Rosângela Bittar
DEU EM O VALOR ECONÔMICO
O governo está esperando a volta de deputados, senadores e ministros da campanha de eleição dos prefeitos para começar a juntar os pedaços da aliança que dá sustentação à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A previsão que se faz no Palácio do Planalto é que será necessário um trabalho forte de reconstrução antes de convocar os partidos amigos a seguirem com a agenda do governo no Congresso.
Ao descrever esta agenda, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, cita duas prioridades de interesse do governo: a votação dos projetos de Fundo Soberano e de Reforma Tributária, nesta ordem. Há, também, o Orçamento para 2009, cuja aprovação, em todos os anos, serve aos mais baixos instintos do clientelismo de alguns partidos desta aliança.
As medidas de combate à crise econômica mundial já estão sendo negociadas, inclusive com a oposição, pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e até o momento, pelas reações, com sucesso.
Mas embora o ministro não admita que estas questões estejam na agenda do governo, há polêmicas no forno das intenções de líderes governistas no Congresso. Já se discute, por exemplo, a possibilidade de instituição de uma Constituinte para promover, entre outras mudanças, a reforma política. Aquela em que, para um grande grupo do PT, está sempre subentendida a possibilidade do terceiro mandato para o presidente da República. Menciona-se, ainda, outro projeto originado nas más idéias fixas: a recriação da CPMF, por intermédio do novo nome de contribuição social. Empreitada em que o governo precisará de uma base não só coesa como muito feliz.
Tanto para os mais, quanto para os menos polêmicos, o presidente precisará reunir em torno de si a base de quase 400 parlamentares. Lula não se envolveu nas disputas entre aliados no segundo turno das eleições municipais - ficou restrito aos amigos do peito que têm adversários de oposição - mas é com grande expectativa que aguarda o desenlace nas cidades onde os partidos que formam a base de apoio no Congresso concorrem entre si agora e passaram por uma refrega dura no primeiro turno.
O PSB, um dos principais partidos aliados de Lula que têm candidato à sua sucessão, precisa absorver, antes de fazer as pazes, principalmente a guerra aberta pelo PT nacional contra a aliança com o PSB em torno da candidatura de Márcio Lacerda em Belo Horizonte. Embora a sua disputa seja com o PMDB, o problema real foi e ainda é dentro do próprio PT, cuja cúpula negou apoio aos aliados.
A eleição em Porto Alegre, outro exemplo sobre a complexidade das relações a serem reconstituídas, possibilitou ao PT criar constrangimentos com vários partidos da aliança lulista, com o PMDB, na disputa direta, e com o PSB e o PCdoB, que ficaram unidos contra os petistas, esgarçando as relações desde o primeiro turno. Em São Paulo, o PCdoB, outro aliado histórico, só foi chamado a integrar a chapa de Marta Suplicy, como vice, depois que o PT perdeu o PMDB e o PR. No Rio, o aliado PMDB está na disputa final depois de um primeiro turno em que não houve possibilidade de conquistar o PT para a aliança municipal que negou apoio tambem ao PCdoB.
As campanhas de primeiro turno apresentaram desgastes acentuados dentro aliança lulista. Provavelmente premido por uma destas situações, a de Fortaleza, onde o PT manteve, desde 2004, um jogo duro com aliados, é que no fim de agosto, portanto ainda no início da campanha, o deputado Ciro Gomes (PSB), em viagens pelo Brasil, já previa que dificilmente a base de hoje ficaria unida em 2010. Um mês depois de Ciro foi a vez de o líder do PSB no Senado, Renato Casagrande, fazer o mesmo alerta. Ela previa maior facilidade para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolher um candidato e ir em frente com ele do que amarrar os apoios dos partidos aliados a esta candidatura do presidente à sucessão.
São praticamente 15 partidos nesta aliança: PT, PMDB, PP, PSB, PDT, PR, PCdoB, PTB, PSC, PRB, PTC, PCB, PTdoB, PMN, PV (em parte) e PHS. Entre todos eles foram registrados problemas durante a campanha, mas nada que se aproxime do que ocorreu entre os dois principais e maiores, o PMDB e o PT. Governadores, ministros, prefeitos, líderes nacionais e regionais se engalfinharam, disputaram do abraço presidencial às verbas federais, levando as campanhas a transcorrerem da pior forma possível.
Salvador, em segundo turno, é uma eleição considerada emblemática para o Palácio do Planalto no que diz respeito à possibilidade de reconstrução da aliança. Mais delicada do que qualquer outra em que o maior partido da base e mais bem sucedido nestas eleições, o PMDB, enfrenta o partido do presidente. Uma eleição tensa, disputada voto a voto, com um risco forte de deixar seqüelas. A expectativa do Palácio do Planalto quanto à volta do PMDB à base de apoio ao presidente, e à fidelidade à agenda de interesse do governo no Congresso, está inteiramente voltada ao que se passa na Bahia.
Unidos para derrotar o adversário comum em 2006, PMDB e PT estão agora em campos opostos liderados, cada um, por um líder importante na equação política do governo federal. Geddel Vieira Lima (PMDB), ministro da Integração Nacional, considerado o novo rei da Bahia, que coroou 130 prefeitos nesta disputa municipal, trabalha para reeleger o atual prefeito da capital, João Henrique, do PMDB. Jacques Wagner, governador do Estado, ex-ministro do governo Lula, eleito com o apoio de Geddel, lidera a campanha do PT com o candidato Walter Pinheiro. O ambiente político é tenso em Salvador.
O PT, com sua militância que se agiganta em finais de campanha, é um partido que tem formas agressivas de buscar o voto. O PMDB, pela circunstância de ser o seu chefe quem é, está numa situação considerada delicada e sabe que não pode cometer erros que inviabilizem, desde agora, o início da articulação do dia seguinte tendo no horizonte a sucessão presidencial. No Palácio do Planalto sabe-se que, em campanha, o exagero é lugar comum, mas vê-se como delicada a situação na Bahia. Evita-se definir caminhos para reaglutinação de forças antes de ver como os dois partidos sairão desta campanha em Salvador. É ali que se joga a sorte da aliança.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras