quarta-feira, 27 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Socorro a estados é prêmio para má gestão

Folha de S. Paulo

Dívidas de entes federativos, que já têm juros favorecidos, serão de novo revistas; contribuinte brasileiro pagará conta

Pela enésima vez, os estados conseguirão renegociar suas dívidas com a União. Segundo o acordo preliminar negociado com o governo federal, a taxa de juros acima da inflação que incide sobre esse passivo pode baixar de 4% ao ano para até 2%, se os governos estaduais cumprirem metas de ampliação de vagas no ensino técnico.

Caso eles consigam abater o valor do principal da dívida, por meio da entrega de ativos como empresas estatais ao Tesouro, a taxa pode diminuir mais, de 0,5 a 1 ponto percentual. A taxa real de juros no país é de cerca de 6% anuais.

Há meses que entes federativos lançaram nova campanha a fim de não pagar o que devem. Fazem parecer que são espoliados, que não podem investir ou cuidar das necessidades da população por causa de pagamentos que seriam injustos, indevidos ou até ilegais.

Ameaçavam mais uma vez levar o tema à Justiça e tentavam obter novos favores do Congresso.

Elio Gaspari - O apodrecimento do Estado

O Globo

Desvendada a trama do assassinato de Marielle Franco, resulta que nela não havia um só bandido desorganizado, daqueles que assaltam, roubam casas ou celulares. Um era chefe da Polícia Civil do Rio; outro, conselheiro do Tribunal de Contas; seu irmão, deputado federal; o pistoleiro e seu motorista, ex-PMs. Essa casta não rouba carros, alguns usam veículos oficiais.

Pior: Marielle foi assassinada porque atrapalhava os negócios de grilagem de terras e as milícias dos irmãos Brazão. Novamente, os bandidos que mataram Marielle relacionavam-se com o crime que age nas frestas da ausência do Estado, quer na barafunda fundiária, quer na exploração da falta de segurança pública.

Se existisse um sindicato do crime desorganizado, ele protestaria diante da concorrência desleal praticada pelos doutores e pelos policiais. Esse mesmo sindicato defenderia a classe contra a expansão de suas atividades criminosas.

Se tudo isso fosse pouco, Marielle foi executada três semanas depois da presepada da intervenção militar na segurança do Rio, e o crime foi planejado pelo chefe da Polícia Civil do Rio, nomeado pelos generais que poriam ordem na casa.

Luiz Carlos Azedo - Lira lava as mãos na prisão de Chiquinho Brazão

Correio Braziliense

PSol, PCdoB e PT, os partidos que mais se empenharam na CCJ para acolher a decisão de Moraes, sozinhos, não têm força suficiente para influenciar a pauta da Câmara

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou a decisão sobre a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão, o que gerou indignação de parlamentares do PSol, partido de Marielle Franco, e de outras legendas de esquerda, como o PT, mas não teve nenhum questionamento por parte do Centrão, com exceção do deputado Artur Maia (União-BA). A expectativa de que haveria um acordo para acelerar o processo, de parte de alguns deputados, foi frustrada pela manobra feita pelo deputado Gilson Marques (Novo-SC), que pediu “vista coletiva” do parecer do deputado Darci de Matos (PSD-SC), relator do caso, que defendeu a manutenção da prisão. Apoiaram o pedido o PL e o PR.

No início da sessão, Arthur Maia e a presidente da CCJ, Carol de Toni (PL-SC), discutiram sobre o regimento. O deputado disse que o União Brasil não pediria vista e cobrou celeridade no processo de votação. A parlamentar esclareceu que não houve acordo entre os líderes de bancada e que o pedido de vista é regimental. “Há um clamor da imprensa de que aconteça uma deliberação ainda hoje”, ponderou Maia, sem sucesso.

Bernardo Mello Franco - Fechados com Brazão

O Globo

Às vésperas do primeiro turno de 2022, o governador Cláudio Castro participou de um comício na Zona Oeste do Rio. Com as mangas arregaçadas, pediu votos para reeleger dois irmãos: o deputado federal Chiquinho Brazão e o deputado estadual Pedro Brazão. “Jacarepaguá e o Rio têm representantes legítimos, e esses são a minha querida família Brazão”, discursou.

Em agosto passado, o prefeito Eduardo Paes foi a outro ato na região. À vontade, fez piadas e mostrou intimidade com o clã. “Quem melhor representa Jacarepaguá, quem mais briga, é a família Brazão. Uma salva de palmas para essas feras aqui”, ordenou. A claque obedeceu, e ele lançou o herdeiro Kaio Brazão, de 22 anos, para vereador. “A tradição não pode parar”, gracejou.

No domingo, a Polícia Federal prendeu Chiquinho e Domingos Brazão, acusados de mandar matar a vereadora Marielle Franco. O patriarca, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, sempre teve o nome citado nas investigações. Nunca deixou de ser bajulado pela elite política do Rio, como mostram as mesuras do prefeito e do governador.

Vera Magalhães - Um longo caminho para sanear a política

O Globo

A cada eleição, o financiamento de organizações criminosas a candidatos ao Executivo e Legislativo aumenta

A resolução, que ainda pode se mostrar parcial, da trama para executar Marielle Franco revelou um grau maior de entranhamento do crime organizado no aparato político e policial do que aquele que se supunha. A participação do responsável pela Polícia Civil em todas as fases da arquitetura do assassinato foi aquele detalhe que, se não chega a surpreender, ainda choca até quem pesquisa o tema ou quem acompanhou por seis anos o vaivém das investigações, como a família da vereadora.

O comportamento da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados ontem diante da gravidade dessa infiltração é mais uma demonstração crua, rascante, de que as prisões de Domingos e Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa não chegam nem a arranhar o edifício de conluio entre o estamento institucional e diferentes organizações criminosas, do tráfico à milícia, passando pelo jogo do bicho.

Roberto DaMatta - A banalização da desconfiança

O Globo

O sistema deseja e precisa de justiça, mas, ao mesmo tempo, relaciona a obediência ao ‘bom mocismo’

Temos uma extraordinária capacidade de banalizar a corrupção e a fraude, que admitimos como males, em paralelo com a esperteza como ato de sobrevivência e, talvez o mais venenoso: um ato de malandragem e realismo político! Disso resulta um relativismo moral insuportável, expresso no sábio conselho ou projeto segundo o qual o “levar vantagem em tudo” é programa permanente.

Vale fraudar um fraudador para impedir outro fraudador. O resultado desse realismo político particularista é o rebaixamento de ideais e programas, inibidos por dissidências pessoais. É uma mostra da velha oposição, até hoje mal resolvida, entre “Estado e governo”. Entre uma instituição identificada com valores nacionais e uma engrenagem administrativa marcada por interesses particulares e datados, passageiros. Essa tendência explica a perene tentação do golpe e o consequente protocolo legal destinado a anular punições.

Marcelo Godoy - O 31 de março e a traição de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Cabe ao ministro Moraes decidir onde o ex-presidente vai comemorar a data que se aproxima

O general Antonio Carlos de Andrada Serpa produziu em 1996 uma carta aos colegas militares que hoje está esquecida em Brasília. Jair Bolsonaro, que não é homem de letras, deveria ao menos ler o documento do general. Assim como o ex-presidente, Serpa era oficial da Arma de Artilharia. Mas, diferentemente do ex-mandatário, ele esteve na guerra – comandou uma companhia de obuses de 105 mm, na campanha da Itália, participando da campanha vitoriosa, conforme contava seu amigo, o general Ruy Leal Campello.

Martin Wolf* - O fascismo mudou, mas não está morto

Valor Econômico

O que se vê hoje é um autoritarismo com características fascistas

Estamos assistindo à volta do fascismo? Será que Donald Trump, para usar o exemplo contemporâneo mais importante, é um fascista? E a francesa Marine Le Pen? Ou Viktor Orbán, da Hungria? A resposta depende do que se entende por “fascismo”. Porque o que presenciamos hoje não é apenas autoritarismo. É um autoritarismo com características fascistas.

Precisamos começar com duas distinções. A primeira é entre o nazismo e o fascismo. Como o falecido Umberto Eco, humanista e escritor, observou em um ensaio sobre “O Fascismo Eterno”, publicado na “New York Review of Books” em 1995, o “Mein Kampf de Hitler é um manifesto de um programa político completo”. No poder, o nazismo foi, tal como o stalinismo, “totalitário”: ele controlava tudo. O fascismo de Mussolini era diferente. Nas palavras de Eco, “Mussolini não tinha uma filosofia: tinha apenas retórica... O fascismo era um totalitarismo confuso, uma colagem de ideias filosóficas e políticas diferentes, um emaranhado de contradições”. Trump é igualmente “confuso”.

Fernando Exman - Saldo da PEC da imunidade a igrejas pode sair caro

Valor Econômico

É difícil acreditar que o Estado não repassará a conta, de maneira a manter a arrecadação

Estava tudo preparado para que a Câmara dos Deputados votasse nesta semana, antes da Páscoa, a proposta de emenda constitucional que amplia a imunidade tributária a igrejas. Semana Santa, período simbólico. O governo demonstrou disposição de fazer um gesto político à bancada evangélica, majoritariamente alinhada à oposição. Mas divergências entre as igrejas provocaram o adiamento da apreciação da PEC em plenário.

Cria-se, com isso, uma oportunidade para o país discutir melhor o tema e seus possíveis efeitos econômicos.

Atualmente, a Constituição já estabelece que a imunidade tributária para essas instituições vale para o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Mas a proposta do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), ligado à Igreja Universal, tem como objetivo ampliar essa imunidade à aquisição de bens e serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços. Ao expandir o tratamento para tributações indiretas, apontam especialistas, obras ligadas a igrejas teriam, por exemplo, isenção para a compra de material de construção.

Lu Aiko Otta - Lula e a versão regional do PAC

Valor Econômico

Presidente pretende revitalizar a interlocução com países vizinhos e discutir os projetos de infraestrutura

No esforço de retomar a presença do Brasil na região, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva programou viagens para Colômbia, Chile e Bolívia ao longo das próximas semanas. Na primeira visita a esses países em seu terceiro mandato, pretende revitalizar a interlocução com os vizinhos e discutir os projetos de infraestrutura que integram o projeto Rotas de Integração, coordenado pela ministra do Planejamento, Simone Tebet.

São quatro rotas que levam a dez diferentes pontos de saída para o Pacífico e uma que interliga Manaus e os portos do Norte brasileiro às Guianas. O objetivo é dinamizar o comércio intrarregional e encurtar o tempo de viagem aos mercados consumidores asiáticos em cerca de dez dias.

A definição das rotas começou com consultas aos Estados que têm fronteira terrestre, contou à coluna o secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento, João Villaverde. A partir daí, foram selecionados projetos para serem incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Vinicius Torres Freire - O novo calote de estados no governo federal

Folha de S. Paulo

Governadores fazem campanha para não pagar dívida com União; Lula aceita negociar

Quase ninguém deu bola, mas o governo federal acaba de dizer que vai perdoar parte da dívida dos estados. Por ora, o calote está saindo barato. Mas o caldo pode engrossar no Congresso.

Os estados se dizem esfolados pelos juros excessivos. Ameaçavam pedir à Justiça sempre amiga uma nova autorização de calote. Dizer "estados", em geral, é injustiça, diga-se de passagem. A campanha pelo novo favor parte principalmente daqueles mais endividados e metidos na baderna fiscal.

O que é essa dívida? Entre 1997 e 1999, o governo federal assumiu as dívidas de estados quebrados por endividamento excessivo, má gestão ou bandalheira, inclusive com bancos públicos. A União ficou com os débitos caros e impagáveis e cobrava dos estados taxa de juros de 6% ao ano mais correção monetária (7,5% em alguns casos). Era então uma taxa de juros de pai para filho.

Wilson Gomes* - O dia 31 de março precisa ser lembrado para não ser repetido

Folha de S. Paulo

Deixar passar em branco os 60 anos do golpe de Estado que tão duramente marcou a vida do país não faz sentido

A última ditadura a que a República brasileira foi submetida completa 60 anos no domingo. Não foi a primeira na nossa breve história republicana de baixas convicções democráticas. Meu pai, nascido em 1922, viveu sua primeira ditadura aos 15 anos, e a segunda, aos 42. Trinta anos, de 73, transcorridos sem democracia.

Eu nasci às vésperas da segunda ditadura do século passado. Nem havia completado um ano quando a democracia morreu da última vez no Brasil, esmagada pelas botas de generais, brigadeiros, almirantes e suas tropas. Até os 21, eu não tinha vivido um único dia neste país sob governo civil, Estado de Direito, eleições livres, direitos políticos amplamente reconhecidos, essas coisas que a gente dá por garantidas como luz do sol e oxigênio.

Além disso, constatei com assombro na semana passada que faltou muito pouco para que a efeméride do início da ditadura de 1964 fosse comemorada com uma ditadura novinha em folha. Em vez de liturgicamente repetir o nosso "ódio e nojo à ditadura", segundo a fórmula lapidar de Ulysses Guimarães, estivemos bem perto de estar celebrando uma "nova revolução" para defender o Brasil do "comunismo" nesse "país que vai pra frente, de uma gente amiga e tão contente", como aprendi na doutrinação ideológica do regime militar desde a alfabetização.

Mariliz Pereira Jorge - A resposta aos bolsonaristas

Folha de S. Paulo

Marielle e Anderson não são as únicas vítimas do atentado que sofreram

Deu para entender a importância de saber quem mandou matar Marielle e por quê? O crime cometido contra uma vereadora da segunda maior cidade do país deveria horrorizar a todos pelo significado que ele carrega. É o retrato sombrio do impacto da presença da milícia na segurança pública, na integridade das instituições democráticas e no tecido social das comunidades afetadas.

Mas bolsonaristas, políticos e apoiadores, passaram os últimos anos questionando a relevância da investigação, apelando ao argumento reducionista de que se tratava de apenas mais um assassinato em meio a dezenas de milhares. Amparados na lógica da polarização de que a cobrança era pura politização, ajudaram a politizar um caso que deveria ser tratado como emblemático.

Bruno Boghossian - Poder, violência e corrupção criaram no Rio sistema 'pré-pago'

Folha de S. Paulo

Caso Marielle e exemplo da família Brazão mostram infiltração do aparelho do Estado por criminosos

Os negócios das milícias do Rio se sustentam num tripé formado por poder, violência e corrupção. O caso Marielle Franco e o exemplo da família Brazão mostram como o loteamento da máquina pública, o assassinato de desafetos e a cooptação de órgãos de segurança se tornaram moedas correntes nessas atividades.

Os milicianos se incorporaram à paisagem política do estado. O domínio de territórios populosos permitiu que os criminosos exercessem uma espécie de monopólio eleitoral nessas regiões e ganhassem acesso facilitado aos mandatos usados para ampliar sua influência.

Hélio Schwartsman - Papel de vítima

Folha de S. Paulo

Sem ter para onde correr, só resta a Bolsonaro tentar convencer o público de que é perseguido pelo STF

Inelegível acuado, o que resta politicamente a Jair Bolsonaro é tentar convencer as pessoas de que ele sofre perseguição judicial. Se você consegue lançar dúvidas sobre os aspectos formais de um inquérito ou julgamento, desvia a atenção do conteúdo das acusações, que, no caso do ex-presidente, são muitas e muito graves. Nessa linha, ter a prisão preventiva decretada por Alexandre de Moraes serviria para alimentar essa narrativa.

Poesia | Caminhante não há caminho, de Antonio Machado Ruiz

 

Música | Jair Rodrigues - Disparada (Geraldo Vandré e Théo de Barros)