sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Antonio Gramsci* – “jacobino”

O termo “jacobino” terminou por assumir dois significados: existe o significado próprio, historicamente caracterizado, de um determinado partido da Revolução Francesa, que concebia o desenvolvimento da vida francesa de um modo determinado, com um programa determinado, com base em forças sociais determinadas, e que explicitou sua ação de partido e de governo com um método determinado que era caracterizado por uma extrema emergia, decisão e resolução, derivado da crença fanática na virtude tanto daquele programa quanto daquele método. Na linguagem política, os dois aspectos do jacobinismo foram cindidos e se chamou “jacobino” o político enérgico, resoluto e fanático, porque fanaticamente persuadido das virtudes taumatúrgicas de suas ideais, fossem quais fossem: nesta definição, prevaleceram os elementos destrutivos derivados do ódio contra adversários e os inimigos, mais do que aqueles construtivos, derivados do fato de se terem adotado as reivindicações das massas populares; o elemento sectário, de conventículo, de pequenos grupos, de individualismo desenfreado, mais do que o elemento político nacional.

*Antonio Gramsci (1891-1937), "O Risorgimento" - Cadernos do Cárcere  volume 5 p. 68, Editora Civilização Brasileira, 2002.

Rubens Bueno* - Democracia sempre!

- Blog do Noblat | Veja

Não demorou muito para que integrantes do governo e os filhos do presidente gerassem uma série crises

O ano de 2019 começou com uma certa apreensão em torno dos rumos que o país iria tomar. Depois de mais de duas décadas de alternância da presidência da República entre PSDB e PT, o eleitor resolveu trilhar um novo rumo e escolheu para o comando do país um político ligado ao espectro mais conservador, defensor da ditadura e de reconhecidos torturadores.

Havia o temor por ataques contra as instituições após uma das campanhas mais acirradas dos últimos anos, marcada por discursos exacerbados e pela disseminação de notícias falsas por ambos os lados.

Não demorou muito para que integrantes do governo e os filhos do presidente gerassem uma série crises, principalmente por meio de trocas de ofensas e ataques direcionados a Câmara, ao Senado e ao Supremo Tribunal Federal.

Temendo que um movimento contra o governo pudesse tomar corpo, como aconteceu no Chile e na Bolívia, autoridades do círculo próximo do presidente chegaram a cogitar a reedição do AI-5, o abominável ato institucional da ditadura militar que permitiu a adoção da censura, a cassação de mandatos e a prisão, tortura e assassinato de opositores do governo.

Reagimos com firmeza. A democracia é patrimônio de uma Nação e jamais podemos voltar a flertar com regimes autoritários e ditatoriais. Os avanços de um país são construídos pela busca de consensos, pela harmonia entre os poderes, e com a participação ativa da população nos debates. Jamais pela imposição de um único polo de poder.

Murillo de Aragão - Os desafios da nossa democracia

- Revista Veja

Devemos assegurar a convivência harmônica entre os diversos

De forma sub-reptícia ou declarada, há variados e sucessivos questionamentos quanto à eficiência da democracia como forma legítima de governo. Mas o que poucos percebem é que uma democracia fraca é uma rodovia aberta para a autocracia e para a ditadura. Adolf Hitler e Hugo Chávez são dois bons exemplos de exploração das contradições e das fragilidades do sistema. Se elas não existissem, nenhum dos dois teria chegado ao poder — na Alemanha e na Venezuela, respectivamente — e, a partir daí, construído regimes de exceção.

A fragilidade de uma democracia se evidencia quando as instituições não respondem aos desafios impostos pela conjuntura política, econômica e social. Tal fragilidade quase sempre decorre de aspectos estruturais que envolvem educação precária, ausência de liberdade de imprensa e falta de independência entre os poderes da República. Ocorre ainda devido à inexistência de eleições livres e justas. Também em consequência de aspectos conjunturais, como o desempenho da economia, a ausência de segurança pública, corrupção e a precariedade dos serviços públicos.

Em 1994, o cientista político Philippe Schmitter apontava dois riscos relevantes para a democracia: a desilusão com o desempenho real do sistema e a incapacidade de produzir um conjunto aceitável e previsível de regras para a competição e a cooperação políticas. Nesse tempo não existiam as redes sociais. Adiante, em 2013, o escritor venezuelano Moisés Naím mostrou no livro O Fim do Poder que a combinação de governos ineficientes com maior transparência e fluxo das informações fazia acelerar a desconfiança nas instituições. Para ele, essa situação produziria o maior dos riscos para a democracia: um tipo excepcionalmente perigoso de alienação descontente que leva as pessoas a se distanciar da política.

Dora Kramer - Plano de voo

- Revista Veja

Huck transita nos bastidores e Doria caminha sob luz mais forte, até pela condição de governador de São Paulo, que não lhe permite grandes disfarces
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Candidato que é candidato, reza a norma, não diz que é candidato, embora não faça outra coisa a não ser agir como candidato. Nesse modelo de indisfarçada discrição não se enquadram o presidente Jair Bolsonaro nem o ex-presidente Luiz Inácio da Silva, obrigados pelas circunstâncias a deixar de lado as ambiguidades. O primeiro, a fim de manter acesa a chama da eleição passada com vista à reeleição, e o segundo, com o intuito de marcar posição diante do impedimento legal de concorrer. Quando foi candidato à vera, Lula só assumiu no momento tido como conveniente. Isso costuma ser algo em torno de um ano antes da eleição.

Ambos são as tais exceções dadas a confirmar a regra, no momento seguida pelos dois pretendentes a ocupar o espaço do meio entre os citados excepcionais extremos. João Doria e Luciano Huck atuam dissimulados, cada qual à sua maneira. Em comum, a experiência em comunicação e o fato de disputarem a preferência dos artífices de alternativas eleitorais para 2022. Huck transita nos bastidores e Doria caminha sob luz mais forte, até pela condição de governador de São Paulo, que não lhe permite grandes disfarces.

Tudo o que diga ou faça remete os observadores engajados na cena política à campanha presidencial. Ele não nega o plano e o executa em partes: na atual, dedica-se a engordar o capital como governador, convencido de que a demanda do eleitorado será por um bom gestor; na etapa seguinte pretende rodar os municípios em que o PSDB disputar, em chapa própria ou aliada, as eleições de prefeito e vereador no ano que vem; a fase final começa em 2021, com os preparativos explícitos da candidatura a presidente.

Ricardo Noblat - Bolsonaro, pelo simples prazer de mentir

- Blog do Noblat | Veja

É uma atrás da outra e, às vezes, mais de uma por dia

Se nem o presidente Jair Bolsonaro acredita em boa parte do que diz, como pode pretender que os outros acreditem nele? E nem por isso ele deixa de mentir dia após dia – e, com certa frequência, mais de uma vez por dia, a depender da necessidade.

Sobre o que ele, Flávio, o advogado de Flávio e Eduardo conversaram, anteontem, no Palácio da Alvorada poucas horas depois da operação policial no Rio que agravou a situação do senador e do seu ex-motorista Fabrício Queiroz?

Conversaram sobre Adélio Bispo, o desequilibrado mental que está preso por ter esfaqueado Bolsonaro em Juiz de Fora, em setembro do ano passado. Sobre outras coisas não conversaram, disse o presidente da República em entrevista.

Ante a insistência dos jornalistas em perguntar sobre Flávio e Queiroz, Bolsonaro emendou: “Falo por mim. Problemas meus, eu respondo. Dos outros, nada tenho a ver”. Como dos outros? Um dos outros é seu filho mais velho. O outro, seu amigo há 40 anos.

O grau de autonomia dos filhos de Bolsonaro é ralo. Carlos foi obrigado a se candidatar a vereador só para derrotar a própria mãe vereadora e candidata à reeleição. Eleito pelo Partido Progressista (PP), afirmou que fora eleito pelo “Partido do Meu Pai”.

Merval Pereira - Com otimismo

- O Globo

Guedes está munido de paciência e uma determinação: não aumentar a carga tributária, ao contrário, rebaixá-la

Quando visitei a China pela primeira vez, em 2003, o pagamento com cartão de crédito estava começando, e não raras vezes tínhamos que ensinar os vendedores a usar a máquina, que era manual. Hoje, não há mais na China máquinas manuais, muito menos papel-moeda. Tudo se paga com aplicativos do celular.

É de olho nesse mercado, que avança com atraso, mas rapidez, no Brasil, que o ministro Paulo Guedes, em entrevista na Central Globonews, confirmou estar estudando o imposto sobre transações digitais, muito mais amplo que a CPMF, demonizada pela população, como diz o presidente Bolsonaro.

A rapidez da mudança ocorrida na China, comparada à do Brasil, mostra bem porque estamos atrasados em quase tudo, num mundo que se transforma em velocidade que não é mais analógica. Até mesmo a CPMF tem que ser digital.

Bernardo Mello Franco - O chefe de Queiroz era Jair

- O Globo

Bolsonaro disse que não tem “nada a ver” com o vaivém de dinheiro no gabinete do filho. É uma versão capenga, porque a conexão de Queiroz sempre foi com Jair

Em 2016, Donald Trump disse que nem um flagrante de homicídio abalaria a fidelidade de seus eleitores. “Eu poderia atirar em alguém no meio da Quinta Avenida e não perderia nenhum voto, ok? É incrível!”, gabou-se.

Ao que tudo indica, Jair Bolsonaro acredita dispor dos mesmos superpoderes. Só isso pode explicar o fato de o presidente ter se referido às investigações conduzidas pelo Ministério Público do Rio como “pequenos problemas”.

O presidente disse ontem que não tem “nada a ver” com o vaivém de dinheiro no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. É uma versão capenga, porque as principais decisões tomadas ali passavam pelo chefe do clã.

Míriam Leitão - O olhar do BC sobre a economia

- O Globo

Banco Central enxerga mais crescimento, inflação controlada e prevê aumento do crédito para ajudar na recuperação

Nos últimos três meses o Banco Central ficou mais otimista. No relatório que divulgou ontem, o BC fez uma revisão para cima da projeção de crescimento deste ano e do próximo e indicou que a alta será puxada pelo investimento e pela melhora na construção civil. Acha que a inflação ficará num nível “confortável”, o que permitirá juros em níveis baixos por um longo período. O mercado de crédito está crescendo 6,9% este ano e no ano que vem vai se ampliar mais 8,1%. Tudo isso se vê no Relatório de Inflação, divulgado a cada três meses, e que na verdade é uma avaliação geral sobre a economia.

Em crescimento, a diferença não é tão grande, mas nestes tempos bicudos qualquer número depois da vírgula já se comemora. O BC subiu de 0,9% para 1,2% a estimativa para o PIB deste ano e de 1,8% para 2,2% a de 2020. O problema mais sério da economia continuará sendo o mercado de trabalho, que terá queda gradual da taxa de desemprego.

José de Souza Martins* - Presidente perdeu para “A Pirralha”

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Jair Messias não teve a capa da “Time” como Greta Thunberg. Ela fala a língua do mundo. Ela acabou vítima do efeito bumerangue da falta de clareza e de consciência política nas decisões que toma

Pirralha com maiúscula, porque ela mesma assumiu como batismo de fogo a classificação descabida e preconceituosa que lhe foi aplicada pelo presidente do Brasil. Como reação descabida por ter ela manifestado horror e indignação contra o assassinato de dois índios guajajara no Maranhão. E por ter compreendido que não se trata de um acaso, mas de um descaso, de um desinteresse do Estado brasileiro pela sorte dos nativos.

Na sequência, a adolescente sueca Greta Thunberg foi escolhida “Pessoa do Ano” pela “Time” e teve seu retrato na capa da famosa revista, que milhões leem, por sua luta justa e necessária em defesa de um mundo limpo, que seja, de fato, patrimônio da humanidade. E não usurpação praticada pela lucrativa economia de emporcalhamento da Terra. Justa homenagem, porque ela infunde esperança e o ânimo da resistência em milhões de jovens e estudantes do mundo inteiro, por sua coragem de interpelar os poderes e os poderosos.

Jair Messias não teve a capa da “Time”, mas tem a primeira página da Secção do Executivo do “Diário Oficial da União”. Não é a mesma coisa, pois é publicação que ninguém lê. Mas é o consolo que pode ter. Seu desdém pelas lutas sociais, pelo direito à diferença, pela liberdade de opinião, pelas questões humanitárias, nestes poucos meses de Presidência, tornou-se emblemático.

César Felício - A injeção de óleo canforado, de novo

- Valor Econômico

Governo demonstra que quer focalizar investimento social

O presidente Jair Bolsonaro encerra seu primeiro ano do governo pagando décimo-terceiro para os beneficiários do Bolsa Família, um fato político com dois efeitos significativos. O primeiro é que ele não está exatamente parado ou indiferente em relação à necessidade de estabelecer compensações sociais aos efeitos da sua estratégia econômica liberal. O segundo é que há sinais abundantes de que o governo pretende se aventurar na estrada da focalização de benefícios.

O número de ganhadores do Bolsa Família não é estático, flutua de um mês para o outro, com entrada e saída de gente. Da criação da transferência de renda até o governo Dilma, a trajetória da quantidade de beneficiários era crescente. Em julho de 2014, chegou a 14,204 milhões de benefícios pagos. Era a antevéspera da eleição em que a presidente havia prometido “fazer o diabo” para ganhar, como de fato ganhou.

No governo Temer, houve um pente fino para limpar o cadastro e o número de beneficiários começou a cair, até bater em 12,7 milhões de beneficiários em julho de 2017, em pleno ambiente de crise econômica. A partir daí a trajetória de crescimento foi retomada e Temer encerrou seu governo pagando a bolsa para 14,1 milhões de famílias, quase o teto de Dilma, em dezembro de 2018.

No governo Bolsonaro, o número embicou para baixo: já são sete meses de queda consecutiva no número de beneficiados, hoje em 13,17 milhões. É mais dinheiro para menos gente. Quase 1 milhão a menos.

Claudia Safatle - É preciso persistir no ajuste e nas reformas

- Valor Econômico

Mudanças iniciadas com reforma da Previdência estão no centro da recuperação da economia

A área econômica do governo encerra 2019 com uma euforia moderada. “Foi um ano difícil, duro, mas extraordinariamente produtivo”, avaliou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem, para o próximo exercício, um prognóstico: o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) será o dobro do deste ano. Isso vai significar algo próximo a 2,5%, no mínimo, enfatizou. Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, está confiante de que o desempenho da atividade atingirá 3%.

Nada disso, porém, é um desempenho líquido e certo. Sachsida ressaltou a necessidade de persistência. O Relatório Trimestral de Inflação, divulgado ontem pelo Banco Central, salientou que é preciso ter perseverança na política fiscal e nas reformas que fizeram toda a diferença ao longo deste ano e que estão no centro da recuperação da economia.

Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, os indicadores da economia começaram a apresentar melhoras logo após a aprovação da reforma da Previdência. Ali, na visão de Guedes, se consolidou uma coalizão de centro-direita que faz da Câmara dos Deputados e do Senado duas casas reformistas. Foi ali também que as taxas de juros mais longas começaram a ceder.

Naercio Menezes Filho* - A situação do mercado de trabalho

- Valor Econômico

Os movimentos recentes não sinalizam melhora consistente e dificuldades devem prosseguir em 2020

A recuperação do mercado de trabalho tem sido decepcionante. A taxa de desemprego, que era de 6,5% no final em 2014, dobrou com a crise econômica e desde então vem se reduzindo lentamente, tendo atingido 11,8% no último trimestre. Quais são os grupos mais afetados pelo desemprego? Como o desemprego afeta a participação dos diferentes membros da família? Quais as perspectivas de redução do desemprego para o futuro?

Os grupos mais afetados pelo desemprego são os jovens e os que concluíram apenas o ensino fundamental completo, que tiveram aumentos de desemprego bem acima da média. Com relação aos jovens, sabemos que eles naturalmente têm desemprego mais alto, pois circulam muito entre empregos para experimentar, combinam estudo com trabalho e têm baixo conhecimento de matemática e habilidades socioemocionais, tais como resiliência e motivação, como mostra o seu desempenho ao longo da prova do Pisa. Como eles não permanecem muito tempo no emprego, seus empregadores investem pouco no seu treinamento e seus salários aumentam pouco com a experiência, o que reforça os incentivos para eles deixarem logo o emprego. Cria-se, assim, um círculo vicioso. Além disso, os jovens são os últimos a serem contratados com o fim da crise.

Reinaldo Azevedo - Toma que o filho é teu, Jair!

- Folha de S. Paulo

Ameaçado pela investigação sobre Flávio, Bolsonaro ensaia discurso 'filho não é parente'

O presidente Jair Bolsonaro ensaiou nesta quinta (19) o discurso “filho não é parente”. Indagado sobre a folia no parquinho, onde Flávio Bolsonaro se dedicava aos folguedos da rachadinha em companhia de seus amiguinhos milicianos e de parentes do papai, respondeu: “Problemas meus, podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso”.

Epa! Toma que o filho é teu, Jair!

No dia 16 de maio, a perspectiva era outra. Sobre o mesmo assunto, respondeu o presidente com a idiopatia gramatical já conhecida: “Querem me atingir? Venham para cima de mim! (...) Grandes setores da mídia, ao qual vocês integram, não estão satisfeitos com o meu governo que é um governo de austeridade (...) é um governo que não vai mentir e não vai aceitar negociações, não vai aceitar conchavos para atender interesse de quem quer que seja. E ponto final".

É tanta moralidade que a gente tem até certa vertigem do excesso. A realidade se adensou. Os fantasmas se agitam no armário. E o destemido “Mito” agora implora: “Não venham para cima de mim”.

Bruno Boghossian – Jair, Moro, Guedes, Adriano ...

- Folha de S. Paulo

No pacote completo do governo, estão Jair, Flávio, Moro, Guedes, Queiroz, Adriano...

Flávio Bolsonaro fez sua primeira homenagem a Adriano da Nóbrega em 2003. Dois anos depois, mandou entregar uma medalha ao policial, que estava preso por assassinato. Na mesma época, Jair fez um discurso na Câmara em sua defesa.

As conexões entre o clã e o PM, hoje acusado de chefiar uma milícia, são conhecidas há mais de uma década. A mulher de Adriano foi contratada para trabalhar no gabinete de Flávio em 2007. Anos mais tarde, a mãe também conseguiu uma vaga.

Se alguém ainda conseguia acreditar que era tudo coincidência, as informações levantadas pelo Ministério Público estão aí para mostrar que esses vínculos fazem parte da operação política da família. Quando Bolsonaro se elegeu presidente, foi esse o grupo que chegou ao poder.

Hélio Schwartsman - Mais impeachments

- Folha de S. Paulo

No Brasil, já nos livramos de dois presidentes por essa via

Processos de impeachment presidencial costumam envolver fortes emoções, como testemunhamos nos casos de Fernando Collor e Dilma Rousseff. Nos EUA, porém, a coisa é um pouco mais anticlimática, pois já sabemos de antemão que Trump, apesar de ter perdido na Câmara, deverá vencer no Senado.

Pela regra americana, é necessária uma maioria de 50% na Câmara para formalizar as denúncias contra o presidente, mas são precisos 2/3 dos senadores para condená-lo e afastá-lo do cargo. Como os EUA têm um sistema bipartidário razoavelmente equilibrado, maiorias de 2/3 são raríssimas. Não é uma coincidência que nunca tenham concluído uma deposição presidencial por impeachment.

No Brasil, onde já nos livramos de dois presidentes por essa via, a coisa flui muito melhor, pois nosso Parlamento conta com quase três dezenas de partidos com baixa coerência ideológica e nenhuma fidelidade política. É interessante constatar que o mundo é complexo o bastante para engendrar situações em que até graves defeitos se tornam virtudes.

Ruy Castro* - A moça do Flamengo

- Folha de S. Paulo

Marilena Dabus foi a primeira mulher a cobrir futebol na imprensa brasileira

Quando vejo hoje as repórteres à beira do gramado nos jogos de futebol —o que já não era sem tempo—, pergunto-me quantas sabem o que devem a Marilene Dabus, a primeira a fazer isso, em 1969. Marilene fora uma sugestão de Danuza Leão a Samuel Wainer, dono do jornal carioca Última Hora, ao vê-la respondendo sobre o Flamengo num programa de TV. Samuel a contratou como repórter e não se arrependeu: Marilene marcaria época nos anos seguintes, com inúmeras notícias em primeira mão, nem todos de agrado dos clubes.

Posso imaginar o choque de sua chegada ao campo do Flamengo, seu clube de coração, na Gávea, para cobrir um treino —"menina zona sul, cílios postiços, cabelos Jambert, minissaia e salto alto", segundo ela própria. As ruas estavam cheias de moças assim, mas o futebol não, daí os jogadores, dirigentes e até jornalistas, a princípio, a olharem com estranheza. Mas Marilene, filha de pai rico, tirava de letra as cantadas e piadas. De uma piada ela gostou: um amigo a chamou de "as melhores pernas do futebol brasileiro" —o que ela era.

Vinicius Torres Freire - Clã Bolsonaro, risco para o PIB 2020

- Folha de S. Paulo

Notícias de escândalos rebaixam sinais de melhora modesta, mas firme, na economia

No mundo do dinheiro grosso e da política, não se deu muita atenção ao descalabro de Flávio Bolsonaro, de sua loja de chocolates, seu castelo de fantasmas e seu muquifo de milicianos.

A finança está animada, o Congresso saiu de férias, a esquerda foi à praia e nem explorou o sururu na casa do governo. Quem andou colocando o governo na linha, de novo, foi Rodrigo Maia, do DEM, o premiê acidental.

O vexame sórdido, porém, tirou das manchetes outras notícias de indícios de recuperação da economia, como os números ainda modestos, mas animadores, do emprego formal e da arrecadação de impostos.

Foi ainda mais um lembrete de que a política é um risco maior para o PIB do ano que vem, dada a perspectiva de fins deste 2019. No mais, as condições para algum crescimento de curto prazo são as melhores desde 2013. Por política entenda-se aqui o complexo Bolsonaro, de escândalos à desarticulação no Congresso, passando pela administração caótica.

O ritmo de criação de empregos com carteira assinada parece acelerar, mas ainda lentamente, apesar da euforia de economistas de banco, consultorias e simpatizantes. Nos últimos 12 meses, até novembro, o número de empregos formais aumentou em cerca de 606 mil; no ano passado, foram 548 mil.

Joaquim Falcão* - Grande domador do barro, Francisco Brennand foi o escultor filósofo

- Folha de S. Paulo

Poucos sabem, mas o artista foi autor dos desenhos de cartilhas de Paulo Freire

Na década de 1960, o futuro do Brasil passava pela intensa alfabetização de nosso povo. Ainda por completar.

A intensa alfabetização passava por Paulo Freire. Seu método, sua mobilização, seu patriotismo, sua esperança no futuro do país.

Poucos sabem. Francisco Brennand também. Foi autor dos desenhos de cartilhas de Paulo Freire.

Estamos todos lá: nossa flora, nossas frutas, nossa fauna, nossos trabalhadores, nossas cores, nossa gente, nossa luz, nossa realidade. Nós. Educando-nos a nós mesmos. Sendo o que também somos. Com orgulho e exuberância. Foi inédito.

Quem, senão Francisco Brennand, teria a ousadia de nos fazer tão grandes cajus, tão imensos abacaxis, tão saborosas pinhas, tão vivos peixes, porcos e tatus? Tantos tucanos sendo pelicanos também? A nos descrever?

E ainda a pintar dezenas de outros bichos que inventou e que ainda não criamos. Estamos em falta.

Esta intimidade conosco vinha de sua própria vida vivida nas terras do seu herdado engenho na Várzea, no Recife, onde plantou a si próprio. E de lá quase nunca saiu. Longe de partidarismos e ideologias. Nunca foi.

Eliane Cantanhêde - Um mito em xeque

- O Estado de S.Paulo

Por que Bolsonaro jogou a família inteira na política? A resposta pode estar no MP-RJ

O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro pode estar dando agora, a menos de 15 dias do fim do primeiro ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro, a resposta a uma pergunta que há anos não quer calar: por que Bolsonaro se candidatou, passou 28 anos no Congresso, meteu os três filhos mais velhos na política e já começa a entronizar também o menino caçula, Jair Renan?

Após encerrar prematuramente a carreira militar, aliás com graves motivos, Bolsonaro enveredou pela política mantendo sempre o discurso antipolítica, antipolíticos, antissistema, antipartidos, anti-Congresso. Se tinha essa ojeriza toda, por que entrou na roda e jogou para dentro dela a própria família? As revelações do MP sobre o gabinete do primogênito, Flávio Bolsonaro, na Alerj, autorizam uma conclusão, ou suposição: porque era fácil todo mundo “se dar bem”. Com dinheiro público, frise-se.

O MP não está necessariamente certo e as investigações ainda estão em andamento, mas o que se tem publicamente até agora é chocante – e preocupante. O gabinete do então deputado estadual Flávio, agora senador da República, embolava o Queiroz, policiais aposentados, parentes de líderes da milícia e a família inteira da segunda mulher do atual presidente: pai, tios, tias, primos.

Vera Magalhães - Com cerco a Flávio se fechando, PF pode sair de Moro

- O Estado de S. Paulo

O fechamento do cerco em torno das relações financeiras entre Fabrício Queiroz, o ex-assessor que gerenciava os gabinetes da família Bolsonaro, o senador Flávio e familiares da segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina, fez com que ganhasse corpo a ideia de tirar a Polícia Federal da alçada do ministro Sérgio Moro.

É isso que explica a discussão, extemporânea aparentemente, de se recriar o Ministério de Segurança Pública, que existia sob Michel Temer e foi extinto justamente para concentrar atribuições e poderes em torno de Moro.

A relação entre o ministro da Justiça e Bolsonaro tem sido um jogo de afagos públicos seguidos de consecutivas iniciativas do presidente para esvaziar ou desautorizar o ex-juiz. Os afagos se devem à evidência de que Moro ainda goza de imenso prestígio na sociedade, superior ao do próprio Bolsonaro, e incluí-lo no rol dos ex-aliados transformados em adversários não seria uma operação simples como foi a de Gustavo Bebianno e Santos Cruz.

A ideia de Bolsonaro é designar para o Ministério de Segurança, caso a ideia prospere, o amigo e ex-deputado Alberto Fraga, expoente conhecido da “bancada da bala” e um dos maiores propagandistas da política armamentista defendida por Bolsonaro, da qual Moro é crítico.

A possibilidade de que o caso Queiroz atinja Bolsonaro e a família, o que levaria a PF a ser acionada, explica a pressa em tirá-la da alçada de Moro e colocá-la sob o comando de alguém mais próximo de Bolsonaro, além de político.

Almir Pazzianotto Pinto* - Utopia versus realidade

- O Estado de S.Paulo

Creio que os defensores da Constituição a conhecem pela rama, como diria Eça

Foi o dr. Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, que, num arroubo de entusiasmo, redigiu de uma penada a breve introdução encontrada na primeira edição do Senado. Eu o vejo cheio de esperanças, diante do texto promulgado em 5 de outubro de 1988, a escrever. “O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto, sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País. Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã.”

Foram passageiros os aplausos tributados à Lei Fundamental, nascida “do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade”, como afirmou o dr. Ulysses. A velhice e a decadência vieram céleres e cruéis. Podem ser aquilatadas nas emendas já realizadas pelo Poder Legislativo e na incorporação do espírito constituinte pelo Supremo Tribunal Federal.

Vários argumentos são invocados para impedir a busca de nova Constituição. Dois exigem mais atenção: o receio da volta ao autoritarismo e o medo da perda de direitos sociais. Só insanos e boquirrotos defenderiam a ditadura e o uso de atos institucionais. Tratarei, portanto, apenas dos direitos sociais, que compreendem, de acordo com o artigo 6.º, “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Elena Landau* - Exterminadores do futuro

- O Estado de S.Paulo

Que futuro pode ter um país sem educação e cultura; sem história; sem imprensa?

Fui contra o impeachment da Dilma. Pensava que seria pedagógico deixar o ciclo da equivocada política econômica, iniciada ainda no governo Lula, se encerrar. O fracasso da Nova Matriz Econômica nos livraria das tentações populistas, se não para sempre, por muito tempo. Não estava de todo errada, porque há muitos que, ignorando a recessão e o desemprego gerados, ainda advogam por um aumento dos gastos. Mas Temer assumiu e com ele uma equipe econômica de primeira, que colocou a economia nos trilhos.

Impossível ignorar a importância do interregno do governo Temer, que iniciou o – longo – processo de recuperação cíclica da economia brasileira. Imagine onde estaríamos com a passagem direta de um país quebrado para um governo sem nenhuma experiência em políticas públicas?

A continuidade dos ajustes nas contas públicas e a aprovação da reforma da Previdência mudaram o humor da economia e, se não nos prometem um futuro brilhante, mostram uma luz no fim do túnel. Resta torcer para o País crescer de forma sustentada, acima do normal da economia brasileira, para que empregos sejam gerados e pobreza e desigualdade reduzidas.

Como só de economia não se faz um país, não podemos fechar os olhos para o retrocesso civilizatório deste governo. O reformismo econômico, que se pretende liberal, não compensa a destruição que se vê em importantes pilares da democracia liberal.

A ousadia destrutiva de Bolsonaro surpreende até os mais pessimistas. Juntou em torno de si um grupo de exterminadores do futuro. Que futuro pode ter um país sem educação e cultura; sem história; sem imprensa; com meio ambiente em risco; sem liberdade de expressão; que elogia torturadores e ditadores, que ataca nas redes uma senhora de 90 anos, que dedicou sua vida a este País através de sua arte?

José Álvaro Moisés* - Bolsonaro trocou combate à corrupção por defesa de sua família

- O Estado de S.Paulo

Presidente foi eleito com o compromisso de combater a corrupção, mas o que se assistiu de 1º de janeiro para cá foi um lento processo de abandono desse combate pelo governo

Esta operação envolvendo a família do presidente Jair Bolsonaro sinaliza a importância política que teve a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permitindo que informações dos órgãos de controle – como a receita federal ou o antigo Coaf - possam ser acessadas para instruir inquéritos criminais. Foi a partir dessa decisão, por exemplo, que o Ministério Público do Rio retomou as investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro.

Ainda não se apuraram completamente as responsabilidades desse caso. As pessoas podem especular a respeito, baseadas no que a mídia tem publicado, mas não temos ainda um inquérito concluído. Portanto, é preciso cautela. Mas caso se verifique o envolvimento das pessoas citadas no caso, como o senador Flávio Bolsonaro e o seu ex-assessor Fabrício Queiroz, isso poderá ter grande impacto sobre a posição do governo e a proposta da Aliança Pelo Brasil de combater a corrupção.

Marco Aurélio Nogueira - Pães, ruído e desrespeito

- O Estado de S. Paulo

Ruído de uma padaria chique revolta moradores, que querem o sossego de volta.

O mercado a cada dia é mais onipresente na vida moderna. Não é diferente em São Paulo. Com sua grandeza e seu dinamismo, a cidade é um prato cheio.

Nos últimos tempos, espocaram por ela diversos cafés e padarias gourmet. Estão por toda parte, ajudando a redefinir a paisagem urbana e os hábitos gastronômicos. São símbolos de modernidade, que ganham novos significados e funções.

Um desses templos da panificação abriu as portas recentemente em Higienópolis, bairro chique, de alto poder aquisitivo e bastante adensado. Fincou-se ali, espremido entre edifícios residenciais.

O empreendimento atende pelo nome de “Le Blé – Casa de Pães” e consta que integra uma rede espalhada pela cidade. Apresenta-se como “restaurante francês moderno”. Parece coisa fina.

O que a mídia pensa – Editoriais

Fortes evidências de crime financeiro atingem Flávio – Editorial | O Globo

Retomada de investigações indica que senador filho do presidente fez operações de lavagem de dinheiro

A aceitação, pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, de pedido de liminar feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro, para suspender investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o que estava por trás de atípica movimentação financeira do ainda deputado estadual fluminense e do assessor Fabrício Queiroz, não conseguiu jogar o caso no esquecimento. Afinal, já eram conhecidas evidências de que algo ocorrera fora do usual. Não bastasse o fato de o já senador ser filho do presidente Jair Bolsonaro. Goste-se ou não, isso chama a atenção e atrai o foco do jornalismo profissional, por ser de interesse público.

Toffoli estenderia o efeito da liminar a todas as investigações em curso que também se baseassem em informações passadas ao MP pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), depois rebatizado de UIF, Unidade de Inteligência Financeira. Mais tarde, o plenário do Supremo derrubou a liminar e restabeleceu a legal interconexão entre UIF e Receita com os braços do Estado de investigação e instrução de denúncias à Justiça.

Por isso, voltam a avançar as investigações do inquérito de Flávio Bolsonaro e delas saem contornos nítidos de um esquema com alguma robustez de lavagem de dinheiro. O papel do ex-PM Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro, que centralizava o recebimento de boa parte dos salários dos assessores contratados pelo gabinete do deputado, no golpe da “rachadinha”, é de fato central. Queiroz é mantido em virtual clandestinidade.

Música | Geraldo Azevedo - O Charme das Canções (Geraldo Azevedo e Capinam)

Poesia | Ferreira Gullar - Aprendizado

Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.