segunda-feira, 14 de maio de 2012

OPINIÃO DO DIA – Pedro Simon: sobre a CPI

Quererem transformar a CPI na CPI do procurador-geral é piada, é algo que não pode ser levado a sério. O Supremo, por unanimidade, prestou solidariedade ao procurador. E o PT quer transformar a CPI do Cachoeira na CPI do Gurgel. Meu querido PT, é muita cara de pau! O PT tem problemas com o procurador? Entre com um requerimento junto à Procuradoria, solicite que ele seja investigado, mas isso não pode ser feito na comissão. Isso é má-fé, isso é ridículo, isso soa mal, está ficando mal para o PT.

Senador Pedro Simon, em discurso no Senado Federal. O Globo, 12 de maio de 2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Metade dos prefeitos do Rio nomeia parentes
Equipamento em falta nas emergências
Um rastro de destruição junto à floresta

FOLHA DE S. PAULO
Assessor multiplica por dez seus imóveis em SP
Advogado diz que Cachoeira deve se manter calado na CPI
Comissão deve focar violência dos dois lados, diz ex-ministro
Dilma prepara a exigência de ficha limpa para cargos federais

O ESTADO DE S. PAULO
Impasse deixa Grécia perto de sair da zona do euro
Subprocuradora diz que MP agiu certo em 2009

VALOR ECONÔMICO
Bancos intensificam o aumento de tarifas
Governo é contra venda de Neoenergia a chineses
Cachoeira tinha rede multipartidária em GO
Dividendo de elétricas pode recuar
Rendimento imprevisível da renda fixa

CORREIO BRAZILIENSE
Ida de Cachoeira à CPI cria expectativa
Dilma anuncia nova bolsa para erradicar miséria

ESTADO DE MINAS
Muitos carros, pouco espaço
Belo Horizonte: PSDB tenta embolar a sucessão
Censo de 2010: Campeãs do divórcio e do amor eterno

ZERO HORA (RS)
Cachoeira deve R$ 1 milhão ao governo do RS
Na boca do caixa: Queda do juro ainda não vale para todos

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Histórias de um sertão seco, mas verde e fértil
Caso vá depor, Cachoeira pode até ficar calado

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Serra diz que sua campanha influencia Dilma

O pré-candidato José Serra (PSDB) disse ao Estadão que o motivo de disputar a eleição é "impedir uma descontinuidade dramática" nos rumos de SP. Para ele, sua campanha presidencial influenciou Dilma.

"Muitas das coisas que o governo faz foram resultado da minha campanha".

"Sou candidato para impedir descontinuidade dramática em São Paulo"

Tucano diz que "gosto" e "necessidade política" motivaram sua décima candidatura

Alberto Bombig, Bruno Boghossian

A cinco semanas da convenção que vai oficializar sua candidatura à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB, o economista José Serra, de 70 anos, ainda seca as feridas de sua última disputa nas urnas, quando foi derrotado por Dilma Rousseff (PT) na eleição presidencial. Ele reconhece o peso do ex-presidente Lula no processo e assume a frustração: "Eu entrei efetivamente com a expectativa de vencer e perdi".

O tucano ainda dispara uma infinidade de dados sobre "problemas nacionais", mas passou a coletar números sobre a capital paulista e diz estar pronto para sua décima disputa em 26 anos. "Eu não sou dependente químico de eleição, mas eu gosto de campanha." Na quinta-feira, Serra recebeu o Estado em sua casa para uma entrevista exclusiva, na qual defende a gestão de Gilberto Kassab (PSD), e diz que sua campanha de 2010 influencia decisões do governo Dilma. "Cópia, se bem feita, é uma virtude." Segundo ele, voltar a disputar a Presidência em 2014 não está nos planos.

Depois de ser prefeito, governador, senador e ministro, por que tentar voltar à Prefeitura agora?

Criou-se uma necessidade política, no âmbito do partido e de aliados, de ter uma opção forte para a Prefeitura. E por gosto, porque é algo que me agrada bastante. São Paulo é uma cidade com receitas de município e problemas nacionais. É sempre um grande desafio.

Que motivação política foi essa?

É importante ter uma opção com grande chance de vitória e impedir uma descontinuidade dramática nos rumos da cidade. Levo em conta que, nos últimos oito anos, nós arrumamos São Paulo do ponto de vista fiscal. É claro que os problemas continuam, mas o fato é que é muito importante manter São Paulo no rumo, e numa articulação estreita com outra prefeitura, que é o governo do Estado.

A solução para o trânsito de São Paulo está apenas no transporte sobre trilhos?

O problema da mobilidade na cidade jamais será equacionado, o que não significa que a gente não possa melhorar. São Paulo tem que ter uma teia de aranha de trilhos por baixo da cidade. Isso não desmerece a importância de obras viárias e corredores de ônibus, mas sempre tendo em mente que o ônibus tem, em última análise, que servir ao transporte de trilhos.

A Prefeitura pode resolver o problema da cracolândia no centro da cidade?

São duas questões. Uma é o fenômeno da droga, que está relacionado ao contrabando. As fronteiras abertas para o tráfico levam a uma capacidade de oferta da droga a preços baixos, o que é desastroso. Isso está fora do âmbito da cidade e mesmo do Estado, até certo ponto. É uma tarefa federal, onde não se teve avanço nenhum nos últimos anos. As outras dimensões são a educação e o tratamento. É preciso desenvolver com relação ao crack uma campanha educacional mais intensa da que fizemos contra o cigarro. O governo federal é hesitante.

O senhor pretende aplicar o modelo das organizações sociais (OS)?

A OS não é um modelo para toda a saúde. É um modelo para certas unidades e funciona bem. A saúde continua sendo o assunto número um e o aspecto mais chocante é o encolhimento relativo do governo federal, que chegava a cobrir 60% das despesas com fontes federais e hoje se aproxima de 40%. Em São Paulo, de 2004 a 2012, o orçamento mais que triplicou. Do ponto de vista quantitativo, a saúde deu saltos.

A pesquisa Ibope desta semana mostra alta rejeição do prefeito Gilberto Kassab. Qual a sua avaliação da gestão?

Acho que é uma boa gestão e que o fato de ele ter se envolvido na criação de um partido criou para alguns a sensação de que ele estava desligado da cidade. Digamos: você está num engarrafamento de trânsito e liga o rádio, que diz: "Gilberto Kassab esteve em Alagoas vendo a questão do PSD e tal". Você fala: "Eu aqui no trânsito e o prefeito cuidando de partido". Mas é uma sensação, porque, de fato, o Kassab trabalha muito na administração da cidade. Ele deu continuidade à nossa gestão e tem realizações positivas.

Sua própria rejeição (35%, segundo pesquisa do Ibope) o preocupa?

Não. Eu avalio que minha rejeição é normal. Eu sou o mais conhecido e as pessoas têm uma posição mais definida. Eu acabei de disputar uma eleição presidencial: todo mundo me conhece, eu ganhei aqui no 1.º e no 2.º turnos, mas foi uma eleição dividida.

O sr. acredita que já ganhou a eleição?

Não, de forma nenhuma. Todo político que disputa eleição tem de ser um pouco paranoico. Se não for, perde. Todo político tem que olhar a eleição com humildade e achar que não é fácil. Eu me lembro de uma história do Juscelino (Kubitschek), que é verdadeira. Ele era capaz de parar numa estrada para ver um eleitor. Eu faço isso. Eu às vezes paro por causa de uma pessoa. Cada voto é um voto. Além do que, eu tenho gosto também nisso. Eu vou dizer a vocês: eu não sou dependente químico de eleição, mas eu gosto de campanha eleitoral, principalmente do contato com as pessoas.

Padrinhos políticos como a presidente Dilma entrarão na campanha?

Eu acho que os políticos nacionais vão procurar influenciar a campanha em São Paulo, principalmente do lado do PT. Mas outra coisa é a influência que isso possa ter. A influência eleitoral é sempre menor quando é fora do âmbito da esfera de governo da personalidade política. Se você é presidente, influencia mais na eleição para presidente. Se você é governador, idem, e, se você é prefeito, idem. Mas essa influência vai ser exercida, eu não tenho dúvida nenhuma. Se for dentro de certos padrões de decoro, é normal.

O sr. acha que o debate sobre costumes (religião, aborto, casamento gay) deve fazer parte da campanha?

A minha questão não é se deve ou não deve. A minha questão é que a própria imprensa e os próprios setores da sociedade interessados nessas questões as introduzem na campanha. E você não vai proibir. São questões de valores espirituais ou de ética que são postos. Não se trata de misturar religião com política. São coisas diferentes. Religião é opção individual, não é uma opção partidária.

Como o sr. reagirá, caso seja eleito prefeito, se em 2014 surgir um clamor para que o sr. se candidate à Presidência? Já pensou sobre isso?

Eu não pensei nisso porque eu estou com o propósito de me eleger prefeito e governar os quatro anos. Não creio que vá haver (um clamor).

Que avaliação o sr. faz de 2010?

É pouco tempo para avaliar. Eu entrei efetivamente com a expectativa de vencer e perdi. Tem eleições que eu não tinha uma expectativa tão forte de ganhar. O porquê, isso ainda vai ser debatido por muitos anos.

O partido se dividiu na disputa?

(Isso) não teve nenhuma importância. Pode ter tido uma ou outra frouxidão regional com relação à campanha, mas não teve dimensão para afetar o resultado. Efetivamente, quando começou o 2.º turno, havia um empate. No fim, eu acredito que o peso da popularidade do Lula foi decisivo. Isso é opinião mais superficial, que precisa ser analisada.

O senhor tem boa relação com o senador Aécio Neves (PSDB-MG)?

Com o Aécio? Tenho. Relação cordial. Eu não sou de conviver em situações de atrito, de levar uma relação na base do atrito. Boa parte das coisas que existem, aliás, é folclore.

O sr. ficou com alguma mágoa da campanha de 2010?

Não. Eu preferia ter ganhado, mas... Em eleição, você tem que ter um mínimo de preparação para assimilar resultados, porque a decisão não é você que toma. A decisão é das pessoas, milhões de pessoas. Pode parecer frase feita, mas faz parte. A derrota é um ingrediente importantíssimo de uma eleição quando você vai para a disputa. Por outro lado, eu acredito que, nas duas eleições (presidenciais), a minha campanha condicionou muito o próprio desempenho do governo posterior. Agora, muitas das coisas que o governo faz, sem dúvida nenhuma, foram resultado da minha campanha.

O sr. fala especificamente da política de juros do governo Dilma?

Juros, infraestrutura, mesmo a defesa da liberdade de imprensa... Uma série de questões variadas. Dar exemplos sempre é ruim. Sem dúvida nenhuma, o grosso das teses que nós defendemos em 2010 eram corretas e o governo incorporou muitas delas. É normal que isso aconteça. Eu não acho que, na vida pública, cópia seja plágio. Cópia, se bem feita, de maneira honesta e não eleitoreira, é uma virtude.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO, 13/5/2012.

FH é premiado por obra acadêmica e vida pública

Ex-presidente é 1º brasileiro a conquistar o Prêmio Kluge, espécie de Nobel das áreas sociais

Paula Bonelli

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conquistou o Prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso Americano, pelo conjunto da sua obra acadêmica, sua ativa produção intelectual no campo das humanidades e também por seu significado na vida pública do País. O sociólogo recebe a distinção em Washington, no dia 10 de julho. O prêmio é entregue a cada dois anos para acadêmicos que dedicaram a vida a pesquisas em áreas como história, sociologia, política e antropologia – disciplinas não contempladas pelo Prêmio Nobel, ao qual a distinção é comparada. FHC, autor ou coautor de 23 livros e 116 artigos acadêmicos, disse que foi pego de surpresa com a sua escolha. “É uma coisa que eu não estava esperando, não me candidatei e recebi. É melhor receber enquanto vivo do que depois de morto”, brincou o ex-presidente. “O prêmio se deu também em função da coerência entre o que escrevi e minha ação política”, definiu Fernando Henrique.

A recompensa, da ordem de US$ 1 milhão, será entregue pelo diretor da Biblioteca do Congresso, James H. Billington, quando FHC pronunciará um discurso para acadêmicos e políticos. Para o “pai” do Plano Real, o Prêmio Kluge é dado a quem abre um caminho que provoca repercussão na vida das pessoas. Ele acredita que a sua Teoria da Dependência, por sua grande difusão, foi a que teve mais impacto. “O livro ia contra a visão predominante da época e mostrou que é possível crescer apesar da dependência”, explicou. Por outro lado, do ponto de vista acadêmico, o sociólogo acredita que tenha outros trabalhos mais sólidos, como sua tese de doutorado sobre capitalismo e escravidão no Brasil meridional.

O Prêmio Kluge foi criado em 2000 para estimular a relação entre o mundo das ideias e da ação. FHC afirma que sua formação não é específica de sociólogo, por ter trabalhos acadêmicos também em economia e na ciência política. “Minha visão foi sempre mais integrada. Acho que conseguimos estabilizar a economia do Brasil e não fazer o que normalmente se f az para atingir isso, que é levar o País à recessão. Pelo contrário: crescendo o que crescia e sempre com a preocupação de educação, saúde, bolsa (social) e de aumentar o salário mínimo.” Segundo FHC, sua visão corrobora a tese de que “o desenvolvimento não é só econômico, é integrado.”

Entre o grupo de países que já venceram o prêmio estão França, Índia, China e Estados Unidos. Sobre como pretende usar os cerca de US$ 1 milhão que receberá, FHC não esconde a surpresa: “Vamos ver. Não consigo nem imaginar ter tudo isso. Nunca vi tanto na minha mão de uma vez. Deixa eu receber primeiro”.

Ideias e ação

FHC EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“Conseguimos estabilizar a economia do Brasil e não fazer o que normalmente se faz para isso, que é levar o País à recessão”

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

FH: Comissão da Verdade buscará reconciliação, e não vingança

Ex-presidente recebe prêmio de US$ 1 milhão do Congresso dos EUA

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem estar otimista com a instauração da Comissão da Verdade, criada para investigar violações aos direitos humanos durante a ditadura militar. Segundo ele, que participará, quarta-feira, da cerimônia de posse dos membros da comissão, em Brasília, o objetivo não é buscar vingança, mas sim a verdade e a reconciliação.

Fernando Henrique comparou a comissão brasileira ao grupo "The Elders", criado pelo líder sul-africano Nelson Mandela em 2007 com o objetivo de debater soluções para problemas mundiais, do qual ele próprio faz parte.

- A Comissão da Verdade foi criada com o mesmo espírito do que foi feito por Mandela, ao criar os Elders na África do Sul. Será uma busca por verdade e reconciliação, não vingança - disse.

Segundo ele, o convite da presidente Dilma Rousseff para que os ex-presidentes brasileiros participem da posse na próxima quarta-feira dá à comissão a conotação de uma ação de Estado.

Perguntado sobre a possibilidade de convocação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as relações de Carlinhos Cachoeira com políticos, o ex-presidente disse que essa seria uma decisão equivocada.

- Ele participou das investigações. Portanto, a convocação não faz sentido - respondeu Fernando Henrique.

Prêmio Kluge destaca obra acadêmica

Pelo conjunto de sua obra, Fernando Henrique Cardoso foi agraciado com o Prêmio Kluge da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. O anúncio da premiação foi feito ontem. É a primeira vez que um brasileiro vence o Kluge. Criado em 2003, o prêmio é considerado o Nobel da área de humanidades.

O Prêmio Kluge já foi concedido a Leszek Kolakowski (2003), a Jaroslav Pelikan e Paul Ricoeur (2004), a John Hope Franklin e Yu Ying-shih (2006), e a Peter Lamont Brown e Romila Thapar (2008). Além do prestígio, o Kluge rende aos ganhadores US$ 1 milhão.

O ex-presidente contou que soube, há uma semana, que era o ganhador deste ano. E que foi surpreendido pela notícia, pois não sabia que estava entre os indicados. Desta vez, o ex-presidente foi o único vencedor, ao contrário de anos anteriores, quando a Biblioteca do Congresso Americano preferiu dividir o prêmio entre dois pensadores.

- Foi como receber um raio de sol num dia de chuva. É um prêmio de prestígio, e é sempre muito bom ser reconhecido. O que mais me deixou contente é que esta é uma premiação que privilegia trabalhos acadêmicos que tenham impacto na vida prática - comemorou, contando que a premiação será em 10 de julho, numa cerimônia em Washington.

Sobre o discurso que fará ao receber o prêmio, Fernando Henrique adiantou que planeja enfatizar exclusivamente a sua vida acadêmica.

- Política é sempre discutível - explicou, dizendo que ainda não sabe o que fará com o dinheiro da premiação. - Nessa altura da minha vida, o que vale mesmo é o reconhecimento. Minha família deve ficar muito mais contente do que eu com o dinheiro. Nunca recebi uma bolada tão grande como essa de uma só vez.

FONTE: O GLOBO

Advogado diz que Cachoeira deve se manter calado na CPI

O empresário Carlinhos Cachoeira poderá ficar calado no depoimento marcado para amanhã na CPI ou nem comparecer, segundo o advogado Márcio Thomaz Bastos. A defesa pediu ao STF acesso ao material da investigação, além de prazo para analisar o conteúdo. Se o tribunal acatar o pedido, o depoimento do empresário poderá ser adiado

Cachoeira deve ficar calado na CPI, afirma seu advogado

Depoimento está marcado para amanhã, mas defesa ainda tenta adiá-lo

Márcio Thomaz Bastos quer prazo para seu cliente conhecer e examinar documentos das investigações

Leandro Colon, Natuza Nery

BRASÍLIA - Quem espera revelações do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em seu depoimento marcado para amanhã na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que apura sua relação com autoridades deverá se frustrar.

A defesa de Cachoeira definiu a estratégia no fim de semana: ou o empresário ficará calado ou ele não vai comparecer ao depoimento.

A alternativa a prevalecer depende da resposta do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido dos advogados para que a CPI dê a Cachoeira acesso ao material que tem contra ele, além de prazo para analisar os documentos.

Se o STF negar o pedido ou não decidir até amanhã, Cachoeira deve permanecer em silêncio no depoimento -ou falar muito pouco.

Se o Supremo aceitar o pedido, a defesa espera que seja dado um prazo para Cachoeira analisar os autos da CPI, o que adiaria o depoimento.

Para a defesa, ele não pode depor sem saber o conteúdo da investigação. "Precisamos acabar com essa situação kafkiana", disse ontem o advogado de Cachoeira, Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça no governo Lula.

No romance "O Processo", de Franz Kafka, o personagem principal é investigado sem saber por qual motivo.

Se o depoimento de fato ocorrer, será a primeira oitiva pública à comissão. Até agora, só dois delegados da Polícia Federal falaram, mas em sessões secretas.

"Ele adotará a linha de não falar", disse o senador Humberto Costa (PT-PE).

Por ora, a CPI do Cachoeira em nada se assemelha à CPI dos Correios, que investigou o mensalão em 2005.

Naquela época, não havia investigação policial prévia nem extensos arquivos com intercepções telefônicas.

"É que, neste caso, as investigações já estavam avançadas", completou o senador.
Na quinta, a CPI ouvirá dois procuradores da República que conduziram a Operação Monte Carlo, que levou Cachoeira à prisão.

Os integrantes da CPI querem, por exemplo, solicitar ao STF acesso ao sigilo bancário do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), investigado pelo envolvimento com Carlinhos Cachoeira.

O Supremo já autorizou a abertura dos dados bancários do senador a pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Se não tiverem acesso por meio da corte, os membros da CPI pretendem votar requerimento para conseguir os documentos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Congressistas reagem a guerra de versões sobre operação

Andréia Sadi

BRASÍLIA - Congressistas que integram a CPI do Cachoeira reagiram à afirmação da subprocuradora da República Cláudia Sampaio de que a Polícia Federal pediu que não fosse suspensa a primeira operação que investigou Carlinhos Cachoeira, em 2009.

Reservadamente, integrantes da CPI já dizem que a guerra de versões entre o Ministério Público Federal e a PF pode levar a acareação entre Sampaio e o delegado Raul Alexandre Souza, que comandou a Operação Vegas.

Mulher do procurador-geral, Roberto Gurgel, Sampaio foi responsável por analisar o inquérito da Vegas na Procuradoria. Para ela, os encarregados das investigações seriam do esquema.

A versão da subprocuradora, publicada ontem pelo Painel, diverge do que Souza disse à CPI na semana passada. Em sessão secreta, ele afirmou que Sampaio o procurou e avisou que não existiam indícios para levar a investigação adiante.

Ex-líder do PT na Câmara e membro da CPI, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) afirma que a justificativa aprofunda a confusão.

Congressistas disseram à Folha que a revelação de que a subprocuradora pretendia arquivar o caso é o ponto mais polêmico. O inquérito da Vegas não foi devolvido ao órgão para que a investigação prosseguisse mesmo após o Ministério Público dizer que não havia indícios contra o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) e o esquema de Cachoeira.

"A PF não quer entrar em uma briga com a Procuradoria-Geral da República, mas a explicação não tem lógica", afirma um membro da PF.

Gurgel virou alvo de ataque petista após ser revelado que ele sabia de ligações de Demóstenes com Cachoeira desde 2009, mas não tomou providências. Em resposta, o procurador-geral atribuiu as críticas a "pessoas ligadas a mensaleiros", aumentando o atrito com o PT.

Teixeira diz que Gurgel "entrou num debate político, e a subprocuradora foi para uma disputa corporativista".

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) defende que Sampaio esclareça por escrito para a comissão a divergência entre as versões. "Ou compareça na Comissão de Constituição e Justiça."

Para o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), porém, o casal de procuradores não tem nada a esclarecer.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Todo governo pós-ditadura encarou uma grande CPI

Depoimento de Carlinhos Cachoeira pode ser 1ª prova de fogo da comissão

Investigações sobre relações do empresário com autoridades começaram há quase um mês no Congresso

Andreza Matais, Gabriela Guerreiro e Rubens Valente

BRASÍLIA - A CPI do Cachoeira, criada há quase um mês no Congresso, pode ter sua primeira prova de fogo amanhã. Isso se Carlinhos Cachoeira, com depoimento público marcado, não conseguir no Supremo Tribunal Federal o adiamento da sessão.

Enfrentar uma grande CPI não é novidade de Dilma Rousseff. Todos os governos pós-ditadura militar (1964-1985) passaram por isso.

Na Presidência de José Sarney (1985-1990), a CPI da Corrupção investigou denúncias de uso da Secretaria de Planejamento (hoje Ministério do Planejamento) para financiar propostas de alteração na Constituinte.

Fernando Collor (1990-1992), hoje na CPI do Cachoeira, sofreu processo de impeachment após a CPI do caso PC Farias, tesoureiro eleitoral do então presidente.

O governo de Itamar Franco (1992-1994) amargou a CPI dos Anões do Orçamento, que investigou fraudes com emendas parlamentares.

Os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) viveram a CPI dos Precatórios, que averiguou fraudes financeiras em Estados, a do Sivam, que investigou o sistema de vigilância da Amazônia, e a do Judiciário.

Lula (2003-2010) enfrentou as CPIs dos Correios e do Mensalão, que investigaram a compra de apoio parlamentar, a do Banestado, que apurou evasão de divisas, além da CPI dos Bingos.

FONTE FOLHA DE S. PAULO

Ida de Cachoeira à CPI cria expectativa

O ministro Celso de Mello, do STF, decide hoje se o bicheiro será interrogado amanhã na comissão mista no Congresso. Apesar de o depoimento ainda não estar confirmado, a discussão sobre a convocação de autoridades tem ficado em segundo plano

Cachoeira de volta ao palco da CPI

Discussão sobre o depoimento do bicheiro coloca convocações de autoridades em segundo plano. Supremo deve decidir hoje se adia a ida do contraventor ao Congresso

Denise Rothenburg, Adriana Caitano

O depoimento do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, marcado para amanhã na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista que leva seu nome, é visto pelos parlamentares que a integram como a volta à origem. Ainda que Cachoeira, no papel de acusado/testemunha, não fale nada nem dê qualquer pista sobre seus negócios, estão todos na torcida para que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello rejeite o habeas corpus apresentado pela defesa de Cachoeira para que seu depoimento seja adiado. “Se ele for, acredito que falará de forma superficial. Será apenas um evento, sem grandes respostas. Mas é simbólico para retomarmos o eixo”, disse ao Correio o deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF), que integra o colegiado.

Na primeira semana de funcionamento, a comissão se desviou do leito das apurações a que se propôs: a relação do contraventor com políticos e agentes públicos. Primeiro, seus integrantes se mostraram mais interessados em puxar o Ministério Público para o centro da discussão, debatendo a demora do procurador-geral da República em agir sobre a Operação Vegas — e fizeram o mesmo sobre a relação do bicheiro com a imprensa. Houve também a leitura de um documento com nomes citados nas conversas gravadas pela Polícia Federal, antes de se saber de fato o grau de envolvimento de cada uma delas no esquema ou se foram simplesmente mencionados sem maiores consequências. Para completar, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e o senador Humberto Costa (PT-PE) discutiram em plena sessão, com direito a xingamentos. “Na quinta-feira passada, saímos menores do que entramos para aquela reunião”, lembra Pitiman, referindo-se à briga dos parlamentares.

A ida do bicheiro ao Congresso Nacional, porém, ainda não é certa. O ministro Celso de Mello deve decidir liminarmente hoje se aceita o habeas corpus apresentado pela defesa de Cachoeira. No documento entregue na sexta-feira ao STF, Márcio Thomaz Bastos, advogado do bicheiro, alega que não teve acesso a todas as provas que os deputados e os senadores da comissão têm contra seu cliente, o que impede sua defesa. “É imperativo que Carlos Augusto e seus advogados conheçam previamente todas as provas que poderão servir de substrato aos questionamentos que decerto lhe serão dirigidos pelos parlamentares”, argumenta Bastos.

Novos esclarecimentos

Segundo o professor de direito da Universidade de Brasília (UnB) Mamede Said, a alegação é válida. “É um direito fundamental de qualquer pessoa, por mais culpada que seja, somente se pronunciar quando tem acesso aos motivos pelos quais é acusada, respeitando o princípio do contraditório e da ampla defesa”, explica. Said acredita, portanto, que a tendência do STF é, se ficar provado que a defesa realmente não teve acesso integral ao inquérito, liberar Cachoeira de ir ao Congresso. “Mas isso não o isenta de comparecer à CPI em algum momento”, pondera o professor. “O Supremo pode também dizer que ele deve ir, mas pode exercer o direito ao silêncio para não produzir provas contra si mesmo.”

Os integrantes da CPI trabalham com a última possibilidade sugerida por Said. “Não há qualquer embasamento para que o depoimento seja adiado, mas Cachoeira tem o direito ao silêncio e, quanto a isso, não há muito a fazer”, comenta o deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP). “Esse é um caso que avançou graças às provas técnicas produzidas pelo MP e pela PF e não por confissões ou testemunhas. Então, não vamos imaginar que o réu vá chegar à CPI, abrir uma maleta, tirar um chicote e começar a se flagelar, confessando crimes”, acrescenta o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).

Na quinta-feira, os integrantes da comissão vão colher os depoimentos dos procuradores da República Daniel de Resende Salgado e Léa Batista de Oliveira, responsáveis pela Operação Monte Carlo, que resultou na prisão de Cachoeira. No mesmo dia, os parlamentares devem votar requerimentos de novas convocações, como a do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Os depoimentos de pessoas flagradas nas escutas da PF como colaboradoras do esquema do bicheiro estão marcados para a próxima semana, quando o próprio Cachoeira deve voltar ao Congresso para depor no Conselho de Ética do Senado, que apura sua relação com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO).

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

O salto da Delta em Pernambuco

Em seis anos, o faturamento da construtora envolvida no escândalo Cachoeira em contratos com o governo do estado pulou de R$ 2 milhões para R$ 105 milhões

João Valadares

Pernambuco, berço da construtora Delta, envolvida no escândalo Carlinhos Cachoeira, é solo fértil para a prosperidade e vigor da empreiteira. A evolução nas cifras dos contratos milionários firmados com o governo pernambucano nos últimos seis anos impressiona. Em 2005, durante a gestão do então governador e atual senador, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), o estado pagou R$ 2 milhões à empresa. Em 2006, quando assumiu o vice Mendonça Filho (DEM-PE), foram R$ 3,5 milhões. No governo Eduardo Campos (PSB-PE), tendo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como principal combustível, o cofre pernambucano da Delta engordou de maneira sistemática. Só no ano passado, a construtora embolsou R$ 105 milhões. Neste ano, até o momento, já existem cerca de R$ 50 milhões empenhados.

De 2007, quando Eduardo Campos assumiu o poder, para cá, a construtora recebeu R$ 250 milhões por contratos de obras das Secretarias de Cidades e Transportes e também de órgãos públicos, a exemplo do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE) e da Companhia Estadual de Habitação e Obras (CEHAB). A assessoria de imprensa do governo de Pernambuco encaminhou nota ao Correio confirmando que havia obras no estado tocadas pela Delta. Percebendo a repercussão negativa após o escândalo em decorrência das Operações Vegas e Monte Carlo, o governador resolveu abrir procedimento para fazer uma devassa em todos os contratos da construtora.

Em pelo menos um deles, o que trata da duplicação da BR-104, o Tribunal de Contas da União (TCU) já constatou uma série de irregularidades: superfaturamento de preços, baixa qualidade do material empregado, medição inadequada, duplicidade, ausência de formalidades no contrato aditivo e de prestação de contas. A intervenção teve início em 2008 e deveria ter sido concluída no fim do ano passado. A previsão, agora, é de que a obra seja finalizada até o fim de 2012. Diante do flagrante de irregularidade, o TCU aplicou multa em gestores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e do DER-PE. O tribunal mandou baixar o valor do contrato.

"Considerando-se a situação da empresa (Delta), alvo de graves denúncias nos meios de comunicação, o governador Eduardo Campos determinou à Controladoria-Geral do Estado que faça, no prazo de 30 dias úteis, uma auditoria especial em tais contratos, de modo a subsidiar qualquer decisão que tenha de ser tomada em relação aos mesmos”, diz a nota oficial do governo.

As investigações a partir das interceptações telefônicas apontam indícios de que o bicheiro Carlinhos Cachoeira seria sócio oculto do recifense Fernando Cavendish, proprietário e ex-presidente do conselho de administração da Delta. Quando foi fundada há 50 anos pelo engenheiro pernambucano Inaldo Soares, pai de Cavendish, a especialidade da construtora era o chamado tapa buraco. Até hoje, várias rodovias federais e estaduais são mantidas pelos serviços prestados pela Delta. No estado, a empreiteira ganhou corpo depois de conseguir fechar um contrato com a extinta Telecomunicações de Pernambuco (Telpe). Em 1994, a Delta foi transferida para o Rio de Janeiro.

Durante depoimento na CPI do Cachoeira, o delegado da Polícia Federal Matheus Mella Rodrigues, responsável pela Operação Monte Carlo, relatou aos parlamentares que a organização criminosa chefiada por Cachoeira é composta por, pelo menos, 13 empresas que se interligavam e constituíam uma pirâmide com base rentável para o grupo do bicheiro. A Delta realizou depósito no valor de, aproximadamente, R$ 40 milhões nas contas das construtoras de fachada Alberto Pantoja, Brava e JR. Todas, segundo a investigação, estão em nome de laranjas e são controladas por Cachoeira.

Transposição

A construtora também faz parte de um consórcio responsável por um dos lotes da Transposição do Rio São Francisco, maior obra pública em execução no Brasil, com expectativa de beneficiar 12 milhões de pessoas. Nos últimos cinco anos, o valor da intervenção passou de R$ 4,6 bilhões para R$ 8,18 bilhões (77,8%). Até março deste ano, a Delta recebeu do Ministério da Integração Nacional R$ 152,9 milhões pelos serviços realizados num dos canais da transposição, em Mauriti, no Ceará.

O trecho em questão tem 39 quilômetros, sendo 16,3km de canal já concretado (49,2% de execução). O governo federal enfrentou problemas em relação à qualidade do serviço. O fundo de concreto do canal rachou e precisou ser refeito. O valor total do contrato do lote 6 é de R$ 265,3 milhões. O Ministério da Integração Nacional não respondeu sobre valores dos contratos aditivos firmados com a empreiteira. Também não comunicou se tomou alguma atitude em relação às obrigações contratuais da empreiteira depois das denúncias.

Crescimento vertiginoso

Ano Empenhos Pagamentos

2005 R$ 2,045 milhões R$ 2,045 milhões
2006 R$ 4,568 milhões R$ 3,578 milhões
2007 R$ 13,803 milhões R$ 11,431 milhões
2008 R$ 27,694 milhões R$ 27,355 milhões
2009 R$ 27 milhões R$ 41,072 milhões
2010 R$ 69,683 milhões R$ 63,054 milhões
2011 R$ 59,927 milhões R$ 105,054 milhões
2012* R$ 49,369 milhões R$ 2,329 milhões

* Primeiros quatro meses do ano]]>

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

PT e PSDB montam ‘bunkers’ e definem tática para o depoimento de Cachoeira

CPI. Presença de contraventor no Congresso, marcada para amanhã, mobiliza parlamentares governistas e da oposição, que terão estratégias distintas para tentar expor laços dos respectivos adversários com organização criminosa; depoente deve permanecer calado

Eugênia Lopes

BRASÍLIA - Em funcionamento há pouco mais de 15 dias, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira terá seu primeiro grande momento nesta semana, com o depoimento do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Mesmo diante da perspectiva de Cachoeira permanecer calado durante toda a audiência, conforme sinalizou seu advogado Márcio Thomas Bastos, os 64 titulares e suplentes da CPI estão se municiando de dados para tentar extrair o máximo de informações do empresário de jogos de azar. Animados com o depoimento do delegado Matheus Mella Rodrigues, delegado da Polícia Federal responsável pela Operação Monte Carlo, os petistas pretendem apostar suas fichas no aprofundamento de detalhes da relação de Cachoeira com o governador tucano de Goiás, Marconi Perillo. A estratégia é tentar arrancar de Cachoeira provas que compliquem ainda mais a situação de Perillo.

A oposição, por sua vez, tentará focar o depoimento de Cachoeira em suas relações com a Delta Construções, campeã de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com contratos em quase todos os Estados. Os oposicionistas estão convencidos de que o contraventor era uma espécie de lobista da empreiteira não só na região Centro-Oeste, mas em todo o País. Em depoimento à CPI na última quinta-feira, o delegado Rodrigues confirmou que Cachoeira teve participação na compra de uma casa do governador tucano. Foram usados três cheques de Leonardo Almeida Ramos, sobrinho do contraventor, que somavam R$ 1,4 milhão. Além disso, segundo as investigações da Polícia Federal, Cachoeira teria “cotas” de cargos no governo tucano, com o pagamento até de mesada de R$ 10 mil para secretários de Estado. “Há uma impregnação muito forte dessa organização criminosa do Cachoeira no governo de Goiás”, observou o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PTMG). Os petistas esperam que, caso o contraventor resolva falar na CPI, Perillo fique ainda mais encrencado. O objetivo dos parlamentares do partido é aprovar requerimento da convocação do tucano.

O delegado Rodrigues confidenciou aos integrantes da CPI que o nome do governador do PSDB é citado 237 vezes em conversas entre integrantes do esquema de Cachoeira. Já o nome do governador petista Agnelo Queiroz aparece em 58 conversas. “O Perillo não tem muito como correr, como escapar de uma convocação”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE). “A ação do PT é muito clara: querem pegar o Perillo”, apontou o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). Para defender o governador, os tucanos alegam que a venda da casa não foi um negócio ilícito. “Se fosse, não seriam três cheques na conta do governador”, disse o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). O roteiro dos partidos políticos para arguir Cachoeira será fechado na véspera do depoimento do contraventor à CPI. Os petistas montaram um bunker para discutir as propostas de perguntas e o ritmo da s essão da CPI, que será aberta e televisionada. “O importante é desvendar a organização criminosa,
seus membros e modus operandi”, disse o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), um dos mais determinados a comprovar o envolvimento de Perillo com o esquema ilegal de Cachoeira. “Vamos focar na organização criminosa de Cachoeira e sua relação com outros poderes”, resumiu Humberto Costa.

Os tucanos também pretendem fechar o seu plano de ação na CPI hoje à tarde. A ideia é estudar as operações Vegas e Monte Carlo para, então, programar a formulação das perguntas ao contraventor. Diante da perspectiva de Cachoeira ficar calado na CPI, governistas e oposicionistas estão também ansiosos em relação ao depoimento de Cláudio Abreu, que era diretor da Delta na re-gião Centro-Oeste. O depoimento está marcado para o dia 29. Os objetivos de governistas e da oposição com a ida de Abreu à CPI são, no entanto, diferentes. Desconfiados de que Abreu é sócio oculto de Cachoeira em vários negócios, os petistas esperam que o e x-diretor da Delta confirme o esquema apenas no Centro-Oeste. A oposição acha, porém, que a Delta Centro-Oeste é apenas “um dos tentáculos” de Cachoeira na construtora. “Não acredito ser possível a Delta não ter conhecimento do nível de envolvimento da Delta Centro-Oeste com o Cachoeira”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). “É preciso ampliar essa investigação e verificar se a Delta Brasil tinha uma relação com a organização criminosa”, defendeu Sampaio.

Habeas corpus no STF

O ministro Celso de Mello deve decidir hoje um pedido da defesa de Cachoeira para que ele seja dispensado de prestar depoimento. Os advogados alegam que ele deve ter acesso aos documentos que o acusam antes de falar.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Gestor da Delta chefiou empresa que foi alvo da PF

Farias, que preside a construtora mirada por CPI, era do alto escalão da Camargo Corrêa quando estourou Operação Castelo de Areia

Alana Rizzo

BRASÍLIA - Novo presidente da Delta Construções, Humberto Junqueira Farias ocupava cargo no alto escalão da Camargo Corrêa quando a empreiteira foi flagrada em 2009 na Operação Castelo de Areia, que detectou doações ilegais para políticos e supostos pagamentos de propina para agentes públicos. Segundo documentos da Polícia Federal, empresas do grupo fizeram pagamentos suspeitos durante a gestão de Farias. O engenheiro, no entanto, não é citado nos relatórios da operação, cujas provas foram anuladas em abril de 2011 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com as investigações, a Cavo Serviços e Meio Ambiente S/A (empresa que fez parte do grupo Camargo Corrêa), comandada entre 2000 e 2006 por Farias, aparece em uma tabela com obras e prováveis beneficiários de esquema de “caixa 2”, supostamente gerenciado pelos diretores da empreiteira. Em 2005, a Polícia Federal localizou documentos manuscritos e arquivos que sugeriam o pagamento de valores pela Cavo.

Um deles, de R$ 69 mil, estaria vinculado a fiscais de Curitiba. Há citações às operações da empresa em Rio Claro, São Paulo, Itu, Tatuapé, Recife e de contratos de lixo hospitalar. Outro documento relaciona a Cavo ao suposto pagamento de R$ 450 mil, datado de 7 de abril de 2008. O valor estaria condicionado à “aceitação de recurso especial pelo STJ” referente a julgamento do processo de improbi-dade administrativa contra a empresa em licitação de limpeza pública na cidade de São Paulo na gestão Celso Pitta (1997-2000). No entanto, não há informações detalhadas sobre o possível beneficiário do pagamento. De acordo com a PF, a Camargo Corrêa mantinha uma espécie de “caixa 2” mútuo entre as empresas do grupo.

A análise do material apreendido cita também a Camargo Corrêa Cimentos, braço da empreiteira comandada entre 2008 e 2010 por Farias. A PF afirma que a empresa utilizava um sistema sofisticado para remessas de dinheiro no exterior. Diretores da construtora operavam o esquema ao lado de um doleiro. Pietro Giavina Biachi, ex-funcionário da Camargo Corrêa por mais de 40 anos e vice-presidente do grupo, é apontado na investigação como “orquestrador” do esquema de pagamento de propinas, evasão de divisas e lavagem de dinheiro da Camargo. O relatório final da Castelo de Areia, posteriormente invalidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), aponta ainda que um documento referente à obra do Tucuruí cita como “compromisso” o pagamento de R$ 500 mil ao nome de Luiz Antônio Pagot, ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), e ao PP. O material também trata de supostas doações ilícitas a partidos.

O ex-diretor do Dnit também é citado na Operação Monte Carlo, que trouxe à tona o esquema operado pelo contraventor Carlinhos Cachoeira e da Delta Construções, que são alvo de investigação na CPI do Cachoeira.

Negociação. Farias assume a Delta depois de uma polêmica negociação com a J&F Participações, holding que controla as empresas JBS Alimentos, Flora, Eldorado Brasil e banco Original. A empresa está envolvida no es-quema de corrupção comandado por Cachoeira, segundo apontam as investigações da PF. Alvo de uma CPI no Congresso e de investigações da Polícia Federal, a Delta ainda corre o risco de ser declarada inidônea pela União por conta de suspeita de fraudes nos contratos públicos. Antes da Delta, o engenheiro civil ocupava o cargo de CEO da Renuka, empresa indiana do ramo de açúcar e álcool. O engenheiro, no entanto, fez carreira no grupo Camargo Corrêa. Fram mais de 15 anos. A operação Castelo de Areia teve início em j aneiro de 2008, após uma denúncia anônima. Quatro diretores e duas secretárias da Camargo Corrêa foram presos. A PF cumpriu 16 mandados de busca e encontrou umlista de políticos supostamente beneficiados pela empreiteira.

Entre as acusações da PF, estavam doação ilegal para partidos, lavagem de dinheiro e superfaturamento de obras públicas.

Defesa. Em nota, a J&F informou que a Operação Castelo de Areia não envolveu a Camargo Corrêa Cimentos, da qual Humberto era presidente na época. “Portanto, ele não foi citado. A operação se restringiu à Camargo Corrêa Construtora”, diz o texto, que ressalta ainda a anulação das provas pelo STJ. A Camargo Corrêa informou que não comentaria a reportagem.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

J&F nega consulta ao Planalto

Claudia Safatle

BRASÍLIA - Um equívoco de interlocução está na origem da troca de notas oficiais e da postura do Palácio do Planalto em relação às negociações para a compra da Delta pela J&F, holding que controla o frigorífico JBS. Desde o início o Planalto informou que não foi consultado e que não aprovava essa aquisição. A Delta está no centro das denúncias de corrupção no esquema de Carlinhos Cachoeira; é responsável por diversas obras do PAC; e deve ser decretada "inidônea" pela Controladoria-Geral da União. Se isso se confirmar ela perderá os contratos existentes com o governo.

Houve uma conversa do ex-presidente do BC e presidente do conselho de administração da J&F, Henrique Meirelles, mas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme informações que chegaram ao Planalto. Meirelles não falou com ninguém do atual governo, sustentam fontes da Presidência.

Em entrevista à "Folha de S. Paulo", na sexta-feira, o empresário José Batista Júnior, um dos donos do JBS, garantiu que o governo foi consultado. "Conversa de bêbado, de louco", disse ele, referindo-se à informações de que a presidente Dilma Rousseff não teria sido avisada.

Assessores da presidente começaram a redigir a nota do Planalto em que deixam claro: "São falsas, portanto, as ilações de que a referida operação teve aval deste governo".

Em seguida, coube ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, entrar em contato com o grupo empresarial. Após a intervenção do ministro, a J&F divulgou nota em que desautoriza a entrevista de Batista Júnior e diz ainda que as declarações "refletem única e exclusivamente uma opinião pessoal, que está em completo desacordo com os fatos ocorridos".

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Isabella Taviani - A Canção que faltava

Um tiro no pé!:: Ricardo Noblat

"À imprensa cabe vigiar o Estado — nunca o contrário". (Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal)

Alguém duvida que Dilma Rousseff possa e goste muito de poder? Parte da força de um presidente é inerente ao cargo. Parte decorre das circunstâncias que ele vive. Parte tem a ver com o modo como aplica a força. Ao fim e ao cabo, o crédito acumulado antes e depois de governar é o que o diferencia dos seus antecessores — para melhor ou pior.

Afilhada do presidente mais popular da História do país, sem a experiência de concorrer a eleições, Dilma venceu logo a primeira e em seguida engoliu um Ministério que jamais escalaria. Lula escalou para protegê-la e vigiá-la. Nem assim Dilma se acanhou de livrar-se de uma fatia dele antes de completar um terço do mandato.

Administra sem brilho até aqui. A nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento emperrou. A versão anterior avança devagar. O governo carece de um projeto ambicioso para o país. Com ou sem motivo, os ministros remanescentes e os que sucederam aos demitidos temem trombar com a presidente.

O receio fortalece a impressão de paralisia. E, no entanto... No entanto, aos olhos de quase 80% dos brasileiros, Dilma vai muito bem. O fato de ser a primeira mulher a governar o país a favorece. Bem como o fato de ser uma mulher disposta a empregar a força que detém. Seu marketing pessoal tem sido tão bom quanto o de Lula.

Parabéns a João Santana, o responsável pela imagem de Dilma — e, antes, pela de Lula. Genial aquela história da "faxineira ética". Quem liga que a faxineira conhecesse há muito tempo os ministros depois forçados a deixar o governo sob suspeita de corrupção? Nenhum deles foi chamado por Dilma para ser despachado.

A dois ou três, ela apelou para que ficassem nos cargos mesmos depois de entregar suas cartas de demissão. Todos saíram porque fizeram as contas e concluíram: é melhor ir embora do que arcar com o desgaste das denúncias publicadas pela imprensa. Dilma acabou faturando a demissão de tantos em tão pouco tempo.

A faxina rendeu-lhe tal cacife que ela pôde dar-se ao luxo de conservar ao seu lado, j carregando-o para cima e para baixo como prova do triunfo de sua vontade, o ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento. Fernando embolsou grana com consultorias que não prestou. Esquisitíssimo! Mas a faxineira gosta dele, ora essa.

Há vezes em que a força serve ao bem, ao mal ou simplesmente a ela mesma. No momento, Dilma a usa para derrubar os juros em duas frentes. A primeira, dos bancos. Se os juros que eles cobram são reduzidos, os empréstimos ficam mais baratos. Aí as pessoas pegam dinheiro emprestado para consumir. A economia se reaquece.

A outra frente é a da taxa Selic, administrada pelo Banco Central, mas sujeita à intervenção crescente da própria Dilma. A dívida pública federal é da ordem de R$ 1,8 trilhão. Se a Selic baixa, o custo de rolagem da dívida também baixa. E assim sobra mais dinheiro para o governo investir ou fazer com ele o que quiser.

Quem aspira a enfrentar Dilma em 2014 admite que ela se reeleja com folga se for bem-sucedida na guerra contra os juros e não cometer grandes bobagens até lá. O risco de cometer é permanente. Um exemplo? A CPI do Cachoeira. O governo passaria sem ela muito bem, obrigado. Mas cedeu aos caprichos de Lula, que a patrocinou.

Lula queria que a CPI pegasse a "Veja", o governador Marconi Perillo (PSDB-GO) e o procurador-geral da República. E que atrasasse o julgamento do mensalão. Nada do que Lula queria parece destinado a ser alcançado. Com um agravante: o julgamento do mensalão foi apressado. E não se costuma apressar julgamentos para absolver os réus.

De tão insignificante e desprovida de talento, a oposição dispensava uma CPI para lhe disparar um tiro ou dois. O procurador-geral ganhou a solidariedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Cuide-se, Dilma, para um eventual desfecho desastroso da CPI — afinal, sua base de apoio no Congresso já foi maior e mais fiel.

FONTE: O GLOBO

‘Caudismo’:: José Roberto de Toledo

A maioria dos partidos brasileiros sofre de “caudismo” crônico. A divergência entre seus deputados é tão grande que a cauda formada pelos dissonantes é mais pesada do que o corpo partidário. Se fossem répteis, essas siglas seriam serpentes. A dispersão dos votos dos deputados de um mesmo partido começa no mais desapegado governismo e termina em destemida oposição. Pode significar tudo, menos coesão ideológica. O caso mais extremo de “caudismo” é o do PSD, que foi pensado para ser assim. Seu fundador definiu o PSD como um partido que não está nem à direita, nem à esquerda, nem no centro. Proféticas palavras. Quântico, o PSD está em todo lugar ao mesmo tempo. E não está sozinho. O “caudismo” não tem lado. Vai da oposição à base governista, do DEM ao PDT, do PPS ao PR, passando por PP e PV.

O Basômetro, desenvolvido pelo Estadão Dados, revela que a taxa de governismo da bancada do PSD na Câmara está em 86%. Mas um único número não traduz o comportamento de membros da sigla. Essa taxa embute um desvio padrão que é sete vezes maior do que o do PT, o mais coeso dos grandes partidos. O governismo do PSD varia dos 95% de votos pró-Dilma de João Lyra (AL) até os 36% de Nice Lobão. A independente deputada maranhense é mulher de Edison Lobão, ministro das Minas e Energia. Nice Lobão não está sozinha no lado oposicionista do PSD: 7 deputados do partido votaram mais vezes contra o líder do governo na Câmara do que segui-ram sua orientação. Na outra ponta, 8 obedeceram o governo em mais de 90% das vezes. E o resto dos deputados do partido ficou no meio do caminho, entre um extremo e outro, sem deixar espaço vazio no espectro de governismo. O corpo de votos tem o formato de uma cauda.

O fenômeno se explica pela origem dos deputados do PSD. Eles foram eleitos por outras legendas, e só se juntaram na nova sigla em outubro do ano passado. Os que emigraram do PMDB, do PR e do PTB, como João Lyra, carregavam na bagagem de votações uma alta taxa de governismo. Já os que vieram do DEM, como Nice Lobão, tinham um passado oposicionista. Depois que o PSD formou sua bancada na Câmara, o comportamento de seus deputados tornou-se majoritaria-mente governista, votando quase sempre de acordo com a vontade de Dilma. Nas 26 votações nominais ocorridas entre outubro e dezembro de 2011, a taxa de governismo do PSD foi de 97%: 45 dos 48 deputados do partido votaram com o governo em mais de 90% das vezes. Mas isso mudou no começo deste ano.

Desde fevereiro, aumentaram os votos oposicionistas do PSD. Só sobraram dois deputados no “núcleo duro” do governo na Câmara. Na média, a taxa de governismo do PSD caiu de 97% para 68%. A causa dessa mudança de comportamento é a eleição municipal. Em fevereiro, o presidente do partido, Gilberto Kassab, trocou a aliança com o PT em São Paulo pelo apoio a José Serra, do PSDB. A troca de aliado refletiu-se em outras cidades. Seria injusto dizer que o PSD inventou o “caudismo”. Ele só aperfeiçoou-o.Tome-se o partido de onde migraram mais peessedebistas, o DEM. Nas 53 votações nominais anteriores à defecção de seus parlamentares para o PSD, o DEM tinha uma taxa média de governismo de apenas 22%. Só 4 de seus 43 deputados tinham votado mais de metade das vezes com o governo. Desde então, o governismo do DEM subiu para 29%, e 5 deputados da sigla deram mais de 50% dos seus votos para Dilma. Um deles, Lael Varela, é um renitente membro do “núcleo duro” do governo: tem 100% de votos pró-Dilma em 2012.

É tentador identificar o “caudismo” como um reflexo do comportamento caudatário que a maioria dos partidos tem em relação ao governo. Afinal, apenas 4 das 23 legendas com representação na Câmara podem dizer que fazem oposição a Dilma. Na média, suas bancadas votaram mais de metade das vezes contra o governo em 98 votações nominais: PSDB (78% de oposicionismo), DEM (74%), PSOL (72%) e PPS (66%). Mas enquanto PSDB e PSOL são razoavelmente coesos nos votos de seus deputados, os outros dois sofrem de “caudismo”. Entre os deputados do PPS, a taxa de governismo varia dos 25% de Roberto Freire (SP) a mais do que o dobro disso, como é o caso de Almeida Lima (SE), que votou mais vezes com o governo do que contra ele. O desvio padrão dos votos da bancada do PPS é 26% maior do que a dos tucanos, por exemplo. Não é coincidência que PT e PSDB, os partidos que polarizam a política no País há 18 anos, estejam entre os mais coesos. Nem que PSB e PMDB, que buscam romper essa polarização, rivalizem com eles em coesão.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Comissários da verdade:: Vinicius Mota

Na democracia em especial, o julgamento histórico é uma incógnita para os líderes políticos. Juscelino Kubitschek atravessou anos de turbulência institucional e econômica na Presidência, mas o futuro o redimiu como um governante visionário -imagem que o passar do tempo só reforça.

Quem tomar o valor de Winston Churchill pela desastrosa incursão militar na península de Galípoli que patrocinou na Primeira Guerra -ou por sua infeliz passagem pelo Tesouro britânico (1924)- não reconhecerá o estadista consumado pela história.

Com tiranias, é diferente. Os déspotas e seus regimes estão condenados à danação histórica, pois acabarão sucedidos seja por autocratas sem compromisso com o passado, seja por sistemas mais modernos e liberais. Eis uma das poucas sanções morais contra o arbítrio governante.

A ditadura militar brasileira (1964-1985) não foge à regra -à qual a cubana tampouco escapará. Os sete comissários da verdade nomeados pela presidente Dilma Rousseff vão reforçar a linha-mestra dessa narrativa, há muitos anos conduzida, na academia e fora dela, pelos adversários do regime, destacadamente pelas vertentes marxistas da esquerda.

A verdade histórica, em certa medida, está sempre em disputa, pois reflete o embate entre grupos que tentam contá-la no presente. Petistas tendem a realçar o papel de organizações radicais que atuaram na clandestinidade. Buscam uma conciliação difícil entre programas inspirados nos regimes de Cuba e da URSS, de um lado, e a democracia que sucedeu a ditadura militar, do outro.

No plano individual, a comissão poderá ajudar a preencher lacunas de histórias familiares marcadas por assassinatos, torturas e desaparecimentos praticados pelo regime. Deveria dispor-se, também, a reconstituir as narrativas de vítimas da esquerda armada -quer de militantes assassinados por colegas, quer de civis atingidos por atos terroristas.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

“Pague-se, mas que ladrões”:: Wilson Figueiredo

“Pague-se, mas que ladrões”, segundo a tradição oral, exprime o desabafo com que Floriano Peixoto, o primeiro vice-presidente e, logo depois, o segundo presidente da República, liquidou a fatura levada à sua mesa por algum ministro. Certamente relativa a algum fornecimento ou obra pública, nos primeiros passos da República no terreno minado. O estilo direto era o próprio presidente e, lamentavelmente, não veio a ser o padrão da República. Passados 123 anos, o mandato parlamentar trocou a característica de representar os cidadãos pela imperdível oportunidade de enriquecimento pessoal. Pesquisa de opinião pública localizou este ano o Congresso Nacional no desconfortável último lugar na confiança dos brasileiros.

Floriano, pelo que se sabe e pelo que se lê, não era de muitas palavras. Mas a mão pesada e a franqueza do temperamento marcaram o começo da era republicana. O que se passa hoje no primeiro nível da vida nacional não honra a cidadania, e o que se ouve à boca pequena, se vê na televisão, o rádio propaga e o noticiário dos jornais não deixa cair, leva a pensar no que está à frente, com razoável previsibilidade: o brasileiro não esconde a sensação de que nunca se roubou tanto, e que roubar se tornou esporte nacional. Há quem fale de cleptomania coletiva.

Passados todos esses 123 anos do golpe de Estado de 15 de Novembro, o que mudou mesmo foi a imprudência de experimentar a reeleição. Depois de tudo que ocorreu desde o fim da República Velha em 1930, o Brasil desfruta do melhor e mais prolongado recomeço, entre motivos crônicos que aguçam contradições políticas e sociais já históricas.

Floriano Peixoto, o primeiro vice a chegar à presidência da República, tanto quanto o primeiro presidente, não atendeu à exigência da Constituição, que nasceu da Constituinte dois anos depois. Nenhum dos dois, presidente e vice, era ungido pelo voto do cidadão brasileiro. Foi pelo voito indireto. Não houve pecado original, mas as conseqüências do pecado venial deixaram marcas. Com a renúncia de Deodoro antes da metade do mandato de quatro anos, Floriano não atendeu à exigência constitucional e assumiu a presidência assim mesmo, para ganhar tempo, baseado no princípio anterior à Constituição, e que só definiu a República em 1891.

O charme do nacionalismo republicano (e a oportunidade), desde logo, ungiu Floriano e, até hoje, sua resposta ao oferecimento de ajuda militar, quando da revolta da Esquadra, faz o brasileiro sorrir. O embaixador de Tio Sam à época quis saber como o Brasil receberia o desembarque de marinheiros americanos para manter a ordem nas ruas do Rio. Floriano, curto e grosso, foi mais ele: “À bala”. Não importa o fato, a versão também faz história por fora. O repique do anti-americanismo se multiplicou na campanha em defesa do petróleo nos anos 50 e, a partir daí, se esgotou praticamente nos anos 60.

A era do “rouba mas faz” exprimiu bom humor e não foi desautorizada por Ademar de Barros, que continuou a se eleger governador de São Paulo. Desde que realizasse obras, governante estava desobrigado de dar explicações ao moralismo ranzinza. A realização de obras públicas capazes de encher os olhos consagrou o sofisma de que a margem de roubo faz parte dos custos. Estão por aí as conseqüências.

O rendimento eleitoral do moralismo teve seu ponto mais alto nas eleições de Jânio Quadros, a prefeito, governador e presidente. Atirou pela janela o mandato presidencial e se defenestrou por erro de cálculo. A volta aos padrões democráticos, depois da última ditadura, pode ter mantido à distância riscos operacionais das liberdades públicas, mas falhou na implantação e na exigência da moralidade administrativa, que pede mais do que discursos de posse. Numa sociedade sem condições de dar conta das necessidades apenas com os meios de que a democracia dispõe, o espetáculo da impunidade merece atenção diferente de tudo que já se viu, e ainda não acabou. Falta o principal.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

É muito grave! :: Paulo Brossard

Quando menos se espera, surge uma surpresa, ainda que velha e carcomida, e por isso mesmo surpresa ainda maior. Confesso que não supunha tivesse de ver o ressurgimento de uma grosseira violência fartamente praticada ao tempo do regime autoritário. Pois a censura à imprensa que vicejou naquele período passou a ter defensores, agora sob a máscara do "marco regulatório da comunicação", volto a dizer que, nesta altura do século, não imaginava que alguém tivesse a ousadia de pretender a censura à imprensa e o autor dessa iniciativa fosse parlamentar com a agravante de ser presidente de partido numeroso que, aliás, tem na presidente da República uma filiada. É espantoso.

A propósito, começo por lembrar a observação de Guglielmo Ferrero em seu profundo estudo sobre "O Poder", "a censura, a princípio limitada à imprensa de oposição, pouco a pouco alarga-se a todas as manifestações do espírito", razão por que, escreveu Rui Barbosa, "de todas as liberdades, é a da imprensa a mais necessária e a mais conspícua", e como sempre ocorre quando se cuida dos valores supremos de liberdade, de dignidade humana, de justiça, é a ele que se recorre; e, quando se verifica que o presidente de um partido e parlamentar por ele eleito postula a censura à imprensa, é de ser lembrada a lição do estadista que também foi jornalista; em "A imprensa e o dever da verdade", "por agros e amaríssimos que sejam os assuntos ventilados, quando a verdade o exige, muita vez se perderá por carta de menos, mas por carta de mais não há perder nunca. Quanto mais robusta a nacionalidade, mais largo os seus costumes no exercício deste direito. É um dos sintomas, por onde melhor se revela, em qualquer comunidade, a sua boa saúde moral. As que não suportam com serenidade a discussão dos escândalos públicos, e não reconhecem o civismo dos que, para os desmascarar, se afrontam com o poder, o dinheiro, a soberba dos grandes, ainda bem longe se acham dessa autonomia, em que se lhe embala a vaidade".

Pois é esse patrimônio cultural e institucional que se pretende agora mutilar, quando resistiu inclusive em períodos de ostensiva, desabrida e demorada ditadura. É realmente impressionante a naturalidade com que se apregoa a natureza da iniciativa e sua finalidade.

Como é sabido, foi a Veja que, por primeiro, divulgou irregularidades graves em ministério que levou o respectivo titular a pedir demissão, maneira diplomática de despachar o ministro envolvido. A partir de então, sucederam-se as denúncias, de evidente gravidade, deduzidas por conceituados jornais, de resto, os maiores do país, a Folha de S. Paulo, o Estadão, o Globo... até que os dois últimos ministros alvejados foram "blindados" pela senhora presidente, segundo se diz, para não comprometer o ministério inteiro, que terminaria esfarrapado pelo critério pelo qual fora composto. O fato é que foi a imprensa, e só ela, que descobriu e divulgou as insignes anomalias e todas teriam ficado incólumes não fora a imprensa, pois dos serviços estatais nenhuma contribuição apareceu. Nenhuma. Agora a situação se agravou ainda mais. Para resumi-la, sirvo-me do editorial do O Globo que usou de seu prestígio e autoridade para analisar um fato inédito. O artigo começa assim: "Blogs e veículos de imprensa chapa-branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista Veja, na esteira do escândalo Cachoeira/ Demóstenes/ Delta". E aditou "é indisfarçável, ainda, a tentativa de atemorizar a imprensa profissional como um todo..."

Como se vê, é urgente amordaçar a imprensa que descobriu coisas que o aparato estatal com seus imensos recursos nem imaginava pudessem existir.

FONTE: ZERO HORA (RS)

Crise existencial:: Rubens Ricupero

Os governos têm medo de descer à raiz das coisas, e as agendas não abrem espaço para bons questionamentos

Algo de grave deve estar ocorrendo no mundo quando os questionamentos profundos partem não das vítimas e contestadores do sistema, mas de seus dirigentes e intérpretes.

As críticas mais persuasivas e contundentes à ordem econômica que nos governa provêm hoje de pessoas como os bilionários Warren Buffett e George Soros, analistas como Pascal Lamy e Martin Wolf, para não falar dos críticos mais assíduos, os prêmios Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz.

Nem por esforço de imaginação seria possível atribuir a algum deles a etiqueta de ideólogo, lunático ou radical. Embora diversos entre si, convergem todos em pontos cruciais: o colapso irremediável da financeirização da economia, a inaceitabilidade da desigualdade crescente, a inadequação da ênfase obsessiva na austeridade, a gravidade do desemprego. O que esses problemas têm em comum é que constituem, por qualquer critério, as questões essenciais que nos deveríamos colocar, mas se encontram quase sempre ausentes dos debates dos governos e das instituições internacionais.

É curioso, por exemplo, que Pascal Lamy, dirigente máximo da Organização Mundial do Comércio (OMC) e homem de reflexão exigente, tenha julgado necessário escrever artigos para exprimir ideias que seriam consideradas fora de lugar se expressas em sua organização.

Os governos, com efeito, têm medo de descer à raiz das coisas. Preferem, em nome da eficiência, concentrar-se na conjuntura, no curto prazo da crise. Controlam e burocratizam as agendas, que não abrem espaço para questionamentos de valor. Não é difícil imaginar o espanto que Lamy teria provocado na OMC se tivesse repetido o que escreveu no artigo "O futuro do capitalismo".

Nele citava a previsão de Schumpeter de que o capitalismo das grandes corporações acabaria por desencadear forte contestação. Esta teria chegado sob a forma de crise de legitimidade provocada por três causas: a tendência ao agravamento da desigualdade, o desemprego em níveis intoleráveis e um regime financeiro enlouquecido, ameaçando destruir o próprio sistema.

Escrito meses atrás, quando parecia esboçar-se uma recuperação tímida, o artigo vê suas previsões confirmadas por Martin Wolf, que denuncia um desemprego de jovens em 51% na Grécia e na Espanha, e 36% na Itália e em Portugal!

Em todos esses países, mais a Irlanda, a tendência é para queda ou estagnação da economia e crescimento da dívida, apesar da austeridade. Wolf conclui que alguma coisa precisa mudar, mas todos os caminhos estão bloqueados.

A alusão deve ser à austeridade, única das questões em pauta devido à eleição de Hollande na França e ao impasse na Grécia.

A reforma financeira foi praticamente abandonada pelos governos e pelo G20. A desigualdade e o desemprego jamais foram objetos de exame. No melhor dos casos, espera-se que desapareçam com a recuperação, embora já estivessem presentes antes do início da crise.

O aumento do extremismo nas eleições europeias sinaliza o perigo do bloqueio. Reconhecer que, além da conjuntura, as questões de fundo têm de ser enfrentadas e resolvidas é o único meio de garantir um processo político gerador de esperança.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A democracia e a Presidência:: Renato Janine Ribeiro

Ouvimos com frequência advogados, juristas, políticos e analistas políticos dizerem que, no Brasil, a iniciativa de legislar saiu do Poder Legislativo e foi tomada pelo Executivo. Dizem isso, e o lamentam. Concordo com o diagnóstico, mas nem tanto com o lamento. Há razões fortes, objetivas, para o protagonismo legislativo da Presidência da República. Isso porque, gostemos ou não (eu, pessoalmente, não gosto), em nosso país o Poder mais democrático é o Executivo. Quero dizer: ele é o Poder cuja eleição é mais democrática. Só na escolha do chefe de Estado todos os brasileiros são iguais, todos os nossos votos têm o mesmo peso. Esse fato fortalece a Presidência, aos olhos do povo, e enfraquece o Parlamento.

Sim, há outro argumento que é dado para nossa preferência - brasileira, latina ou do continente americano - pelo presidente, em detrimento dos parlamentares. É que nós, sobretudo os latino-americanos, gostaríamos de personalizar a política. Para nós, o nome da pessoa e sua história importam mais que o partido e seu programa. Seria esse, quem sabe, um sinal de nossa imaturidade política. Mas tal explicação, mesmo que parcialmente correta, é insuficiente. Na verdade, a grande ferida de nossa vida institucional é que a forma de composição da Câmara dos Deputados reduz seu peso democrático.

No regime presidencialista, que predomina nas Américas, é comum o Parlamento (na verdade, usa-se mais o nome "Congresso") contar com duas casas. Uma delas, a Câmara dos Deputados, dos Representantes ou Câmara Baixa, representa o povo e é renovada integralmente cada tantos anos. Outra, o Senado, tem mandatos longos, conta com membros mais experientes (mais velhos, também, ou, pelo menos, que tenham "senioridade") e representa os Estados, províncias ou até mesmo, em raros casos, outras organizações da sociedade. O Senado, ou Câmara Alta, é ainda chamado de "casa revisora", porque seria menos importante que os deputados. Estes, porque representam o povo, numa democracia são mais significativos. O Senado revisaria decisões dos deputados, mas teria menos atribuições que eles.

Só que no Brasil o Senado é mais relevante que a Câmara. Por quê?

Insisto: esse fato é estranho, se o poder vem do povo e quem representa o povo são os deputados (o Senado, em nosso sistema, representa os Estados). Acredito que a Câmara se tenha esvaziado porque não representa fielmente o povo e, em parte, imita o Senado. Há um piso e um teto para o número de deputados por unidade da federação, o que achata a representação do Estado mais populoso e exacerba o número de deputados de vários Estados com pequena população. Na Câmara, os brasileiros não são iguais. Uns valem mais que outros.

Isso é correto? No Senado, sim. O princípio de nosso Senado é dar igual peso a cada unidade federada. Há um certo elemento artificial e mesmo artificioso nisso, porque, ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não foi formado pela união de Estados soberanos. Foi a república, desde 1889, que concedeu autonomia às antigas províncias, antes governadas por presidentes nomeados pelo poder central, sediado no Rio de Janeiro. O Senado não deriva da formação histórica do país. Ele é uma criação política, já no Império, que mudou de papel ao longo de nossa história republicana. Mas assim seja: no Senado, faz sentido cada Estado ter o mesmo número de votos. Só que, quando esse princípio de representar os Estados (e não só o povo) se estende à Câmara, esta perde seu significado. Lembremos que a Constituição americana garante, a cada Estado, o "mínimo" de um deputado. A nossa assegura oito... Daí, também, que lá haja Estados com um deputado e dois senadores, isto é, mais senadores do que deputados. Aqui, o menor Estado tem três senadores e oito deputados.

Uma Câmara que se senatizou se priva de parte de seu papel. Ela deveria representar o povo ou, se quiserem, o eleitorado. Quando passa a representar o povo com ressalvas, sua missão constitucional se perturba. Vejamos: São Paulo, com 21,5% da população, tem 13,6% dos deputados. Em contrapartida, chegando-se aos Estados menos populosos, a super-representação fica nítida. Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins, contando com entre 0,3 e 0,8% da população brasileira, têm cada um 1,6% dos deputados. Já o Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Sergipe superam 1% da população cada um, mas ainda estão afastados do 1,6% de que dispõem na Câmara. Essa desigualdade se acentuou com a mudança na Constituição efetuada pelo ditador Geisel, em 1977. Com isso, a Câmara não representa cada brasileiro; representa paulistas, acreanos, mineiros; não é o que devia ser. Imitando (mal) o Senado, ela falta à sua missão e perde a vocação de voz maior do povo brasileiro.

Disso, o que decorre? Que, se quisermos ver onde a voz do povo melhor se expressa, é quando escolhe o presidente da República. Não importa quem seja ele ou ela, ou seu partido. Isso valeu para Fernando Henrique e Lula, vale para Dilma e valerá para seus sucessores, se não houver uma grande mudança institucional. Será muito difícil alguém considerar que a voz do Parlamento - ainda por cima, dividido em numerosas legendas - seja mais representativa da vontade popular do que o eleito do voto universal e, sobretudo, igual. Se quisermos que o Parlamento ganhe o poder que deve ser seu, antes de mais nada precisa ser fortalecida a Câmara e, para isso, a principal medida tem de ser fazê-la representar o povo, não os Estados - que, para isso, já têm o Senado.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Em vez de saúde, negócios :: Ligia Bahia

Neste ano, a incômoda sensação de pagar muito imposto e não dispor de serviços públicos suficientes e bons não se prolongou. De todo modo vai ficando cada vez mais evidente a importância da política fiscal para a privatização da saúde. Mesmo que para uma parte dos contribuintes a dedução seja encarada como uma espécie de bônus - para tirar da fila do Sistema Único de Saúde (SUS) quem pode pagar -, fica uma pulga atrás da orelha.

Da constatação que, quanto mais se pagar por assistência privada, maior será o abatimento, deduz-se que os incentivos fiscais podem contribuir para a formação de várias classes de assistência privada. Mas o impacto das medidas e expectativas para reduzir juros e expandir o crédito talvez tenha deixado os questionamentos sobre as disparidades entre a magnitude da arrecadação e o destino dos tributos para trás.

Temas eletrizantes e complexos como as tensões entre banqueiros e governo sobre os spreads e desoneração de setores produtivos, mesmo sem tradução fácil, se tornaram palpáveis. Os anúncios de redução de IPI nos preços estampados em qualquer loja de eletrodomésticos e a variedade de oferta de empréstimos são diretos e objetivos. A economia a pleno, médio ou até pouco vapor também mudou o rumo das conversas sobre saúde.

Em tempos bicudos só tinha plano privado de saúde quem fosse trabalhador especializado de empresas de grande porte ou servidor público. Para somar os poucos empregados autônomos com domésticos e indivíduos com maior renda vinculados a planos de saúde bastavam seis dígitos. Tinha-se, então, a forte impressão de gigantismo do SUS e nanismo dos planos e seguros de saúde. Não era bem assim. Mesmo nas décadas recessivas, as dimensões da medicina privada sempre foram muito maiores do que as de seus potenciais consumidores e bagunçavam explicações simplistas. Mas, para fins de uma introdução ao sistema brasileiro, a ideia de um SUS para todos e poucos planos de saúde se coadunava com uma visão genérica sobre a distribuição de renda.

A situação atual é completamente distinta. A aterrissagem nos planos de saúde das aspirações de melhor atendimento dos denominados segmentos C e D alterou a fisionomia do sistema de saúde.

O intenso ritmo de crescimento dos negócios conduziu o Brasil ao limiar de uma americanização da saúde pré-Obama. Nessa marcha, e com a renovação dos incentivos à privatização, poderemos atingir, em médio prazo, a marca de 60% da população coberta por planos e seguros. Essa previsão não é um chute. Entre 2000 e 2010, a taxa de crescimento da população, 12,3%, foi bem menor do que a do aumento do número de contratos de planos de saúde, 48%. O potencial de expansão dos mercados tem sido a principal justificativa utilizada para a abertura do capital e da fusão e tomada de empréstimos de bancos de investimentos de diversas empresas de saúde.

Trata-se, é claro, de uma americanização à nossa moda. Como aqui tem SUS, os planos de saúde desenhados para atender às novas demandas são pouco abrangentes. Quem estiver vinculado a um plano relativamente mais barato e precisar utilizar serviços de saúde tem que tirar dinheiro do bolso para superar as restrições das coberturas e em certos casos pegar o caminho de volta para o SUS.

Pode-se dizer que não há nada de novo, a segmentação é uma regra comum a qualquer mercado. Os bancos e outros serviços customizam produtos. Porém, não é admissível diferenciar a qualidade de exames, transplantes ou consultas de acordo com o status básico ou vip dos clientes. Consequentemente, as legislações existentes pressupõem a igualdade biológica dos seres humanos e garantias assistenciais padronizadas.

A comercialização de planos com preços relativamente mais baixos colide com a democracia e a tendência inexorável de elevação das despesas com saúde.

A fragmentação das coberturas situa o Brasil na contramão dos países desenvolvidos. As propostas do recém-eleito presidente Hollande para a saúde, puxadas pelo compromisso de reduzir o tempo de espera do atendimento para no máximo meia hora, concentraram-se em torno do fortalecimento do sistema público. Na França, dizer que a saúde é um cimento do pacto republicano dá votos.

No Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar permite a atuação de planos com coberturas restritas, eufemisticamente alcunhadas flexíveis. Questionar as convicções sobre a suposta perfeição do sistema de saúde brasileiro (um SUS pobre para pobres e planos de saúde com garantias assistenciais precárias) costuma irritar determinados líderes da privatização.

A imposição de uma racionalidade de curto prazo sobre as reflexões acerca das alternativas para garantir o direito à saúde parece ser um suplemento vitamínico necessário à prosperidade dos negócios. A criação de um vasto e pouco sustentável mercado de planos de adesão (os denominados falsos coletivos) deixará para um SUS desprestigiado e subfinanciado a tarefa de assistir doentes graves e pagar tratamentos caros. Por isso, a chamada penetração do mercado exige o controle da faca, do queijo e da mão para extirpar desacordos. Uma verdade inabalável já anunciada dispensa esforços para avançar o conhecimento.

A rejeição a uma pesquisa realizada com o objetivo de estudar a reestruturação do mercado de planos de saúde pode ter sido movida por sinceras certezas. Mas a intolerância não pode se repetir. A desqualificação das reflexões críticas distrai, atrapalha, mas não desata os nós do sistema de saúde.

Ligia Bahia é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

FONTE: O GLOBO