sábado, 15 de outubro de 2022

Cristina Serra - Uma campanha regida pelo crime

Folha de S. Paulo

É impossível ter qualquer segurança sobre o que sairá das urnas daqui a duas semanas

Jair Bolsonaro instalou o modo arruaça na disputa eleitoral. Tem a arruaça pura e simples, como aconteceu na basílica de Nossa Senhora Aparecida. Desordeiros abastecidos de fanatismo alastraram ódio num lugar destinado à paz e ao conforto espiritual.

Na arruaça cognitiva, ninguém supera Damares Alves e suas delirantes depravações mentais. O padrão de lentidão das autoridades não é páreo para a velocidade supersônica do aparato de propagação de mentiras da extrema direita. Nem o boné de Lula escapou da arruaça digital.

Não podiam faltar os arruaceiros engravatados. A tropa de choque no Congresso, nutrida pelo orçamento secreto, quer criminalizar os institutos de pesquisa. A Polícia Federal e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) abriram outras frentes de pressão, estas, felizmente, contidas a tempo pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes.

Hélio Schwartsman - Consequências funestas

Folha de S. Paulo

Nada, porém, supera o desempenho criminoso do governo na pandemia

Ir contra a ciência ajuda a impulsionar posts nas redes sociais. Quando um autor se permite ignorar os ditames do mundo real, ele pode propor soluções simples (e erradas) para problemas complexos, o que é garantia de sucesso entre os pouco familiarizados com as questões. Jair Bolsonaro e seus asseclas gostam de ir contra a ciência ou, pelo menos, de ignorá-la.

O resultado é às vezes apenas risível. Diverti-me a valer com a ideia da campanha de Bolsonaro de criar um "seguro antifraude" estimulando microdoações de R$ 1 de eleitores. Se o presidente recebesse menos votos que o valor das doações, estaria comprovada a manipulação nas urnas. A tese tem mais furos que um queijo suíço, mas o legal é que o pessoal da campanha não considerou que, ao menos inicialmente, o custo de contabilizar cada pagamento superava o valor arrecadado.

Alvaro Costa e Silva - O Bolsolão é um poço sem fundo

Folha de S. Paulo

Plano de instalar no país uma autocracia se sustenta na corrupção do orçamento secreto

Ninguém que tenha a cabeça no lugar acredita mais no que fala o mentiroso. Para evitar danos na campanha, Bolsonaro mais uma vez diz que não disse o que disse. Desistiu de fazer do Brasil uma república das bananas. Não quer capturar o STF, com a nomeação de novos ministros, e se transformar num arremedo de Hugo Chávez, na Venezuela, e Viktor Orbán, na Hungria, além de repetir o AI-2, baixado pelo regime militar em 1965. Quem não te conhece que te compre.

O centrão —orgulhoso de seu caráter parasitário e de seguir quem está no poder, independentemente da ideologia— e o partido militar —formado para sustentar os desmandos do capitão e que hoje tem como principal representante o general Mourão— vão pela mesma estrada de falsos desvios e atalhos.

Bruno Boghossian - Campanha não arrasta eleitor que pode decidir

Folha de S. Paulo

Lula forma base sólida para resistir a investidas de Bolsonaro por eleitor que pode mudar de voto

Em duas semanas de campanha no segundo turno, Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) tentaram apresentar ao eleitor sua melhor imagem e o que há de pior no lado oposto. Os dois podem ter fortalecido conexões com apoiadores, mas nenhum deles arrastou os votos que faltam para definir a disputa.

estabilidade da nova pesquisa do Datafolha indica que uma faixa do eleitorado ainda não foi impactada de maneira decisiva pelas mensagens dos dois candidatos e prefere esperar antes de fazer uma escolha.

O quadro mantém Lula em posição mais confortável, uma vez que o petista carregou do primeiro para o segundo turno uma vantagem de 6 milhões de votos e mantém um bloco sólido na etapa atual.

Lula parte de uma base de 48% das intenções de voto, considerando os eleitores que dizem votar "com certeza" no petista. Outros 6% dizem que podem votar no ex-presidente no segundo turno.

Demétrio Magnoli - Feitiço e feiticeiro

Folha de S. Paulo

O feitiço identitário volta-se contra os feiticeiros e não só na distante ilha de Shakespeare

O gabinete original britânico da primeira-ministra Liz Truss condensava os sonhos mais extremos dos ideólogos das políticas identitárias. No seu núcleo, as "Grandes Pastas de Estado", não figurava nenhum homem branco. O (agora demitido) ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, é negro, filho de imigrantes de Gana. A mãe de James Cleverly, ministro do Exterior, também negro, imigrou da Serra Leoa. A ministra do Interior, Suella Braverman, é negra, filha de imigrantes africanos.

A descrição identitária não deve ocultar a descrição política. Truss formou o governo britânico mais conservador e sectário desde o pós-guerra. São leninistas da direita, segundo a Economist. Na economia, seguem uma cartilha ultraliberal de alegadas raízes thatcheristas. Na política, uma cartilha antieuropeísta e xenófoba apoiada na nostalgia da "Pequena Inglaterra".

João Gabriel de Lima* - O suingue discreto dos paulistas

O Estado de S. Paulo

O poeta traduz em verso uma terra que abriga uma Califórnia e um Texas

As pesquisas do 1.º turno davam vitória a Lula e Alckmin em São Paulo, o maior colégio eleitoral do País. Abertas as urnas, Bolsonaro venceu por 1,8 milhão de votos no Estado – número que teria decidido o pleito em favor da coligação liderada pelo PT. Isso significa que a eleição só não se definiu no 1.º turno porque os paulistas “suingaram”, discretamente, para o lado de Bolsonaro.

“Swing state” é a gíria usada pelos americanos para definir os Estados que dão vitória ora aos republicanos, ora aos democratas. “Minas é o ‘swing state’ brasileiro por excelência, mas São Paulo tem tudo para ser decisivo nesta eleição”, diz o cientista político Carlos Melo, do Insper, entrevistado no minipodcast da semana.

Ascânio Seleme - Deus virou um detalhe na campanha eleitoral

O Globo

É vergonhoso, se não criminoso, o que a campanha do presidente tem feito nos templos de igrejas evangélicas em todo o país

Em que verdadeiramente creem os bolsonaristas que se dizem cristãos mas que defendem a sua fé atacando adversários políticos com o ódio peculiar dos acólitos do capitão? Me refiro aos que compõem a tropa de choque e são do tipo que vimos em Aparecida do Norte. Eles vestem camisas da seleção ou se enrolam em bandeiras nacionais, repetem “mito, mito, mito”, são agressivos e desrespeitosos, agridem jornalistas e outras pessoas que julgam ser opostos. No santuário, esta turma atacou repórteres da TV Aparecida, que pertence à Igreja Católica, vaiou a homilia de Dom Orlando Brandes e perseguiu um jovem que vestia uma camisa vermelha.

De uma coisa se pode ter certeza, estas pessoas não pensam em Deus, em Cristo ou na Aparecida quando protagonizam cenas como aquelas. São apenas militantes que tentam intimidar os outros aos gritos, com olhos injetados, babando de ódio. A baderna que provocaram no santuário demonstra até que ponto o bolsonarismo é capaz de chegar invocando falsamente a religião como pretexto. O leitor sabe que o presidente do Brasil usa a religião como instrumento político-eleitoral, embora seja, como já escrevi aqui, o candidato menos cristão entre todos os que concorreram com ele no primeiro turno. Até o falso padre Kelmon é mais cristão que Bolsonaro.

Estes bolsonaristas da linha de frente são tão estúpidos, grosseiros e anticristãos quanto o seu líder. Creem que com as confusões que provocam conquistam votos. Imaginam que aos pontapés e empurrões conseguem convencer os indecisos. Acreditam que a intimidação é instrumento legítimo de pressão. E, pior, dizem falsamente que do outro lado seus adversários cometem as mesmas barbaridades e por isso se julgam lutadores do bem contra guerreiros do mal. São invariavelmente idiotas.

Carlos Alberto Sardenberg - Cheque em branco?

O Globo

Acertar as contas com o passado e a definição de uma política econômica responsável consolidariam a vantagem de petista

Há diversas maneiras de solapar a democracia. A mais tosca é o golpe militar. Um exército liderado por generais, mas também por políticos civis, simplesmente fecha as instituições. Isso está fora de moda. Mesmo em 1964, aqui, o regime tornou-se militar, mas sempre buscando ares de legalidade.

O primeiro presidente general, quer dizer, marechal, Castello Branco, foi eleito no Congresso Nacional, com o voto até de muitos parlamentares que viriam a ser cassados. Juscelino Kubitschek, por exemplo. Os demais presidentes também foram eleitos no Congresso, depois que os generais escolhiam um colega. A oposição permitida, o MDB, até apresentava candidatos, como a anticandidatura de Ulysses Guimarães ou a candidatura de fato do general Euler Bentes. Quando a oposição parecia crescer, era simples: o regime fechava o Congresso por um período, cassava parlamentares e juízes, censurava a imprensa e, pronto, logo voltava à rotina controlada.

Pablo Ortellado – Civilização ou barbárie?

O Globo

É a campanha política mais suja que o Brasil já vivenciou

A campanha petista tem apresentado a eleição como uma escolha entre civilização e barbárie e o voto em Lula como um voto em defesa da democracia. Mas o governo Bolsonaro e a campanha eleitoral que se seguiu tornaram o ambiente político tão degradado que é difícil acreditar que civilização e democracia possam emergir desse embate.

O sinal mais forte da deterioração do ambiente é a campanha. As duas primeiras semanas do segundo turno constituem, indiscutivelmente, a campanha política mais suja que o Brasil já vivenciou, fazendo parecer inocentes os ataques de Collor contra Lula em 1989 ou os de Dilma contra Marina em 2014.

Míriam Leitão - O plano de destruição da democracia com as mudanças no Supremo já está pronto

O Globo

Ampliar o número de cadeiras dos ministros do STF foi exatamente como fizeram a Venezuela e a Hungria

O canal para destruir a democracia está sendo montado pelo presidente Bolsonaro com ajuda dos seus aliados. A revista "Veja" traz nesta sexta-feira a informação de que a PEC que amplia vagas do STF está pronta para apresentação ao Congresso e começou a ser semeada há cerca de seis meses por Bolsonaro e aliados do legislativo. Várias informações de fato circulam confirmando isso.

Não adianta Bolsonaro mentir e dizer que o assunto foi inventando pela imprensa. A reportagem, de Laryssa Borges e Marcela Mattos, é mais uma demonstração dos sinais explícitos que o presidente e seus aliados deram ao longo dos últimos dias. Em entrevista à própria "Veja", Bolsonaro disse que as propostas em relação ao aumento do número de ministros chegaram até ele e seriam discutidas depois das eleições. No domingo, em entrevista a um podcast, afirmou que poderia recuar da proposta se o Supremo se comportasse.

Thomas Traumann - Estabilidade mostra que Bolsonaro perdeu duas semanas

O Globo

Resultados jogam ainda mais pressão sobre presidente, que precisará de fatos novos para se aproximar de Lula

O que acontece quando nada acontece? A pesquisa Datafolha desta sexta-feira (14) é quase idêntica à de uma semana atrás, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderando por 49% das intenções de voto ante 44% do presidente Jair Bolsonaro e o petista sendo rejeitado por 46% enquanto 51% dizem que nunca votariam no capitão. A estabilidade, no entanto, já em si uma notícia. Passadas as duas primeiras semanas do segundo turno, os eleitores estão decididos e será preciso um fato novo para mudar os números.  

O novo Datafolha joga mais pressão sobre o presidente. Saindo 6 milhões de votos atrás no primeiro turno, Bolsonaro perdeu a metade do segundo turno sem conseguir se aproximar de Lula. Sem um fato capaz de mudar o rumo do jogo, a campanha da reeleição caminha para falar apenas aos eleitores já convertidos ou apostar que uma abstenção gigante no dia 30 mude o destino. É pouco.   

Nessas duas semanas, as campanhas de Bolsonaro e Lula desceram aos piores níveis conhecidos, com temas como canibalismo, satanismo e falsificação sobre votações em presídios ganhando as redes sociais e as propagandas de TV. Em um discurso, Bolsonaro chamou Lula de “ladrão pinguço” e foi chamado de “genocida” pelo ex-presidente. A queda no nível da campanha pode ter horrorizado alguns, mas não fez nenhum eleitor mudar de voto. 93% dos entrevistados pelo Datafolha dizem já têm certeza sobre seu candidato. Bolsonaro precisa de três de cada quatro desses votos volúveis para vencer. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

O bolsonarismo e sua perversa disjuntiva

O Estado de S. Paulo

Ao usar a máquina pública para atacar institutos de pesquisa, Bolsonaro insiste na tática de sempre: impõe às instituições a disjuntiva entre a omissão e a atuação fora dos ritos

O Estado brasileiro tem sofrido a mais descarada e intensa distorção desde a redemocratização do País. O presidente Jair Bolsonaro manipula o aparato estatal para seus interesses particulares, produzindo continuamente novos abusos, numa sequência aparentemente interminável de excepcionalidades, e suscitando, por sua vez, respostas das instituições que, infelizmente, não têm sido as melhores, com outras tantas excepcionalidades. O cenário é desolador.

O abuso desta semana consistiu em usar a máquina pública para atacar, em duas novas frentes, os institutos de pesquisa. A partir de uma representação feita pela campanha de reeleição do presidente, o Ministério da Justiça requisitou à Polícia Federal a abertura de inquérito contra os institutos. Além disso, o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Cordeiro, abriu uma investigação contra o Datafolha, o Ipec e o Ipespe.

São duas ações inéditas e absolutamente ineptas para produzir os supostos efeitos legais pretendidos. Seu objetivo é outro: disseminar desconfiança e criar ainda mais confusão na campanha eleitoral. Usa-se supostamente a lei – o Ministério da Justiça falou em apurar eventual crime de divulgação de pesquisa fraudulenta, o presidente do Cade disse haver indícios de cartel na atuação dos institutos – para atacar a própria lei. Afinal, um dos objetivos do Direito eleitoral é prover um ambiente de tranquilidade durante a campanha, justamente o que o bolsonarismo deseja impedir com suas contínuas excepcionalidades.

Poesia | Edgar Allan Poe - O palácio assombrado

 

Música | Paulinho da Viola / Brasil Jazz Sinfônica - Para um amor no Recife