domingo, 3 de novembro de 2019

Fernando Henrique Cardoso* - A esfinge e os líderes

- O Estado de S.Paulo | O Globo

É do interesse da maioria um governo que respeite o mercado e as necessidades do povo

Nos últimos artigos tenho insistido na necessidade da formação de um “centro democrático progressista”. O que é isso? Desde logo, não se trata de um “centrão”, ou seja, de um agrupamento de pessoas que dominam legendas de partidos e, na prática, se unem para apoiar ou rejeitar propostas do governo, cobrando um preço clientelístico. O “centro democrático” tampouco pode ser um agrupamento anódino, que ora se define como favorável ao povo e esbanja recursos, como os populistas, ora se comporta de modo austero, com bom manejo das contas públicas, mas sem olhar para o povo, como os “neoliberais”. Então, o que seria?

Escrevi sobre o “liberalismo progressista” dizendo que ele se diferencia do “liberalismo conservador, de corte autoritário”. Neste, o mercado é o deus ex-machina que molda a sociedade. O primeiro respeita os mercados, sabe que as economias contemporâneas são “de mercado” (quase sem exceção), mas sustenta que elas não dispensam a regulação e mesmo a ação do Estado na economia. A atuação estatal, não sendo a única e nem mesmo a principal mola do crescimento econômico, continua a ser necessária para evitar que a desigualdade mine a democracia e o crescimento.

Na prática, o risco maior do liberalismo conservador, de caráter autoritário, é o de derrapar para formas abertamente não democráticas de decidir e assim aumentar o fosso entre dirigentes e dirigidos, abrindo espaço para manifestações populares antagônicas ao poder. Já o risco do progressismo é se transformar em populismo e, com o propósito ou o pretexto de servir ao “povo”, desorganizar as finanças públicas, levar à inflação e ao desemprego. O país cai na estagnação, abrindo espaço para a “direita” (ou seja, para formas disfarçadas ou abertas de autoritarismo).

Roberto Romano* - Diplomacia e fé pública

- O Estado de S.Paulo

Triste é a chefia diplomática do País, exercida por quem não respeita a instituição

O Brasil sempre esteve no centro de ações diplomáticas. No Tratado de Tordesilhas, posto ao arbítrio da suprema autoridade na época, a Igreja Católica, começa a ser definido o nosso patrimônio geográfico. Desobedecendo aos ditames dessa partilha, os bandeirantes aumentam o território lusitano e criam fronteiras imensas a serem defendidas. Território expandido na América do Sul, na África e na Ásia, Portugal vive algo peculiar a toda a Europa: a concentração administrativa, bélica e política. Não difere o trato internacional português que nos séculos 16 e 17 segue a raison d’État. Unida à tarefa de tudo dirigir e observar no plano interno dos países, com proeminência do governante sobre os antigos poderes (nobres, eclesiásticos, jurídicos), a diplomacia defende os interesses do Estado junto aos demais e previne atos hostis à sua condição soberana.

Para socorrer as cortes europeias em sua lide guerreira e de conquistas, a diplomacia obtém eficazes resultados técnicos e políticos. As doutrinas sobre o afazer diplomático reúnem grandes nomes, não apenas na teoria, mas na prática. A França emergente e pioneira na centralização monárquica produz grandes nomes e textos sobre o assunto. É o caso de J. Hotman (Do Cargo e Dignidade do Embaixador), F. Callières (Da Maneira de Negociar com os Soberanos), Rousseau de Chamoy (A Ideia do Perfeito Embaixador), A. de Vicquefort (O Embaixador e suas Funções), Pecquet (A Arte de Negociar).

Um estudioso escreve sobre textos e pessoas dedicadas ao labor em pauta: “A diplomacia, nascida no século 15 nas repúblicas italianas, sobretudo em Veneza, permanece durante grande parte do século 16 uma instituição que se desenvolve, se modifica, se adapta gradualmente às circunstâncias. É um fenômeno em via de transformação com toda a vida, a variedade, as surpresas que comporta tal momento de evolução”. Das legações medievais esporádicas às permanentes ocorrem descobertas marítimas, constituição de grandes Estados, avanços muçulmanos, grandes guerras. Surgem as embaixadas permanentes. Desde 1455 Veneza mantém legados constantes em Roma, Nápoles, Florença e Milão. Outros países criam embaixadas fixas após a Paz de Westfalia, em 1648 (Cf. Romano, Roberto: A Paz de Westfalia, em História da Paz; Léon Van der Essen, Le Rôle d’un Ambassadeur au XVIe Siècle, Contribution à l’Histoire de la Diplomatie, em Révue Belge de Philologie et d’Histoire).

Eliane Cantanhêde - Aos ‘tresloucados e malucos’

- O Estado de S.Paulo

Os militares não embarcam no AI-5 e no ‘Três Oitão’ dos Bolsonaro

Em entrevista ao Estado, em dezembro de 2016, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, me contou que “tresloucados e malucos” batiam às portas das Forças Armadas pedindo a volta dos militares ao poder e que, de pronto, ele advertia que algo assim tinha “chance zero”. Três anos depois, porém, o clã Bolsonaro arrepia o País com sua apologia a ditaduras.

Villas Bôas relatou que respondia com o artigo 142 da Constituição àquela versão atualizada das “vivandeiras alvoroçadas” que, segundo o marechal Castello Branco, primeiro presidente do regime de 1964, exigiam “extravagâncias” do Poder Militar. Por esse artigo, as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Boa lembrança, já que o capitão da reserva Jair Bolsonaro nem completou um ano de mandato e seu filho Eduardo, deputado federal e quase embaixador (em Washington!), choca o País inteiro ao defender a volta do demoníaco AI-5, enquanto o presidente, como informa o repórter Renato Onofre, costura sua filiação ao ainda em gestação Partido Militar Brasileiro.

Assim, o novo partido embolaria perigosamente o presidente da República com militares, policiais, a bancada da bala e “tresloucados e malucos” de diversas espécies. E sob o número 38, em referência ao revólver mais conhecido, principalmente entre os bandidos, no bang-bang nacional. O presidente no “três oitão”...

José Roberto Mendonça de Barros* - Poderemos ter crescimento sustentado?

- O Estado de S.Paulo

A convicção de que a relação dívida/PIB começará a se reduzir é fundamental para manter ajustadas as expectativas

Depois de uma profunda recessão e de três anos de crescimento, inclusive no ano que finda, a grande pergunta que se faz é se será possível voltarmos a crescer de forma sustentável.

Qual seria a pauta mínima para que esse evento viesse a ocorrer?

Minha resposta a essa questão é positiva, isto é, poderemos voltar a crescer se pelo menos três condições se verificarem simultaneamente. São elas:

1) Se houver convicção por parte dos agentes e analistas de que a relação dívida/PIB voltará a cair, mesmo antes de um crescimento mais acelerado da economia. Isso ocorrerá se, além da reforma da Previdência agora finalizada, o Congresso aprovar um mínimo de regras que garantam que as despesas correntes não cresçam em termos reais de forma quase autônoma, ao contrário dos últimos muitos anos.

A convicção de que a relação dívida/PIB, hoje mantida a duras penas com controles e contingenciamentos, começará a se reduzir é fundamental para manter ajustadas as expectativas e permitir a continuidade da redução da taxa Selic, dando suporte a planos de expansão do crédito, de gastos de consumo e investimento.

Embora a apresentação de uma proposta abrangente seja importante para dar uma visão da rota a seguir, parece-me fundamental ter foco numa primeira rodada (provavelmente a chamada PEC Emergencial) de sorte a consolidar um avanço fiscal que, com a Previdência, permita destravar mais rapidamente os pontos 2 e 3 apresentados a seguir.

Mario Vargas Llosa* - O enigma chileno

- O Estado de S.Paulo

Diferente das outras revoluções ao redor do mundo, no Chile, a falha está na falta de igualdade de oportunidades e mobilidade social

Em meio a esta catastrófica quinzena para a América Latina – derrota de Mauricio Macri e retorno do peronismo com Cristina Kirchner, na Argentina, fraude escandalosa nas eleições bolivianas que permitirá ao demagogo Evo Morales eternizar-se no poder e agitações revolucionárias dos indígenas no Equador – há um fato misterioso e surpreendente que me recuso a relacionar aos antes mencionados: a violenta explosão social no Chile contra o aumento das passagens de metrô, com saques e depredações, 20 mortos, milhares de presos e, por fim, manifestação de um milhão de pessoas nas ruas contra o governo de Sebastián Piñera.

Por que misterioso e surpreendente? Por uma razão muito objetiva: o Chile é o único país latino-americano que travou uma batalha eficaz contra o subdesenvolvimento e cresceu de maneira admirável nos últimos anos. Embora eu saiba que os relatórios internacionais não comovem ninguém, lembremos que a renda per capita chilena é de US$ 15 mil anuais (e o poder de compra é de US$ 23 mil, de acordo com organizações como o Banco Mundial).

O Chile acabou com a pobreza extrema, e em nenhuma outra nação latino-americana tantos setores populares passaram a fazer parte da classe média. O país desfruta de pleno emprego e de investimentos estrangeiros e o notável desenvolvimento de seu empresariado fez com que seu padrão de vida aumentasse rapidamente, deixando o restante do continente para trás.

No ano passado, viajei pelo interior chileno e fiquei impressionado ao ver o progresso que se manifestava por toda parte: os povoados esquecidos de 30 anos atrás são hoje cidades prósperas e modernas, com qualidade de vida muito alta, frente aos padrões do terceiro mundo.

Luiz Carlos Azedo - É melhor ser feliz

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“No plano eleitoral, o eixo da disputa política direita versus esquerda é falso. O que estará em jogo não é um terceiro turno das eleições passadas, mas a gestão das prefeituras de milhares de municípios”

O presidente Jair Bolsonaro gastou a manhã de ontem para realizar um sonho de consumo: comprar uma moto. Glamourizadas por Hollywood em filmes como O Selvagem, com Marlon Brando e Lee Marvin, e Sem Destino, com Peter Fonda, Denis Hopper e Jack Nicholson, as motocicletas são símbolos de rebeldia e liberdade, além de um perigoso meio de transporte. Muitas empresas proíbem seus executivos de andarem de moto, hobby de fim de semana de muitos homens e mulheres de meia idade que querem se sentir eternamente jovens. Nas agruras do trânsito, eis o lema do motociclista: é melhor ser feliz do que ter razão.

Na política como ela é, a polêmica criada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre o Ato Institucional nº 5, cuja reedição aventou num caso de hipotética radicalização da oposição, apesar de rechaçada pelo presidente Jair Bolsonaro, aumentou o isolamento político do governo junto aos demais poderes e à sociedade. E reforçou uma polarização política com a oposição, que antecipa o debate eleitoral de 2022, embora tenhamos apenas 10 meses do primeiro mandato do presidente da República. Essa polarização, porém, é artificial. Está descolada do processo político institucional, que se desenrola em dois níveis: as articulações do Congresso para a aprovação das reformas e a preparação das eleições municipais.

No plano político nacional, as questões mais substantivas estão se resolvendo com a aprovação das reformas pelo Congresso, no rastro de um programa de mudanças iniciado no governo Temer (nova Lei das Estatais, Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista). A recente aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso, abriu caminho para a reforma administrativa que o governo promete anunciar ainda nesta semana. A reforma tributária, que estava na fila para aprovação, foi engavetada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, por falta de massa crítica na própria equipe econômica sobre o que fazer.

Ricardo Noblat - Se não é obstrução de Justiça é o quê?

- Blog do Noblat | Veja

Está com Bolsonaro a memória eletrônica da portaria do condomínio
Verdade que o Procurador-Geral da República Augusto Aras é contra federalizar as investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco. Segundo ele, não passou de um “factoide” logo arquivado a história de que Jair Bolsonaro, no dia do crime, autorizou a entrada em sua casa no Rio de um dos supostos assassinos.

Mas Sérgio Moro, que nunca comentara nada sobre a morte de Marielle nem à época de juiz em Curitiba nem como ministro da Justiça, pediu que as investigações fossem transferidas do Rio para Brasília. Ali, naturalmente, ficariam aos cuidados da Polícia Federal, subordinada ao seu ministério. Sujeito esperto!

Se crescerem as suspeitas de que foi com Bolsonaro que o porteiro falou e não com o ex-policial Ronny Lessa, acusado de matar Marielle e também morador do condomínio, aí as investigações irão bater em Brasília, e ali chegando, paralisadas por força da lei. Só seriam retomadas depois do fim do mandato de Bolsonaro.

O presidente da República parece muito interessado em que assim seja. Sem que ninguém o obrigasse, ele disse ontem, textualmente: “Nós pegamos [as gravações da portaria do condomínio] antes que elas fossem adulteradas ou que tentassem adulterar. Pegamos toda a memória da secretária eletrônica”.

Alô! Alô! O inquérito sobre a morte de Marielle não corria em segredo de Justiça? As gravações não poderão servir como provas ou evidências de fatos investigados? Não caberia somente à Polícia e ao Ministério Público ter acesso a elas? Isso não caracterizaria crime de tentativa de obstrução de Justiça? Juristas à beça acham que sim.

Por muito menos, em novembro de 2015, Delcídio do Amaral (PT-MS), então líder do governo Dilma no Senado, foi preso por ordem do Supremo Tribunal Federal, acusado de atrapalhar a Lava Jato. No mesmo dia, por 59 votos a 13, o Senado manteve a prisão. Depois de 80 dias detido, Delcídio voltou ao Senado e acabou cassado.

É uma lambança só o inquérito sobre o assassinato de Marielle. As gravações da secretária eletrônica do condomínio onde Bolsonaro e Lessa eram quase vizinhos foram copiadas pelos Bolsonaros, mas não foram periciadas pelo Ministério Público. A promotora que disse que o porteiro mentiu era bolsonarista de raiz.

Por que um porteiro se meteria numa encrenca só pelo prazer de mentir? No dia em que um dos suspeitos de matar Marielle pediu licença para ir à casa de Bolsonaro, a vereadora estava viva e Bolsonaro não era candidato a presidente. Por que em dois depoimentos o porteiro disse que “seu Jair” autorizou a entrada?

Por que o porteiro afirmou que, ao ser informado de que o visitante se dirigia para outra casa, “seu Jair” respondeu que estava tudo okey? E por que anotou no livro de registros do condomínio que o visitante pedira para ir à casa de Bolsonaro e não de Lessa? Toda essa história está mal contada e o risco é de que permaneça assim.

Tem uma foto onde Bolsonaro aparece ao lado do homem que pediu para visitá-lo no dia do crime, e que depois pilotou o carro que levou Lessa ao encontro de Marielle. Um dos filhos de Bolsonaro namorou uma filha de Lessa. Flávio Bolsonaro homenageou Lessa e outros milicianos. A família sempre teve fortes ligações com essa gente.

Há 600 dias, a serem completados amanhã, Marielle foi executada a tiros no centro do Rio. Quem a matou? Quem mandou matá-la? Quem tentou encobrir o crime e por quê? Onde está o porteiro?

Janio de Freitas - Os sonhadores do nosso pesadelo

- Folha de S. Paulo

A realidade, hoje, já derrubou muitos valores da democracia e da civilização

O reaparecimento do AI-5 abafou o insulto das hienas. Que por sua vez abafou a confirmação das opressões a presos na Lava Jato. Com isso abafando a reação às ameaças de isolamento da Argentina e de fim do Mercosul.

A veloz sobreposição dos desvarios é a lógica dos ataques corrosivos com que o movimento autoritário vai expulsando do país, sem reação, os “ares democráticos” —na boa designação do ministro Marco Aurélio Mello para o nosso indefinível regime.

Os intervalos prestam-se a desautorizações de Bolsonaro e outras saídas inconvincentes. Caso, por exemplo, da explicação para os registros comprometedores de entradas e comunicações no condomínio de Jair e Carlos Bolsonaro. A confusão agora atribuída ao porteiro experiente, entre os números 58 e 65 no registro de entradas, está longe de ser admissível. E ainda a confusão entre duas vozes, que ouve há muitos anos, na autorização para entrada de um envolvido na morte de Marielle, isso apenas completa o primarismo do socorro buscado pelos Bolsonaros.

Tanto mais que, entre a correta revelação, feita pela TV Globo, das anotações originais e a inculpação do porteiro, o filho Carlos teve em mãos o material da portaria, teve contatos com o porteiro, e foi o lançador da nova versão. Já descuidado então das hienas levadas ao saite, ou ao zoo, que divide com o pai, para insultar o Supremo, a ONU, a CNBB, a OAB, o Congresso, a “mídia”.

Hélio Schwartsman - Os mensageiros

- Folha de S. Paulo

O cérebro recorre a truques para tomar decisões sem ter que pensar muito

Num mundo ideal, julgaríamos cada ideia com base apenas nos argumentos e dados que lhe dão sustentação. Mas não vivemos num mundo ideal. Somos ignorantes em diversas matérias e, mesmo que não fôssemos, não teríamos tempo nem disposição de fazer uma avaliação exaustiva de todas as teses a que somos submetidos diariamente.

Diante disso, o cérebro recorre a heurísticas, que são basicamente truques para tomar decisões sem ter que pensar muito. Um dos mais frequentes é julgar a ideia não por seus méritos, mas pelos de quem a apresenta, o mensageiro.

O livro “Messengers”, de Stephen Martin e Joseph Marks, investiga nossa relação complicada com os mensageiros. Na primeira parte, os autores dissecam os mensageiros “hard”, isto é, aqueles que chamam nossa atenção em virtude de seu status.

Bruno Boghossian - Muito além do porteiro

- Folha de S. Paulo

Dodge afirmou que promiscuidade com milícias impede apuração isenta dos fatos

Em seu último dia como procuradora-geral, Raquel Dodge pediu oficialmente que a Polícia Federal assumisse a investigação sobre o assassinato de Marielle Franco. Para ela, a "relação de promiscuidade" entre as forças de segurança do Rio e as milícias impede que os mandantes do crime sejam descobertos.

"Existirão --com absoluta certeza-- atividades deletérias feitas por criminosos infiltrados na Polícia Civil e Militar do Rio [...] para dificultar a instrução e a coleta de provas", escreveu Dodge em documento enviado ao Superior Tribunal de Justiça no último 17 de setembro.

Trechos do despacho foram divulgados pelos jornais El País e Valor Econômico. A procuradora afirmou que a apuração do caso não deve continuar no Rio, onde há um "ambiente comprometido e desfavorável à apuração isenta dos fatos".

Ruy Castro* - Apagando a si mesmo

- Folha de S. Paulo

O Brasil vive de destruir seu passado. Talvez por isso nunca aprenda

Somos um país que destrói documentos, arquivos, registros, gravações e chuta a história pela janela. E só vamos saber disso depois, quando não se pode fazer mais nada. Talvez muitos não se importem. Eu me importo. Um passaporte, uma carteira de identidade, uma certidão de nascimento pode conter informações maravilhosas para um biógrafo. Já salvei alguns desses documentos de serem despejados no lixo por família ilustres, onde seriam recolhidos pelos catadores de papel e vendidos para as feiras das praças —quando passariam, subitamente, a valer dinheiro.

Ruy Barbosa, ministro da Fazenda entre 1889 e 1891, mandou queimar os arquivos da escravidão. A medida impediu que os escravocratas exigissem indenização pelos "prejuízos" que teriam sofrido com a Abolição —Ruy respondeu que o justo seria indenizar os escravos—, mas também privou o Brasil de conhecer mais a fundo uma parte fundamental de sua história.

Em 1º de abril de 1964, a Rádio Mayrink Veiga, do Rio, então controlada pelo governo que estava sendo deposto, teve tudo —arquivo, discoteca, até os equipamentos— jogado na rua pelos vitoriosos do momento. Nos anos 60 e 70, burocratas dos governos Costa e Silva e Médici, instalados num andar do prédio de A Noite onde ficava a memória da Rádio Nacional, deixaram material inestimável se perder.

Vinicius Torres Freire - O aumento de imposto de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Ideia é reduzir isenção fiscal de remédio, comida, Simples, ruralistas, poupança etc.

Talvez o presidente ainda não saiba, mas seus economistas planejam um aumento de imposto que não ousa dizer seu nome. Caso a coisa chegue ao Congresso e seja aprovada, vai implicar aumento de tributação sobre rendimento da poupança, cesta básica, remédios, rescisão trabalhista e muito mais.

Trata-se de um aumento de imposto que pode chegar a R$ 27 bilhões, em uma conta de guardanapo (0,3% do PIB, quase um Bolsa Família anual). Implica atrito com muita gente, de montadoras a ruralistas.

Pelo que se depreende da conversa do governo, o pacote ainda não chegou a Jair Bolsonaro –ou assim não foi explicado ao presidente.

Oficialmente, a coisa se chama "redução do gasto tributário" por meio de "redução de incentivos fiscais".

Isto é, o governo deixa de recolher parte do imposto que, pela regra geral, deveria ser cobrado sobre a renda de certos cidadãos, certas mercadorias e certos negócios. Ao cancelar parte desse incentivo fiscal, procura aumentar a arrecadação. Na prática, é aumento de imposto (ou imposto que volta a ser cobrado).

Bernardo Mello Franco - Promotoria com Partido

- O Globo

A Constituição impede juízes e promotores de exercerem ‘atividade político-partidária’. A proibição tem uma finalidade clara, mas virou letra morta na era das redes sociais

A doutora Carmen Eliza Bastos de Carvalho já assinou um manifesto em defesa do movimento Escola sem Partido. Agora ela virou símbolo do Promotoria com Partido.

Na quarta-feira, Carmen participou da entrevista sobre a confusa investigação do assassinato de Marielle Franco. Ela desqualificou o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, que relatou uma ligação do principal suspeito para a casa de Jair Bolsonaro.

Na manhã seguinte, o jornalista Leandro Demori revelou a militância virtual da promotora. Durante a corrida ao Planalto, ela usou as redes sociais para fazer campanha aberta pelo dono da casa 58. Numa das postagens, Carmen posou de camiseta com a foto do capitão e a inscrição “Bolsonaro presidente”. Em outra, festejou sua vitória com mensagens como “Libertos do cativeiro esquerdopata” e “#vaificarpresobabaca”.

Em janeiro, ela voltou ao Instagram para celebrar a posse do presidente. Apontou o celular para a TV e publicou o clique com uma legenda festiva. “Há anos que não me sinto tão emocionada. Essa posse entra naquela lista de conquistas”, desmanchou-se.

Além de pedir votos para seu candidato, a promotora postou foto ao lado do deputado Rodrigo Amorim, do PSL. O bolsonarista despontou do anonimato ao quebrar uma placa em homenagem à vereadora morta.

Elio Gaspari - Os BolsoLulas

- O Globo | Folha de S. Paulo

Até agora, o radicalismo da inépcia foi monopólio do governo

Em abril de 2018, horas antes de se entregar à Polícia Federal, Lula discursou para sua militância diante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e disse que "eu não sou um ser humano, sou uma ideia". Foi adiante:

"Eu fico imaginando o tesão da Globo colocando a minha fotografia preso. Eles vão ter orgasmos múltiplos. (...) Eles têm de saber que vocês, quem sabe, são até mais inteligentes que eu, e queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas, as ocupações no campo e na cidade; parecia difícil a ocupação de São Bernardo, e amanhã vocês vão receber a notícia que vocês ganharam o terreno que vocês invadiram."

Era sonho. Lula foi para a cadeia, ninguém foi para a rua, seu candidato a presidente foi derrotado por 55% a 45% e em janeiro de 2019 o capitão Jair Bolsonaro tomou posse na Presidência da República. Logo o capitão, que Lula achava fácil derrotar.

Passaram-se dez meses, Lula conta o tempo para deixar a carceragem de Curitiba e os Bolsonaros deixaram na porta da sua cela a bandeira da pacificação. Num país com 12 milhões de desempregados eles brigam aqui e alhures, para nada. Se Lula vai empunhar essa bandeira, só ele sabe, mas vale a pena lembrar que há poucas semanas o PT foi para a avenida Paulista com poucas camisas vermelhas. A deputada Gleisi Hoffmann vestia uma camiseta branca com o rosto de Lula enfeitado por flores.

Em sua entrevista a Leda Nagle, o deputado Eduardo Bolsonaro disse que "vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 60 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando sequestravam-se e executavam-se autoridades, cônsules, embaixadores, com execuções de policiais e de militares. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar de uma resposta. Ela pode ser via um novo AI-5".

Eduardo Bolsonaro corrigiu-se e seu pai condenou a fala. Mesmo assim deve-se registrar que no final dos anos 60 havia também um terrorismo de direita, cujo núcleo clandestino era composto por militares e civis. Era menos letal, mas buscava estimular a tensão política.

O nervo da formulação do deputado esteve na frase "se a esquerda radicalizar". E se a esquerda não radicalizar? Até agora, o radicalismo da inépcia foi monopólio do governo. Ademais, o último atentado terrorista ocorrido no Brasil, em 1981, foi a bomba do Riocentro, mas ele saiu do DOI-Codi do 1º Exército.

Há radicais na esquerda, mas no Brasil o que está na vitrine é outro radicalismo tosco, demófobo e desorientado. Ele teceu a bandeira da pacificação, levou-a a Curitiba e deixou-a na porta da cela de Lula.

Porteiros e polícia
Além do fantasma de Marielle Franco, outra assombração ronda o movimento de carros no condomínio onde viviam Jair Bolsonaro e o miliciano Ronnie Lessa no dia do assassinato da vereadora. É o risco de que acabe sobrando para o porteiro que registrou a entrada de Élcio Queiroz na propriedade.

Não se sabe o que aconteceu naquele dia, mas uma velha história ensina que polícia e porteiros produzem situações fantásticas.

Dorrit Harazim - Desculpas não aceitas

- O Globo

Em Washington, Trump tem falado em guerra civil na eventualidade de perder o mandato, o que incentiva seus apoiadores mais extremistas

Por vezes, quem acompanha a ascensão e os descaminhos do presidente dos Estados Unidos em combustão na Casa Branca é acometido da sensação de déjà-vu ao se confrontar com o noticiário que brota em Brasília. Tomem-se dois exemplos recentes, pinçados do mês passado.

No dia 1º de outubro, Donald Trump alardeara via Twitter que a abertura do atual inquérito passível de desembocar num pedido de impeachment não passava, na verdade, de um golpe para lhe roubar o poder — “ a COUP ”, em maiúsculas, como gritou no teclado. Uma semana depois, num de seus destemperos matinais para microfones no Palácio da Alvorada, Jair Bolsonaro subiu o tom com a imprensa que o contraria. Além dos habituais “patifaria”, “covardia”, “esgoto” com que brinda reportagens independentes, arrostou: “Vocês querem me derrubar? Eu tenho couro duro, vai ser difícil...”

A segunda cena com eco nacional ocorreu na quinta feira, 24 de outubro, quando Trump anunciou o cancelamento pela Casa Branca e todas as agências federais das milhares de assinaturas dos principais jornais do país, o “New York Times” e o “Washington Post”. Criou fato novo quando já se tornara corriqueiro ouvi-lo tratar a imprensa livre de “inimiga do povo”, “traidora da pátria” e “lixo”. Uma semana depois, na quinta 31, Bolsonaro ordenou o cancelamento de assinaturas da “Folha de S.Paulo” em todos os órgãos do seu governo, e advertiu anunciantes do jornal para “prestar atenção”. “Espero que não me acusem de censura. Quem quiser comprar a ‘Folha’, ninguém vai ser punido por isso, manda o assessor dele, vai lá na banca e [...] e se divirta”, acrescentou no habitual linguajar de quem graceja com censura e tortura.

Ultrapassou, assim, a sua média de dois ataques semanais a jornalistas e/ou meios de comunicação desde que assumiu o poder. Melhor nem reproduzir os que foram disparados sem freios de civilidade mínima.

Ricardo Rangel* - Graças ao governo

- O Globo

Guedes prometeu privatizar 200 estatais e vender mil imóveis. Não vendeu nenhum nem apresentou um plano de privatização

O argumento mais comum para defender o governo é que “Bolsonaro é melhor do que o PT”. Supondo-se que seja verdade, e daí? Nota 2 é melhor do que nota 1, mas isso não é motivo para achar que 2 é bom.

Outra linha é que não se devem apontar os erros do governo, porque isso pode trazer o PT de volta. Ora, o que pode trazer o PT de volta são os erros de Bolsonaro, não o fato de falarmos deles. Aliás, se ninguém disser nada, é provável que ele insista nos erros, e que a chance de o PT voltar aumente. (Sem falar que, nessa linha, se aceita qualquer coisa.)

Um terceiro argumento, menos raso, é que a economia vai bem, e isso é o que interessa, porque se a economia não funcionar, nada mais funciona — verdade, mas, se só a economia funcionar, aí também não serve pra nada. A verdade, no entanto, é que a economia não vai bem: o crescimento será raquítico (perto de 0,9%), o desemprego cai devagar (e com aumento da informalidade), e a taxa de investimento está na lona.

“Mas, depois da devastação do PT... demora mesmo a recuperar!”, observam. Ocorre que o PT está fora do poder há mais de três anos e, já no ano seguinte à sua saída, o Brasil voltou a crescer — e a uma taxa maior do que a de hoje. Temer acertou muito durante dois anos e meio, de modo que, no início do governo Bolsonaro, a expectativa era de um crescimento três vezes maior (2,6%) do que será. O que deu errado?

Entrevista | 'Fala sobre AI-5 é gravíssima e incompatível com a Constituição', diz cientista político

Entrevista com José Álvaro Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP

Para José Álvaro Moisés, Brasil vive vácuo de lideranças políticas

Paulo Beraldo | O Estado de S.Paulo

As declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sugerindo a possibilidade de volta de um AI-5 caso haja radicalização de movimentos da esquerda é incompatível com a Constituição Federal e gravíssima para um parlamentar eleito democraticamente. A avaliação é do cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da instituição.

Na entrevista, o pesquisador afirmou que cogitar alternativas assim é um reconhecimento implícito de que o governo não está indo bem. "Ao invés de adotar procedimentos próprios da democracia, como a busca de diálogo e entendimento com outras forças políticas, eles se voltam para políticas de exceção, como a hipótese de um golpe ou de uma radicalização dos conflitos políticos", afirmou Moisés, que lança o livro Crises da Democracia - O Papel do Congresso, dos Deputados e dos Partidos esta semana.

O cientista político afirmou ainda identificar no Brasil hoje um vácuo de lideranças capazes de interpretar o momento e os desafios do País, como a desigualdade de renda e a necessidade de crescimento econômico. "Há na sociedade um sentimento de que estamos sem alternativa, sem líderes capazes de interpretar o desafio do momento e oferecer perspectivas de futuro, que mostrem que podemos melhorar e recomeçar a construção de uma sociedade mais justa e solidária." Abaixo, a entrevista.

• Como o senhor vê a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro sugerindo a volta do AI-5 caso haja "radicalização da esquerda"?

Essa declaração é muito grave e suscita a necessidade de o Ministério Público Federal abrir um processo. Ele jurou compromisso com a Constituição. É uma declaração totalmente incompatível com a Constituição e uma coisa gravíssima que tem de ser objeto de ação da Justiça.

• Não é a primeira vez que o núcleo próximo do presidente fala sobre a possibilidade de ruptura institucional. O senhor vê essa possibilidade?

É preciso ver esse cenário a partir de dois olhares. Por um lado, não creio que haja apoio social, nem mesmo nas Forças Armadas, para isso. Mas, por outro, o fato de pessoas próximas do presidente mencionarem essa possibilidade, em uma tentativa de identificar uma saída para os dilemas que o governo enfrenta e não consegue resolver, é preocupante.

Se o governo estivesse sendo bem-sucedido no enfrentamento das crises e desafios que o acometem - o fogo na Amazônia, o derramamento de óleo nas praias do Nordeste, o desemprego de milhões, a perda de renda da população - não seria necessário cogitar alternativas de exceção como essas.

Cogitar isso é um reconhecimento implícito de que o governo está fracassando e que, diante disso, ao invés de adotar procedimentos próprios da democracia, como a busca de diálogo e entendimento com outras forças políticas, eles se voltam para políticas de exceção, como a hipótese de um golpe ou de uma radicalização dos conflitos políticos.

• Nesse contexto de radicalização, como vê a relação do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa?

Líderes populistas no mundo inteiro não conseguem conviver bem com uma imprensa livre, crítica aos seus atos e decisões de governo. Bolsonaro não está fugindo desse perfil. Não consegue entender que a imprensa, e a mídia em geral, é um componente fundamental da democracia, mesmo quando essa venha a fazer críticas erradas, às quais governos democráticos sempre podem responder. Mas as suas reações à mídia não mostram tranquilidade para responder aos ataques que sofre. Ele reage destemperadamente a eles.

Monica de Bolle* - ‘Sabe com quem está falando?’

- Revista Época

Em tempos de hienas e fricotes nas redes sociais, a carteirada voltou a ser um meio de vida para o governo brasileiro

Quem já não esteve na situação de receber essa carteirada de algum interlocutor com ares de autoridade? Houve tempo em que essa relíquia do passado autoritário e, por que não dizer, paternalista do Brasil tornara-se mais rara, apesar de jamais ter desaparecido por completo. Eis que, em tempos de hienas e fricotes nas redes sociais, a carteirada voltou a ser um meio de vida para o governo brasileiro. Afogado em estultices e falta de competência, sobrou apenas o bom e velho método de intimidação tropical-lusófona. E aí, “sabe com quem está falando”?

Dia desses e outros também tenho visto muita gente reclamar das carteiradas constantes. Muitas são inevitavelmente dirigidas a jornalistas, cujo trabalho é apurar fatos, mas muita gente no Brasil de hoje — no mundo de hoje — não gosta de fatos. Fatos muitas vezes são inconvenientes. Por exemplo: imagine que você tenha ficado preocupada e tenha decidido pesquisar sobre a Amazônia. Se você fez seu trabalho de forma cuidadosa, leu vários artigos científicos, aprendeu sobre as minúcias dos pontos de não retorno — os tipping points a partir dos quais a floresta vira savana —, conversou com cientistas, ambientalistas e ministros e ministras do Meio Ambiente de governos anteriores. Se você é economista tem a vantagem de ter passado por um rigoroso treinamento matemático. 

Quem sabe você aprendeu a gostar especialmente de modelos dinâmicos não lineares, aqueles que retratam a instabilidade do mundo como ele realmente é. Sendo esse o caso, há uma boa possibilidade de que você tenha decidido fazer umas contas para traçar cenários sobre a morte da floresta. Cenários não são certezas, mas ajudam a dar uma boa noção da urgência de certos problemas. E, bem, se dia sim e outro também você está acompanhando a cobertura jornalística dos desastres ambientais brasileiros, a Amazônia tem moradia certa em sua cabeça. Você faz a conta e traça o cenário. Eis que você descobre que o cenário catastrófico que tantos temem pode estar mais próximo do que muitos imaginam.

Guilherme Amado - O decano a mil por hora

- Revista Época

Desde 2018, Celso de Mello se tornou a mais altiva voz do Supremo ante investidas contra a democracia e os direitos fundamentais

Os 30 anos de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), recém-completados em julho, poderiam fazer com que os últimos meses do decano na Corte fossem de inabalável calmaria. Aos 74 anos — celebrados na sexta-feira 1º —, Mello não precisa mais provar nada a ninguém. Exatamente a um ano de deixar o tribunal, em 31 de outubro de 2020, nenhum colega ou analista do STF criticaria se Mello preferisse nestes últimos meses uma atuação discreta, sem protagonismo, mais preocupada em arrumar gavetas e planejar o que fará em seguida. Mas o Celso de Mello dos últimos dois anos tem sido o oposto. 

Desde 2018, ele se tornou, menos pelo tom barítono e mais pelo acúmulo de experiência e pela previsibilidade de decisões, a mais altiva voz do tribunal ante investidas de militares ou do próprio presidente da República e de sua família contra a democracia e os direitos fundamentais. Agora, está nas mãos dele um dos votos mais esperados do tribunal: dizer se Sergio Moro foi ou não parcial ao julgar Lula. Tudo isso a 365 dias de se aposentar.

Promotor de Justiça em São Paulo e assessor jurídico do gabinete de José Sarney, Celso de Mello chegou ao STF indicado pelo próprio, em 1989, num tempo em que ministros da Corte não tinham um décimo dos holofotes que têm hoje. Durante três décadas, acostumou-se a viver sem eles. Nunca teve outro emprego ou fonte de renda de lá para cá. Não frequenta as rodas de poder de Brasília nem teve proximidade com qualquer presidente da República após Sarney. Evita encontrar advogados fora do gabinete e são raras suas entrevistas. Seu passeio nos fins de semana em São Paulo ou em Brasília é em livrarias. Entre goles generosos de café e uma dieta recheada de alguns Big Macs, é notívago e gosta de citar em seus votos as próprias decisões, ora textualmente, ora adaptando e melhorando trechos.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O método – Editorial | Folha de S. Paulo

Ao atacar a imprensa, Bolsonaro tenta confundir o debate e minar o jornalismo

Os virulentos ataques de Jair Bolsonaro (PSL) contra a imprensa nos últimos dias expuseram com crueza seu instinto autoritário e seu desprezo pelos princípios mais elementares do jogo democrático.

Em entrevista a um programa de televisão na quinta (31), ele disse que mandou as repartições do governo federal cancelarem suas assinaturas desta Folha. “Envenena o meu governo a leitura”, justificou.

Logo depois, em pronunciamento nas redes sociais, voltou a atacar o jornal e fez uma ameaça aos seus anunciantes: “Não vamos mais gastar dinheiro com esse tipo de jornal. E quem anuncia na Folha de S.Paulo presta atenção, está certo?”

Embora sua agressividade com a imprensa seja constante desde a campanha, Bolsonaro vem subindo o tom, e agora se mostra disposto a usar os poderes do cargo para minar a própria existência dos veículos que o desagradam.

Na quarta (30), o presidente dirigiu sua fúria ao Grupo Globo, ameaçando não renovar suas concessões de rádio e televisão quando vencerem em 2022.

Bolsonaro também tomou medidas para acabar com a publicação de balanços das empresas em jornais e revogar a obrigatoriedade de divulgação de atos oficiais do governo, deixando claro que seu objetivo com isso era esvaziar as fontes de receita dos jornais.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O Cão sem plumas

Música | Edgard Moraes - A dor de uma saudade