Por Flavia Lima – Valor Econômico
SÃO PAULO - Em meio a uma série de referências à Olimpíada de 2016, o Credit Suisse (CS) apresentou ontem a clientes seu 'Brasil em Números', amplo painel com as perspectivas para os próximos anos. Quando o assunto é economia, no entanto, as chances de medalhas para o Brasil se limitam ao setor externo. Na corrida para uma inflação mais próxima da meta estaremos entre os últimos colocados e a expectativa é que não se consiga vencer os obstáculos na política fiscal. A derrota mais acachapante, no entanto, virá do Produto Interno Bruto (PIB), que terá pelo menos três anos consecutivos de baixa.
No cenário traçado pela equipe liderada por Nilson Teixeira, o recuo da atividade será de cerca de 8% entre 2015 e 2017 - a maior contração em três anos desde o início da série histórica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 1901.
Após cair 3,6% neste ano, o PIB vai recuar outros 3,5% em 2016 - número bem acima das expectativas de mercado, que apontam queda de 2% para a atividade no ano que vem, segundo o boletim Focus, do Banco Central. Em 2017, haverá nova queda, mas menor, de 0,5%. "Dependendo da revisão que será publicada dia 1º, podem ser quatro anos seguidos de retração", alerta Nilson Teixeira, economista-chefe do banco, que falou com exclusividade ao Valor. Teixeira se refere à primeira revisão do PIB de 2014, a ser divulgada pelo IBGE junto com os dados do terceiro trimestre.
Em um exercício que dá a dimensão dos desafios colocados à economia brasileira, Teixeira diz que, confirmadas as suas projeções, se o PIB de 2018 tiver alta inferior a 2%, todos os ganhos obtidos com a maior expansão da atividade no período entre 2004 e 2010 terão sido perdidos, com retorno aos níveis de 2003.
Na parte do consumo das famílias, o pior deve ficar para o ano que vem: a queda de 3,5% neste ano vai ser seguida de uma contração ainda mais expressiva, de 4,4% em 2016 e nova baixa em 2017, de 1,1%. Segundo Teixeira, a trajetória de queda do consumo está associada à deterioração do mercado de crédito e, especialmente, do mercado de trabalho. Em percentual do PIB, o crédito bancário cai de 51,8% neste ano para 49,4% em 2017. Já a inadimplência, em percentual do crédito livre, subirá de 5,2% em 2015 para 6,7% em 2017.
"As linhas de crédito bancárias que tem crescido mais no país são as associadas a juros mais altos e inadimplência maior, o que é um fator desfavorável para a renda disponível das famílias", diz Teixeira.
A taxa média de desemprego esperada para 2016 é de 11,2%, após 8,3% neste ano. Em 2017, ela encostará nos 13%. Já a deterioração da massa salarial ocorrerá com força no próximo ano: a leve alta de 0,5% neste ano se transformará em uma queda de 4,7%, com mais uma baixa de 1,5% em 2017.
São negativas também as expectativas do Credit Suisse para a formação bruta de capital fixo, que é o total investido em máquinas e equipamentos, construção e propriedade intelectual, Nas contas do banco, após queda de 4,4% em 2014, os investimentos devem registrar baixa de 14,6% neste ano, seguida por outra, de 12,6%, em 2016. Em 2017, o horizonte ainda é de declínio, embora menor, de quase 3%.
Segundo Teixeira, os modelos não indicam isso, mas se o ritmo de crescimento observado em 2015 fosse mantido em 2016, a contração do PIB no ano que vem chegaria a 5,3%. Só de carregamento estatístico, já é possível esperar para 2016 queda superior a 2%.
No caso da inflação, os preços devem passar longe do teto da meta estabelecida pelo BC, de 6,5%, pelo segundo ano seguido. Nas contas do Credit Suisse, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrará o próximo ano em 8%, após alta de 10,7% neste ano. Segundo Teixeira, o teto da meta não será atingido nem em 2017, quando a expectativa do banco é de inflação de 6,5%, mas como estará valendo a nova banda de flutuação, de 1,5 ponto para mais e para menos, o teto será de 6%, portanto.
Mesmo em meio a esse cenário, Teixeira avalia que a autoridade monetária deve optar por manter a taxa Selic estável em 2016 e também em 2017 - e nem mesmo a última reunião do Copom, quando dois diretores discordaram da maioria e votaram pela alta da Selic, faz o economista mudar de ideia ainda. Segundo Teixeira, o BC deve continuar argumentando que haverá convergência da inflação, embora em ritmo mais lento.
Para o economista, a estratégia do BC é arriscada. Os modelos do Credit Suisse sinalizam que, tudo o mais constante, seria necessário elevar os juros para nada menos do que 18% para que a inflação voltasse aos 4,5% apenas em 2018. Mas o que é importante, alerta o economista, é que ano após ano alcançar 4,5% ou algo próximo a isso está cada vez mais distante.
A leitura desfavorável, diz Teixeira, se explica porque os preços administrados desaceleram, mas devem se manter altos no ano que vem. Após avanço esperado de 18,2% em 2015, os preços de tarifas públicas subirão 10,9% em 2016. Já o repasse cambial à inflação tem sido mais contido, em parte em razão do ambiente recessivo, explica, mas o impacto maior deve ficar para 2016. O dólar deve encerrar o ano em R$ 4, chegando em R$ 4,70 no fim de 2016 e em R$ 5 em 2017.
Nas contas públicas, o déficit primário inaugurado no ano passado (-0,6% do PIB) só se ampliará. Para 2015, a projeção é de um déficit primário de 1,6% do PIB - com um déficit nominal de 10,5% do PIB. Sem refresco nem da CPMF nem da Cide, o próximo ano registrará um déficit de 1,4% do PIB, com déficit nominal de 8%.
Os dois impostos não entram na conta porque o banco atribui baixa probabilidade de serem aprovados. Mais do que isso, diz Teixeira, a avaliação é que a aprovação da CPMF contribuiria para redução ainda maior dos investimentos. "Seria mais adequado reduzir renúncias tributárias exageradamente concedidas nos anos anteriores", recomenda. "Dá para reduzir muita coisa". Nas contas do Credit Suisse esse "muita coisa" soma quase R$ 264 bilhões em renúncias de receitas tributárias em 2016.
No bolo, há coisas como o Simples, que explicará R$ 73 bilhões das renúncias no próximo ano, a desoneração da folha de salários, com R$ 14,9 bilhões, ou o desconto do Imposto de Renda com despesas médicas, com R$ 11,5 bilhões.
Segundo Teixeira, há benefícios, como por exemplo para a indústria automobilística e para o setor de aço sobre os quais "não é certo que tenham trazido benefícios de longo prazo para a sociedade brasileira". Sem fugir da polêmica, diz que outros, como o desconto no Imposto de Renda para despesas médicas deveriam ser rediscutidos. "É justo mantê-lo no atual contexto mesmo que beneficie certamente a todos nós?", questiona.
Diante desse quadro, prossegue, a dívida bruta do governo alcançará 72% do PIB em 2016, chegando a 77% do PIB em 2017. Com isso, o país perde o grau de investimento em todas as agências de risco a partir de 2016 ou 2017.
A reversão desse quadro, diz o economista, começaria com um pacote de reformas que oferecesse uma visão de sustentabilidade e solvência fiscal. Teixeira avalia que o espaço para a eficiência é grande. Em suas contas, seria possível manter o mesmo tipo de qualidade, reduzindo os gastos com saúde em 70%. "Parece absurdo", diz. Entre outras reformas, sugere medidas que reduzam custos de fazer negócio no Brasil, custos previdenciários e subsídios, além da aceleração das privatizações.