Aprovada na Câmara após três meses de tramitação, três dias de debates e 21 horas de sessão, a mais longa da história do Parlamento brasileiro, a Medida Provisória 595, que moderniza os portos, precisou ontem de apenas oito horas para ser confirmada pelo Senado, por 53 votos a favor, 7 contra e 5 abstenções, em sessão-relâmpago que constrangeu os próprios membros da Casa. Alegando que o governo e seus aliados passaram por cima do regimento interno, a oposição não perdeu tempo e entrou no STF com mandado de segurança para tentar impedir a votação. Às 22h, o ministro Celso de Mello indeferiu a liminar. Para aprovar o texto e impedir que a MP caducasse por decurso de prazo, o governo, cuja base na Câmara rachou, cedeu em pontos que antes considerava inegociáveis. No mais importante deles, permitiu a renovação, por 25 anos, dos contratos em vigor celebrados após 1993. A sessão que varou a madrugada teve de tudo: parlamentares dormiram no plenário e no café, dividiram uma galinhada e alguns foram acordados nos hotéis para dar quórum na sessão
No rolo compressor
Após a mais longa sessão do Parlamento, MP dos Portos é aprovada na Câmara e Senado confirma
Júnia Gama, Danilo Fariello, Carolina Brígido, Paulo Celso Pereira e Maria Lima
Competitividade em xeque
BRASÍLIA - Apesar dos protestos da oposição e do risco de a votação ser interrompida por decisão da Justiça, o Senado concluiu na noite de ontem a votação da Medida Provisória 595, que altera a Lei dos Portos, a menos de cinco horas do fim do prazo de validade da lei. Depois de cerca de oito horas de debates na Casa, o projeto foi aprovado com 53 votos a favor e apenas sete contrários, dando ao governo uma vitória importante. Poucas horas antes, o texto fora aprovado na Câmara depois de 21 horas de discussões, na mais longa sessão da história do Parlamento. Sem qualquer alteração no conteúdo, o projeto segue agora para sanção da presidente Dilma Rousseff e deve receber vetos.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), abriu a sessão extraordinária por volta das 11h, menos de duas horas depois de ter passado pela Câmara. Ele determinou que a matéria fosse votada no mesmo dia, sem considerar o acordo verbal de interstício (intervalo entre as sessões) de 48 horas feito com os líderes ainda da gestão de José Sarney. Segundo Renan, foi "a última vez" que o Senado aprecia uma MP sem que os senadores tenham tempo para conhecer o conteúdo.
Ao abrir a ordem do dia, Renan manteve a posição de votar mesmo sem análise do conteúdo da MP, alegando já haver publicado o texto e mandado aos senadores emergencialmente o seu conteúdo para que tomassem conhecimento da medida. O relator da matéria no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), afirmou que as quatro alterações feitas pela Câmara em seu relatório não impediriam sua apreciação pelo Senado. Segundo Braga, somente uma mudança no seu texto foi "substancial", a que pode levar à renovação automática dos contratos de arrendamento firmados após 1993.
No começo da tarde, com a sessão em andamento no Senado e debates acirrados, líderes da oposição protocolaram mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impedir a votação e pedir a suspensão de seus efeitos, no caso de a MP ser aprovada.
No mandado de segurança, protocolado pelos senadores José Agripino Maia (DEM-RN), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), a alegação é de que a discussão do assunto no Câmara durou 20 dias (após a aprovação na comissão mista do parecer de Eduardo Braga) e só depois disso houve a votação em plenário. A atitude foi "casuística", segundo os senadores. Eles argumentam que o tempo não foi suficiente para analisar o assunto - especialmente porque os deputados apresentaram 678 emendas à proposta.
Renan Calheiros criticou o pedido de mandado de segurança para tentar obter uma liminar e suspender a tramitação. Segundo ele, o mandado desconsidera o regimento da Casa.
- Eu lamento a continuidade desse precedente de controle preventivo de matérias que estão em tramitação no Congresso Nacional. Vamos mostrar sobejamente a ineficácia desse mandado de segurança. O fator que merece pesar não é a votação dessa MP, como defendem alguns senadores, mas esse mandado, que foi mais uma vez pedido ao Supremo para que interfira nas atribuições do Congresso - disse Renan.
O ministro Celso de Mello (STF) foi sorteado para relatar o mandado de segurança, mas às 22h indeferiu a liminar. Pouco depois do anúncio do ministro como relator, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, enviou ao Supremo um documento recomendando que a Corte não paralise a tramitação da medida provisória. Para Adams, o assunto deve ser decidido pelo Congresso Nacional, sem a intervenção do Judiciário.
- (O Senado) não pode ser uma fábrica de salsicha, que funciona mediante o acionamento de um botão pela senhora Ideli Salvatti (ministra de Relações Institucionais), que aciona imediatamente a fabricação de leis e de salsichas - disse Aloysio Nunes.
A oposição e parlamentares da base contrários à medida criticaram duramente a manobra para votar o texto no mesmo dia em que chegou da Câmara. Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) foi o primeiro a disparar contra Renan:
- Não tenho nenhum motivo para acreditar em Vossa Excelência, porque tem feito coisas incorretas com a oposição. Não tem credencial para que eu possa acreditar em V. Excelência - disse, referindo-se à condução da votação do projeto que limita criação de novos partidos.
Na primeira votação sobre a MP já ficou claro que a vantagem do governo no Senado seria muito mais folgada do que foi na Câmara. O resultado da votação de urgência na apreciação do texto - um elemento regimental para permitir a avaliação do mérito ainda na quinta-feira - foi de 48 votos a favor da urgência, contra 12 da oposição. Pouco antes da proclamação do resultado final, a presidente Dilma Rousseff ligou para Renan agradecendo os esforços dos senadores peemedebistas.
O senador Aécio Neves (PSDB-MG) criticou a pressa e disse que os parlamentares têm medo da presidente Dilma. Apesar das manifestações contrárias, reservadamente, senadores da oposição já admitiam, antes do início da votação, que a batalha com o governo estava perdida.
- Isso é um achincalhe. O PT, durante 10 anos, ignorou o estado de calamidade em que se encontram os portos brasileiros. Agora, em 45 dias, quer aprovar essas mudanças - afirmou.
Fonte: O Globo