sábado, 6 de junho de 2015

Opinião do dia – Gilvan Cavalcanti

Há uma reflexão de Gramsci muito importante na política concreta, real, que se poderia resumir assim: um partido terá significado e peso na medida de sua determinação de rumos da vida política do País. Sua capacidade de contribuir de forma positiva ou negativa para criação de acontecimentos, fatos e, ao mesmo tempo, impedir que outros fatos e acontecimentos ocorram.

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Gilvan Cavalcanti de Melo, editor do blog Democracia Política e novo Reformismo. É membro do diretório nacional do PPS, em artigo A fusão (‘Navegar é preciso’...), Rio de Janeiro, 18 de maio de 2015.

Congresso quer limitar poder da União de repassar recursos

Movimento no Congresso busca dividir receitas da União com governos regionais

Grupo suprapartidário articula propostas para reduzir a influência da administração federal na gestão dos recursos públicos e aumentar a arrecadação de Estados e municípios; discussão inclui cúpula da Câmara e do Senado, ex-governadores e ex-prefeitos

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante da baixa popularidade da presidente Dilma Rousseff, que atravessa uma crise política e econômica, um movimento suprapartidário passou a defender a mudança de uma série de leis e até da Constituição para reduzir a influência da União sobre a gestão dos recursos públicos no País. A intenção do grupo é aprovar, até setembro, propostas no Congresso que aumentem a fatia das receitas repassada pela União a Estados e municípios ou, pelo menos, impedir que o governo federal permita a criação de novas despesas para serem bancadas pelos governos regionais.

A articulação é patrocinada pelos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas envolve senadores, deputados, governadores e prefeitos de partidos da oposição e até da base, inclusive do PT. Participam dessa discussão os ex-governadores tucanos José Serra (SP) e Antonio Anastasia (MG), a senadora e ex-prefeita paulistana Marta Suplicy (sem partido), o senador e ex-ministro de Dilma Fernando Bezerra (PSB), entre outros.

Desde março, comissões e grupos de trabalho começaram a ser criados nas duas Casas Legislativas para tentar aprovar as alterações nas leis com o objetivo de alavancar candidaturas de aliados nas eleições municipais do próximo ano e também de candidatos a governos estaduais em 2018. Na próxima terça-feira, por exemplo, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), estará na Câmara para debater o pacto.

As mudanças visam também a garantir condições para a retomada dos investimentos de Estados e municípios sem a necessidade de aportes do governo, como vinha ocorrendo desde gestão Luiz Inácio Lula da Silva. A avaliação do grupo é que, no momento de ajuste fiscal, a União não terá mais capacidade para emprestar recursos ou subsidiar ações nos próximos anos e os entes regionais terão de procurar outras formas de se financiar.

“Politicamente, é o único momento de aprovarmos essas propostas. Esse é o momento de fragilidade do Executivo. Na hora em que ele voltar a se fortalecer, ficaremos novamente à míngua”, afirmou o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, um dos principais entusiastas e defensores da mudança na redistribuição de recursos.

Contribuições. Parlamentares já listaram mais de 50 proposições legislativas, entre projetos de lei e propostas de emenda à Constituição (PEC), para irem à votação. Uma das principais demandas é mudar a lei para determinar que recursos de contribuições passem a ser repartidos com Estados e municípios. Atualmente, toda essa verba fica nos cofres da União, ao contrário dos impostos, como o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que são repartidos com os governos regionais.

De acordo com dados do Tesouro Nacional, as duas principais contribuições, a Cofins e a CSLL, responderam no ano passado por R$ 261,3 bilhões da arrecadação do Executivo federal. A título de comparação, a União transferiu R$ 210,1 bilhões em 2014 para Estados e municípios.

A queixa desses entes regionais é que, nos últimos anos, o governo reduziu proporcionalmente a participação dos impostos no bolo tributário e aumentou somente a presença das contribuições. “Esta proposta é uma das primeiras que vai à votação”, afirmou o senador petista Walter Pinheiro (BA), presidente de uma comissão designada pelo presidente do Senado destinada a aprimorar o pacto federativo. Um assessor próximo de Renan admitiu ao Estado que a mudança no rateio dos recursos das contribuições é uma das prioridades do peemedebista.

Parlamentares também defendem que, se o governo reduzir alíquotas de impostos que tenham repercussão nos cofres municipais e estaduais, caberá à União arcar com a diferença. A política de desoneração foi adotada pelo governo Lula em 2008 para reduzir os efeitos da crise internacional e permaneceu até o fim do primeiro mandato de Dilma.

Contudo, se por um lado estimulou a compra de carros, geladeiras, fogões e máquinas de lavar, a iniciativa federal causou uma diminuição de R$ 117 bilhões em repasses ao Fundo de Participação dos Municípios em sete anos, segundo a CNM.

Planalto já age para reduzir pressão de Estados e municípios

• Dilma discute com titular da Fazenda antecipação de pacote de reforma tributária para contrapor a ação no Congresso

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto já se mobiliza para tentar reduzir a pressão feita por Estados e municípios para avançar sobre recursos federais em um momento de penúria dos cofres públicos. Ciente das dificuldades e sem recursos para oferecer aos governos regionais, a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, têm discutido nos últimos dias antecipar o lançamento de um pacote de reforma tributária para contrapor a ação no Congresso.

As duas principais armas do governo são a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para operações interestaduais e a do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A avaliação é que tais mudanças poderiam aliviar o caixa de Estados e municípios e desarmar a pauta legislativa que se forma contra o governo federal.

O Executivo estuda apresentar uma proposta de reforma do ICMS até o fim do mês. Levy tem discutido com assessores e parlamentares aliados uma forma de dar compensações para Estados com eventual perda de arrecadação provocada pela redução das alíquotas hoje praticadas. Uma das ideias em debate é criar fundos de desenvolvimento regional e de compensação de receitas, embora o maior nó da área econômica é – diante do cenário de falta de recursos e de ajuste fiscal – decidir quem vai bancá-los.

Outra aposta de Dilma é colocar em votação um projeto que unifique a cobrança do PIS e da Cofins. Pelo menos desde 2013, o governo promete o envio da proposta ao Congresso – no início do ano, a presidente reeleita anunciou mais uma vez que iria apresentar tal iniciativa. Esses tributos incidem sobre o faturamento e poderiam aliviar o setor industrial.

Na avaliação do Planalto, o período mais difícil da crise econômica e política começou a passar. O governo considera que a articulação com o Congresso foi restabelecida. Por isso, a pauta federativa, mesmo causando preocupação ao governo, pode ser abortada ou, pelo menos, contornada.

“O Executivo só perde esse debate se quiser”, afirmou o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), que tem conversado com frequência com Dilma e Levy sobre a pauta no Congresso. “Se o governo tomar a iniciativa e propor essas reformas, é muito difícil o Legislativo ganhar com a pauta que está em discussão.”

Cortes no Orçamento atrasam promessas de Dilma

• Programas de campanha, como Mais Especialidades e Minha Casa Minha Vida 3, ficam para segundo semestre

Simone Iglesias e Cristiane Jungblut – O Globo

-BRASÍLIA- O corte de R$ 69,9 bilhões no Orçamento de 2015 afetou não só as obras em andamento, mas os projetos futuros do governo, inclusive promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff. Compromissos da então candidata à reeleição ainda não têm previsão para sair do papel. Os programas Mais Especialidades, Minha Casa Minha Vida 3 e Forças de Segurança Integradas estão distantes de se tornar uma realidade. O Banda Larga Para Todos é o único que ainda poderá ser lançado neste semestre.

Logo após a reeleição de Dilma, o Ministério da Saúde criou um grupo de estudos para viabilizar o Mais Especialidades. De lá para cá, foram priorizadas três áreas de atendimento: oftalmologia, ortopedia e cardiologia. E só. O governo ainda não tem estimativa de custo e está estudando a melhor forma de estruturar o programa, estabelecendo parcerias com estados e municípios, com o objetivo de reduzir gastos com obras. A ideia é que, no segundo semestre, a primeira etapa seja lançada.

O Minha Casa Minha Vida 3 foi anunciado no ano passado, com promessa de lançamento para o começo de 2015. Segundo o Ministério das Cidades, ficará para final de julho ou início de agosto. Assim, técnicos garantem que os efeitos orçamentários só ocorrerão em 2016. O programa perdeu R$ 6,9 bilhões.

Com o sucesso dos centros de controle e comando integrados nos 12 estados que sediaram jogos da Copa do Mundo, no ano passado, Dilma prometeu estender a ideia às demais 15 unidades da Federação. O Ministério da Justiça prepara o edital para julho ou agosto. Mesmo que cumpra esse prazo, o governo trabalha com a ideia de entregar os centros aos primeiros estados no fim do ano, e a chegada a todo o país só a partir de 2016.

O programa Banda Larga Para Todos, que busca levar internet a 95% dos brasileiros e melhorar a velocidade dos serviços, já está pronto para ser lançado, mas aguarda análise jurídica na Casa Civil. O Ministério das Comunicações definiu que viabilizará o programa, de cerca de R$ 50 bilhões, por meio de leilão. As operadoras entrarão com a maior parte desses recursos, cerca de R$ 35 bilhões.

No Palácio do Planalto, não há preocupação com eventual demora no anúncio das promessas de campanha. A prioridade, disse um auxiliar presidencial, é com a aprovação das medidas do ajuste fiscal.

— A presidente acredita que, a partir do ajuste, garantirá a volta da estabilidade da economia e reconquistará a confiança do mercado. A partir daí, teremos um novo governo pela frente, pronto para colocar em prática as promessas de campanha e uma agenda positiva — avaliou um ministro.

AS PROMESSAS

MAIS ESPECIALIDADES:
Programa para agilizar exames e consultas com especialistas, criando uma rede de clínicas e serviços especializados, integrando unidades do sistema público, clínicas particulares e instituições filantrópicas.

COMO ESTÁ: Em estudo por grupo de trabalho no Ministério da Saúde. Sem previsão para ser lançado.

FORÇAS DE SEGURANÇA INTEGRADAS: Estender aos 15 estados que não foram sede da Copa do Mundo os centros de comando e controle.

COMO ESTÁ: O Ministério da Justiça está concluindo edital de licitação, que deverá ser lançado entre julho e agosto deste ano.

MINHA CASA MINHA VIDA 3:
Construção de três milhões de residências.

COMO ESTÁ: O governo prometia lançar a nova fase nos primeiros meses do ano. Suspendeu e agora deixou para depois de aprovadas as medidas do ajuste fiscal.

BANDA LARGA PARA TODOS
Promessa de universalizara internet e elevar a velocidade das conexões a patamares de nações de ponta (25 Mbps)

COMO ESTÁ: O Ministério das Comunicações já concluiu os estudos, que estão na Casa Civil para análise jurídica. Deve ser lançado neste semestre.

Auditoria indica reunião de Lula e Costa sobre Pasadena

• Documento da Petrobrás lista audiência do ex-diretor com o então presidente para tratar da refinaria um mês antes de sua aquisição

Fábio Fabrini, Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA Documento da Petrobrás indica que o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa viajou a Brasília para se reunir com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 com o objetivo de tratar da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), um mês antes de a controversa compra da planta de refino ser autorizada.

A agenda consta de relatório intitulado “Viagens Pasadena”, no qual a companhia lista deslocamentos feitos por seus funcionários e executivos, no Brasil e no exterior, em missões relacionadas ao negócio, considerado um dos piores da história da petroleira.

Conforme o documento obtido pelo Estado, o encontro entre Lula e Costa se deu em 31 de janeiro daquele ano, no Palácio do Planalto, exatos 31 dias antes de o Conselho de Administração da Petrobrás, na época chefiado pela então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, dar aval à aquisição de 50% da refinaria. O ex-presidente nunca admitiu participação nas tratativas para a aquisição, que, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), causou prejuízo de US$ 792 milhões aos cofres públicos.

A conversa foi inscrita na agenda de Lula apenas como “Reunião Petrobrás”. Mas o Planalto não descreveu, na época, quais foram os participantes. O relatório mostra que o ex-diretor ficou em Brasília dois dias, retornando em 1.º de fevereiro. O motivo registrado foi “reunião com o presidente Lula”.

Questionado pelo Estado sobre a agenda com Costa, o ex-presidente afirmou, por meio de sua assessoria, que “a reunião com a Petrobrás” foi “há mais de nove anos” e “não tratou de Pasadena”. Não informou, contudo, qual foi, então, a pauta debatida.

A assessoria de Lula sustentou ainda que o ex-presidente nunca teve uma conversa “particular” com o ex-diretor e que, na ocasião, o encontro “teve a presença” do ex-presidente da estatal José Sergio Gabrielli. A relação de viagens mostra que Gabrielli foi a Brasília no mesmo período para “reunião no Palácio do Planalto”. À reportagem, ele disse não se recordar do compromisso e que, não necessariamente, estava no prédio da Presidência para falar com Lula naquele dia.
“Não me lembro dessa reunião”, afirmou. “Duvido que tenha acontecido isso”, disse, alegando que Costa “não tinha nada a ver com Pasadena”.

Investigação. O documento da Petrobrás foi produzido para subsidiar as investigações da comissão interna que apurou irregularidades na compra de Pasadena. Além da viagem de Costa a Brasília, constam outros 209 deslocamentos de profissionais da estatal, ligados à aquisição e à gestão da refinaria americana, entre março de 2005 e fevereiro de 2009.

Não há menção à agenda do ex-diretor de Abastecimento com Lula no relatório final da comissão, que responsabiliza, além do próprio Costa, o ex-diretor de Internacional Nestor Cerveró, Gabrielli e outros dirigentes da época. O ex-diretor não foi questionado sobre o encontro quando, em agosto do ano passado, a comissão enviou a ele um questionário sobre sua participação na compra de Pasadena. Costa respondeu quando cumpria prisão preventiva em Curitiba.

Acusado e já condenado por envolvimento no esquema de corrupção da Petrobrás, Costa ficou preso de março a maio e de junho a setembro do ano passado na carceragem da Polícia Federal na capital paranaense. Em setembro, após firmar um acordo de delação premiada na Operação Lava Jato, ele foi encaminhado para prisão domiciliar, no Rio de Janeiro.

Propina. Aos investigadores, o ex-diretor confessou, entre outras irregularidades, ter recebido propina de US$ 1,5 milhão para não atrapalhar a polêmica compra de Pasadena, feita em duas etapas, entre 2006 e 2012, ao custo de US$ 1,2 bilhão. O prejuízo apontado pelo TCU é de quase 70% do valor pago.

Dilma alega que só aprovou a compra dos primeiros 50% da refinaria, em 2006, porque desconhecia aspectos prejudiciais do negócio. Em nota ao Estado, em março do ano passado, ela justificou que, ao tomar a decisão, se embasou num relatório técnico e juridicamente falho, apresentado por Cerveró ao Conselho de Administração, que não citava duas cláusulas.

Uma delas, a Marlim, garantia rentabilidade mínima de 6,9% ao ano ao Grupo Astra Oil, sócio da Petrobrás no empreendimento, mesmo que a refinaria fosse deficitária. A outra (Put Option) assegurava à parceira o direito de vender sua parte à estatal em caso de desacordo.

Em nota enviada na quarta-feira, o Palácio do Planalto reiterou que Dilma só foi informada da omissão sobre a cláusula Marlim no parecer em junho de 2008, em outra reunião do colegiado. E que não tratou de Pasadena, quando ministra, com Lula. “A ministra-chefe da Casa Civil não tratou da compra da refinaria com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, afirmou.

Procurado pela reportagem desde a semana passada, o advogado de Costa, João Mestieri, não se pronunciou.

Ex-diretor foi avisado de cláusula polêmica meses antes da compra

• Segundo investigação da Petrobrás, técnico alertou Costa sobre dispositivo no contrato que poderia trazer perdas à estatal

Fábio Fabrini e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A investigação da Petrobrás sobre a compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, revela que o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa sabia desde 2006 de uma das cláusulas do negócio agora considerada “maldita”. Em abril daquele ano, cinco meses antes da assinatura do contrato de compra da refinaria, ele fora avisado por um técnico da Petrobrás que a regra poderia trazer perdas à estatal. Mesmo assim, não criou obstáculos para a aquisição.

O alerta foi feito ao ex-diretor de Abastecimento pelo então gerente executivo de Marketing e Comercialização da Petrobrás, Nilo Carvalho Vieira Filho. Em duas notas técnicas, Vieira Filho explicou a Costa ter estranhado as condições da cláusula Marlim, que assegurava rentabilidade de 6,9% ao ano ao Grupo Astra Oil, sócio da estatal brasileira, mesmo se a refinaria fosse deficitária. Nas mensagens, o então gerente resumiu ainda quais eram as desvantagens para a companhia.

Mesmo avisado, segundo a investigação, Costa não comunicou o assunto à Diretoria Executiva e, em setembro daquele ano, integrou a comitiva que viajou a Houston (EUA) para a assinatura do contrato de compra da refinaria. Depois, foi nomeado integrante do comitê de proprietários de Pasadena como representante da Petrobrás.

O relatório da Petrobrás mostra que o ex-diretor teve participação em momentos cruciais da negociação para a compra de Pasadena. Em agosto de 2005, meses antes de o negócio ser autorizado, viajou com o então diretor de Internacional, Nestor Cerveró, aos Estados Unidos para inspecionar a refinaria. Em abril de 2006, após o encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez mais uma visita à refinaria americana. Em 12 de setembro de 2007, foi a Copenhague, na Dinamarca, para uma reunião com representantes da belga Astra Oil.

Na ocasião, Costa, Cerveró e o então presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli, integravam uma comitiva empresarial que acompanhava Lula em visita oficial ao país. Conforme as agendas oficiais da época, Lula e assessores do Planalto não participaram desse encontro.
Costa ainda viajou a Brasília em 25 de setembro de 2007 para um encontro com a então ministra Dilma Rousseff e representantes da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Dilma alega que o assunto não era Pasadena, mas “leilão de biodiesel”.

Mensalão transformou PT e contribui para crise política

Dez anos depois

• Partido ainda vive "sob a sombra" do escândalo, afirma Tarso Genro

Sérgio Roxo – O Globo

SÃO PAULO - Há exatamente dez anos, quando o escândalo do mensalão foi detonado pelas revelações do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) sobre o pagamento de recursos a parlamentares da base em troca de apoio ao governo Lula, o Partido dos Trabalhadores (PT) viveu o que pensava ser a maior crise de sua História. Apesar de não ter interrompido o projeto de poder do partido, que venceria ainda outras três eleições presidenciais, o mensalão deixou marcas profundas, que têm ligação com a situação atual, ainda mais dramática. Uma década depois, dirigentes da sigla e analistas concordam: as agruras do PT em meio à crise política do governo Dilma e à Operação Lava-Jato têm como origem o escândalo do mensalão.

O efeito imediato da revelação do mensalão por Jefferson em 6 de junho de 2005 foi a destruição de toda a estrutura de comando partidário arquitetada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que brecou os conflitos entre as tendências petistas para viabilizar, assim, a chegada de Lula ao Planalto, na eleição de 2002.

— Internamente, foi um desastre. Havia um comando consolidado no PT que foi abatido — lembra um dirigente do grupo majoritário do PT.

Para o ex-governador gaúcho Tarso Genro, da corrente opositora à de Dirceu, Mensagem ao Partido, a legenda ainda vive "sob a sombra do mensalão"! Ele avalia que o escândalo provocou um baque interno ao mostrar que a sigla recorria a métodos que sempre condenou.

— O mensalão produziu um impacto muito forte porque toda a militância do partido, suas direções e quadros intermediários, entenderam que o PT estava sujeito a ter as mesmas práticas dos partidos tradicionais. Sofrer das mesmas deformações da política tradicional, arriscando se tornar um partido comum, que derrota sua própria utopia e assume a governabilidade e o poder como essenciais — diz Tarso Genro, que assumiu a presidência do partido logo após o escândalo vir à tona, em 2005, pregando a refundação da legenda.

O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, avalia que o escândalo, ao abater lideranças petistas como Dirceu, Luiz Gushiken, José Genoino, João Paulo Cunha, Silvio Pereira e Delúbio Soares, prejudicou a condução do PT.

— O partido perdeu quadros importantes, pessoas que tinham experiência e habilidade para manejar a disputa política interna e no Parlamento. Passou a ser dirigido por um segundo time — diz Carlos Melo, para quem o atual presidente da legenda, Rui Falcão, dificilmente estaria hoje no posto sem o escândalo. — Talvez a direção nacional não fosse tão frágil como é.

Líderes petistas entendem que, ao assumir publicamente a defesa de seus dirigentes envolvidos no escândalo, o partido agravou o desgaste diante da população. Num primeiro momento, sob o comando de Tarso, a Executiva chegou a aprovar uma resolução pedindo "desculpas à nação", mas, em seguida, passou a contestar provas recolhidas e os critérios do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenaram os réus, entre eles Dirceu e o ex-deputado José Genoino.

Foi também o mensalão que possibilitou que Dilma Rousseff, hoje em conflito com o PT por causa do ajuste fiscal, fosse escolhida para suceder Lula. Com amplo controle da máquina partidária, Dirceu era o aspirante natural. Mas Lula dava sinais, segundo petistas, de que o seu preferido era o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. De acordo com um dirigente do PT, o presidente mantinha certo "cuidado" na relação com Dirceu, evitando que seu poder crescesse muito. O suposto plano de Lula, porém, cairia por terra no ano seguinte, quando Palocci foi acusado da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa, que o havia acusado de frequentar uma casa de lobby em Brasília.

— Surgiu mais uma janela de oportunidade para Lula, que passou a poder decidir o que bem entendesse sobre a sua sucessão. Dilma passou a ocupar um espaço como técnica sem expressão política, seja no PT ou na sociedade. Isso dava a Lula a tranquilidade de que poderia controlar Dilma como presidente da República — analisa Carlos Melo.

Tarso Genro entende que a escolha solucionou um conflito interno do partido diante da falta de um nome de consenso:

— O partido estava em crise, em meio a uma disputa entre as correntes. O presidente teve a capacidade de pacificar o partido naquele momento escolhendo a companheira Dilma, porque ela não era vinculada a nenhuma das correntes, portanto, pacificava o conflito.

O ex-governador gaúcho avalia, porém, que as consequências da escolha de uma pessoa desvinculada da vida partidária estão sendo vividas hoje pelo PT. •

PT impôs ao Brasil o padrão Fifa da corrupção, diz Roberto Jefferson

Mensalão 10 anos

Entrevista Roberto Jefferson

• Dez anos depois, jefferson não se arrepende de ter denunciado o mensalão, mas diz que não gostaria de passar por tudo de novo

Bernardo Mello Franco – Folha de S. Paulo

Dez anos depois de denunciar o mensalão à Folha, o ex-deputado Roberto Jefferson, 61, afirma que o PT implantou o "padrão Fifa de corrupção" e que o dinheiro das estatais continua a financiar as campanhas no país.

O petebista deixou a cadeia há três semanas. Cumpre prisão domiciliar em um condomínio de alto padrão na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, onde já viveram os ex-craques Romário e Ronaldo.

A entrevista foi autorizada pelo juiz Eduardo Oberg, titular da Vara de Execuções Penais do Rio.

 Leia a seguir os principais trechos.

Folha - Por que o sr. decidiu denunciar o mensalão?

Roberto Jefferson - Decidi dar a entrevista porque tinha sido vítima de uma matéria que deflagrou o processo da minha cassação. Aparecia um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, recebendo R$ 3.000 e dizendo que era para o PTB. Era uma pessoa com quem eu não tinha nenhuma relação.
Virei o grande vilão nacional por R$ 3.000. A matéria foi feita por encomenda da Casa Civil [então chefiada por José Dirceu].

O governo tentou algum acordo para silenciá-lo?

Quando eu estava sob tiroteio, vai à minha casa o líder do governo, o [Arlindo] Chinaglia, e propõe um acordo. "Roberto, você renuncia à presidência do PTB, o governo designa um delegado ferrabrás para o processo, ele arquiva e tudo se acerta."

Eu disse: "Não aceito. Eu entrei pela porta da frente e vou sair pela porta da frente. Só que eu vou carregar um bocado de caras comigo. Vocês não vão me ver de joelhos, eu vou enfrentar vocês".
[Chinaglia nega o relato.]

Dez anos depois, o PT diz que não se comprovou o pagamento de mesada a deputados.

Havia mesada. A Lava Jato agora clareou isso. Por respeito à decisão do ministro [Luis Roberto] Barroso, eu só posso falar do passado. Mas o [Alberto] Youssef fazia pagamento mensal para vários deputados de partidos da base. Era aquilo que havia na época. As malas chegavam com R$ 30 mil, R$ 60 mil, R$ 50 mil. Não se comprovou porque não fotografaram.

Por que o sr. não aceita ser chamado de delator?

Isso me deixa chateado. Delator é quem está dentro. Eu não deixei o PTB entrar no mensalão, não aluguei minha bancada. Quando o juiz me propôs a delação premiada, respondi: "Excelência, delação premiada é conversa de canalha. Quem faz delação premiada é canalha".

O sr. afirmou que Lula era inocente. Mantém essa versão?

Eu avisei o presidente [sobre o mensalão]. A reação dele à época me deu a impressão de que ele não soubesse. Quero crer que ele não sabia.

Seu advogado disse ao STF que Lula chefiou o esquema.

Aí foi a liberdade do advogado. Eu dizia: "Para de bater no Lula, pelo amor de Deus. Você tá contrariando o que eu disse, tá me deixando de mentiroso". Foi quando ele renunciou [à defesa].

Ele é convencido de que o Lula tem culpa, de que não se faria uma coisa dessa envergadura sem o presidente saber. Ele é meu amigo, é um grande advogado, mas não obedece o cliente (risos).

Qual a maior consequência de sua denúncia para o país?

Caiu aquele véu que havia sobre o PT, de partido ético, moralista. O PT posava de corregedor moral da pátria. Ali caiu a máscara. O PT a vida inteira deblaterou contra os adversários, mas "blatterou" a prática política padrão Fifa. O PT impôs ao país o padrão Fifa da corrupção.

Dirceu era cotado para suceder Lula. Considera que mudou a história do país?

O Dirceu saiu da fila. Se fosse ele o presidente, nós já estaríamos vivendo aqui a Venezuela. A Dilma é o Maduro (risos). O Chávez é o Dirceu. Com ele, teria cerceamento das liberdades democráticas, perseguição à imprensa livre, cadeia para opositor. Não ia ter papel higiênico.

O que o levou a aparecer na CPI com o olho roxo?

Foi por causa de uma discussão com a [ex-deputada] Laura Carneiro sobre o Lupicínio Rodrigues e a música 'Nervos de Aço'. Ela dizia que era de outro autor. Eu fui pegar o CD. Era uma daquelas estantes antigas, estava solta da parede. Quando fui me apoiar, o móvel veio.
Parecia que eu tinha apanhado. Essa história não adianta [repetir]. Nem minha mãe acreditou. Se mamãe não acreditou, como é que as pessoas vão acreditar?

O sr. foi condenado por receber R$ 4 milhões do PT. O que fez com o dinheiro?

Foi gasto nas eleições municipais do PTB em 2004, em campanhas de prefeito no Rio, em Minas, São Paulo. Isso ficou no passado. O partido no poder é que tem dinheiro para fazer eleição. O pequeno não tem, ele recebe o repasse do grande.

Quem fez o acordo no PT?

O Dirceu, na Casa Civil. Fechamos ali naquele prédio da Varig [em Brasília]. Financiamento de R$ 20 milhões à eleição do PTB, em cinco parcelas de R$ 4 milhões. Esse acordo não foi cumprido, só foi paga a primeira parcela. Foi um desastre para o PTB.

Há quem acredite que esse é o verdadeiro motivo de sua briga com Dirceu e o PT.

Se mamãe não acreditou que a estante caiu em mim, não quero convencer ninguém. É minha versão.

O sr. também foi acusado de usar órgãos do governo, como o Instituto de Resseguros do Brasil, para financiar o PTB.

O Lídio Duarte nos procurou para ter aval para ser presidente do IRB, fez um acordo conosco. Ele colocaria cinco brokers, operadores de mercado, recebendo R$ 60 mil de cada um. Conseguiria fazer um caixa de R$ 300 mil para ajudar o partido. Coisa que ele nunca cumpriu.

Era dinheiro de caixa dois?

Sim.

Isso é diferente do que foi descoberto no petrolão?

Não é diferente. Infelizmente, as estatais são braços partidários. As empresas públicas ainda funcionam no financiamento dos partidos. O cara briga para fazer diretor da Petrobras. É para fazer obra positiva, a favor do povo? Não existe isso.
As estatais são as grandes promotoras da infraestrutura do país. Elas é que são fortes. Não tem empresa privada no Brasil. E tem as paraestatais, que são as empreiteiras. Funcionam em função do governo.

O que acha da proposta de financiamento público?

O Brasil não tem financiamento privado. O financiamento é público de segunda linha, mas é. Quem financia campanha no Brasil são as empresas que têm grandes contratos com BNDES, Banco do Brasil, Petrobras. Eu acho uma graça isso: "Temos que acabar com o financiamento privado". Não tem financiamento privado, é estatal. Os empreiteiros não são privados, são braços das estatais.

Então não seria melhor proibir as doações?

Se proibir o financiamento privado, vai tirar dinheiro da saúde, do transporte e da educação para fazer campanha. É um absurdo. O político vai ser linchado na rua. E, proibido o financiamento privado, você dificilmente derrotará o partido oficial.

Depois de ser cassado e preso, o sr. se arrepende por ter denunciado o mensalão?

Eu sabia o que ia acontecer e estava preparado. Não tenho nenhum arrependimento. Zero. Só não gostaria de fazer de novo, de sofrer isso tudo outra vez.

Pessebistas contrários à fusão com PPS lançam 'proclamação aos militantes'

Agência Estado / Estado de Minas

BRASÍLIA, - Um grupo de seis pessebistas do qual fazem parte o ex-presidente do PSB Roberto Amaral e a deputada federal Luiza Erundina (SP) distribuirá, ainda desta sexta-feira, 5, uma "proclamação aos militantes" posicionando-se contra a cada vez mais remota possibilidade de fusão da sigla com o PPS.

"Agradecemos a todas as companheiras e companheiros de militância pela resistência coletiva que impediu, até aqui, o assassinato de nosso partido", diz o texto assinado por Amaral, Erundina, pelo deputado federal Glauber Braga (RJ), pelo secretário sindical do partido, Joilson Cardoso, pelo ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão e por Vivaldo Barbosa, ex-deputado federal.

Dirigentes do PSB se deram conta de que o processo de fusão não se daria com a facilidade prevista inicialmente. Pernambuco, liderado pelo governador Paulo Câmara e pelo prefeito do Recife, Geraldo Julio, questionaram a unificação, mesmo sabendo que a proposta tinha sido aventada inicialmente pelo ex-governador Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo no ano passado.

Outros diretórios estaduais também demonstraram insatisfação com a proposta, como Maranhão, Bahia e Paraíba. A cúpula refez as contas e concluiu que não tinha 80% dos diretórios apoiando a fusão com o PPS, como informou o Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, na última quarta-feira, 3.

"É imperioso manter nossa luta e avançar na esperança de que nem tudo está perdido. Conclamamos a militância a continuar a luta contra a fusão, pelo que ela representa de atraso e perda política e ideológica. Mas conclamamos, principalmente, para nos ajudar a manter acesa a chama do socialismo", dizem os signatários da "proclamação".

"Nesta hora decisiva, os números não podem ofuscar os valores. Um partido não pode crescer apenas aritmeticamente, renunciando aos seus fundamentos", diz o texto, que deve ser distribuído no final desta tarde.

Na sombra de Arraes

Panorama político – Ilimar Franco / O Globo

O desacordo nos estados cria obstáculos à fusão PSB-PPS.

Um dos exemplos simbólicos é o Paraná. O atual presidente regional, Severino Nunes de Araújo, não abre mão de manter sua posição. Ele foi fundador do novo PSB, ao lado de Arraes.

Mas o líder do PPS, deputado Rubens Bueno, acha que deve assumir a direção.

A primeira-dama, a enfermeira e o operador do PT


  • Há um grande segredo envolvendo esses três personagens. Entenda o que une a mulher do governador mineiro Fernando Pimentel, a mulher humilde que teria gasto 36 milhões de reais numa campanha eleitoral e o já notório Bené, acusado de alimentar o caixa do Partido dos Trabalhadores com dinheiro desviado dos cofres públicos

Rodrigo Rangel e Adriano Ceolin - Revista Veja

As duas mulheres que aparecem nesta reportagem não se conhecem. Carolina de Oliveira é jornalista. Cresceu na periferia de Brasília e hoje é a primeira-dama de Minas Gerais. Helena Maria de Sousa, ou Helena Ventura, como também é conhecida, mora em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, é enfermeira da rede pública de saúde e se candidatou a deputada estadual nas últimas eleições pelo PT. Apesar das trajetórias aparentemente distintas, as duas são suspeitas de envolvimento no mais recente escândalo de corrupção investigado pela Polícia Federal. Ambas, cada uma à sua maneira, estão conectadas a Benedito de Oliveira Neto, o Bené, empresário de Brasília que, na última década, fez fortuna como parceiro do governo federal, teve como cliente a campanha da presidente Dilma Rousseff, foi preso e está indiciado por formação de quadrilha.

O acaso levou Carolina a Bené. Formada em comunicação, ela trabalhou numa empresa que prestava serviços ao então prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel. Logo, foi promovida a assessora pessoal dele - e não se separaram mais. Em 2010, Pimentel foi indicado para coordenar a campanha presidencial de Dilma Rousseff. Carol o acompanhou. O prefeito delegou a Benedito de Oliveira, seu amigo, a montagem do comitê central. Bené alugou a casa e organizou toda a infraestrutura para o início da campanha. Ele era um mero desconhecido, e continuaria nas sombras se não fosse um escândalo que eclodiu antes mesmo do início da campanha. Além de marqueteiros e jornalistas, o empresário contratou para o comitê uma equipe de ex-policiais e arapongas para bisbilhotar a vida de adversários. Revelado por VEJA, o caso provocou o afastamento da dupla Pimentel-Bené do comando da campanha - mas só da campanha.

Eleita, Dilma nomeou Fernando Pimentel para comandar o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O ministro, por sua vez, contratou Carolina como sua assessora no ministério. Ela cuidava dos compromissos oficiais, acompanhava as viagens e estava presente na maioria dos eventos de que ele participava. Em 2012, motivado por rumores, Pimentel recomendou que a assessora deixasse o cargo. A pedido do ministro, ela foi contratada por uma agência que presta serviços ao PT. Montou a própria empresa, a Oli Comunicação, e, recentemente, oficializou a união com o agora governador Fernando Pimentel. Nesse período, Bené continuou ganhando dinheiro. Foram mais de 500 milhões de reais em contratos superfaturados com o governo. Tudo estaria bem para todos se, no ano passado, Bené não tivesse sido apanhado outra vez com a boca na botija. A polícia apreendeu um avião do empresário com 113 000 reais em dinheiro e documentos que sugeriam que ele repetia na campanha de 2014 o mesmo papel que desempenhara em 2010 - o caixa paralelo que financiava o PT.


As investigações indicam que Bené montou uma ampla rede criminosa envolvendo empresas-fantasma para financiar as campanhas petistas, incluindo a do governador Pimentel. Basicamente, ele superfaturava contratos com o governo e repassava parte do que arrecadava aos partidos através de doações legais, como no petrolão, ou clandestinas, através das empresas-fantasma. Na operação policial que prendeu o empresário, a polícia realizou buscas no apartamento onde Carolina Oliveira morava antes de se mudar para Belo Horizonte. Procurava documentos que mostrassem negócios entre ela e o empresário. A sede da Oli Comunicação estava registrada no mesmo endereço de uma empresa-fantasma de Bené.

É nesse ponto que a história de Carolina converge com a de Helena Ventura. Sindicalista e filiada ao PT, a enfermeira disputou três eleições. Foi candidata a deputada federal em 2010, a vereadora em 2012 e, no ano passado, tentou uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas. Somando o resultado das três eleições, ela teve incríveis 29 votos. Mas o que chamou atenção foi o custo de sua última campanha. Dona de um salário de 2 000 reais, Helena declarou ter gasto 36 280 000 reais com a candidatura. E o mais interessante é que praticamente todo o dinheiro, 36 250 000  reais, foi pago a um único fornecedor - a Gráfica Brasil, cujo proprietário é Benedito de Oliveira. É evidente que existe algo muito estranho nessa história.

Há um grande segredo envolvendo esses personagens. Segundo um relatório do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, o dinheiro a ser repassado para a Gráfica Brasil tinha como origem declarada o fundo partidário - a verba que os partidos políticos recebem dos cofres públicos. O PT não quis se pronunciar. A enfermeira disse que desconhece tanto a origem quanto o destino do dinheiro. "Se eu tivesse esse dinheiro, seria eleita com certeza", afirmou ela ao jornal Hoje em Dia. Helena também garante que nunca ouviu falar do empresário. Benedito de Oliveira, já solto, disse, por meio de seu advogado, Celso Lemos, que nem sabe quem é Helena. Caroline Oliveira não foi localizada. Seu advogado, Pierpaolo Bottini, informou que a primeira-dama de Minas Gerais mantém apenas relações de amizade com a família de Bené. Negócios? Nenhum. A coincidência de endereços teria sido apenas um grande mal-entendido. O advogado diz que a Oli funcionou num escritório no centro de Brasília até julho de 2014 e, depois disso, uma das empresas de Bené se instalou no mesmo endereço. Por equívoco, alguém se esqueceu de formalizar a mudança. Simples assim.

(Com reportagem de Hugo Marques)

Na crise, Legislativo assume protagonismo

• Congresso tem pressa em aprovar pautas com impacto fiscal antes do período de recesso, em julho, mas parlamentares descartam tratar-se de um confronto com o governo

Edla Lula - Brasil Econômico

A fragilidade política do governo Dilma Rousseff abriu caminho para o Parlamento destravar temas com forte impacto nas contas da União, mas que representam alívio para estados e municípios. Embora a criação de comissões especiais para tratar o pacto federativo na Câmara e no Senado tenha soado como mais uma provocação do PMDB, deputados e senadores veem na crise do governo a oportunidade para acabar com o subjugação dos demais entes.

"É preciso acabar com a cultura do beija-mão do governo federal. Apesar de ser uma federação, o Brasil mantém a relação de dependência que vem de Dom João VI. Isso custa caro. Tem que acabar com essas romarias de prefeitos e governadores, secretários para defender liberação de verbas, muitas vezes coisas pequenas", aponta a senadora Ana Amélia (PP-RS), coordenadora do grupo temático formado para analisar proposições ligadas às finanças dos municípios no âmbito da Comissão Especial do Aprimoramento do Pacto Federativo.

Autora da Proposta de Emenda Constitucional que elevava em dois pontos percentuais as transferências para o Fundo de Participação dos Municípios, a senadora garante que o propósito da Comissão não é atacar o Executivo, mas trazer equilíbrio à distribuição das forças federativas. "Lamentavelmente, a crise dos estados e municípios, que já vinha se agudizando, chegou em um momento em que há também uma crise na relação dos Poderes. Não se pretende acossar nem colocar Dilma na parede, mas não se pode mais esperar. Este é um momento em que é preciso decidir", observa.

O senador Fernando Bezerra (PSB-PE), relator da comissão, garante que não haverá confronto e que todos os pontos serão discutidos previamente com a equipe econômica de Dilma. "Não vamos aprovar matérias de forma desatenta à necessária contribuição para o ajuste que está se fazendo no plano federal. Mas nós vamos colocar de forma clara que, se de um lado é importante a governabilidade da União, não se pode ficar desatento à necessidade de equilibrar as contas dos municípios e dos estados", disse o senador, que levantou 54 proposições já em discussão no Legislativo, envolvendo demandas apresentadas por governadores e prefeitos.

Segundo Bezerra, antes do recesso de julho serão votados, no plenário, projetos considerados urgentes e sobre os quais a Comissão encontrará consenso. O mais polêmico, que prevê a unificação da alíquota do ICMS, será apresentado em julho, mas votado até setembro. "A mudança no ICMS é um desejo de todos, inclusive do governo, que já se manifestou favoravelmente em muitos momentos. Mas aguardamos decisões relacionadas às alíquotas, que dependerão de um pouco mais de tempo no debate", explica. Algumas das propostas, ressalta Bezerra, não geram efeito fiscal, mas disciplinam decisões que interferem na saúde dos governos locais, como a Proposta de Emenda à Constituição 172, que impede o governo de lançar programas sem identificar as fontes de recurso para que municípios e estados os implementem.

Cobrado por ser integrante da base aliada, o presidente da Comissão, senador Walter Pinheiro (PT-BA), que votou contra as medidas do ajuste fiscal, diz que se sente confortável em liderar os debates. "Antes de ser senador da base, sou senador da Bahia", salienta. Ele descarta que o estremecimento com o governo Dilma motive a pressa do Congresso em aprovar a matéria antes do recesso do meio do ano. "Em 2012, não havia briga alguma com o governo e já discutíamos o pacto federativo".

Para Pinheiro, a reforma tributária é mais importante que as duas MPs (do ajuste). Não há como resolver o problema da nação matando estados e municípios", diz o senador.

Principais demandas do pacto federativo

Estados
  • Unificação das alíquotas de ICMS interestadual.
  • Compensações relativas à Lei Kandir.
  • Compensação aos entes afetados por desonerações tributárias federais/estaduais.
  • Desonerar o PIS/PASEP incidente sobre as receitas dos estados.
  • Alterar os critérios de rateio de recursos do SUS.
  • Não contingenciamento dos repasses do SUS.
  • Estabelecer gastos mínimos com segurança pública.
  • Piso de gastos da União com saúde que acompanhe a elevação dos custos.
  • Incluir contribuições na repartição de receitas da União.
Municípios
  • Impedir redução no repasse do FPM quando houver queda de arrecadação.
  • Desoneração do PIS/PASEP as receitas de Municípios.
  • Isentar os municípios de contribuições sociais e Cide.
  • Isentar os municípios dos tributos incidentes na aquisição de bens e serviços.
  • Atualizar pelo INPC os repasses para execução de programas federais.
  • Proibir criação de despesas no âmbito municipal sem indicação de fonte de receita.
  • Determinar repasse pela União dos recursos necessários para o pagamento do piso nacional.
  • Fazer a União complementar os valores que os municípios gastam além do que determina a Constituição.

A dupla dinâmica

• As vezes de comum acordo, outras vezes em rota de colisão, Cunha e Calheiros levam o Congresso a um protagonismo inédito, mas o eleitor que se cuide: nem tudo é o que parece

André Petry - Veja

Agora, na iniciativa mais recente, eles inventaram o seguinte: apresentar um projeto para que os dirigentes das empresas estatais também sejam sabatinados e confirmados pelo Congresso Nacional. A ideia é abrir a caixa-preta das estatais, que permitiu barbaridades como o escândalo da Petrobras. Ela saiu de duas cabeças: a do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e a do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A proposta de pôr a casa do povo para fiscalizar as estatais é positiva e obedece a uma tendência internacional. Pelas estatais, correm caudalosos rios de dinheiro do contribuinte. Não há nenhuma razão, administrativa ou financeira, para que os parlamentares não possam dar uma palavra sobre os rumos das estatais.

Com Cunha na dianteira e Calheiros na retaguarda, o Congresso alcançou nos últimos meses um protagonismo como nunca se viu na democracia brasileira. Nem no governo de Sarney, que teve fim melancólico. Nem no último ano do tucano Fernando Henrique, que se arrastou até o encerramento depois do rompimento com o então PFL. Nem no ano passado, quando Dilma concluía seu primeiro mandato num clima de penúria política que já prenunciava o atual desterro presidencial. Agora, a cada semana, por iniciativa de Cunha e Renan, vota-se alguma matéria de relevância, deflagra-se algum debate polêmico, analisa-se alguma proposta que repousava nas gavetas há décadas.

Os cientistas políticos costumam dizer que a Constituição de 1988 brindou o presidente da República com tantos poderes — medidas provisórias, pedidos de urgência, trancamentos de pauta — que o Congresso vivia asfixiado pela potência avassaladora do governo. Os estudiosos chamam esse cenário desigual de "hiperpresidencialismo brasileiro". Com o ativismo febril do Congresso nos últimos tempos, percebe-se que a análise talvez tenha sido precipitada. "Estamos vendo que nosso hiperpresidencialismo não era tão híper assim", diz o professor Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que está especialmente espantado com a agilidade de Cunha. "Ele está ativando a política brasileira de uma maneira impressionante."

Tudo sugere a boa saúde da democracia brasileira, em que, pela primeira vez, o Legislativo deixa de comportar-se com a lendária submissão ao Executivo. Mas as aparências são enganadoras. O protagonismo do Congresso tem mais a ver com interesses paroquiais dos parlamentares, de enfraquecer o governo e conquistar poder dentro do PMDB, do que com interesses do país. A começar pelo fato de que Cunha e Renan, a dupla dinâmica, numa demonstração do cinismo galhofeiro da política brasileira, estão sob investigação por suspeita de envolvimento em, repita-se, barbaridades como o escândalo da Petrobras.

Feitas as contas, as votações relevantes e os debates polêmicos têm sido promovidos às carreiras e o resultado prático é perto de zero, de modo que seu maior efeito tem sido marcar, e aprofundar, a já abissal fragilidade política do governo Dilma. De significativo, mesmo, Câmara e Senado votaram as medidas do ajuste fiscal, que integram a agenda do governo. O resto não saiu do papel. A regulamentação da terceirização da mão de obra, aprovada na Câmara, empacou no Senado, para irritação de Cunha, que ameaçou revidar retardando na Câmara as matérias do Senado. "Pau que bate em Chico bate em Francisco", disse. Nesse caso, Calheiros e Cunha brigam por motivos sonantemente ignorados. A própria reforma política, que Cunha votou com rapidez inexplicada, manteve quase inalterado o atual sistema eleitoral.

Já os interesses umbigueiros dos parlamentares tiveram saldo polpudo neste início de legislatura. Os salários subiram 26,3%. Agora, as excelências ganham quase 34000 reais, mais que a presidente da República.

O fundo partidário triplicou de valor, saltando de 290 milhões para 870 milhões de reais, o maior aumento da história. O governo está obrigado a soltar o dinheiro das emendas orçamentárias dos parlamentares. O "parlashopping", o prédio de 1 bilhão de reais que Cunha quer construir para os deputados, está avançando depois de aparecer de contrabando numa medida provisória. Gastos bilionários na era dos cintos apertados.

Cunha, mais que Calheiros, é aliado vacilante do governo e inimigo convicto do PT. Para o eleitor que simpatiza com essas posições, a atuação de Cunha tem sido um bálsamo, mas é recomendável lembrar uma advertência de Machado de Assis, no seu papel de arguto comentarista político: "É bom não aplaudir por culto, nem censurar por ódio". Tudo o que Cunha tem feito vem embalado com um voluntarismo e uma ponta de truculência que começam a incomodar os colegas. Mesmo aliados o apelidaram de "dom Eduardo I".

O que mais revoltou os parlamentares foi a patrolada na reforma política. Cunha derrubou o relator, jogou seu trabalho de quatro meses no lixo e, no dia seguinte, com um relator que teve 24 horas para trabalhar, pôs o tema em votação.

Graças ao descomunal desprestígio de Dilma, a velha aspiração a uma democracia dotada de um Congresso altivo, autônomo e independente finalmente foi atingida, mas o efeito não tem sido o esperado. No início da semana passada, deputados e senadores já deixaram Brasília para emendar o feriadão. Cunha e Calheiros embarcaram para o exterior. Em vez das habituais críticas pela folga exagerada, sentiu-se um alívio. Enfim, o país terá uma trégua no protagonismo da dupla dinâmica, que não ficará soltando balões de ensaio, fazendo votações apressadas e zelando, no fundo, pelos próprios interesses.

O banco camarada

• Mesmo escondendo o principal, o BNDES revela critérios escandalosos para financiar obras no exterior com dinheiro do povo brasileiro

Leonardo Coutinho – Veja

Na semana passada, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgou uma parte das informações, até então sigilosas, referentes a empréstimos concedidos para obras de infraestrutura em Cuba e Angola. A instituição também disponibilizou os dados de contratos com outros nove países. Apesar de bem-vinda, a decisão do banco está longe do que pode ser chamado de transparência. Os dados abertos tratam apenas dos valores das operações, das taxas de juros e dos prazos de pagamento aplicados. Detalhes sobre as garantias oferecidas pelos contratantes, pareceres técnicos e análises de risco ainda continuam obscuros. A decisão do BNDES foi uma estratégia para evitar a abertura de uma CPI no Senado para investigar os contratos.

Os dados liberados pelo BNDES revelam que o total emprestado pelo banco desde 2007 é de 12 bilhões de dólares, divididos em 516 contratos. Angola foi o país que mais recebeu recursos (cerca de 3,5 bilhões de dólares), seguido pela Venezuela (2,25 bilhões) e República Dominicana (2,2 bilhões). Para quase 60% dos contratos de empréstimo, o BNDES cobrou taxas de juros mais camaradas do que costuma praticar para obras dentro do Brasil. Os angolanos, por exemplo, não conseguem no mercado internacional dinheiro a taxas inferiores a 7,5%, mas o BNDES injetou no país o equivalente a 29% de todo o montante que emprestou nos últimos oito anos com uma taxa de juros média de 5,3%. A taxa mais baixa para uma obra de infraestrutura no Brasil é de 5%. Para um país com o perfil de Cuba, segundo estudo da Universidade de Nova York, os juros deveriam ser de 12,5%, mas o Brasil concedeu 847 milhões de dólares em empréstimos a 5,4% e com prazo de pagamento de até 25 anos.

A camaradagem do governo, por meio do BNDES, tem um preço para os pagadores de impostos brasileiros. Isso porque o banco capta o recurso a custo mais alto do que repassa para as empresas que farão as obras no exterior. Os recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por exemplo, custam no mínimo 6% ao mês. No caso do Porto de Mariel, o banco cobrou apenas 5,2%. Luciano Coutinho, presidente do BNDES, está correto quando diz que o banco não perde dinheiro. Por lei, o BNDES não pode assumir o prejuízo da operação. A União paga a diferença. A chamada "equalização das taxas de juros" é, portanto, coberta com recursos públicos.

No fim de 2014, a dívida da União com o BNDES para cobrir as operações de compensação era de 26,1 bilhões de reais. Quando criticado, o governo se defende dizendo que as empresas brasileiras envolvidas nas operações geram empregos e receitas para o Brasil e que não conseguiriam conquistar esses mercados sem a ajuda oficial. O que não parece razoável é que a falta de eficiência das empresas nacionais seja premiada, que certos regimes ditatoriais sejam subsidiados e que obras de infraestrutura essenciais para o desenvolvimento do Brasil sejam negligenciadas, enquanto o dinheiro jorra para o exterior.

Almir Pazzianotto:"O PT tornou-se reacionário"

• O ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, que advogou para Lula no Sindicato dos Metalúrgicos, diz que o partido defende os privilégios dos sindicalistas - e não os direitos dos trabalhadores

José Fucs – Revista Época

O advogado Almir Pazzianotto, de 78 anos, é uma das maiores autoridades do país na área das relações do trabalho. Foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, no ABC paulista, nos tempos em que Lula era o presidente da entidade, nos anos 1970 e 1980. Depois, como Lula, ele migrou para a política. Tornou-se deputado federal pelo MDB e por seu sucedâneo, o PMDB, de 1975 a 1986. Foi secretário do Trabalho de São Paulo na gestão de Franco Montoro, ministro do Trabalho no governo Sarney, quando criou o seguro-desemprego, e ministro e presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o TST, de 1988 a 2002. Ao se aposentar do TST, Pazzianotto voltou a atuar como advogado. Nesta entrevista, ele critica a atuação do movimento sindical, defende a mudança da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, que regula as relações trabalhistas, e diz que Lula e o PT abandonaram bandeiras históricas ao manter o imposto sindical e a vinculação dos sindicatos ao Estado.

ÉPOCA – Nos últimos meses, a CUT e os sindicatos ligados ao PT organizaram protestos contra o ajuste fiscal e as medidas que limitam a concessão de benefícios, como o seguro-desemprego e a pensão por morte. Como o senhor avalia essa reação?

Almir Pazzianotto – O fundamento das medidas é a constatação – já antiga – da existência de abusos na concessão de benefícios sociais e trabalhistas. Inicialmente, eu me opus a elas por terem sido adotadas por meio de Medidas Provisórias. No mérito, acredito que as providências do Poder Executivo estão corretas. É seu dever verificar onde há vazamento e propor medidas para contê-lo. O que falta às centrais sindicais, confederações, federações e aos sindicatos, especialmente a seus dirigentes, é uma posição racional, de equilíbrio. Eles não querem saber das contas. Têm um discurso demagógico. Utilizam-se da democracia – e de uma democracia bastante liberal que há no Brasil ™ para transformar em manifestação o que deveria ser um grande debate nacional. Não dá para abrir um debate na Avenida Paulista, como se fosse uma assembleia sindical. Outro dia cruzei com um político que respeito muito e ele me disse: "A esquerda no Brasil tornou-se reacionária". Ele tem toda a razão. A esquerda, de forma geral, tornou-se reacionária. O PT tornou-se reacionário. Não percebe que o Brasil precisa de mudanças profundas, sob pena de ficar para trás no cenário global.

ÉPOCA – Essas manifestações também tinham como alvo o projeto que regulamenta a terceirização, aprovado pela Câmara dos Deputados, por ameaçar os direitos trabalhistas. O senhor concorda com as críticas do movimento sindical?

Pazzianotto – Isso é demagogia explícita. A lei trabalhista não faz distinção entre quem trabalha para uma prestadora de serviço e para uma tomadora de serviços. O argumento mais usado contra a terceirização é o da "precarização" das relações de trabalho, mas até agora ninguém me explicou o que isso significa. Não há vínculo de emprego que seja definitivo. A velha estabilidade aos dez anos de serviço acabou em 1967, com a criação do Fundo de Garantia. Temos algumas exceções na legislação, que confere a estabilidade no emprego aos funcionários públicos e uma garantia temporária para a gestante, o dirigente sindical, o acidentado e o membro da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). O que garante o emprego mesmo - e é isso que nosso obtuso dirigente sindical faz de conta que não sabe – é a situação da economia. Se ela é próspera, o mercado de trabalho se alarga e a lei da oferta e da procura adquire relativo equilíbrio. Se a economia desaba, ninguém segura os empregos.

EPOCA – Em sua opinião, por que os sindicatos e as centrais sindicais resistem tanto às mudanças?

Pazzianotto – O que faz os sindicalistas tomarem atitudes irresponsáveis, desprovidas de qualquer razoabilidade, é o imposto sindical, a estabilidade de que eles gozam. A estrutura herdada do Estado Novo não corresponde ao mundo de hoje. As eleições sindicais são uma fraude, porque a adesão na categoria é mínima. As mensalidades são irrisórias. Ninguém se sindicaliza. Como o sindicalista tem sua fonte de renda garantida, não se preocupa com o mercado de trabalho. Hoje, no Brasil, poucos são tão privilegiados quanto essa elite sindical, que não quer perder seus privilégios. Se o Brasil quiser avançar, precisa entender as mudanças. Hoje, a classe operária não tem nada a ver com a de 1950.

ÉPOCA – Nas décadas de 1970 e 1980, o senhor foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, quando Lula era presidente da entidade. Comparando com aquela época, como o senhor vê o movimento sindical hoje?

Pazzianotto – Ele entrou num terrível processo de perda de qualidade. Paradoxalmente, tem muito dinheiro, mas é pobre em ideias. É um movimento incapaz de oferecer a mínima contribuição para que o Brasil se modernize e passe a disputar uma posição de relevo no mercado mundial. A República sindicalista implantada pelo PT jamais nos elevará à posição de país desenvolvido. Só há uma solução: é o sindicato se desligar totalmente do Estado e seguir as regras da Convenção 87 da Organização Mundial do Trabalho. Isso significa ter autonomia de organização sindical, reconhecimento pleno como pessoa jurídica de direito privado, encerrar essa história de registro no Ministério do Trabalho, que se tornou um grande balcão de negócios, e acabar com as contribuições compulsórias e com o repasse de dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Não faz sentido as entidades continuarem dependendo do imposto sindical, que é pago de forma compulsória pelos trabalhadores, principalmente pelos não associados, que compõem a maioria. Elas têm de viver dos recursos proporcionados por seus associados. O Brasil precisa dar um salto. O salto dado em 1988, com a promulgação da Constituição, não foi completo. Ficou essa questão sindical, maculada pelas raízes autoritárias que Getúlio Vargas trouxe da Carta Del Lavoro, criada por Mussolini. Em vez de olhar para a frente, a gente se agarra ao passado, e um belíssimo exemplo é a CLT.

EPOCA – Que mudanças deveriam ser feitas na CLT para modernizar as relações de trabalho no país?

Pazzianotto – O principal problema da CLT está em sua introdução. Ela considera todo trabalhador relativamente incapaz e dependente da tutela do Estado. É óbvio que isso não vale para todos. A CLT deveria entender que há graus de dependência e de desinformação. A CLT também trata de maneira homogênea todo empregador. Não distingue o micro do pequeno, do médio, do grande, da entidade filantrópica. Existe um Simples na área tributária, mas não na trabalhista. Está sempre sendo cogitado, mas nunca foi efetivado. Então, a taxa de mortalidade das microempresas é elevadíssima, porque os encargos trabalhistas e sociais são muito altos. Também deveria haver um teto para a cobertura da CLT. Outro dia li que um jogador de futebol recebe R$ 200 mil com registro em carteira e R$ 300 mil por fora. Por que quem ganha R$ 500 mil precisa ser registrado, com a cobertura da CLT? Temos de encontrar um teto, discutir, negociar. A partir dali, a CLT seria uma opção, e não uma obrigação.

ÉPOCA – Uma das reformas abandonadas pelo PT nos governos Lula e Dilma foi a trabalhista. De que forma isso afeta nossa competitividade?

Pazzianotto – A característica dominante hoje na esfera trabalhista – e isso envolve mais que a CLT – é a insegurança jurídica. Tudo abre espaço para discussão. Agora, a reforma trabalhista não pode ser feita num pacote. É preciso escolher alguns pontos que possam levar o país de uma situação de insegurança jurídica para uma situação de certeza. O país precisa de um novo sistema, uma nova regulamentação, uma nova maneira de ver as relações entre empregados e patrões. O mundo do século XXI não tem nenhuma semelhança com o do século passado, quando a CLT foi pensada e redigida. Por mais que ela tenha sido reformada, seu núcleo permanece o mesmo de 1943.

EPOCA – O senhor poderia citar dois ou três pontos que precisam ser alterados?

Pazzianotto – Há uma quantidade imensa de reclamações de ex-empregados após deixarem o emprego. Há casos de o empregado receber mais dinheiro depois de sair da empresa do que quando trabalhava. O que normalmente acontece é que ele assina a quitação e já há um ilustre colega no sindicato pronto para abrir um processo trabalhista. Se alguém deixou o emprego, recebeu o que lhe era devido e assinou a quitação, não deveria ser possível mais reabrir essa questão. Outro ponto é a garantia à solidez dos acordos coletivos: o negociado vale. Mas o negociado vale sobre o legislado? Depende. Se for sobre um direito fundamental, o negociado não pode ignorá-lo. Mas, sobre questões que não sejam essenciais, o negociado deve sempre valer. Se não for assim, se a Justiça ou o Ministério Público interferir em cada negociação, o instrumento principal da classe trabalhadora, que é a negociação coletiva, perde a razão de ser.

Saques na poupança voltam a superar depósitos

• No acumulado do ano até maio, a diferença entre depósitos e retiradas está negativa em R$ 32,2 bilhões

Eduardo Rodrigues - O Estado de S. Paulo

O volume de saques da poupança voltou a superar os depósitos em maio. Segundo dados divulgados nesta sexta-feira, 5, pelo Banco Central, a quantia de resgates superou a de depósitos em R$ 3,199 bilhões no mês passado. Em abril, o resgate líquido na caderneta havia sido de R$ 5,851 bilhões e, em março, de R$ 11,438 bilhões.

Com o resultado de maio, o saldo total da poupança ficou em R$ 648,772 bilhões, já incluindo os rendimentos do período, no valor de R$ 3,662 bilhões. Os depósitos na caderneta somaram R$ 153,235 bilhões no mês passado, enquanto as retiradas foram de R$ 156,434 bilhões. No acumulado do ano até maio, o resultado está negativo em R$ 32,280 bilhões.

A situação de maio só não foi pior porque, no último dia útil do mês, a quantidade de aplicações foi R$ 3,997 bilhões maior do que o de retiradas. Até o dia 28, o saldo da caderneta estava no vermelho em R$ 7,196 bilhões.

É comum ocorrer um aumento dos depósitos no último dia de cada mês em função de aplicações automáticas e de sobras de salários. O que tem ocorrido nos últimos meses, no entanto, é que essa sobra tem sido cada vez menor.

Brilho. Além disso, com o atual ciclo de alta dos juros básicos e do dólar tornando outros investimentos mais atrativos, a caderneta de poupança perde o brilho. Há três anos a forma de remuneração da aplicação mudou.

Pela regra de maio de 2012, sempre que a taxa básica de juros, a Selic, for igual ou menor que 8,5% ao ano, o rendimento passa a ser 70% da Selic mais a Taxa Referencial (TR).
Atualmente, a taxa básica está em 13,25% ao ano. Quando o juro sobe a partir de 8,75% ao ano passa a valer a regra antiga de remuneração fixa de 0,5% ao mês mais a TR.

Miguel Reale Júnior - Triste aniversário

- O Estado de S. Paulo

Em 6 de junho de 2005, dez anos atrás exatamente, a Folha de S.Paulo publicava entrevista do deputado Roberto Jefferson, então presidente do PTB, em que denunciava a existência do mensalão. Dizia o deputado ser o número elevado de cargos do PT a fonte geradora do mensalão, pois o “PT tem participação muito maior que a dos outros partidos da base. Tem 20% da base e 80% dos cargos”. Ao final da entrevista, explicava a razão de ser do mensalão, uma mesada de R$ 30 mil paga a deputados do PL, do PP e do PTB, pois era “mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem é pago não pensa”. O deputado ponderava que em 22 anos de mandato nunca vira isso acontecer no Congresso Nacional, sendo que em função desse mensalão se contaminou a base parlamentar.

Jefferson avisou ministros e o próprio presidente do que ocorria, mas só se estancou essa corrupção com a CPI dos Correios. O presidente Lula, nestes dez anos, a cada instante falou coisa diferente sobre o mensalão, indo das desculpas à negação geral do fato, mesmo após o trânsito em julgado da condenação imposta pelo Supremo Tribunal Federal.

Nestes dez anos, a política tornou-se caso de polícia, com prisões, condenações, algemas, delações, fuga e extradição, monitoramento por tornozeleiras eletrônicas. É consequência de se assumir o governo não para cumprir primacialmente um projeto de país, mas para usufruir o poder, ocupando todos os cargos disponíveis e criando novos para acomodar apaniguados. O poder deixa de ser meio para ser fim em si mesmo, preservado por via de corrupção e de larga distribuição de propina, com descontrole fiscal e mentiras deslavadas para iludir o povo visando a ganhar eleições.

Imaginava que a persecução penal aos líderes do PT no processo do mensalão refrearia a ganância, mas se montava, por trás, o petrolão. Instalou-se, então, clima de irresponsabilidade absoluta na administração, imperando a desordem bem própria da mentalidade de tirar o máximo proveito do poder.

Essa irresponsabilidade contaminou o campo delicado das finanças públicas, pois o governo federal - objetivando melhorar suas contas e criar um superávit fictício - contraiu empréstimos com as instituições financeiras públicas para pagamento do Bolsa Família, do programa Minha Casa Minha Vida, do seguro-desemprego, deixando de registrar como passivo essa despesa sem pagar por longo prazo.

O Relatório de Inspeção, para se ter ideia da grandeza dos empréstimos, indica ter o Departamento de Supervisão Bancária informado que ao final de agosto último a Caixa Econômica Federal registrou em seu ativo R$ 1.740,5 milhões em valores a receber do governo federal, de pagamentos relativos a programas sociais (Bolsa Família, abono salarial e seguro-desemprego). E esses empréstimos foram contraídos com bancos públicos sem satisfação da dívida anteriormente assumida, efetivando estes mútuos no último ano do governo em afronta, em tese, ao descrito nos artigos 359 A e 359 C do Código Penal.

Em vez de o governo conter gastos, reduzir ministérios, eliminar cargos em comissão na administração direta e especialmente indireta, atacar a corrupção, ter transparência, valeu-se dos empréstimos contraídos com bancos dos quais a União é controladora, sem registrá-los como despesa, para vender gato por lebre, fazendo crer ao Legislativo, ao Tribunal de Contas, ao País que as contas públicas estavam sob controle e garantindo o crescimento econômico em 2015 com contenção da inflação. Essas deslavadas mentiras levaram a ganhar a eleição e agora à estagnação, à forte restrição do crédito, ao fim das desonerações, ao aumento dos preços, à redução das verbas da educação e da saúde.

Houve pedaladas em 2013, 2014 e neste ano também, mas nada proíbe que se instaure processo por crime comum contra a presidente por ações ocorridas no mandato passado se não estranhas às suas funções (artigo 86, § 4, da Constituição), sendo essas ações exatamente próprias funções presidenciais.

Além de a lei, a doutrina e a jurisprudência indicarem como responsável pelos crimes contra as finanças públicas o chefe do Executivo, cabe lembrar que a presidente da República, economista por formação, sempre demonstrou, enfaticamente, coordenar as decisões no campo das finanças.

Ademais, um dos maiores responsáveis pelas operações de crédito, o secretário do Tesouro Nacional, mantinha reuniões quase diárias com a presidente da República, cuja fama de rigorosa controladora da administração era e é famosa em Brasília, tanto que em tom de blague se diz ser fácil saber o nome dos 39 ministros: Dilma, Dilma... Evidentemente a presidente não pode alegar que medida de tamanha importância e tal valor tenha sido tomada sem seu conhecimento e sua anuência, pois cabe mesmo à presidente da República, de acordo com o artigo 85 da Constituição, a fixação de metas, a afetação dos recursos, a escolha dos procedimentos.

Assim, um dos caminhos para estabelecer a responsabilidade pela irresponsabilidade na condução das finanças públicas, que hoje todos sofrem, é o pedido de instauração de ação penal ou, no mínimo, de investigação criminal. Enviada acusação ao Supremo Tribunal, cabe a este consultar a Câmara dos Deputados se autoriza o processo. Autorizado, a presidente é afastada por 180 dias. O efeito é o mesmo do impeachment, sem ter de passar pela decisão monocrática do presidente da Câmara, que já arquivou, de plano, 30 pedidos de afastamento da presidente.

O caminho escolhido exige serenidade, visando a apurar a responsabilidade criminal da presidente por fatos cuja gravidade independe de qualquer viés político, pois já reconhecidos pelo Tribunal de Contas. Rodrigo Janot agora estuda a questão.

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*Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça.

Merval Pereira - Coisa nossa

- O Globo

Condenado fazendo comício político, usando blog para comentar os acontecimentos, dando orientações sobre votações no Congresso, são coisas nossas e apartidárias.

Não é apenas José Dirceu quem tem blog, seu delator Roberto Jefferson também, e ambos participam ativamente da política, dando palpites sobre o que está acontecendo, contra ou a favor do governo.

Jefferson, mesmo em prisão domiciliar, está de bem com a vida depois de ter casado em grande estilo, com direito a tirar um sarro de seu mais famoso inimigo. Ao lembrar a frase emblemática dirigida a Dirceu em transmissão pela televisão — "Você provoca em mim os instintos mais primitivos" —, ele disse a sua noiva que ela lhe inspirava "os mais deliciosos instintos primitivos"

Em seu blog, ele afirma através de interpostas pessoas que o governo beneficiou a empreiteira Odebrecht com os financiamentos do BNDES. Já Dirceu tem aparecido abatido, e continua às voltas com outro processo, o do petrolão, onde é investigado pelo Ministério Público pelas consultorias que deu a empreiteiras envolvidas na Lava-Jato, que seriam meros disfarces para propinas vindas da Petrobras.

Ele tem usado seu blog para se defender, acusando o doleiro Alberto Youssef de inventar as denúncias contra ele. Mas também participa da discussão política, ora defendendo a posição do governo contra o aumento da maioridade penal, ora rebatendo a tentativa do Congresso de controlar as nomeações nas estatais.

Mas pelo menos eles fingem algum constrangimento, e os blogs são escritos por "amigos" e "assessores"," mesmo que o que se lê ali seja claramente a opinião pessoal dos condenados.

Pois o petista João Paulo Cunha, o ex-presidente da Câmara condenado por peculato e corrupção no processo do mensalão, foi flagrado pela "Folha" em uma reunião política em Osasco, seu reduto eleitoral. Digo flagrado porque os companheiros que atenderam ao convite para "bater um papo ao sabor da conjuntura e outras lembranças" recebiam instruções para não fotografar nem postar notícias nas redes sociais, e, portanto, o encontro não era para se tornar público.

Ele cumpre a pena em regime aberto em Brasília e recebeu permissão para ir a São Paulo comemorar seu aniversário. Os condenados pelo mensalão tiveram seus direitos políticos suspensos e não podem se candidatar a nada.

Mas, ironicamente, há uma discussão sobre se podem ou não se filiar a partidos políticos, ou se podem participar de reuniões partidárias.

Outro condenado, Valdemar Costa Neto ignora eventuais restrições e faz reuniões políticas do PR, que ainda controla, orientando o partido sobre como votar no Congresso. Ao que se sabe, apenas as transgressões mais óbvias são punidas.

Flagrado tomando cerveja com amigos em um bar da Zona Sul de BH, o ex-deputado federal Romeu Queiroz, condenado a seis anos e seis meses de prisão por envolvimento no mensalão, perdeu os benefícios de trabalho externo e saídas temporárias.

João Paulo Cunha, por exemplo, fez ampla análise política da situação, admitindo até que o PT errou no mensalão, e voltou a errar no petrolão. Não entrou em detalhes sobre esses erros, sem deixar claro se estava admitindo os crimes pelos quais foi condenado, ou se o erro a que se referia era o de terem sido apanhados.

De qualquer maneira, a comemoração do aniversário de João Paulo Cunha foi bastante proveitosa para ele como líder político. Reuniu sua tropa política para estabelecer estratégias para a eleição municipal de 2016, e, hoje, tinha marcada reunião com grupos de sindicalistas.

Na eleição de 2012, ele era candidato favorito à prefeitura de Osasco quando teve que renunciar devido à condenação no mensalão. O então prefeito Emídio de Souza hoje é presidente do PT paulista e também esteve com João Paulo Cunha trocando ideias sobre "a conjuntura".

As atividades políticas, encobertas ou não, não são restringidas pela Justiça, que tende a ser condescendente com esse tipo de burla da punição. Mas, se os políticos foram condenados justamente por terem atividades políticas irregulares, misturadas a diversos crimes, como permitir que continuem a manter tal atividade que está no cerne de suas condenações?

Igor Gielow - Os legados do mensalão

- Folha de S. Paulo

Há dez anos, a jornalista Renata Lo Prete abria, ao apresentar Roberto Jefferson sem censura nas páginas desta Folha, o capítulo do mensalão na história política brasileira. Encerrado o plantão aqui na Sucursal de Brasília naquele fim de semana, me perguntei internamente algo como: "Onde será que isso vai parar?".

Os efeitos do escândalo ainda se fazem sentir no cotidiano. Se imperfeita, a investigação do caso levou a um julgamento conturbado e sem precedentes: a elite do grupo que comandava o país foi parar na cadeia.

A mão de ferro de Joaquim Barbosa na condução do processo é passível de críticas, mas é fato que um novo padrão foi estabelecido na relação entre sociedade e Judiciário.

Não só para bem. Expectativas maiores também geram inspiração justiceira em alguns magistrados, a exemplo do que já acontecera no passado com procuradores e delegados, mas o saldo é positivo.

A corrupção, claro, não desapareceu. Ao contrário, sofisticou-se, como o esquema desvendado na Lava Jato aponta. Mas parâmetros mudaram: sem o destino do maior punido no mensalão, o operador Marcos Valério, não haveria a oferta de delações premiadas de hoje.

Na política, o legado maior do episódio foi a exposição pública da engrenagem que o PT montou uma vez no poder. A imagem algo romântica do partido estilhaçou-se, iniciando simbolicamente um processo de desintegração que parece atingir seu auge agora, uma década depois.

Por fim, o mensalão marca também o começo de um aparentemente infindável movimento de descrédito na política. Um efeito colateral cheio de contradições, que mistura a crescente apatia com episódios como o junho de 2013, além de estimular ao paroxismo o radicalismo da manada algorítmica das redes sociais.

Afinal, onde aquilo foi parar? Descontando as dores naturais do crescimento, num país um pouco melhor.