DEU NO VALOR ECONÔMICO
Caio Junqueira De Brasília
Um dos principais alvos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições estaduais deste ano foi o vice-presidente do Senado e governador eleito de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Para derrotá-lo, Lula subiu no palanque no Estado duas vezes durante a campanha, de onde classificou o tucano de mau-caráter, sem-palavra e desonesto, para ficar em alguns dos adjetivos utilizados. Também articulou, via Caixa Econômica Federal e Eletrobrás, um aporte financeiro de R$ 3,7 bilhões para sanar as Centrais Elétricas de Goiás (Celg), estatal que há anos vive situação pré-falimentar e cuja solução há tempos vira tema central das eleições goianas.
Discurso e dinheiro, porém, não foram suficientes para impedir o retorno de Perillo ao Palácio das Esmeraldas, que ocupou entre 1999 e 2006. O tucano bateu Iris Rezende (PMDB) no segundo turno por 52,99% a 47,01% dos votos válidos. Fez ainda o candidato a presidente José Serra (PSDB), derrotado no primeiro turno no Estado, virar o jogo contra Dilma Rousseff (PT) no segundo turno nas urnas de Goiás.
Com esses recentes feitos no currículo pretende ajudar a reformulação na forma de atuação do seu partido e da oposição. Ele defende uma redefinição dos papéis dos integrantes do PSDB, com o objetivo maior de retomar o poder central em 2014. Para atingi-lo, diz, cada grupo deve saber muito bem que papel desempenhar nos próximos quatro anos. Os oito governadores do partido, por exemplo, devem encampar uma agenda comum e buscar apoio na sociedade para discuti-la com a futura presidente. Aí se incluem a revisão da Lei Kandir, o refinanciamento da dívida dos Estados, a alocação de mais recursos para a segurança. Em suma, uma repactuação federativa e tributária. "Temos que planejar as ações do partido com vistas às eleições municipais de 2012 e, ao mesmo tempo, com uma visão de médio prazo, já pensar nas eleições para presidente e governadores, em 2014."
No Congresso, o partido deve fiscalizar, cobrar o governo e denunciar eventuais irregularidades. Ao partido, por sua vez, caberá fazer "nítida oposição".
Os principais trechos da entrevista concedida ao Valor ontem, em seu gabinete do Senado:Valor: O PSDB já discute a sucessão interna, com posições que vão desde uma oposição "generosa" até uma oposição "de trincheira". Qual das duas deve prevalecer?
Marconi Perillo: O papel da direção partidária é fazer oposição nítida ao governo.
Valor: Qual deve ser o papel do PSDB na oposição ao governo Dilma?
Perillo: O PSDB é um partido que, desde a sua fundação, sempre teve um projeto de poder. Só que agora, nitidamente, ele precisa definir esse projeto de poder com antecedência. Elaborar uma estratégia de ação e fortalecer as instâncias partidárias, a começar das bases. Temos que planejar as ações do partido com vistas às eleições municipais de 2012 e, ao mesmo tempo, com uma visão de médio prazo, já pensar nas eleições para presidente e governadores, em 2014. Isso não significa que o partido terá de trabalhar exclusivamente para isso. É preciso de forma bastante profissional definir o papel do conjunto das forças vivas que movem o partido.
Valor: Qual deve ser essa estratégia?
Perillo: Definir o papel dos governadores, dos prefeitos e dos parlamentares. São papéis convergentes, mas que tem diferenças, em função das próprias características dos cargos e das necessidades que cada representante do partido tem. São projetos distintos que se convergem, com suas peculiaridades. É preciso compreender o papel do conjunto das forças do partido, o que cabe para cada uma dessas forças, quais serão os projetos a serem defendidos pelos governadores.
Valor: Qual o papel dos governadores?
Perillo: Os governadores tem algumas aflições, como a Lei Kandir, cujo peso recai sobre os Estados e o governo federal mal ressarce o prejuízo. Os Estados deveriam ser ressarcidos anualmente em cerca de R$ 20 bilhões, mas mal recebem R$ 1 bilhão ou R$ 2 bilhões por ano. Sem querer ser simplório, creio que os Estados e municípios carregaram o superávit exportador do Brasil nos últimos 14 anos, desde a vigência da Lei Kandir. Ou a Lei Kandir se aprimora e deixa de ser um fado apenas nas costas dos governos estaduais e municipais ou é melhor que ela deixe de existir. Outro grande desafio é o refinanciamento da dívida dos Estados que foi feito em 1997. Naquela época foi um avanço mas, passados 13 anos, é preciso rediscutir as bases desse refinanciamento.
Valor: A revisão da Lei Kandir e o refinanciamento das dívidas devem ser a bandeira dos governadores da oposição?
Perillo: Há outras bandeiras. Os governadores são exclusivamente responsáveis pelo cumprimento de todas as metas e gastos em segurança pública. Em educação e saúde existe a chamada vinculação constitucional, os fundos constitucionais tripartites que obrigam as três esferas a investirem um percentual mínimo em educação e saúde. No caso da segurança, os governos são exclusivamente responsáveis por todo aparato. Chegou a hora de os governadores reivindicarem a aprovação da vinculação de receitas da União aos gastos e investimentos com segurança. É preciso criar um fundo nacional para viabilizar recursos adicionais para a segurança. Os governadores precisam também, junto com os prefeitos, lutar por uma repactuação dos tributos. Devemos focar na refundação do pacto federativo, que hoje concentra receita e poder na União.
Valor: Como fazer isso?
Perillo: O governo federal nos últimos anos encontrou um mecanismo inteligente de abocanhar a maior parte dessa receita. Burlou a Constituição, que fala sobre a criação de impostos e sobre a necessidade deles serem compartilhados com Estados e municípios. Pra driblar esse compartilhamento, o governo criou as chamadas contribuições. Como elas nao têm conceito de impostos, não são compartilhadas com as unidades federativas. Isso aprofundou o poço entre União e demais entes federados no que se refere à arrecadação. Daí porque a necessidade da reformulação da distribuição de tributos no país, para que Estados e municípios possam ser melhor contemplados, já que são responsáveis praticamente por quase todos serviços prestados à população.
Valor: Esses temas todos devem ser a agenda de todos os governadores ou só da oposição?
Perillo: Essa agenda é comum a todos os governadores, independentemente de estarem na oposição ou situação. A diferença é que os de oposição certamente terão maior liberdade e flexibilidade para reverberar publicamente esse descontentamento sobre as questões que precisam ser aprimoradas. Isso não significa que vão ficar fazendo oposição ao governo federal. Governo não faz a oposição a governo. Mas é claro que alguns governistas terão maior dificuldade para colocar publicamente essas questões.
Valor: E qual deve ser o papel do partido no Congresso?
Perillo: O parlamento é a instância pra se fazer o debate democrático entre oposição e governo. O eleitor nos jogou na oposição e cabe a nós exercer o papel de fiscalizador e inclusive propositor de alternativas para o país, mas também de denunciador de eventuais mazelas, desvios corrupção e indícios de irregularidades. Parlamentar é "parlar". Cabe aqui o desafio de cobrar metas e compromissos que foram estabelecidos entre o candidato vencedor e a população, sugerir CPIs, denunciar, aprimorar a legislação, apontar saídas, fazer uma agenda para o país, inclusive paralela à agenda governamental.
Valor: Onde entraria aí o debate sobre a recriação da CPMF?
Perillo: A questão não tem que ser focada na CPMF. Não tem nem que ter essa discussão.
Valor: Por que?
Perillo: Não foi a ausência da CPMF que tornou a situação da saúde drástica e impediu o governo de abastecê-la com os recursos necessários. Me parece que falta muito mais gestão estratégica e planejamento profissional para a solução das questões da área. Falta mais gestão do que recurso. O que precisa mesmo é fazer uma reforma tributária que leve em consideração a necessidade de adicionar ganhos tributários aos Estados e municípios, que racionalize o sistema tributário, e diminua impostos ao trabalhador que acaba tendo de dispor de grande parte de seu salário com pagamento de impostos.
Valor: São os governadores que devem encampar essa reforma?
Perillo: Essa é uma responsabilidade que pesa sobretudo sobre os ombros da candidata eleita. Ela tem todas as condições, neste período que antecede a posse, de costurar um consenso com todas as forças vivas da sociedade e enviar já no primeiro dia de trabalho uma proposta de reforma tributária consensuada ao Congresso Nacional.
Valor: O senhor vai receber a Celg praticamente federalizada, após um acerto entre governo estadual e federal feito às vésperas do segundo. Pretende manter o acordo?
Perillo: Solicitei à comissão de transição atenção especial à Celg e a esse contrato. Ninguém em Goiás tem conhecimento dos seus termos. O que foi apresentado à sociedade é muito genérico e superficial. Precisamos analisar todas as informações. Caso cheguemos à conclusão de que é lesivo aos interesses do Estado, vamos tomar providências administrativas e legais. Já fiz notificação ao governo federal e estadual sobre todas essas questões e elencando toda a legislação que pode responsabilizar agentes públicos em caso de quaisquer danos ao erário. Vai depender do que vamos nos deparar.
Valor: A forma e o tempo em que ele foi feito acha que foi mais um pacote do governo federal e do presidente Lula para derrotá-lo?
Perillo: O governo teve quatro anos para resolver essa questão. Lamento que quiseram resolver isso no apagar as luzes. De qualquer maneira, espero que tenham sido bem intencionados.
Valor: Os mais duros ataques do presidente Lula durante a campanha foi contra o senhor. De onde vem esse ódio e como o senhor. recebeu os ataques?
Perillo: Na condição de chefe de Estado e da nação eu jamais me meteria em questiúnculas locais, domésticas. Presidente tem a função de ser o mais alto magistrado nacional e como chefe da nação ele deveria dar exemplo de compostura, comportamento político e cívico a todos os brasileiros, especialmente às crianças que significam o futuro do país. Lamento que isso não tenha acontecido. O presidente se apegou ao fato de eu ter levado ao conhecimento dele a informação de que estavam pedindo mesadas para parlamentares no primeiro mandato dele. Outro motivo foi o voto e o discurso que fiz contra a CPMF, quando o Senado votou sua derrubada.
Valor: Acha que esse ódio pode ser transferido para Dilma?
Perillo: São dois estilos completamente diferentes. Aliás, acho que ele vai sentir muita falta do poder. E a presidente Dilma vai ter que imprimir seu próprio estilo. Tenho consciência de que ela jamais se apegará a sentimentos mesquinhos no trato com a oposição, com os adversários. Uma coisa é ter um tratamento em relação a opositores, outra é transformá-los em inimigos pessoais. Isso não cabe nem na vida pessoal nem na política.
Valor: O senhor tem dito que pretende apresentar um último projeto como senador, para regulamentar as pesquisas eleitorais. Como fazer isso?
Perillo: Estamos estudando esse projeto que regulamentará a publicação de pesquisas e sua metodologia. Há uma deformação muito grande. As divergências são enormes entre o que apresentam na véspera da eleição e depois de abertas as urnas. Pretendo dar uma contribuição para que isso seja moralizado definitivamente no país.
Valor: De que forma?
Perillo: Vamos estudar isso. Precisa ver o aspecto da constitucionalidade. O Supremo derrubou um projeto que previa a não publicação de pesquisas a partir de 15 dias antes das eleições. Então é preciso observar primeiramente esse aspecto.