Com três sessões destinadas à dosimetria das penas, ministros do STF conseguiram
calcular apenas a punição de Marcos Valério. Mesmo assim, reconhecem que
ajustes serão necessários
Ana Maria Campos, Diego Abreu, Helena Mader
Sem tradição de julgar ações penais, o Supremo Tribunal Federal (STF)
engasga na parte final da análise do mensalão, a fase do cálculo das penas dos
condenados. Em três sessões dedicadas ao assunto, os ministros só conseguiram
arbitrar o tempo que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza passará na
cadeia e mesmo assim essa decisão ainda será revista. A matemática jurídica das
punições é uma questão complexa e exige prática na aplicação do Código Penal.
Na sessão de ontem, os ministros não se entendiam. Em alguns momentos, nem
mesmo o relator, Joaquim Barbosa, conseguia detalhar qual crime especificamente
analisava. Ele foi interrompido várias vezes pelo decano, Celso de Mello, com
intervenções sobre a aplicação das penas. Na véspera, Barbosa chegou a propor
uma pena de multa para Marcos Valério pela condenação no crime de formação de
quadrilha, quando o Código Penal não tem tal previsão.
Barbosa precisou rever o voto relativo à corrupção ativa de Marcos Valério
na compra de apoio político no Congresso. Advertido por Celso de Mello sobre a
aplicação da lei num patamar mais brando em função da mudança no texto do
Código Penal, o relator refez as contas.
Apesar do ajuste, a pena imposta a Marcos Valério por corrupção do deputado
João Paulo Cunha (PT-SP) deverá ser revista, segundo a avaliação de ministros,
porque Joaquim Barbosa partiu do mínimo de dois anos, quando a lei vigente na
época previa patamar deu mano. Os ministros estavam dispersos ontem. A ministra
Rosa Weber chegou a dizer que estava impedida de votar numa parte porque havia
absolvido Ramon Hollerbach, ex-sócio de Valério, quando na verdade a magistrada
o havia condenado. “Onde estamos?”, perguntou no meio da sessão, perdido com as
confusões do plenário, o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo.
A sessão foi suspensa no fim da tarde de ontem sem uma conclusão sobre as
penas destinadas a Hollerbach pelo crime de lavagem de dinheiro, tema que
também despertou muita divergência.
Os ministros começaram a votar uma pena de sete anos e seis meses para o
empresário, mas depois se deram conta de que ele, um personagem secundário no
esquema na visão dos ministros, ficaria assim com uma punição mais severa do
que Marcos Valério, considerado o líder. Até o encerramento da sessão,
Hollerbach estava condenado a 14 anos, 3 meses e 20 dias por formação de
quadrilha, corrupção ativa e peculato.
Continuidade
Para fixar uma pena, o juiz precisa levar em conta os limites para penas
previstos na lei, as circunstâncias do crime, a personalidade do réu e as
consequências do ato. Além disso, é necessário considerar se o ilícito ocorreu
de forma isolada ou se algumas ações levaram a outras, a chamada continuidade
delitiva. São critérios.
Em geral, um juiz singular, de primeira instância, faz essa análise.
Sentenças contestadas em recursos são revistas em colegiado, mas apenas para
considerar se houve ou não razoabilidade e legalidade. Analisar penas sobre um
processo tão complexo, com 25 condenados, sete crimes, mais de mil ocorrências,
num plenário com 10 ministros, tem se mostrado uma tarefa complexa.
Todos têm extensa formação jurídica, mas na atual composição nenhum tem
especialização na área criminal. A grande referência dos ministros, apontado
como mestre em direito penal por quase todos, é Nelson Hungria, que se
aposentou em abril de 1961. A última referência na área criminal citada é a do
hoje advogado Sepúlveda Pertence, que começou a carreira no Ministério Público
e se aposentou no STF em agosto de 2007.
Ayres Britto afirmou ontem que serão feitos ajustes no fim do julgamento.
“Dosimetria de pena é assim mesmo. Vamos estabelecendo parâmetros e no final
são feitas as unificações”, explicou o presidente do STF. “No fim, se
observarmos certos parâmetros, é claro que faremos um recálculo”, disse.
Votação agora só em novembro
Com a demora na definição das penas, os ministros já apostam que o resultado
do julgamento do mensalão será proclamado pelo relator do processo, Joaquim
Barbosa. O atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, se
aposenta até 18 de novembro, quando completará 70 anos. Até lá, poderá presidir
apenas quatro sessões destinadas à Ação Penal 470.
O julgamento sobre os cálculos da pena foi interrompido ontem e só retornará
daqui a 12 dias, com uma sessão em 7 de novembro. Na próxima semana, Joaquim
Barbosa estará em Dusseldorf, na Alemanha, onde fará tratamento para o problema
crônico que enfrenta de dores no quadril. Ele tomará posse na presidência do
STF em 22 de novembro e deverá conduzir as sessões e relatar o processo ao
mesmo tempo.
Sem conclusão para a dosimetria do empresário Ramon Hollerbach, os ministros
só encerraram até agora a parte relacionada a Marcos Valério Fernandes de Souza
e também voltarão a tratar do assunto. Faltam ainda outros 23 réus, entre os
quais a situação do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e do
ex-presidente do PT José Genoino, condenados por corrupção ativa e formação de
quadrilha.
Ayres Britto já não tem certeza se participará do cálculo das penas de todos
os réus que condenou. Se não houver tempo de acompanhar todas as sessões, ele
terá de tomar uma decisão sobre antecipar ou não seus votos. Cezar Peluso, que
deixou o STF no início de setembro, não quis antecipar sua posição sobre os
capítulos que seriam analisados depois de sua aposentadoria.
Marcada inicialmente para 5 de novembro, a retomada do julgamento ficará
para dois dias depois em função de compromissos dos ministros. Ayres Britto
chegou a anunciar o agendamento de uma sessão extra na manhã de 8 de novembro.
Teve, no entanto, de suspendê-la porque não houve acordo no plenário.
Fonte: Correio Braziliense