domingo, 27 de maio de 2018

Luiz Werneck Vianna*: O centro político, a democracia e as reformas

- O Estado de S.Paulo

Como sistema de orientação, meus artigos vêm observando a crise que nos assola a partir da nossa experiência na matéria

Como sistema de orientação, meus artigos vêm observando a crise que nos assola a partir da nossa experiência na matéria, que ensina a reparar inicialmente a fim de medir seu potencial disruptivo, as ruas e os quartéis como os lugares mais sensíveis para o registro de sua gravidade. Salvo momentos episódicos de pico, as ruas estão vazias e os quartéis, silenciosos, fazendo profissão de fé à ordem constitucional. De forma inédita em nossa História, é da família do campo do Poder Judiciário em associação também inédita com a imprensa – combinação sempre explosiva aqui e alhures – que, faz tempo, provêm as tentativas de desestabilizar a ordem reinante, levando o presidente da República às barras dos tribunais mesmo a poucos meses das eleições gerais, como já é o caso.

Duas das corporações mais influentes na conjuntura presente – a militar e a jurídica –, como seria natural, falam de perspectivas distintas, a do poder a primeira e a segunda, do princípio republicano da moralidade e dos seus valores diante da degradação pública que, nos últimos anos, sofreram nossas instituições políticas, hoje justamente repudiadas pela cidadania. O momento eleitoral pode constituir, se levado a sério, uma oportunidade de ouro para o saneamento, pelo voto, dos partidos e da própria atividade política.

Ambas são animadas por lógicas distintas, mas que podem e devem exercer papéis complementares, tanto para garantir que a competição eleitoral obedeça às vias democráticas quanto para interditar o acesso a candidaturas que, na forma da lei, estejam proscritas.

Se este país se tornou, a partir dos anos 1930, um caso clássico de modernização por cima, conduzindo pela mão do Estado a industrialização, valendo-se de todos os meios para a realização dos seus objetivos, borrando desde aí os limites que devem separar as esferas públicas das privadas, tal modelo se esgotou sob o governo Dilma, que pretendia radicalizá-lo, contra todos os sinais que apontavam para sua exaustão.

Nesse sentido, o processo eleitoral que já vivemos pode ser considerado como um momento quase constituinte, na medida em que deve impor pelo voto uma radical mudança nas relações entre o Estado e a sociedade civil. O movimento de junho de 2013 da juventude anunciou com tintas fortes a profundidade da crise dessa relação, enquanto a devassa nos negócios entre agentes públicos e empresas privadas procedida pela chamada Operação Lava Jato fez o resto, jogando ao chão o que ainda restava dela. Decerto que o momento de uma campanha eleitoral não seria o mais oportuno, pelas paixões que ela suscita, mas, por ora, só contamos com ele.

Motoristas mantêm bloqueios e petroleiros anunciam greve

Governo sobe o tom e pede prisões de empresários; sindicatos de petroleiros querem saída de Pedro Parente

Enquanto a paralisação de caminhoneiros chegava ontem ao sexto dia, com 566 pontos de bloqueio parciais nas estradas e cenas de desabastecimento em todo o País, a Federação Única dos Petroleiros, representante de empregados da Petrobrás, anunciou manifestações hoje e greve de 72 horas a partir de quarta-feira. Eles querem, entre outros pontos, a demissão do presidente da companhia, Pedro Parente, e a redução dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha. Em entrevista, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, subiu o tom contra a greve dos caminhoneiros e afirmou que a Polícia Federal abriu 37 inquéritos em 25 Estados para investigar empresários de transporte por suspeita de locaute – quando uma paralisação é coordenada e incentivada por patrões, o que é ilegal. Também foram expedidos mandados de prisão. O governo começou a aplicar multas de R$ 100 mil por hora aos donos de transportadoras. Também ontem, o presidente Michel Temer assinou decreto que autoriza o poder público a requisitar veículos particulares para o transporte de cargas essenciais.

Governo pede prisão de empresários para tentar pôr fim à greve de caminhoneiros

Decreto editado pelo Planalto também permite que motoristas das Forças Armadas assumam o volante dos caminhões parados

Fernando Nakagawa Julia Lindner Tânia Monteiro | O Estado de S. Paulo.

Para tentar debelar a greve dos caminhoneiros, que completou ontem seis dias, o governo resolveu endurecer um pouco mais o jogo. Segundo o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, a Polícia Federal já instaurou 37 inquéritos em 25 Estados para apurar a prática ilegal de locaute – quando a paralisação dos funcionários tem iniciativa ou apoio das empresas, e que os responsáveis estão sendo convocados para prestar depoimento. O ministro informou também que mandados de prisão para empresários já foram expedidos, mas disse que, por questão de segurança, não poderia informar se já tinham sido cumpridos.

“Temos comprovado, seguramente, que essa paralisação por caminhoneiros autônomos, em parte, teve desde seu início a promoção e o apoio criminoso de proprietários e patrões de empresas transportadoras distribuidoras e podem ter certeza que irão pagar por isso”, afirmou o ministro ontem à noite, após a segunda reunião do gabinete de crise que acompanha a greve dos caminhoneiros. “Identificamos com a maior clareza movimento criminoso de parte dos senhores proprietários donos de grandes empresas, que não permitem, não engajam, não liberam os caminhoneiros. Pelo contrário, lhes dão apoio para permanecer paralisados”, afirmou.

Para sufocar o movimento, o governo Michel Temer buscou atuar em três frentes: a Polícia Rodoviária Federal (PRF) entregará ao Ministério Público Federal relatório atualizado de todas as multas aplicadas a caminhoneiros autuados nas estradas no processo de desobstrução; o governo diz que também passou a aplicar multas de R$ 10 mil por dia para caminhoneiros e R$ 100 mil por hora para empresas que continuarem resistindo na greve; e atuação mais efetiva das Forças Armadas na liberação das rodovias, principalmente das vias consideradas fundamentais para distribuição de combustíveis e produtos essenciais, como hospitalares.

Segundo Jungmann, a Polícia Rodoviária Federal emitiu 400 autos de infração que ultrapassam R$ 2 milhões. Essas multas só dizem respeito a infrações ao Código Brasileiro de Trânsito, segundo a corporação. Não incluem as sanções permitidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou a greve ilegal.

O presidente Temer também assinou um decreto no qual permitiu ao governo assumir o controle de caminhões para desobstruir as rodovias. A medida, chamada de requisição de bens, já havia sido anunciada na sextafeira, mas, só seria tomada se houvesse necessidade. Pelo menos 800 motoristas das classes D e E do Exército, da Marinha e da Aeronáutica estão de prontidão em todo o País para serem empregados, caso haja necessidade. Mas este é considerado um último recurso pelo governo. Esses motoristas têm habilitação para dirigir até mesmo a chamada carga sensível.

Petroleiros prometem greve na quarta-feira

Lista de reivindicações inclui a redução nos preços dos combustíveis e do gás de cozinha e a saída do presidente da estatal, Pedro Parente 

Fernanda Nunes Vinícius Neder | O Estado de S. Paulo.

Os empregados da Petrobrás decidiram engrossar os protestos contra a política de preços dos combustíveis da estatal. Em reunião na tarde de ontem, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), em nome de 13 sindicatos regionais, definiu por uma greve de advertência de 72 horas a partir da zero da próxima quartafeira. Essa será a primeira paralisação. Outra, por tempo indeterminado, ainda está sendo organizada e não há data para começar.

“Essa greve se faz necessária para denúncia essa política irresponsável do Pedro Parente (presidente da companhia), que está sucateando nossas refinarias, abrindo mercado para as importadoras e elevando os preços dos combustíveis de forma abusiva, prejudicando gravemente a sociedade brasileira”, afirma o coordenador-geral da FUP, José Maria Rangel, em vídeo de divulgação da greve.

A lista de reivindicações entregue à empresa ainda no sábado inclui cinco pontos. Um deles é a demissão do presidente da companhia, Pedro Parente. Os sindicalistas pedem também a redução dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha; a manutenção de empregos e retomada da produção interna de combustíveis; o fim da importação de derivados de petróleo; e a desmobilização do programa de venda de ativos promovido pela atual gestão da estatal. Os petroleiros contestam também a presença de unidades das Forças Armadas em instalações da Petrobrás.

Ligados à CUT e ao PT, os sindicalistas da FUP são reconhecidos rivais da atual gestão da Petrobrás. Mas, historicamente, as paralisações comandadas por eles não chegam a comprometer o abastecimento, porque, por lei, estão impedidos de prejudicar a população em suas manifestações.

No Rio Grande do Sul, trabalhadores da Refap já cruzaram os braços no turno de 8h às 16h de ontem, em solidariedade ao movimento de greve dos caminhoneiros, informou o Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS). Mas, segundo a assessoria de imprensa da Petrobrás, a operação não foi afetada, porque os trabalhadores do turno anterior, da meia-noite às 8 h, assumiram os trabalhos.

Governo intensifica ação contra bloqueios; petroleiro fará greve

Perdas com protestos de caminhoneiros superam R$ 10 bi em cinco dias

Joana Cunha | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Os bloqueios de caminhoneiros nas rodovias que paralisaram o escoamento da produção em todo o país já provocaram perdas de ao menos R$ 10,2 bilhões, conforme as primeiras estimativas de diferentes setores.

O número, quase o dobro dos R$ 5 bilhões que o governo usará para cobrir a perda que a Petrobras terá por reduzir o preço do diesel e suspender os reajustes diários, vai crescer quando for possível mensurar os estragos com mais precisão.

O presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins, estima que 40% das atividades do setor tenham sido atingidas, comprometendo negócios de R$ 2,4 bilhões.

Na indústria de frangos e suínos, o cálculo chega a R$ 1,8 bilhão perdido em cinco dias, diz Ricardo Santin, vice-presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

O valor abrange a previsão de exportações que deixaram de ser feitas e a atividade do mercado interno. "Todo dia estão morrendo pintinhos ou ovos que não nascem. Já morreram mais de 50 milhões de aves."

Com a atividade desregulada, o frango perde a qualidade porque não atinge o peso determinado e não pode ser abatido na época adequada.

Em carnes bovinas, cerca de R$ 620 milhões deixaram de ser embarcados para exportação, segundo Antônio Camardelli, presidente da Abiec (da indústria de carnes).

Nesse caso, são negócios postergados porque os animais não foram abatidos, mas o setor está fazendo o balanço da carne apodrecida.

"A maioria dos frigoríficos está sem abate. Deve ter 3.000 carretas carregadas sem poder desovar no varejo. Vai ter que contabilizar todo esse produto perecível", afirma Camardelli.

A JBS paralisou unidades em cinco estados. Sem receber insumos e animais para o abate, além da falta de caminhões para escoar a produção acabada, a BRF também suspendeu parte das atividades.

A imagem do leite derramado, símbolo dos desperdícios da semana, representa um prejuízo de R$ 1,1 bilhão aos produtores em cinco dias de protestos, valor que soma a receita que deixa de entrar aos custos de produção, nos cálculos da CNA (confederação da agropecuária). Segundo a entidade, cerca de 95 milhões de litros de leite são produzidos diariamente no país e estão sendo descartados.

Mais R$ 1 bilhão deixou de ser faturado no setor farmacêutico, estima o Sindusfarma (da indústria de medicamentos). "Se faltam remédios, as doenças crônicas e as agudas podem se agravar, elevando despesas hospitalares", diz Nelson Mussolini, presidente da entidade.

Outro R$ 1,3 bilhão é a conta da Anfavea, associação da indústria automotiva, que na quinta (24) anunciou a paralisação total das fábricas. O cálculo envolve apenas o que deixou de ser arrecadado em tributos e não inclui o faturamento das montadoras.

O setor tem alta dependência do transporte por caminhões para receber peças das linhas de montagem e também para o desembaraço de veículos prontos enviados às concessionárias e à exportação.

Outro mercado dependente dos fretes, o comércio eletrônico calcula uma queda de quase R$ 280 milhões no faturamento da semana passada, segundo números da Ebit, empresa especializada em pesquisas sobre o varejo online.

Só na quinta (24), as empresas aéreas brasileiras perderam R$ 50 milhões, segundo a Abear (que representa as grandes companhias do país). A entidade ainda não mediu o estrago de sexta (25), quando mais de dez aeroportos ficaram sem combustível e as empresas foram obrigadas a cancelar mais de cem voos.

A Latam deixou de cobrar para reagendar passagem nos aeroportos afetados.

"O prejuízo ainda não estimado é a queda do volume de vendas. Começa a despencar. Quem queria viajar não compra", diz Eduardo Sanovicz, presidente da Abear.

Desde quarta, as operações da cadeia do café estão paradas, segundo Nathan Herszkowicz, diretor da associação Abic.

"A carga para exportação não chega ao porto. E as empresas que perderam embarques pagarão multa", diz Herszkowicz, cuja previsão supera R$ 550 milhões em negócios perdidos ou atrasados.

Fábricas de vestuário e têxteis sofrem com a escassez de insumos e funcionários impossibilitados de chegar ao trabalho, segundo sua entidade, a Abit. A estimativa é um baque de R$ 1,2 bilhão no faturamento do setor, excluindo impostos, em cinco dias.

Enquanto protestam, caminhoneiros recebem apoio, fazem churrasco e pedem a volta dos militares

Reportagem percorreu rodovias bloqueadas por manifestantes

Predominaram, em toda a extensão da rodovia, faixas de apoio à intervenção militar.

Carolina Linhares , Isabel Fleck e Joana Cunha | Folha de S. Paulo

BELO HORIZONTE E SÃO PAULO - A pedradas ou na base do convencimento, caminhoneiros enfileiraram seus veículos em estradas de todo o país para pressionar pela redução do diesel, promover churrascos e até pedir intervenção militar.

Na semana passada, homens que causaram a escassez de alimentos e combustíveis bloquearam parcialmente rodovias como Régis Bittencourt, Dutra e Fernão Dias, percorridas pela reportagem.

Manifestantes de pouco mais de 20 anos ou na casa dos 65, em uma mobilização difusa, eles reclamavam de custos e de tudo.

“Aqui a gente corre risco de vida, fica até sete meses longe da família e ainda tem que pagar para trabalhar?”, questionou o motorista Valdivino Fonseca, 65, em um dos pontos de manifestação na Via Dutra, na quinta-feira (24), em Jacareí (SP).

De acordo com um de seus colegas, que não quis se identificar, um frete de Santa Catarina ao Rio custa em torno de R$ 5.000, mas a viagem consome R$ 1.200, e o combustível, mais R$ 4.180.

Com o dinheiro no limite, segundo relatos, os motoristas se aglomeraram nas estradas e se solidarizaram uns com os outros. Na tarde de quinta, entre doações recebidas e vaquinhas para comprar alimentos, improvisaram uma galinhada.

Do analógico ao digital, conectavam-se pelos velhos rádios, como de costume para Fonseca, ou pelos ágeis smartphones com WhatsApp, no caso de Ricardo Pitsch, 23.

Uma paixão entre ambos: a profissão ao volante.

Pitsch até tatuou duas carretas nas costas, mas não deixa de lamentar sua rotina.

“Quando a gente fecha a porta do caminhão de noite para dormir, a gente chora, viu? É muito problema, muita solidão”, disse o jovem.

Apesar disso, há também momentos de confraternização entre esses homens.

Ainda não havia escurecido quando uma churrasqueira improvisada foi colocada ao lado do posto Rodoanel Sul, na Régis, na sexta-feira (25), para garantir o jantar de manifestantes.

Os 70 quilos de carne —incluída a linguiça suína— e os 300 pães foram doados pelo dono do posto, Joaquim Almeida, que apoia a paralisação, segundo o gerente, Leandro Duarte. O valor total foi de R$ 1.500.

Prisões terão que ocorrer para punir responsáveis, diz Jungmann sobre locaute

Polícia Federal tem 37 inquéritos abertos em 25 estados

Talita FernandesLaís Alegretti | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Raul Jungmann (Segurança Pública) confirmou a existência de mandados de prisão para empresários que são suspeitos da prática de locaute.

"Nós temos sim mandados de prisão, por isso que eu digo que prisões vão ocorrer. Não saberia dizer que já ocorreram", afirmou.

Ele acrescentou ainda que a Polícia Federal já tem 37 inquéritos abertos em 25 estados para apurar ações de locaute na paralisação dos caminhoneiros.

A prática de locaute é ilegal e caracterizada pela apropriação por parte de empresários dos atos de trabalhadores para atender aos seus interesses comerciais.

De acordo com o ministro, que comanda administrativamente a PF, a instituição vai convocar os responsáveis envolvidos dos atos investigados para prestarem depoimentos.

Jungmann disse ainda que a Polícia Rodoviária Federal já registrou 400 autos de infração apenas pela PFR, na aplicação de multas de trânsito que somam o valor de R$ 2,33 milhões.

Esse montante não inclui as multas que serão aplicadas por determinação judicial após o STF (Supremo Tribunal Federal) ter autorizado a aplicação de penalidade de R$ 100 mil por hora para aqueles que obstruírem vias.

"Os responsáveis estão sendo convocados para prestar depoimentos e vamos exercer no limite da lei, fielmente, em tudo aquilo que ela prevê como pena para aqueles que comprovarem locaute."

PF investiga empresários ligados a greve e pede prisões

Governo está convencido de que empresas estão por trás de paralisação

Donos de transportadoras que não voltarem ao trabalho já estão sujeitos a multas que chegam a R$ 100 mil por hora. Apesar das ameaças, caminhoneiros não cederam

A crise de abastecimento em todo o país se agravou ontem com mais um dia de greve de caminhoneiros, que mantiveram mais de 500 pontos de bloqueio nas estradas. “Temos comprovado que esta paralisação teve desde o seu início a promoção e o apoio criminoso de proprietários de empresas transportadoras e distribuidoras”, disse o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. A Polícia Federal abriu 37 inquéritos para investigar empresários. No Rio, o BRT ficou completamente parado em boa parte do dia, por falta de combustível, o que também afetou linhas regulares de ônibus. O prefeito Marcelo Crivella afirmou que escolas municipais só têm estoque para mais um dia de merenda e pode decretar ponto facultativo na segunda-feira. A greve expôs a excessiva dependência do transporte rodoviário no país, que não consegue avançar em alternativas mais adequadas a seu território de dimensões continentais, como ferrovias e hidrovias.

Bloqueios sem fim

Protestos continuam mesmo com Forças Armadas convocadas. PF pede prisões de envolvido

Cristiane Jungblut, Manoel Ventura, Ramona Ordoñez e Gustavo Schimitt | O Globo

BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO - Seis dias após o início dos protestos dos caminhoneiros, as estradas do país continuavam com mais de 500 pontos de bloqueio na noite de ontem, mesmo depois da decisão do governo de convocar as Forças Armadas para liberar rodovias. O governo decidiu endurecer ainda mais e lançou mão ontem de mais instrumentos, como multa de R$ 100 mil por hora aos donos de transportadoras que não retomarem os trabalhos e até pedidos de prisão à Justiça pela Polícia Federal, que investiga, em 37 inquéritos abertos em 25 estados, a participação de empresários no movimento. O presidente Michel Temer ainda assinou um decreto permitindo que servidores públicos e militares sejam habilitados para desobstruir rodovias. Mas nada disso foi capaz de encerrar o movimento.

— Temos mandatos de prisão. Não se sabe se já ocorreram — disse o ministro da Segurança, Raul Jungmann. — O país não será refém deste egoísmo. Quero dizer que temos comprovado que esta paralisação teve desde o seu início a promoção e o apoio criminoso de proprietários de empresas transportadoras e distribuidoras. Podem ter certeza: irão pagar por isso.

Os protestos continuaram, apesar de o governo ter cedido em várias frentes na semana passada: a Petrobras reduziu o preço do diesel por 15 dias e, em seguida, a Casa Civil costurou um acordo com nove entidades empresariais e representantes dos motoristas para obter uma trégua, que não foi seguida nas estradas. Ontem, Temer publicou em edição extra do Diário Oficial da União o decreto que autoriza a requisição de veículos particulares necessários ao transporte rodoviário de cargas consideradas essenciais. Anteontem, ele já havia editado um decreto de Garantia da Lei e da Ordem em todo o território nacional até o dia 4 de junho, para permitir o emprego das Forças Armadas.

No fim do dia, o governo federal divulgou um balanço com 566 pontos de bloqueio parciais em estradas federais no país, número maior do que os 519 registrados no fim de sexta-feira. Segundo o governo, a variação se deve ao fato de os caminhoneiros estão mudando os pontos de bloqueio e que a maioria é parcial. Ainda assim, foi preciso o uso da força em seis. Mesmo sem obstruir totalmente as pistas, os protestos dificultam o transporte de cargas, com postos de gasolina sem combustíveis, aeroportos desabastecidos e supermercados sem alimentos. Segundo o governo, o sistema de transplantes foi afetado, com perdas de órgãos.

MULTA DE R$ 100 MIL POR HORA
O governo diz já terem sido emitidos mais de 400 autos de infração, com multas que somam mais de R$ 2 milhões. Depois de três horas de reunião pela manhã do gabinete de crise montado no Planalto, que contou com a presença do presidente Michel Temer, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, disse que o governo está convencido de que há um locaute, caracterizado pela participação de empresários na greve para defender seus interesses.

Petroleiros decidem entrar em greve por 72 horas a partir da próxima quarta-feira

Entidade pede a saída imediata do atual presidente da Petrobras, Pedro Parente

Marlen Couto | O Globo

RIO — A Federação Única dos Petroleiros (FUP), representante de empregados da Petrobras, decidiu entrar em greve a partir de 0h da próxima quarta-feira. A paralisação nacional deve durar 72 horas. A lista de reinvidicações inclui a redução dos preços do gás de cozinha e dos combustíveis e a saída imediata do atual presidente da Petrobras, Pedro Parente. O movimento também é contrário a uma possível privatização da empresa.

"A greve de advertência é mais uma etapa das mobilizações que os petroleiros vêm fazendo na construção de uma greve por tempo indeterminado, que foi aprovada nacionalmente pela categoria. Os eixos principais do movimento são a redução dos preços dos combustíveis, a manutenção dos empregos, a retomada da produção das refinarias, o fim das importações de derivados de petróleo, não às privatizações e ao desmonte da Petrobras e pela demissão de Pedro Parente da presidência da empresa", diz o comunicado divulgado pela entidade neste sábado.

A federação também critica a presença das Forças Armadas nas refinarias, o que classifica como "grave ataque ao Estado Democrático de Direito", e exige a saída das tropas militares das intalações da Petrobras. Neste domingo, segundo a FUP, as trocas de turnos serão atrasadas em quatro refinarias e fábricas de fertilizantes que estão em processo de venda: Rlam (BA), Abreu e Lima (PE), Repar (PR), Refap (RS), Araucária Nitrogenados (PR) e Fafen Bahia. Na segunda-feira, também serão realizados atos públicos e mobilizações na Petrobras.

Neste sábado, trabalhadores da Refinaria da Petrobras Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas, no Rio Grande do Sul, decidiram não fazer a troca do turno das 7h em solidariedade ao movimento de greve dos caminhoneiros. Não houve também a troca do turno que seria às 16h. A refinaria, contudo, continuou operando normalmente com as equipes que não foram rendidas em seus respectivos turnos.

Vinicius Torres Freire: Da extrema esquerda a empresas, há adesão e pouca crítica ao paradão do transporte

- Folha de S. Paulo

Movimento se tornou porta-voz acidental da raiva das ruas

Quase não se ouve crítica à parada dos transportadores de carga.

É fácil compreender que candidatos à eleição não se atrevam a atacar um protesto contra os detestados aumentos de combustíveis. Mas a adesão ao paradão caminhoneiro vai de empresários a movimentos sociais de extrema esquerda, todos tentando tirar casquinha de uma revolta popular entre bolsonaristas, quando não liderada pelos partidários do capitão da extrema direita.

Pesquisas sobre reações nas redes sociais indicam maioria favorável ao movimento, mesmo que falte gasolina e se espalhe o medo de desabastecimento de comida. A hashtag #TemerAbaixaAGasolina foi para o topo das paradas do Twitter.

Do outro lado, restaram praticamente a alma penada do governo de Michel Temer e os economistas-padrão, que muitas vezes vivem no mundo da lua em que a política é um exotismo exógeno.

Desde que o comércio ocidental ressurgiu, na Idade Média, empresários protestam contra desordens e bloqueios de estradas, digamos, em nota sarcástica. O paradão caminhoneiro, porém, começou com o apoio de várias associações empresariais.

Há protestos, como aqueles dos criadores de animais, da indústria de produtos de carne, de fabricantes de remédios e químicos, de carros. Em geral, são tímidos ou localizados. Não há grita empresarial organizada contra o que antes se chamava de baderna, ainda mais se organizada pela esquerda.

Durante a semana, a esquerda decidiu surfar a onda dos caminhoneiros, de costume seus desafetos. O PT reconheceu a justiça do protesto, mais para bater em Temer e na política entreguista e privatista da Petrobras, mal citando o povo dos caminhões. Mas a Frente Brasil Popular, de movimentos sociais próximos do petismo, e a Frente Povo Sem Medo, à esquerda, aderiram, assim como a CUT e o MTST, de Guilherme Boulos, presidenciável do PSOL.

Elio Gaspari: ‘Greve de caminhoneiros’. Onde?

- O Globo

De uma hora para outra, houve uma greve de caminhoneiros e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, tornouse o responsável por dias de caos. Duas falsidades.

O que houve não foi uma greve de caminhoneiros, mas uma doce parceria com os empresários do setor de transporte de cargas rodoviárias. Diante dele, o governo capitulou. A repórter Míriam Leitão mostrou que só 30% dos caminhões pertencem a motoristas autônomos. Na outra ponta estão pequenas empresas subcontratadas e grandes transportadoras. Uma “greve de caminhoneiros” pressupõe greve de motoristas de caminhão. Isso nada tem a ver com estradas obstruídas.

Pedro Parente não provocou o caos. Desde sua posse na presidência da Petrobras, ele descontaminou-a do caos que recebeu. Na base dessa façanha esteve uma nova política de preços, acoplada ao valor do barril no mercado internacional. É assim que as coisas funcionam em muitos países do mundo. Se o preço do diesel salgou a operação do setor de transporte de cargas, o problema é dele, não de uma população que foi afetada pelo desabastecimento e agora pagará a conta. Os empresários sabiam muito bem o tamanho da confusão que provocariam.

O sujeito oculto da produção do caos foi o governo de Michel Temer. No seu modelito Davos, orgulhou-se da política racional de preços dos combustíveis. Já no modelito MDB-DEM-PP-PR-PPS, fez de conta que ela não teria custo político. Deveria ter provisionado um colchão financeiro para subsidiar a Petrobras, mas essa ideia era repelida pelos sábios da ekipekonômica. Diante do caos, descobriram que o colchão era necessário.

O governo tolerou a bagunça e associou-se ao atraso. A primeira reação de Temer deveria ter sido a responsabilização dos empresários, desmistificando a ideia de “greve dos caminhoneiros”. Bloqueou estrada? Reboco o caminhão, caso ele não pertença ao motorista. Queimou o talonário do policial que multou o veículo? Prendo-o. Só mudou o tom e exerceu a autoridade na sexta-feira, usando a força federal para desobstruir estradas.

Desde o primeiro momento tratou-se do caso com o gogó, deixando que o problema deslizasse para a Petrobras e seu presidente. Conseguiram piorar a discussão, beneficiando grupos de pressão, com o dinheiro dos outros.

Samuel Pessôa: Comédia de erros

- Folha de S. Paulo

Crédito barato para comprar caminhão provocou excesso de oferta e reduziu frete

Logo após a crise de 2009, os formuladores de política econômica passaram a estimular a compra de caminhões com empréstimos subsidiados do BNDES.

Achava-se que seria política contracíclica eficaz para ajudar a economia a sair da crise iniciada em 2008.

O programa de crédito muito barato persistiu até o primeiro mandato da presidente Dilma. De 2009 até hoje a frota de caminhões aumentou 40%. A economia, no mesmo período, cresceu 11%.

Não havia necessidade de tanto caminhão.

Evidentemente, o excesso de oferta de caminhões pressiona o frete para baixo.

A situação é especialmente difícil para o motorista autônomo. Os grandes operadores expandiram muito a oferta e podem contratar outros motoristas. Mesmo porque o mercado de trabalho muito fraco, com elevado desemprego, facilita as coisas para os grandes operadores.

A movimentação de veículos pesados nas estradas pedagiadas encontra-se quase 12% abaixo do pico de fevereiro de 2014.

As montadoras, por sua vez, trabalharam anos a plena carga para, em seguida, ficar anos com elevada ociosidade.

Em que pesem todos os estímulos para a compra de caminhões entre novembro de 2008 e novembro de 2013, a produção de caminhões excedeu os licenciamentos domésticos e a exportação em 40 mil unidades.

É claro que a reversão de cenário foi brutal. Para as montadoras e para os caminhoneiros.

Míriam Leitão: O risco do populismo

- O Globo

Durante dias o país sentirá os efeitos da desordem provocada pela paralisação do transporte rodoviário de carga. O movimento que uniu caminhoneiros e transportadoras precisou de pouco tempo para nocautear o país. Ontem não havia gasolina em várias cidades. Permanecem o bloqueio de estradas e o desabastecimento. O que pedem caminhoneiros, patrões, consumidores é controle de preços.

Há uma fórmula simples que resolve esta crise e a raiva da classe média com o preço da gasolina. E ela está errada. Em tempos eleitorais, a solução errada tem sido defendida pelos candidatos. Eles dizem que a Petrobras deve vender todos os seus derivados pelo custo de produção. Parece simples, faria a felicidade dos donos de carros, dos caminhoneiros, das empresas de transporte, das companhias aéreas e reduziria a tarifa de energia. Tem apenas um problema: já foi executada inúmeras vezes e sempre terminou em correção brusca de preços e prejuízo para a empresa estatal.

O professor de economia da PUC-Rio Márcio Garcia disse que essa tem sido a tendência no Brasil:

— Agora, por exemplo, recebi uma mensagem de um amigo dizendo: não vamos abastecer o carro amanhã porque temos que nos bater contra essa política de aumentos. Como se as altas do dólar e do petróleo fossem algo sobre o qual o governo tivesse controle. Ou tivesse obrigação de não deixar passar. A compreensão é a de que o governo tem que intervir e garantir a coisa barata.

O cientista político e professor da UNB Eduardo Viola acha que essa inclinação não é só do Brasil, é de toda a América Latina e explica os grandes ciclos de decadência na região. Sobre um gráfico do PIB per capita da Argentina, em comparação com o dos Estados Unidos, Viola mostrou que as políticas populistas começaram no governo Perón e foram mantidas pelo regime militar:

Rolf Kuntz: Raízes da crise são velhas, falha de Temer é própria

- O Estado de S.Paulo

O presidente Michel Temer também pode, apesar de tudo, considerar-se mais uma vítima de um acúmulo de erros alheios

Acuado, desorientado diante da pressão dos caminhoneiros, mal aconselhado, hesitante no uso da autoridade e negociando de igual para igual com violadores da lei, o presidente Michel Temer também pode, apesar de tudo, considerar-se mais uma vítima de um acúmulo de erros alheios. Durante décadas, decisões desastrosas condenaram o Brasil a depender excessivamente do transporte rodoviário, enquanto outros países continuavam a valorizar e a modernizar as ferrovias e os sistemas de transporte hidroviário.

Equívocos igualmente perigosos submeteram combustíveis e energia elétrica a uma tributação pesada e irracional, aplicada principalmente pelos Estados. Tanto os problemas dos caminhoneiros quanto sua capacidade de pressionar o governo e de impor custos inaceitáveis à sociedade são consequências de erros como esses. Mas esses desacertos foram ainda agravados, durante muito tempo, pela ineficiência na expansão, na modernização e até na mera conservação das estradas – importantes fatores adicionais de custos e de riscos para os envolvidos no transporte de cargas e também de passageiros por estradas.

Nenhum desses fatores atenua as falhas do Executivo na reação ao bloqueio das estradas. Os caminhoneiros podiam ter motivos ponderáveis para protestar e para cobrar mudanças, mas nada poderia justificar a obstrução de rodovias e a imposição de danos à população. Era função da autoridade fazer cumprir a lei prontamente. Em seguida poderia examinar medidas para aliviar a situação dos transportadores, tanto indivíduos quanto empresas. Mas qualquer solução será parcial, provisória e muito imperfeita enquanto os velhos erros forem mantidos.

O equívoco mais notório foi o quase abandono do transporte ferroviário, acentuado a partir dos anos 1960. O Brasil tem uma posição bem diferenciada, entre os países de grande território, quando se trata da matriz de transportes. Os dados variam de uma fonte para outra, mas de forma bem limitada. De modo geral, os vários conjuntos de informações mostram um país muito mais dependente que os outros da movimentação rodoviária.

Merval Pereira: De volta ao começo

- Globo

Exemplo básico da falência de nosso sistema partidário é a posição atual de PT e PSDB, as duas legendas que predominavam na política brasileira nos últimos 25 anos e hoje correm o risco de não estarem nem no segundo turno. Curiosamente, tanto um partido quanto o outro estão revendo posições que os colocaram na liderança política do país.

O PSDB, embora envergonhado, volta a cobiçar como parceiro o velho MDB, com todos os seus vícios históricos. E o PT une-se ao PSOL, que nasceu da sua costela em 2005 por divergências programáticas e devido às acusações de corrupção.

O partido que havia procurado ampliar seu eleitorado indo da esquerda para o centro, e com isso elegendo Lula presidente em 2002, hoje volta às suas raízes radicais ao ter como uma possibilidade de aliança política o candidato do PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

De quebra, a aliança demonstra também que o PSOL, que se manteve em posição de independência durante os governos Lula e Dilma, não resiste à possibilidade de chegar ao poder central com Lula na cadeia, fora do páreo.

As denúncias de corrupção envolvendo o PT, que levaram vários de seus fundadores a sair do partido, são muito mais graves hoje, com o escândalo da Petrobras sendo desvendado pela Operação Lava-Jato, do que na época do mensalão, que provocaram lágrimas de dissidentes petistas que saíram para entrar no PSOL.

Vera Magalhães: Ensaio sobre a cegueira

- O Estado de S.Paulo

Ódio ao governo Temer uniu esquerda e direita no apoio cego a um movimento chantagista

As cenas vividas no Brasil de 2018, com desabastecimento de combustíveis e toda sorte de produtos, filas em postos de gasolina, estradas paradas por caminhoneiros e pessoas indo aos supermercados para estocar víveres cada vez mais caros e a concessão do governo na forma de lautos subsídios lembra em tudo crises anteriores do Brasil, da superinflação de José Sarney à greve dos caminhoneiros do governo FHC.

A escalada de um movimento que começa como uma reivindicação setorial e se alastra por outras categorias, pegando de surpresa governos, imprensa e analistas também leva a um paralelo com junho de 2013.

Mas a soma de tudo isso, a reação entre incompetente e covarde de governantes e candidatos e um apoio histérico da esquerda e da direita radicais a um movimento que parou o País me remetem ao magistral romance Ensaio sobre a Cegueira, do Nobel de Literatura português José Saramago.

O livro narra o avanço da chamada “epidemia branca”, que começa no dia em que um único homem é acometido de uma cegueira que o faz deixar de enxergar. O mal aos poucos se alastra para praticamente toda a população, gerando a perda paulatina da humanidade e da civilidade.

Bruno Boghossian: É uma cilada

- Folha de S. Paulo

Crise dos caminhões deixou de vez o campo da negociação e das políticas públicas

A resistência dos caminhoneiros e a decisão do governo de convocar as Forças Armadas mostram que a crise deixou de vez o campo da negociação e das políticas públicas.

O país caiu numa cilada. Michel Temer fez acordo com líderes de fachada, decidiu bancar prejuízos da Petrobras para dar diesel mais barato aos motoristas temporariamente e, agora, ameaça tirar à força das estradas aqueles que continuam parados.

Seja qual for o desfecho dessa crise, o resultado será precário. Ainda que consiga desmobilizar os grevistas com a ajuda dos militares, o governo enfrentará um estado permanente de insatisfação. O aborrecimento com o custo dos combustíveis permanecerá tanto entre caminhoneiros quanto entre motoristas que abastecem seus carros com uma gasolina cada vez mais cara.

Se a paralisação persistir, Temer será obrigado a lançar mão de gambiarras, como a redução de tributos sobre o diesel por decreto. Para chegar ao fim do mandato, o presidente dispensaria uma receita bilionária.

O Planalto já avisou que qualquer corte sobre o PIS e a Cofins só valeria até o fim deste ano. A carga tributária sobre os combustíveis, portanto, não mudaria de vez. O próximo presidente (seja quem for) precisaria explicar o aumento nas bombas em seu primeiro dia de governo.

Não há discussão séria sobre impostos e sobre o peso do Estado em um ambiente de chantagem, e muito menos com um governo enfraquecido por sua impopularidade.

A candidatura governista de Henrique Meirelles foi lançada sob a propaganda da retomada da economia após a devastação dos anos Dilma Rousseff. O ex-ministro da Fazenda criou até um slogan:

 “Quando o Brasil tem problemas, chama o Meirelles”.Sob essa perspectiva, o legado de Temer também poderia usar o comandante do Exército como garoto-propaganda. Oposição à reforma da Previdência? Violência fora de controle no Rio? Greve de caminhoneiros? Chama o Villas Bôas.

Eliane Cantanhêde: Escolhendo o inimigo

- O Estado de S.Paulo

Governo e PT poupam caminhoneiros e partem para cima de transportadoras

Quase ninguém percebeu, mas o governo Temer e o PT assumiram um discurso parecido diante do caos que a paralisação dos caminhoneiros gerou no País inteiro. Para os dois ex-parceiros de poder, agora inimigos ruidosos, o protesto dos caminhoneiros é “justo” e os verdadeiros culpados são os donos das transportadoras. A uns, solidariedade; aos outros, a lei.


Em nota, o partido de Lula condenou as empresas de transporte, “que se aproveitaram do movimento para realizar um locaute”. Em entrevista no Planalto, ministros destacaram que greve de trabalhador é legal, mas locaute de patrão é crime. Raul Jungmann, da Segurança, enumerou imputações e penas: incitação à violência, tantos anos, ameaça à segurança dos trabalhadores, mais tantos...

O presidente Michel Temer abriu a sexta-feira anunciando o uso de “forças federais” e atacou a “minoria radical” que ignorou o acordo com o governo e manteve a paralisação. Seus ministros, porém, deixaram os radicais para lá e, cuidadosos com os caminheiros que impõem ao País falta de comida, remédios, água e combustíveis, anunciaram medidas duras contra seus patrões.

Carlos Marun, da Articulação Política, disse que o governo optou pela negociação “por entender justas as reivindicações”. Eliseu Padilha, da Casa Civil, até elogiou: “O movimento foi plenamente exitoso”. Enquanto isso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) investiga as empresas de transportes e a Polícia Federal convoca vinte empresários do setor para depor.

Luiz Carlos Azedo: Governo fraco

- Correio Braziliense

A União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam por um acordo que jogue a conta no colo do consumidor

“Isso é coisa de governo fraco”, sapecou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao criticar a mobilização das Forças Armadas para enfrentar a crise de abastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros (na verdade, um grande locaute das transportadoras, que só agora começa a ser enfrentado pelo governo como manda a lei). Na quarta-feira, Maia foi protagonista de uma votação na Câmara que complicou ainda mais a situação, ao induzir os deputados a votarem pela extinção do Pis-Cofins no diesel dizendo que a perda seria de R$ 3 bilhões, quando na realidade seria de R$ 10 bilhões. Disse que as contas da receita estava errado, ao contrário dos cálculos da assessoria técnica do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-RJ).

O último presidente da Câmara a se aproveitar de um governo fraco foi o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que abriu o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), aliado à oposição, mas hoje está cumprindo pena em regime fechado. Dilma havia passado por um tremendo desgaste em 2013, quando foi surpreendida por grandes manifestações de protestos em todo o país, mas, mesmo assim, conseguiu a reeleição. Não resistiu, porém, quando as mobilizações de rua convergiram para as articulações no Congresso, em razão do colapso de sua “nova matriz econômica”, que jogou o país na maior recessão de sua história e provocou desemprego em massa. Seu vice, Michel Temer, entrou na conspiração e assumiu seu lugar. É um presidente fraco pela própria natureza.

Ao contrário de Cunha, Maia é hoje o primeiro na linha de sucessão de Temer. Na semana passada, o ambiente na Câmara era de vaca estranhar o bezerro, como gostam de afirmar os políticos. Os que haviam votado contra a denúncia contra Michel Temer diziam que sua manutenção no cargo foi um erro. Estava-se pagando um preço muito alto por isso, pois o governo não se recuperou da crise ética, apesar da queda da inflação e dos juros baixos. Aliados de Temer admitem que estão sendo muito cobrados pelos eleitores por causa do voto contra a denúncia. O ambiente na Câmara não é favorável ao governo. Resumindo, se houver uma nova denúncia, Temer será afastado do poder.

Informação clara ao eleitor: Editorial | O Estado de S.Paulo

O País tem um gravíssimo problema fiscal, que afeta todo o desenvolvimento econômico e social. Além disso, se o reequilíbrio das contas públicas é sempre politicamente muito difícil, no caso brasileiro a questão é agravada pelo fato de o caminho de reestruturação fiscal envolver mudanças na Constituição. Não basta que o governo esteja decidido a diminuir os gastos públicos. É necessário que o Congresso aprove, em dois turnos nas duas Casas, com quórum qualificado de três quintos dos parlamentares, as necessárias correções constitucionais para que as despesas possam ser de fato reduzidas.

É o caso da reforma da Previdência, que o Congresso não votou no ano passado, apesar das tentativas do Palácio do Planalto. Se forem mantidas as regras para a concessão de pensões e aposentadorias, o déficit previdenciário conduzirá as contas públicas ao colapso.

A despeito da evidente gravidade do tema fiscal – basta pensar que, sem reforma da Previdência, o Estado não disporá de recursos para efetuar investimentos em áreas essenciais, como saúde e educação –, o debate político travado pelos pré-candidatos não tem abordado o tema com a devida responsabilidade.

Há os que, não dispostos a enfrentar o problema, preferem ignorar suas reais dimensões. Por exemplo, o deputado Jair Bolsonaro, que se colocou reiteradamente contra a reforma da Previdência em discussão no Congresso, diz que bastariam apenas alguns pequenos ajustes na Previdência. Além disso, opõe-se a qualquer mudança no regime previdenciário dos militares.

O debate eleitoral é uma ocasião privilegiada para esclarecer a população a respeito dos grandes desafios nacionais. A mensagem que vem sendo transmitida por alguns pré-candidatos é, no entanto, desorientadora. Os discursos de alguns políticos dão a entender que o equilíbrio fiscal seria uma simples opção ideológica, como se fechar ou não as contas fossem caminhos igualmente válidos.

Perdas e vexames: Editorial | Folha de S. Paulo

Paralisação de caminhoneiros provoca prejuízos à economia e tende a reduzir a confiança geral; reação de políticos mistura tibieza e demagogia

Ainda está por ser concluído o inventário dos prejuízos impostos pela paralisação dos caminhoneiros à já combalida economia do país. Prosseguem, afinal, os transtornos decorrentes do desabastecimento, em particular de combustíveis.

Pessoas deixaram de trabalhar, fábricas pararam, mercadorias pereceram por falta de transporte, companhias aéreas cancelaram voos, estados e prefeituras reduziram serviços públicos.

Tais perdas e danos serão captados pelos números do Produto Interno Bruto do segundo trimestre, a serem conhecidos apenas no final de agosto. Na próxima quarta-feira (30) o IBGE divulgará os resultados dos primeiros três meses do ano, que, conforme os prognósticos mais consensuais, mostrarão renda e produção estagnadas.

De modo menos tangível, a desordem decorrente do movimento paredista e a reação desastrada do governo federal tendem a contribuir, decerto, para a queda da confiança de empresários e consumidores, que já se verificava nas sondagens mais recentes.

As projeções para o crescimento do PIB neste ano, que no início de março rumavam aos 3%, estão em declínio e mais próximas de 2%. O cenário internacional já não se afigura mais tão favorável, em razão da alta do dólar —que também levou à interrupção da queda dos juros do Banco Central.

Agora, a crise dos caminhoneiros lança novas dúvidas sobre a política de ajuste do Orçamento federal.

Os cortes de tributos em negociação para baratear os derivados de petróleo têm impacto calculado em mais de R$ 14 bilhões neste ano, e sua compensação é duvidosa. O governo prometeu, ademais, subsidiar o óleo diesel para evitar reajustes diários de preços, a um custo difícil de estimar.

Pode parecer pouco quando se considera a receita de R$ 1,2 trilhão esperada pelo Tesouro Nacional neste 2018. Cumpre lembrar, porém, que as despesas previstas —sem contar os encargos da dívida pública— superam a arrecadação em mais de R$ 150 bilhões.

Em tal quadro de penúria, é desolador testemunhar as atitudes dos políticos nacionais diante das pressões abusivas dos caminhoneiros. Apontar apenas a tibieza do Planalto seria subestimar o problema.

Da esquerda à direita, aproveitou-se a ocasião para ataques demagógicos à política de preços da Petrobras —que pode, claro, ser ajustada, mas basicamente reflete os movimentos do mercado global.

É preciso aprender com a tragédia do chavismo: Editorial | O Globo

O drama da Venezuela deve servir de alerta diante de propostas de cunho nacional-populista, que, de tempos em tempos, surgem na América Latina

A vitória fraudada de Nicolás Maduro no domingo passado não foi a primeira do bolivarianismo na Venezuela, mas, se não for a última, está próximo disso. A torcida dos democratas do continente é que o regime já de base militar não tente sobreviver na forma de uma ditadura aberta, com o risco de guerra civil. Já existe bastante drama no país.

Enquanto a Venezuela de Chávez e Maduro dissolve, e a diplomacia continental tenta abrir espaço para patrocinar uma transição pacífica para a volta da democracia, cabe uma reflexão sobre o que acontece nesta Venezuela em fase terminal. Entender o bolivarianismo chavista tem especial importância para brasileiros, argentinos, bolivianos, e equatorianos, apenas para ficar na América do Sul, porque seus países tiveram e ainda têm forças políticas nacional-populistas que, por suas características ideológicas, aspiram à hegemonia, para aplicar o modelo do “Socialismo do Século XXI”. É uma questão sectária, de fundo religioso. Conseguiram na Venezuela, e o resultado é uma tragédia de múltiplas faces.

De inspiração castrista, inclusive com ajuda dos irmãos Castro, o regime seguiu a cartilha do populismo extremado. Distribui renda sem gerá-la, confiando no petróleo. Com a maior reserva de hidrocarbonetos do planeta, superior mesmo à da Arábia Saudita — embora seja de um petróleo pesado, ao contrário do saudita —, a Venezuela faliu. Não há registro de uma nação tão rica em petróleo que tenha ficado sem divisas. Caso para o livro dos recordes.

Murillo Aragão: ‘Crise não inviabiliza, mas limita o governo’

Entrevista com o cientista político Murillo Aragão

Para não perder ainda mais capital político, governo precisa garantir sucesso da retomada do abastecimento do País

Marianna Holanda | O Estado de S. Paulo

Mesmo após o governo federal ser alvo de críticas no combate à crise de abastecimento gerada pela greve dos caminhoneiros, o cientista político Murillo Aragão afirma que a gestão de Michel Temer não foi inviabilizada pela mobilização. Fundador da consultoria Arko Advice, Aragão se especializou em traçar cenários políticos para empresários e banqueiros. Ele reconhece, no entanto, que o governo está debilitado e frágil.

Para Aragão, o fato de a paralisação dos caminhoneiros causar transtornos para a vida da população deve evitar que a mobilização se alastre por outros setores. Na opinião do cientista político, o governo precisa trabalhar rapidamente, restabelecer a ordem e dar uma solução rápida à distribuição de combustíveis. “(Tudo) vai depender de como o Planalto conduzir os próximos dias.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

• Como a greve dos caminhoneiros afeta o governo Temer?

O governo hoje tem uma agenda que fica cada vez mais limitada, à medida que chegamos a julho (quando começa a corrida eleitoral). Essa crise pode afetar a imagem do governo. Se as próximas pesquisas trouxerem um aumento na desaprovação, o governo fica com limitações políticas. Evidente que é um governo fraco, em fim de mandato, com baixa popularidade. Um problema como esse não inviabiliza a governabilidade, mas prejudica. O governo não está inviabilizado, mas está limitado, na medida em que esse problema fique na agenda. Só existirá (risco) se as manifestações contaminarem outros setores e a questão se tornar generalizada. Claro que existe uma insatisfação represada, diferente da insatisfação que existia com a Dilma. Ela teve uma insatisfação mobilizada, o Temer tem uma insatisfação desmobilizada. O problema da governabilidade se tornará sério mesmo se a insatisfação for mobilizada.

• E existe essa chance de contaminar outros setores?

Existe, mas acho difícil de ocorrer. Sinto que essa manifestação em si tem um efeito colateral muito grande. Não é como, por exemplo, uma paralisação de professores. Fica sem aula, os alunos podem até gostar, as mães vão ficar chateadas, mas não afeta a sobrevivência das pessoas. Essa contaminação é um pouco mais difícil, porque sinto que a sociedade, ainda que esteja insatisfeita com o governo, não quer dar força a um movimento que vai paralisar a vida das pessoas.

• Depois dos episódios da semana passada, que mostraram um distanciamento cada vez maior entre o Planalto e os presidentes da Câmara e do Senado, como fica a relação do governo com o Congresso?

A base já está dividida, porque o Centrão se divide entre pelo menos quatro candidaturas postas. Cada uma delas tem uma visão de futuro diferente, e isso se reflete na relação com o governo. Então, não acredito que afete muito mais. O perigo é realmente se o tema degringolar de tal forma que gere impossibilidade de o governo continuar a existir como tal. Não acredito que isso aconteça, mas em política todo cálculo deve ser feito.

• Se for apresentada uma nova denúncia contra o presidente Temer, ela pode passar?

Depende. Acho que não é automático. Mas, sem dúvida, o governo está mais limitado politicamente, talvez (descartar uma eventual denúncia) dê mais trabalho. Tem de ver a conjuntura, a natureza da política.

• O governo ainda tem chance de aprovar algum projeto importante no Congresso?

Tem. Ainda se pode votar a reoneração, que é importante para o governo. Pode ser que não venha da forma que o governo quer, mas seria muita inocência achar que o Congresso aprovaria do jeitinho que o governo quer. O Congresso age hoje com uma certa autonomia, com independência. Também vejo que podem prosseguir algumas questões, como o projeto de lei das telecomunicações e eventualmente avançar alguma coisa relacionada à Eletrobrás. Esses avanços podem ficar pendentes para depois das eleições.

• Com que ferramentas o governo poderia contar para sair dessa crise?

Ele tem a máquina, recursos, orçamento, tem o poder de iniciativa. Pode fazer coisas que mitiguem um pouco a impopularidade. Tem ainda todo um instrumental. O que é certo dizer é que o governo não acaba. Só se houver alguma coisa muito grave. Vai depender de como o Planalto conduzir os próximos dias.

• Qual vai ser o maior desafio do presidente para solucionar a crise atual?

São vários. O primeiro é aplicar a lei e a ordem, com disciplina, sem violência desnecessária, acidentes de percurso. O segundo ponto é que isso ocorra de forma rápida, de maneira que se normalize minimamente o fornecimento de combustível no País. O terceiro fator é que o governo tenha uma abordagem de comunicação eficiente, que seja capaz até de sobrepor a má vontade da mídia em geração em relação a ele.

• Essa crise pode afetar as pretensões eleitorais do pré-candidato do MDB, Henrique Meirelles?

Afeta. Mas a eleição só vai tomar uma cara no fim de junho, ou em julho. E o Brasil é um país que tem eventos dramáticos que somem (da memória das pessoas). Você lembra daquelas rebeliões de presídios? Isso só será grave para o Meirelles caso (a crise) prossiga.

• Como fica o legado de Temer nas eleições?

A defesa desse legado vai depender da condição de ter um candidato viável ao lado dele e de uma discreta melhora da popularidade, pelo menos.

Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle - Na ribeira deste rio

Manoel de Barros: O livro sobre nada

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.