015, quando esse assunto certamente voltará à pauta.

Enquanto isso, nas redes sociais...

Diante desse quadro, crescem na internet movimentos no sentido de pressionar a realização da reforma política, nos mesmos moldes daquele que resultou no Ficha Limpa. Para quem não se lembra, os parlamentares inicialmente eram contra a Lei da Ficha Limpa e só promoveram essa votação depois da pressão popular. Se esse movimento pela reforma política vier da sociedade, depois de décadas de propostas de reformas naufragarem no Congresso, será mais um atestado da incapacidade do próprio Parlamento de resolver suas mazelas.

Ao que tudo indica, os parlamentares estão mais ávidos pelo Orçamento impositivo para as emendas deles mesmos do que propriamente para uma reforma que torne seus partidos mais visíveis aos olhos da população, como, por exemplo, seria o caso se não houvesse as tais coligações proporcionais. Assim, as igrejinhas não poderiam juntar-se para ampliar seu poder de fogo junto ao eleitor. Seria cada um por si, com suas qualidades e defeitos. Não haveria sequer o risco do eleitor votar no PT ou no PSDB e acabar elegendo um "agregado".

Do jeito que está, não há um só presidente capaz de manter um relacionamento republicano e altivo com o Congresso. Nem mesmo Lula, considerado um talento para encantar populações e agremiações partidárias, conseguiu esse feito o tempo todo. Quem dirá Dilma, que, realmente, tem dificuldades em lidar com o tema. Sendo assim, está coberto de razão o ministro Barroso, quando diz que decisão política deve ser tomada por quem tem voto. Mas, quando eles não conseguem decidir, alguém tem que fazer esse serviço.

E no Alvorada...

Dilma Rousseff está sendo informada, passo a passo, das descobertas da Polícia Federal sobre a origem dos boatos que provocaram o caos, no último fim de semana, em relação ao Bolsa Família. O envolvimento de uma empresa de telemarketing do Rio de Janeiro e informações recebidas por intermédio de celulares reacenderam as hipóteses de conotação eleitoral. Já se sabe com segurança que não foi assim uma "molecagem" de jovens com espírito de porco.

Fonte: Correio Braziliense

Noivo nervoso - Dora Kramer

Tensão sempre houve no convívio entre o governo e seu principal parceiro, o PMDB. Mas nunca o clima de divergência foi tão explícito como agora, quando se acumulam manifestações exteriores de insatisfação.

Da maratona dos três dias que quase levou o Planalto a uma derrota na MP dos Portos e pôs em xeque a utilidade de base parlamentar tão ampla quanto heterogênea, ao aval de mais da metade da bancada do partido na Câmara à CPI da Petrobras, passando por um jantar em que governadores e parlamentares expuseram suas queixas de maneira contundente, o passivo de descontentamentos só tem feito crescer.

Aonde vai parar isso? O que quer o PMDB? Qual a origem da discórdia? Como se resolve o problema? São algumas entre as várias indagações para as quais há diferentes explicações que partem da mesma premissa: a presidente Dilma Rousseff não dá ao partido o peso esperado quando do acerto que levou Michel Temer à Vice-Presidência.

No início, o PMDB imaginou que teria interlocução permanente, poder de fato, influência nas decisões por intermédio dos ministérios e tratamento igualitário em se tratando de questões eleitorais. Passados mais de dois anos e vendo se aproximar a eleição de 2014, o partido teme pela sobrevivência e já se questiona se a vice foi de fato um bom negócio.

Na eleição de 2012, o PMDB viu cair de forma expressiva o número de prefeitos e receia que o mesmo se repita nas próximas eleições para governadores, deputados e senadores. São numerosas as reclamações: Dilma privilegia o PT quando visita os estados, recusa-se a dar autonomia aos ministros que, além de não terem o controle efetivo de suas pastas, não são pessoas com influência nas bancadas da Câmara e do Senado. A presidente exige lealdade sem contrapartida em termos de compartilhamento de poder e, com isso, deixa o PMDB desprovido de instrumentos para atender às demandas da base no Congresso e para se mostrar poderoso junto ao eleitorado e a possíveis aliados regionais.

Nesse aspecto, o governo parece não compreender que o líder na Câmara, Eduardo Cunha, não confronta sozinho. Só o faz porque tem respaldo e, na verdade, vocaliza as insatisfações gerais. Para piorar, o clima interno no partido é o pior possível. Quebrou-se a unidade conseguida a partir do segundo governo de Luiz Inácio da Silva. Michel Temer perde força porque não se comporta como o PMDB gostaria: fazendo valer suas posições diante da presidente. Promete levar a ela os problemas, mas nunca apresenta ao partido soluções concretas.

O resultado é a hostilidade crescente na direção do Planalto, a deterioração das relações internas e a falta de rumo que já se expressa na recusa de várias seções regionais em se aliar ao PT na próxima eleição.

Solução? Haveria, se a presidente estivesse disposta a reconstruir as pontes, no mínimo substituindo as ameaças e as demonstrações de irritabilidade pelo diálogo. Caso contrário, aonde isso vai parar? Difícil dizer. Mas o cenário aponta provavelmente para uma daquelas convenções fratricidas de antigamente em que o PMDB não consegue chegar a um consenso e prefere não apoiar ninguém, ficando livre para diversificar o embarque nas canoas que bem entender.

Hora de calar. A pressão do governador Sérgio Cabral Filho para que o PT não tenha candidato ao governo do Rio de Janeiro não mudou em nada a disposição da direção nacional do partido de sustentar o nome do senador Lindberg Farias. Nos últimos dias ele recebeu garantia de que a candidatura será mantida, mas ouviu um apelo para não responder, não provocar e, sobretudo, não alimentar polêmica com Cabral. A palavra de ordem é não dar pretexto e deixar o PMDB do Rio brigar sozinho.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Supremo mais plural - Tereza Cruvinel

Os sinais de que o novo ministro do STF representará uma aragem para a Corte são mais importantes do que o fato de ele participar, ou não, do julgamento dos recursos do mensalão

A cada quatro anos, os eleitores podem mudar seus representantes e governantes nos poderes Legislativo e Executivo. Já a renovação do Judiciário, especialmente a da mais alta Corte, ocorre em longos intervalos, e depende do acerto das escolhas do(a) presidente da República, referendadas pelo Senado. As substituições de ministros quase vitalícios podem produzir colegiados monolíticos, dissociados da pluralidade e da diversidade, em todos os sentidos. Uma aprovação quase unânime, nos meios jurídico e político, seguiu-se ao anúncio da indicação do constitucionalista Luís Roberto Barroso pela presidente Dilma. Certamente, por suas qualidades intelectuais e técnicas, mas possivelmente também pelas indicações de que sua presença arejará a Corte e fortalecerá o equilíbrio entre diferentes posições doutrinárias.

Com sobriedade própria ao momento, Barroso foi comedido nas declarações posteriores ao anúncio, por respeito aos Poderes, como explicou. Falta-lhe ainda o aval do Senado, e a posse entre os pares, para falar como ministro. Do pouco que disse até agora, e do que escreveu recentemente, vêm os sinais de que levará ao Supremo um novo olhar sobre algumas questões relevantes. Na sexta-feira, já escolhido, declarou que "decisão política deve tomar quem tem voto". Em artigo de janeiro passado, que está no site Consultor Jurídico, com o balanço retrospectivo das ações do STF em 2012, externou compreensão quase ausente no Supremo de hoje sobre a relação entre mazelas como corrupção e fisiologismo e o sistema político arcaico, que clama por reforma. Isso afora outras considerações sobre o futuro da Corte que agora integrará.

Ativismo judicial

A declaração de agora explicita uma percepção diferente da que é dominante na Corte sobre seus próprios limites. "Em uma democracia, decisão política deve tomar quem tem voto. O Judiciário deve ser deferente às escolhas feitas pelo legislador e às decisões da administração pública, a menos que — e aí, sim, se legitima a intervenção do Judiciário — essas decisões violem frontalmente a Constituição. Aí, sim, por exceção e não por regra, o Judiciário pode e deve intervir." E mais: "Eu qualificaria como ativismo decisões do Supremo Tribunal Federal em matérias como a fidelidade partidária!". Em relação a esse tema, não foram poucas, nos últimos anos, as interferências da Corte. Agora mesmo, o Senado continua impedido, por uma decisão liminar monocrática, de concluir a votação do projeto que restringe a migração de parlamentares para um novo partido, vedando a apropriação, por este, do tempo de tevê e da fração do fundo partidário que deve pertencer ao partido pelo qual o migrante se elegeu.

Em 2006, o Supremo derrubou o projeto que instituía a cláusula de barreira para partidos que não obtenham 5% dos votos, nacionalmente. Com isso, continuamos a ter este quadro partidário amplíssimo e fragmentado, que não assegura a nenhum deles a maioria, obrigando o presidente da República, seja de qual partido for, a governar com coalizões heterogêneas. As mesmas que, ao longo do julgamento da Ação Penal 470, do chamado mensalão, foram duramente criticadas pelos ministros. Especialmente pelo então presidente da Corte, Ayres Britto. Na ausência da cláusula, proliferam partidos que o presidente Joaquim Barbosa considera "de mentira". Mas não apenas nessa questão o STF deixou de ser, para usar as palavras do futuro ministro, "deferente" para com os que têm voto. Uma parte dos políticos alimenta esta judicialização, queixando-se aos bispos togados. Outra reage com propostas descabidas, como a da PEC 33, que subordina medidas do STF ao crivo do Congresso.

Os frutos do sistema

O artigo do futuro ministro que está no site do Conjur muito revela, assim como o seu blog, sobre sua personalidade. A inclinação doutrinária garantista e aspectos do funcionamento do STF. Ao avaliar o julgamento do mensalão, afirmou: "Parece muito nítido que o STF aproveitou a oportunidade para condenar toda uma forma de se fazer política, amplamente praticada no Brasil. Ao proceder assim, o Tribunal acabou transcendendo a discussão puramente penal e tocando em um ponto sensível do arranjo institucional brasileiro. Quem estava no caminho dessa mudança de percepção foi atropelado, e por isso é compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema. Por isso mesmo, aliás, é razoável supor que a mudança ficará incompleta, caso não se aproveite a ocasião para levar a cabo uma reforma política abrangente, que desça à raiz do problema."

O Congresso, lamentavelmente, enterrou a reforma política. Em entrevista à revista Poder, já havia dito que tanto Fernando Henrique quanto Lula "não mudaram o modo de fazer política", aderindo ao sistema em que se vota em pessoas, não em partidos, e impõe o presidencialismo de coalizões de conveniência — "modelo que está na raiz de boa parte dos problemas políticos brasileiros, inclusive os de corrupção e fisiologismo". No julgamento, alguns ministros revelaram desconhecimento sobre a natureza e o funcionamento do sistema político, e, outros, a ilusão de que podem mudá-lo pela força das condenações. No artigo, Barroso lista algumas transformações que poderiam ser adotadas pela Corte, inclusive, sobre o julgamento de autoridades com foro privilegiado, poupando-a de certo tipo de ações e julgamentos.

Esses sinais de que o novo ministro pode representar uma aragem, por atributos que distinguem também o indicado anterior de Dilma, Teori Zavascki, é que importam. Muito mais do que a participação ou não no julgamento dos recursos dos réus da Ação Penal 470.

Fonte: Correio Braziliense

Pega na mentira

Num mundo onde não é possível ter certezas absolutas, certa dose de ceticismo combina bem com a vida nas democracias, diz filósofo

Juliana Sayuri

Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa soltou o verbo na universidade dias atrás: “Temos partidos de mentirinha. Diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E tampouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica. Querem o poder pelo poder”. E disse alguma mentira?

No paralelo, o estilo “mentirinha” – fábula, farsa, ficção, lorota, tró-ló-ló e afins – pipocou noutras páginas nessa semana: os ruidosos rumores sobre o fim do Bolsa Família, atribuídos por outrem a intriga da oposição; o grampo na conversa do jornalista venezuelano Mario Silva, amigo do finado Hugo Chávez, sobre um possível golpe no país – no fim, o jornalista não negou que a voz fosse sua, mas culpou Mossad e CIA pela “falsificação” do diálogo; a morte do imigrante checheno Ibragim Todashev, suspeito de envolvimento no atentado em Boston, durante interrogatório no FBI – que diz que o suspeito estava armado no bureau. E por aí vão as tantas labirínticas questões da verdade e da mentira na arena política. Nessas curvas, o ceticismo. Afinal, no que dá para acreditar?

“É inegável que uma certa dose de ceticismo combina bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais”, diz Newton Bignotto, professor de filosofia política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Mas se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política”, pondera o autor de As Aventuras da Virtude (2010) e Maquiavel (2003). Pós-doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, é um dos organizadores de Dimensões Políticas da Justiça (2013).

A seguir, a entrevista.

No Brasil, a política é realmente um jogo com partidos ‘de mentirinha’?

Todos ficamos incomodados com a maneira como os partidos políticos brasileiros se formam e se comportam. Mesmo partidos que já tiveram um perfil ideológico mais nítido, como o PT e o PSDB, hoje parecem ter perdido o eixo e disputam o poder como se não se importassem com a afirmação de suas diferenças. Outros partidos parecem existir somente para disputar eleições e ocupar espaços nas esferas de poder. Mas é preciso tomar cuidado para não trocar a análise da vida política brasileira concreta por aquilo que deveria ser idealmente. Em primeiro lugar, mesmo que semelhantes, há diferenças entre os partidos, as quais impactam na vida de milhões de brasileiros quando são transformadas em políticas públicas. Nesse sentido, não são exatamente “de mentirinha”. Em segundo lugar, é preciso ver que os partidos existentes refletem a sociedade em muitos de seus aspectos. A existência de partidos sem perfil ideológico definido se deve também ao grau de despolitização de franjas importantes da população. Por outro lado, pequenas formações partidárias defendem ferozmente os interesses de grupos particulares. Veja, por exemplo, a resistência de certas formações políticas a temas como o casamento gay. Assim, não podemos falar de acaso, ou de algo anedótico. Essa é a posição de uma parte da população brasileira e alguns partidos refletem isso de forma muito explícita. Talvez esse não seja o melhor dos mundos, mas se quisermos compreender o Brasil, ou mesmo mudá-lo, teremos de olhar para esse tecido político dividido e corrompido. Essa é a matéria da política brasileira e, em alguma medida, podemos dizer, sua verdade.

Outra ‘mentira’ foi o fim do Bolsa Família. Como uma sociedade pode acreditar em rumores até agora não rastreados?

Boatos fazem parte da vida pública desde a Antiguidade. Na Roma antiga, era comum a pichação de muros com afirmações referentes a personagens importantes da cidade, o que impactava diretamente a vida política. Um rumor é um acontecimento político. Só se espalha porque toca num ponto sensível da sociedade. A questão central não é a veracidade ou a falsidade, mas o impacto que o boato causa na cena pública. E o que ele revela. No fundo, identificar a origem do boato não é tão importante quanto descobrir o que ele esconde. O rumor sobre a suspensão do Bolsa família revela não apenas a importância para grandes parcelas da população, mas as resistências que o programa suscita em alguns atores políticos. O boato provocou um efeito real – o pânico, no caso – e uma disputa em torno de uma prática política e de uma visão da realidade brasileira.

Hannah Arendt diz que a política envolve, essencialmente, a produção e a dispersão de narrativas ‘convincentes’. Mentir está na essência da política?

Arendt não quer dizer que a mentira “define” a política – isto é, sua essência –, e sim que a disputa entre verdadeiro e falso na arena pública não é um problema de lógica. Concerne aos fatos, mas também à percepção desses fatos. Por isso, a política é o terreno onde competem narrativas. A realidade não desaparece pelo simples fato de que construímos discursos sobre ela. Criar um discurso é uma maneira de interferir no real. O uso intensivo da propaganda pelos regimes totalitários mostra isso perfeitamente. Por isso, a defesa de um regime de liberdades não pode ser apenas uma defesa da coerência lógica de seus princípios. É preciso partir desse ponto para propor a um país uma narrativa sobre sua história e seus desafios capaz de sustentar uma escolha pela liberdade. A verdade é matéria para uma luta de natureza política. A mentira não vai desaparecer da cena pública por ser eticamente condenável. Terá de ser combatida. Esse combate se dá com as mesmas armas que nos levam a construir discursos que queremos verdadeiros sobre nosso tempo.

Immanuel Kant também se debruçou sobre a mentira. As ideias do filósofo ainda valem para os dias atuais?

No texto Sobre um Pretenso Direito de Mentir por Amor à Humanidade, Kant investiga se há casos nos quais podemos mentir por razões “humanitárias”. Sem entrar nos detalhes, podemos dizer que o filósofo nega que se possa mentir e continuar fiel a seus princípios e à razão. Dizer a verdade é uma obrigação moral absoluta, que não pode ser quebrada. Essa posição radical contra toda forma de mentira foi muito influente em seu tempo e continua a ser discutida por pensadores atuais.

O sr. é um estudioso de Maquiavel. Que ideias o italiano traz sobre a ‘verdade’?

Maquiavel se preocupa em fundar um saber sobre a política na “verdade efetiva das coisas”. Assim se distancia de toda filosofia política que quer pensar o real a partir de modelos abstratos – que pretendem nos ensinar a viver, mas são incapazes de dizer como vivemos de fato. Essa guinada realista não o conduziu, no entanto, a acreditar que haja uma verdade na política que possa ser expressa de forma absoluta. O problema é que, no cenário da política, não podemos nos guiar por ideais irrealizáveis, por “utopias” diríamos hoje. Isso pode nos conduzir a simplesmente destruir as bases sobre as quais se funda um poder. Ao mesmo tempo, é preciso notar que o real é composto por vários elementos, entre os quais o simbólico e o imaginário ocupam lugares de destaque. Por isso, a política é tão fascinante e tão difícil de entender. Para além da posição realista, Maquiavel nos legou uma compreensão da complexidade da cena pública, que pode ser um bom remédio para os dogmatismos e as ideologias totalitárias.

Os bastidores venezuelanos também marcaram a semana. Teorias da conspiração entram no jogo político?

Essas teorias são parte da realidade política, porque constroem um discurso que se pretende verdadeiro. Assim fazem ao sugerir explicações que parecem mais profundas do que as que muitas vezes podem ser formuladas por cientistas sociais, filósofos ou jornalistas. Operam calcadas na ideia de que toda realidade pode ser explicada por uma lógica que apenas alguns são capazes de conhecer. Teorias da conspiração não são propriamente teorias políticas, mas seu uso no combate político é muito real. O essencial é que, ao veicular a ideia de que há uma causa escondida para tudo, essas teorias negam que ações políticas sejam frutos da liberdade dos homens e que por isso podem ser contingenciais. Como só alguns conhecem as verdadeiras articulações do real, apenas eles podem reivindicar o poder.

Na política americana, o FBI deu ‘frágeis’ justificativas para a morte de um suspeito.

Não tenho como saber o que aconteceu nos Estados Unidos, mas é possível observar que a morte do suspeito desencadeou uma disputa sobre seu significado que só é possível numa sociedade democrática. Se essa disputa caminhar é um sinal de que as instituições ainda garantem os valores essenciais da república. Se forem varridas para debaixo do tapete é um sinal de que não se trata apenas de um problema de credibilidade, mas de garantias constitucionais. E isso pode ser muito grave.

Como diz o filósofo Oswaldo Porchat, ainda é preciso ser cético?

Porchat deu uma grande contribuição para a filosofia, com sua visão renovada do ceticismo. Em sua versão antiga, o ceticismo põe em dúvida a possibilidade de que proposições possam conter toda a verdade sobre uma coisa. Assim, elimina a ideia de que o papel da filosofia é explicitar a verdade em todas suas formas. Muitos céticos insistem não apenas sobre o fato de que o ceticismo introduz um elemento importante para a compreensão das ciências como processo de busca da verdade, mas altera nossa forma de olhar o cotidiano. Uma das consequências pode ser o afastamento da vida pública e o desenvolvimento de uma certa apatia, que seria adequada às sociedades atuais. É possível, no entanto, pensar o ceticismo como uma vacina contra todas as formas de dogmatismo. Nesse caso, continuamos a participar da vida pública sem, no entanto, acreditar deter a verdade sobre elas. Valores como tolerância e respeito às diferenças passam a nos orientar em um mundo no qual não é possível ter certezas absolutas. Talvez não possamos falar propriamente de uma filosofia política cética, mas é inegável que uma certa dose de ceticismo combine bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais.

Com instituições tão abaladas, como uma sociedade resiste e não se desmantela? Quer dizer, em que ou em quem se pode confiar?

Realizamos no Centro de Referência do Interesse Público (Crip-UFMG) pesquisas de opinião sobre a corrupção. Ali constatamos que a população pensa que as instituições políticas são corrompidas, mas é possível confiar em amigos e familiares. Isso mostra que há uma certa consciência da população brasileira de que a corrupção é um fenômeno importante de nossas vidas, mas não é absoluto. De fato, se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Para vivermos em uma república, é preciso algum grau de confiança nas pessoas e mesmo nas instituições. Por isso, a corrupção é tão ameaçadora para um Estado de Direito. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política, no lugar de propor um entendimento correto do que se passa e de como lutar contra as ameaças muito reais que corroem nossas vidas em comum.

É possível manter relações sociais sem mentiras? Tipo ‘supersinceridade’?

É diferente ao se tratar da vida privada ou da vida pública. Não que a sinceridade não seja um valor nas duas esferas. Mas não pode ser vivida da mesma maneira em uma relação amorosa e em uma relação política. Na dimensão particular, é preciso lembrar que o desejo de ser absolutamente sincero e transparente esbarra no fato de que nem sempre somos transparentes para nós mesmos. Ora, na esfera pública, nem sempre a transparência é o melhor caminho para se preservar outros valores como a liberdade individual ou o direito à privacidade. Transformar a sinceridade em valor absoluto pode acabar comprometendo a sobrevivência das instituições democráticas. Ser totalmente “sincero”, por exemplo, sobre os meios de defesa de um país pode colocá-lo em risco diante de seus inimigos. Se tudo tiver de ser transparente, acaba a separação entre vida privada e vida pública e, como já mostrou Arendt, acaba também a política como expressão da liberdade.

E rompantes de franqueza, como mostrou o ministro Joaquim Barbosa, são levados a sério? No fim, que bem faz a verdade?

As palavras do ministro devem ser levadas a sério não por indicarem uma crise passageira entre os poderes da república brasileira, mas por mostrarem uma dimensão essencial da política contemporânea. Recentemente participei da organização do livro Dimensões Políticas da Justiça. Nele, pesquisadores procuram debater as diversas faces do conturbado relacionamento entre Justiça e política. O eixo desse trabalho é a ideia de que não se pode separar essas duas esferas da vida pública, sob pena de se deixar de lado um aspecto essencial da realidade atual. Talvez o fato mais importante seja a invasão da política pela lógica do Judiciário. Conflitos políticos são tratados como disputas jurídicas e perdem sua especificidade, alterando as regras que os guiam. Assim, quando o Congresso recorre repetidamente ao Judiciário para resolver suas querelas, abre mão de suas regras de embate para adotar aquela de um outro poder. Ora, o que Montesquieu já mostrou é que não buscamos o equilíbrio entre os poderes por uma razão moral, mas porque os poderes tendem a devorar os espaços dos outros. Por isso, precisam ser equilibrados para não levarem à perda do eixo de sustentação da vida republicana. No caso brasileiro, a judicialização da política implica o enfraquecimento do Poder Legislativo. Do outro lado, implica a politização do Poder Judiciário. Esse confronto é revelador de um processo muito mais amplo e profundo – e não apenas o sinal de uma crise envolvendo personalidades do momento.

Fonte: Aliás / O Estado de S. Paulo

Marcas da ditadura espelhadas nos IPMs

Memória política - Livro

"Confidencial - Documentos Secretos da Ditadura Militar" reúne registros de um período que não deve ser esquecido pela nação

Ciro Carlos Rocha

Primeiro de abril de 1964, por volta das 19h, Casa Amarela, Zona Norte do Recife. Severino Salustiano da Silva, 44 anos, escriturário e pedreiro, distribuía panfletos a moradores do bairro. Calcularia, dias depois, "na ordem de quinhentos" as peças que tinha para distribuir à população. Impressos em mimeógrafos, os panfletos denunciavam que o então governador Miguel Arraes de Alencar estava sitiado no Palácio do Campo das Princesas - sede do governo estadual - e que era preciso resistir.

Não demora muito, seu Severino, trabalhador, como a esposa, do Movimento de Cultura Popular (MCP), era preso acusado de ligação com "elementos comunistas". O golpe de 64 dava os primeiros passos. Arraes já estava preso e, 17 dias depois, seu Severino, em depoimento, dizia ter pensado que estava produzindo "um bem", porém verifica agora que estava produzindo "um mal".

O depoimento do escriturário foi tomado no dia 18 de maio de 1964, no Quartel da Segunda Companhia de Guardas, no Recife, pelo tenente-coronel Hélio Ibiapina Lima, tendo o capitão Noaldo Alves Silva atuando como escrivão. Objeto de Inquérito Policial Militar (IPM) inserido no processo nº 35.970 existente nos arquivos do Superior Tribunal Militar (STM), a sua prisão é tratada em um dos 177 documentos divulgados agora no livro Confidencial - Documentos Secretos da Ditadura Militar, do advogado, escritor e anistiado político Hiram Fernandes.

O livro, em dois volumes totalizando 1.585 páginas, é fruto de quase uma década de pesquisa e estudos e será lançado na próxima quinta-feira (30), a partir das 19h, no Museu do Estado.

Os Arquivos Públicos foram alvo importante da pesquisa, mas grande parte dos "documentos secretos" vem mesmo é dos inúmeros processos que o golpe militar fez produzir no STM. Num momento em que o Brasil assiste às discussões e revelações no âmbito das Comissões da Verdade instaladas em todo o País, páginas e mais páginas de IPMs, antes inéditas para o grande público, estão reunidas na edição e fazem o leitor se deparar com episódios e mais episódios da repressão política.

De personagens conhecidos do grande público, como o ex-governador Miguel Arraes e dezenas de outros políticos que sofreram a dureza do golpe - e também de personagens "anônimos", como o escriturário e pedreiro que distribuía panfletos e terminou preso (veja detalhes nesta página).

De Arraes, dois trechos do seu depoimento retratando o dia do golpe são destacados numa das contracapas:

1- "Que depois de cercado e quando lhe foi trazida a ordem de deposição, transmitida pelo General Castilho, foi lhe ainda dada a oportunidade de deixar o Palácio e, portanto, de se abrigar ou de fugir".

2- "Que, não quis sair do seu posto, pois, não se julgava culpado de qualquer crime, que, as ações do depoente, portanto, confirmam o seu permanente propósito de manter a ordem e de cumprir as obrigações decorrentes do seu mandato".

"Anseio de liberdade sempre foi forte"

Em seu livro, o advogado Hiram Fernandes relata histórias de personagens vítimas do regime militar. Ele mesmo foi preso, de menor, depois do golpe

"Quis fazer um resgate da História, para que não ficasse apenas na história oral", aponta Hiram Fernandes o objetivo principal de sua pesquisa, retratada nas páginas de Confidencial - Documentos Secretos da Ditadura Militar. Os fatos narrados não englobam apenas o período da ditadura, mas vai dos anos 50, com a campanha "O Petróleo é Nosso", ao movimento das Diretas Já, nos últimos suspiros do regime militar, em 1984. O livro traz também um caderno iconográfico com registros fotográficos de momentos históricos, como um comício em Caruaru da campanha de Pelópidas Silveira a governador do Estado, em 1947, com Luiz Carlos Prestes, Davi Capistrano e Gregório Bezerra no palanque, de 33 presos políticos perfilados na Casa de Detenção do Recife, da prisão de estudantes em Ibiúna, São Paulo, o aparato militar montado no porta do Paládio das Laranjeiras, Rio, no dia da assinatura do AI-5, uma das centenas de imagens censuradas na época. Traz, ainda, um DVD com os 177 "documentos secretos".

Assim como Mércia Albuquerque, advogada falecida em 2003 e de quem foi amigo, Hiram Fernandes foi advogado de presos políticos e de familiares de desaparecidos. Assumiu processos indenizatórios contra os governos da antiga Guanabara, do Rio de Janeiro, de Pernambuco e da União, tendo mantido contato intenso com muitos dos personagens que têm histórias contadas no livro.

Ele mesmo foi preso quando, aos 16 anos (menor) e nos ares de 64, sentiu o "braço armado da repressão política". Escrevia textos que eram rodados em um pequeno mimeógrafo e, depois, distribuídos nas ruas pelo poeta Severino Quirino, assim como fazia o pedreiro Severino do início deste texto. Como outros estudantes, Hiram atuava no Movimento de Resistência à Ditadura, que tinha fortes ligações com o antigo PCB (Partidão). Lembra ter recebido o mimeógrafo de outro estudante, o hoje jornalista e escritor Homero Fonseca, que atuava na União Secundarista de Pernambuco. A peça foi, posteriormente, doada ao Partidão.

Detido e levado ao 14º Regimento de Infantaria, em Socorro, Jaboatão dos Guararapes, teve a prisão preventiva pedida pelo promotor Eraldo Gueiros Leite, que depois viraria governador (biônico) de Pernambuco, entre 1971 e 1975. Mesmo menor, também, respondeu a um IPM. "Tinha que ter uma resistência, não havia imprensa livre. Em Pernambuco, as questões libertárias sempre foram levantadas, o anseio de liberdade sempre foi muito forte. E a defesa de presos políticos que fiz, depois, só reforçaram o despertar dessa consciência", afirma Hiram Fernandes, que tem o prefácio do seu livro assinado pelo governador Eduardo Campos (PSB).

Livro: Confidencial - Documentos Secretos da Ditadura Militar
Autor: Hiram Fernandes
Lançamento: Quinta-feira (30/05)
Hora: 19h
Local: Museu do Estado, Av. Rui Barbosa, 960, Graças

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Barbosa e as "taras antropológicas"- Elio Gaspari

O ministro do STF diz o que tudo mundo quer ouvir, mas faz coisas que muita gente não consegue fazer

No primeiro dia do julgamento do mensalão, vendo-se em minoria numa votação preliminar, o ministro Joaquim Barbosa disse lamentar que "nós brasileiros tenhamos que carregar certas taras antropológicas, como essa do bacharelismo". Seja lá o que for uma "tara antropológica", o bacharelismo nacional é certamente uma praga. Barbosa é hoje uma esperança nacional, pelo simples fato de dizer coisas que estão entaladas na garganta dos brasileiros.

Na semana passada ele expôs mais uma verdade: "Nós temos partidos de mentirinha". Bingo. Mas onde estava o ministro no dia 7 de dezembro de 2006, quando o Supremo Tribunal Federal derrubou a cláusula de barreira para partidos que não tem votos? De licença.

Estando de licença, por conhecidos motivos de saúde, Barbosa fez 19 viagens para o Rio, São Paulo, Salvador e Fortaleza, com passagens aéreas pagas pela Viúva. Os ministros do STF ganham R$ 28 mil mensais, mais carro, motorista e bolsa viagem. Seus similares da Corte Suprema americana ganham o equivalente a R$ 35,6 mil, sem mais nada. Passagens? Nem de ônibus. A Viúva paga até mesmo as viagens ao exterior (na primeira classe) das mulheres de ministros. Ricardo Lewandowski é homem de boa fortuna familiar. Gilmar Mendes é casado com uma advogada que trabalha num poderoso escritório de advocacia, onde ganha bem. Nada de ilegal. Tudo de acordo com as leis dos bacharéis que dão até R$ 15 mil mensais a sete garçons do Senado.

Quando a repórter Luciana Verdolin perguntou a Barbosa, como presidente da Casa, sobre o que ele achava da questão, ouviu: "Eu não quero falar sobre esse assunto. Eu não li a matéria. Essa matéria é do seu conhecimento. Não é do meu".

A reportagem podia não ser do seu conhecimento, mas a despesa era. O desempenho de Barbosa tratando dos temas que escolhe é um refrigério. Já sua atitude diante de perguntas estranhas à sua agenda é antropologicamente bacharelesca.
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O BACANA

A escolha do advogado Luís Roberto Barroso para uma vaga no Supremo Tribunal Federal foi amplamente saudada. Nas novas funções, o doutor podia tirar da seção musical do seu blog a canção "Um Só Coração", composta por um advogado amigo que "alegrou-me o coração".
Ela diz o seguinte:
"Carioca da gema
Habitué de Ipanema
Barroso é genial.
(...)
Na Uerj ele manda
No Supremo é o bacana
Dispensa credencial."

Costura

Enquanto os tucanos brigam, Fernando Henrique Cardoso costura pacientemente alianças em torno de Aécio Neves.

Sinal disso é a mudança de tom do governador Sérgio Cabral em relação à campanha da doutora Dilma. Ele jantou com FHC há duas semanas.

África, não

Para ir a Roma em março, a doutora Dilma levou três ministros, além do rotineiro titular do Itamaraty. Ocupou 52 quartos de hotel.

Para ir à Etiópia, além do embaixador Patriota, foi só o ministro Aloizio Mercadante.

Faz tempo, quando uma comissão da ONU se reunia anualmente em Nova York para discutir a independência da Namíbia, um de seus membros informava: "Reunindo-nos aqui, a Namíbia jamais será independente. Se nos chamarem para uma reunião em Windhoek, no verão, sua independência sairá no mesmo dia."

Dan Brown

Uma alma implicante sustenta que Dan Brown disse bobagem no seu "Inferno" quando chamou de "horrível" a estátua de um anão montado numa tartaruga que fica no Jardim de Boboli, em Florença.

Faltou-lhe senso de humor.

A porta giratória da ANS e das operadoras

Durante o tucanato o comissariado petista deitou e rolou denunciando a promiscuidade da banca com o Banco Central, tanto pela nomeação de banqueiros para sua diretoria como pela porta giratória. Eles iam da banca para o BC e do BC para a banca. Jogo jogado. Seria o caso de se começar a discutir a promiscuidade que o petismo patrocina na Agência Nacional de Saúde Suplementar, que fiscaliza e fixa normas para o funcionamento dos planos privados. Trata-se de um mercado que move R$ 93 bilhões, afeta a saúde física de 48 milhões de pessoas e está infestado por tamboretes e maus serviços. No ano passado, as operadoras reconquistaram o primeiro lugar no ranking de reclamações da clientela. Oito em dez fregueses queixavam-se delas. De cada dois processos abertos na ANS, um tramita há mais de cinco anos.

Mauricio Ceschin, que presidiu a ANS de 2009 a 2012, vinha do grupo Qualicorp, que doou R$ 1 milhão para a campanha da doutora Dilma. Leandro Tavares, cuja recondução para uma diretoria está sendo discutida no Senado, veio da operadora Amil.

Um diretor que veio dos quadros da Amil a ela retornou. Outra, saiu da Amil, passou pela agência e hoje está na Unimed. Um quadro da Hapvida que litigava contra a ANS se tornou seu diretor-adjunto.

Semelhante situação poderia refletir um clima de harmonia entre o poder público e a iniciativa privada. Contudo, até hoje a ANS e o Ministério da Saúde não conseguiram criar mecanismos eficazes para cobrar dos planos privados as multas impostas às operadoras nem pelos serviços prestados pelo SUS aos seus clientes.

Esse é um problema antigo, mas a repórter Cassia Almeida expôs novos números. Entre 2005 e 2010, aumentou em 60% o número de internações de clientes de operadoras privadas em hospitais do SUS. (Entre 2006 e 2012, as doações políticas das operadoras cresceram 37,2%, para R$ 8,6 milhões.) Em 2012, as internações foram 276.850, a um custo de R$ 537 milhões. Se essas pessoas não tivessem planos privados também seriam internadas, porque esse é seu direito. O problema é que elas pagaram aos planos e os planos nada pagaram à Viúva. O doutor Ceschin chegou a dizer que, "se o ressarcimento chegar a R$ 100 milhões, não tem relevância na solução dos problemas da saúde pública." Quando o governador Geraldo Alckmin queria sublocar leitos públicos para os planos de saúde, prometia arrecadar, só em São Paulo, R$ 468 milhões.

O comissariado não executa as cobranças nem discute a mudança das leis que inibem o ressarcimento. Patrocina a pior das privatarias. Fiscaliza mal planos financeiramente inviáveis que se estabelecem na esperança de mandar seus clientes para o SUS sempre que o tratamento for caro. Assim, quanto mais a Viúva investe para melhorar a saúde pública, mais os espertalhões que vendem planos a R$ 160 mensais fazem o melhor negócio do mundo: embolsam por um serviço que não prestam e jamais pensaram em prestar.

Fonte: O Globo

Confusão faz parte - Miriam Leitão

O governo aprova um orçamento inflado, parte de premissas de crescimento econômico que não se realizam. O Congresso eleva essas previsões de arrecadação para incluir as emendas dos parlamentares. Há um momento no ano em que os ministros do Planejamento e da Fazenda juntos anunciam os cortes - ou contingenciamentos. O que tudo isso significa? Pouca coisa.

As emendas são incluídas pelos parlamentares para mostrar para as suas bases que estão trabalhando, embora não pareça, e o governo as corta para dar a impressão de austeridade. Em momento de necessidade, o governo pode usar isso como parte da negociação política da liberação. Semana passada, foi encenado esse teatro mais uma vez. Ele é velho, mas o que era antes um fato excepcional, uma exceção, virou o hábito. A imprensa registrou este ano que o governo "contingenciou" metade do que no ano passado. Está, portanto, mais gastador.

O economista Mansueto de Almeida diz que o mecanismo de contingenciamento não permite dizer se o governo está sendo mais ou menos econômico:

- Tanto é que o gasto público do Brasil aumenta desde sempre, apesar da prática corrente do contingenciamento anual. O que arriscaria a dizer é que desta vez há mais uma prova de que o governo está mesmo abrindo as torneiras.

Sobre a antiguidade do instrumento de nome esquisito que, na prática, significa deixar em reserva parte do que o governo está autorizado a gastar, a leitura indicada é a das páginas 145-147 do livro "As Leis Secretas da Economia", de Gustavo Franco. Ele lembra que, em um diálogo público entre o poeta Carlos Drummond de Andrade e o economista Eugênio Gudin, a estranha palavra foi o tema central. "Com o intuito de exaltar a prosa de boa qualidade de Gudin, o poeta debruçou-se sobre um texto de uma portaria interministerial em que havia a expressão "operacionalização do contingenciamento" e exclamou: que bicho é esse, evadido de que reserva léxica?"

Assim é o economês com o qual os brasileiros já se acostumaram. Gudin respondeu ao poeta: "Nem tudo pode ser claro, um pouco de confusão talvez seja bom no caso."

Esse velho diálogo serve perfeitamente para o momento atual. Porque ninguém está interessado em ser claro, do contrário o governo não garantiria que vai cumprir o superávit de R$ 155 bilhões ou 3,1% do PIB. Ele sabe que não vai cumprir. Vai descontar os investimentos que forem feitos no PAC, não vai compensar com recursos federais a frustração da meta fiscal dos estados, e ainda vai descontar as desonerações. Essa última decisão é realmente notável.

O governo desonerou, ou seja, autorizou empresários a não pagarem alguns impostos. Logo, o dinheiro não vai entrar nos cofres públicos. Mas essa não receita será considerada receita. Na hora de fazer a conta das despesas e receitas ele não vai descontar esse dinheiro que receberia e não recebeu. Ou seja, é preferível mesmo que bichos evadidos de reservas léxicas exógenas ocupem o diálogo econômico, porque a confusão é providencial.

Por que o governo não faz simplesmente um orçamento mais realista, já negociando as emendas de parlamentares que são de bons projetos e assim aprova o que de fato será executado? Mansueto explica que isso tiraria do governo poder de barganha e aumentaria a transparência da formação da base aliada, a quem ele atende e a quem não atende. A confusão, portanto, é deliberada.

- Quando o governo faz contingenciamento do Orçamento e libera recursos apenas nos últimos dois meses, não há mais tempo hábil para ser executada a despesa e tudo se transforma nos "restos a pagar" - diz o economista.

Assim, quando o ano começa, o governo já tem "restos a pagar". Se ele for executar tudo e mais o que estiver orçando para aquele período, não haverá dinheiro que chegue:

- Neste ano, o investimento aprovado do Orçamento Geral da União foi por volta de R$ 82 bilhões, mas já havia inscrito como restos a pagar algo próximo de R$ 67 bilhões. Como o contingenciamento foi de apenas R$ 28 bilhões, o governo apenas cortou uma parte do que ele não terá capacidade de executar.

Todos os governos contingenciam e deixam restos a pagar. Mas este ainda faz malabarismos para que os números não pareçam com o que realmente são. O ideal mesmo é que nada nesse léxico seja claro.

Fonte: O Globo