- O Estado de S. Paulo
A vida política nacional vive clima de salve-se quem puder em pleno terreno movediço, como revela simples visão panorâmica do nosso dia a dia.
Dilma navega em 10% de aprovação, cria uma nova espécie, a de mulheres sapiens, exalta a mandioca, uma conquista nacional, e sente-se discriminada sexualmente. Lula, como um ET recém-chegado ao País e ao PT, olha e vê que o partido perdeu o sonho, e agora, com medo de ser infeliz, detecta que se dissolveu o ideal na busca incessante de emprego, cargo – e, faltou dizer, propina.
A base governista, desorientada, em busca de não restar alheia aos anseios do eleitor, tenta combinar a aprovação do ajuste fiscal com medidas ampliadoras de gasto público que contentem a população, como o fim do fator previdenciário e a vinculação dos benefícios da Previdência ao salário mínimo, o aumento dos vencimentos do Judiciário.
A CPI da Petrobrás, ante o sucesso das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, e para não passar um atestado de incompetência, resolveu convocar o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, para fúria do líder em face da fraqueza de seus comandados que não respeitam – em busca de algum resultado positivo – nem mesmo a casa paterna.
No processo perante o Tribunal de Contas da União, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega atribui o recurso às “pedaladas fiscais” a seu secretário do Tesouro Nacional, como se não tivesse nada que ver com as maquiagens contábeis que alimentavam seu sempre constante ufanismo. E Arno Augustin, como bom escudeiro, assume toda as culpas pelas “pedaladas fiscais”, como se assim pudesse livrar a cara da sua presidente, ignorando que perante a lei a responsabilidade é sempre do chefe do Executivo – e no caso, de forma patente, dada a sua convivência quase diária com a presidente, a ponto de se considerar que ambos, presidente e secretário do Tesouro, eram unha e carne.
A preocupação com os preços verifica-se no semblante das donas de casa nos supermercados. Reconhece-se inflação de 9%, mas, em especial para os menos favorecidos, a conta já é maior. Os preços públicos pressionam, com as contas de luz causando espanto em todas as rodas. O mais triste é o fantasma do desemprego, que agora atinge o comércio com despedidas significativas nas redes de lojas de eletrodomésticos e móveis. Para recomeçar há um longo caminho: só o longínquo aumento das encomendas levará ao início da recuperação industrial.
A elevada queda da arrecadação anula o esforço do ajuste econômico a ponto de o governo novamente recorrer, mesmo que sem o ânimo anterior, às pedaladas fiscais. A falta de presente e de melhoria no próximo ano conduz a sonhar com um futuro alvissareiro mais à distância, apenas em 2017, pois agora só o incerto é certo.
No plano político-institucional o panorama não é menos assustador. A propalada reforma política, por meio da qual o Senado e mais especialmente a Câmara dos Deputados pretendiam assumir o papel de protagonistas da cena política, mostrou-se pífia, irrelevante. A reforma política aprovada, graças ao voluntarismo de Eduardo Cunha, desfaz qualquer expectativa de mudança significativa das instituições políticas brasileiras. Todas as questões essenciais foram ignoradas: sistema eleitoral, voto facultativo, cláusula de barreira, fidelidade partidária, financiamento eleitoral.
O sistema eleitoral constituía ponto básico de transformação saneadora da política brasileira. O único ganho foi a derrota do projeto do distritão, pelo qual são eleitos os mais votados, sejam de que partido forem. Esse sistema despreza os partidos para vicejarem apenas os famosos e os coronéis.
Mas continua o atual sistema proporcional, que afasta o eleitor do candidato, exige gastos imensos e colabora para a corrupção. E o pior, manteve-se a possibilidade de coligação para as eleições proporcionais, consagrando-se o partido de aluguel, que loca a sigla para conceder tempo de televisão em troca da eleição de alguns deputados, sem nenhuma comunhão de ideias.
O financiamento de campanha não poderia ter tido solução pior. Proibiu-se o financiamento por pessoas jurídicas aos candidatos diretamente, permitindo-se, todavia, aos partidos, que decidirão beneficiar este ou aquele. Solução mágica engendrada por Eduardo Cunha diante da vitória inicial da proposta de financiamento público das campanhas. O caminho mais fácil seria, sem dúvida, o de permitir financiamento privado, mas não por empresas fornecedoras de produtos ou serviços à administração pública, direta ou indiretamente, ou seja, também por via do grupo que integram. Mas agora o leite já foi derramado.
O escândalo revelado pela Operação Lava Jato alcança o seu mais alto nível, envolvendo as maiores empreiteiras do País, com ligações próximas ao PT e a Lula. A colaboração de Ricardo Pessoa, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, esquenta o ambiente, compromete a campanha de Dilma, que passa a acusar a delação como instrumento medieval de tortura que ela mesmo aprovou e festejou ao sancionar a Lei n.º 12.850/13.
A oposição formulou representação criminal relativa às pedaladas e agora por extorsão, e está esperando Janot. Mas diante da deterioração do quadro político e econômico e com as recentes e as futuras revelações da Lava Jato (o eletrolão), amadurece o caminho do impeachment. O País mostra-se à deriva. Sem bússola estão governistas e economistas, e o próprio Lula, que passou a atirar para todos os lados, sem conseguir se desfazer de suas principais obras, PT e Dilma, por mais que se esforce para tentar sobreviver à “marolona”, da qual é o responsável.
Este quadro exasperante leva a um clamor: Dilma, mulher sapiens, renuncie. Essa corajosa medida será menos traumática que qualquer processo de afastamento. E, finalmente, sábia.
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Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular senior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça