quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Dora Kramer

"Nesse cenário, os ministros da Justiça e da Casa Civil apresentam suas alegações finais na forma de entrevistas declarando que o perigo do impeachment passou e que a crise política serenou. Qualquer semelhança com o sujeito que despenca do 20.º andar e na altura do 12.º avisa que “até aqui tudo bem” não é mera coincidência."
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Dora Kramer, jornalista, 'Feliz ano velho', O Estado de S. Paulo, 30.12.15


Ministro atribui rombo fiscal a erros do governo

• Jaques Wagner culpa ‘desoneração exagerada’ e outras medidas

• Salário mínimo subirá 11,6%, para R$ 880, com custo de R$ 30 bilhões para a Previdência

O petista Jaques Wagner, ministro da Casa Civil, admitiu que erros cometidos pelo governo Dilma em 2013 e 2014 contribuíram para a grave crise que o país enfrenta. O ano de 2015 “foi tão duro” por causa deles, disse Wagner, citando a “desoneração exagerada” e “programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava”. O governo anunciou aumento de 11,67% para o salário mínimo, que passará a R$ 880 em 1º de janeiro.

Wagner aponta erros

• Ministro diz que país não suportou volume de desonerações e financiamentos feitos por Dilma

Biaggio Talento - O Globo

- SALVADOR - O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, admitiu ontem que parte dos problemas econômicos enfrentados pelo país foi provocada por medidas adotadas no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O Banco Central previu na semana passada que a inflação neste ano deverá ficar em 10,8%, acima do teto da meta e maior taxa desde 2002. O governo estima ainda uma queda de 3,1% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. Já o índice de desemprego registrado em novembro, aferido pelo IBGE em seis regiões metropolitanas, ficou em 7,5%, contra 4,8% do mesmo mês do ano passado. As contas do governo central, formado por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central também passam por um momento complicado: desde o início do ano, o déficit acumulado é de R$ 54,33 bilhões, o maior valor da série histórica, iniciada em 1997.

Segundo Wagner, a diminuição na arrecadação de impostos, resultado da retração econômica, e “erros” cometidos em anos anteriores são as razões da crise.

— Nós (governo) perdemos receitas, além de erros que foram cometidos em 2013, 2014, como desoneração (tributária) exagerada, programas de financiamento que foram feitos num volume muito maior do que a gente aguentava e que, portanto, quando a gente abriu a porta de 2015, você estava com uma situação fiscal... Por isso que o ano foi tão duro — avaliou, em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador.

Esta foi a primeira vez que um integrante do governo explicitou claramente os erros na condução da política econômica no primeiro mandato de Dilma. Em setembro, em vídeo divulgado nas redes sociais no Dia da Independência, Dilma disse que, se erros haviam sido cometidos, iria superá-los. 

No início de outubro, quando anunciou a reforma ministerial, a presidente voltou a tratar do assunto na condicional: “Sabemos que, se erramos, precisamos consertar os erros e, se acertamos, precisamos avançar nos acertos e seguir em frente.” Em agosto, o então ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, já havia citado, de forma genérica, possíveis erros: “Vivemos um momento politizado, com erros que cometemos, e se comete quando se governa.

” Remédio de Levy “virou veneno”
Na entrevista à rádio baiana, Wagner considerou correta a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda. Segundo ele, houve rigor excessivo nas medidas aplicadas por Levy no período em que ficou à frente da pasta.

— Ele (Levy) estava num processo de desgaste na relação com o governo e o Congresso. É uma pessoa de boa fé, que conhece o riscado, mas veio com uma linha muito dura, sem diálogo, e as coisas não funcionam assim. Acho que a dose que o Levy aplicou (na economia), no lugar de ser remédio, virou veneno — criticou.

Para Wagner, Barbosa é “mais formulador e aberto ao diálogo” que Levy:

— Nessas horas de dificuldade, é preciso gastar tempo explicando para as pessoas o que você vai fazer. Acho que ele (Barbosa) tem uma visão mais geral da economia. O Levy tinha uma visão muito específica do livro-caixa, do cofre, então ele estava obcecado por aquilo ali. Não acho que (a troca) é seis por meia dúzia.

Wagner revelou que em reunião anteontem, da qual participaram, além dele próprio e Barbosa, os ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Valdir Simão (Planejamento), Dilma destacou a necessidade de separar recursos para combater a seca no Nordeste. Para o ministro, é um exemplo de que o Tesouro precisa gastar, mas sem fazer “farra”.

— Já cortamos esse ano mais de R$ 130 bilhões, entre programas e despesas. Mas chega um ponto em que, se você cortar mais, vai matar o paciente. Tem seca no nordeste, tem enchente no sul, tem zika vírus com microcefalia, tem que gastar dinheiro para combater o mosquito. Isso tudo é dinheiro, o que vou fazer? Vou dizer para o cara: “amigo, você está com microcefalia, mas meu ajuste fiscal diz que não posso lhe dar dinheiro, morra”. Não pode ser assim — destacou.

Para o ministro, o que o governo deve buscar é “um ponto de equilíbrio entre uma rota de crescimento e a manutenção da responsabilidade fiscal”.

— Tem muita gente refletindo, mas sem maluquice, sem porra louquice de “vou gastar”. Não posso fazer um negócio de matar de fome todo mundo. Eu acredito que estamos buscando esse ponto de equilíbrio, da rota de retomada do desenvolvimento. Não vai ser um desenvolvimento de crescer muito, mas de voltar a crescer, para ter expectativa, confiança de empresários e trabalhadores. É tentar retomar esse ambiente. Não é simples, não vou vender facilidade, mas estamos trabalhando para isso — disse Wagner.

Impopularidade pode ser corrigida
O ministro também atribuiu a baixa popularidade de Dilma às turbulências econômicas. A pesquisa mais recente do Datafolha aponta um índice de aprovação da presidente de 12%, um aumento de quatro pontos percentuais em relação ao levantamento anterior.

— Não vou ficar me enganando. Tenho consciência de que participo de um governo que não está num bom momento de popularidade. Sei das dificuldades, em consequência da economia, da gestão da política, por que passa o governo. Mas impopularidade não é crime, é problema, é defeito. É algo que pode ser sanado se você tomar as medidas, melhorar a economia e a gestão da política — afirmou.

Pagamento de pedalada é manobra, diz oposição

• Para opositores, decisão do governo de zerar débitos não anula pedido de impeachment; detalhe do pagamento das pedaladas fiscais serão anunciados nesta quarta

Carla Araújo e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo deve anunciar nesta quarta-feira, 30, os detalhes do pagamento de todas as pedaladas fiscais mantidas junto ao BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e FGTS. Ao todo, essas dívidas somam R$ 57 bilhões. Para os opositores, da presidente Dilma Rousseff, no entanto, o fim dos débitos não anula o pedido de impeachment contra ela.

Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o fundamento para aceitar o pedido de afastamento da petista são decretos editados em 2015 que teriam descumprido a lei orçamentária.

“Ignoramos 2014, não aceitamos a tese que você retroaja no mandato anterior. O ato irregular foi cometido, os decretos”, disse Cunha, ao fazer referência às medidas adotadas por Dilma sem autorização do Congresso. “Não é pagamento das pedaladas em 2011 e 2014, que você muda essa realidade do decreto ter sido emitido em desacordo com a lei orçamentária”, afirmou ontem.

A decisão de zerar as pedaladas foi tomada por Dilma na segunda-feira com o objetivo de “limpar o terreno para 2016” e enfraquecer a tese do impeachment, cujo processo será analisado pelo Congresso a partir de fevereiro. No processo, as pedaladas são apontadas como um crime de responsabilidade fiscal. “A verdade é que esses empréstimos, pela maneira como foram feitos, são ilegais. A forma que o governo quer quitar esses empréstimos também é questionável e o que nós temos é uma grande preocupação”, disse o deputado Caio Narcio (PSDB-MG).

“No apagar das luzes, Dilma quer jogar para debaixo do tapete o rombo bilionário nas contas públicas. Zerando as pedaladas, o governo acredita que o impeachment morre em 2015. Talvez não tenha percebido que as consequências da irresponsabilidade fiscal ainda serão sentidas pelos brasileiros durante alguns anos”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Bruno Araújo (PSDB-PE).

Rito. Para Cunha, o governo está incomodado com o processo, “tanto é que está tentando pagar as pedaladas”. “Sabe que errou”, disse. O presidente da Câmara afirmou que o processo de impeachment deve recomeçar em fevereiro, antes mesmo da publicação do acórdão (decisão) do Supremo Tribunal de Federal. Ele apresentará embargos de declaração para esclarecer dúvidas em relação ao rito do procedimento. Cunha argumentou haver jurisprudência suficiente para sustentar a apresentação de recursos antes da publicação do acórdão. Ele acredita que o processo será concluído na Câmara até março.

Pagar as pedaladas não anula processo de impeachment, diz Cunha

• Presidente da Câmara afirmou que fundamento para aceitar pedido de afastamento da petista são decretos editados em 2015, que teriam descumprido a lei orçamentária

Carla Araújo e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse nesta terça-feira, 29, que o pagamento das dívidas criadas pelas "pedaladas fiscais" não anula o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, já que, segundo ele, o fundamento para aceitar o pedido de afastamento da petista são decretos editados em 2015 que teriam descumprido a lei orçamentária.

"Ignoramos 2014, não aceitamos a tese que você retroaja no mandato anterior. O ato irregular foi cometido, os decretos", disse Cunha, ao fazer referência às medidas adotadas por Dilma sem autorização do Congresso.

Dilma decidiu pagar todos os R$ 57 bilhões das pedaladas fiscais até quinta-feira, último dia do ano. O objetivo do governo é zerar as pedaladas e, assim, “deixar todo esse assunto em 2015”. A ordem de Dilma é trabalhar para não deixar brechas que possam ser usadas como argumento para o processo de impeachment contra ela no Congresso Nacional.

Para Cunha, o governo está incomodado com o processo, "tanto é que está tentando pagar as pedaladas". "Sabe que errou", disse.

O presidente da Câmara disse que o processo de impeachment deve recomeçar em fevereiro, antes mesmo da publicação do acórdão (decisão), apresentar embargos de declaração para esclarecer dúvidas em relação ao rito do procedimento. Cunha argumentou haver jurisprudência suficiente para sustentar a apresentação de recursos antes da publicação do acórdão.

"Nós vamos embargar, apesar da ressalva feita pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, de que não há uma pacificação", afirmou. Questionado se houve constrangimento pelo fato de Lewandowski ter aberto para jornalistas a audiência da semana passada, Cunha negou. "Nenhum constrangimento, ele me consultou antes", afirmou.

Cunha disse que o governo pode até conseguir os votos necessários para barrar o impeachment na Câmara, mas afirmou que isso não significará o fim da crise. "Governabilidade com um terço é difícil", disse, ressaltando que se a presidente conseguir se manter no cargo ainda terá mais três anos para tentar recompor a governabilidade.

"Pode ter um terço (para barrar o impeachment), mas não significa que adquira governabilidade, vão ser três anos de governo capenga", afirmou.

Eleição. Para Cunha, o desgaste do governo, acentuado com o pedido de impeachment, terá consequências danosas nas eleições do ano que vem. "O governo não terá discurso para enfrentar eleições municipais. Nas capitais, vejo total dificuldade", disse. "Quem ficar atrelado ao governo pode perder as eleições."

Procuradoria da República blinda Renan, insinua Cunha

Cunha insinua que procurador-geral protege Renan Calheiros

Aguirre Talento, Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dos principais alvos da Operação Lava Jato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), voltou nesta terça-feira (29) a insinuar haver uma blindagem ao presidente do Senado, o também peemedebista Renan Calheiros (AL).

Rompido dentro do partido com Renan e um dos mais ferozes críticos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após ter virado alvo de investigação, Cunha afirmou em entrevista coletiva que os investigadores obtiveram conversas do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, com Renan, mas que não houve nenhuma divulgação.

Conversas do celular de Leo Pinheiro com Cunha foram apontadas por Janot no pedido de afastamento do presidente da Câmara como suspeitas de negociações de propina. Esse também foi um dos fundamentos para a busca e apreensão feita pela Polícia Federal no último dia 15 nos endereços de Cunha.

"Na ação cautelar minha que motivou a busca e apreensão tem um relatório das ligações do Leo Pinheiro com 632 páginas (...). Dessas 632 páginas, tem 60 páginas que tratam do presidente do Senado e ninguém publicou uma linha. Então é preciso olhar com cautela que está se selecionando sobre quem divulgar", disse Cunha.

A Procuradoria-Geral da República, porém, também havia pedido ao STF a realização de buscas na residência oficial de Renan, mas o ministro Teori Zavascki não as autorizou. Permitiu somente buscas no escritório do PMDB em Alagoas.

A Procuradoria disse que não comentaria as declarações de Cunha. A defesa de Renan declarou que não tomou conhecimento do processo cautelar e que, assim que o fizer, prestará os esclarecimentos. O presidente do Senado não foi localizado.

Café
O presidente da Câmara reuniu jornalistas nesta terça em um café da manhã. Em entrevista, afirmou que daria "de presente' recursos que eventualmente fossem encontrados em supostas novas contas suas no exterior.

As declarações foram em resposta a questionamento sobre acusações do empresário Ricardo Pernambuco, da Carioca Engenharia, de que teria pago propina a Cunha em três outras contas no exterior, uma delas no Israel Discount Bank.

"Vocês podem preparar em qualquer escritório de advocacia internacional (...) para eu assinar uma procuração de doação, busca, verificação, não é só de Israel não, de Israel, da Arábia Saudita, do Líbano, de qualquer lugar do mundo que você queira, de qualquer conta bancária, que eu dou de presente para reverter a quem quiser, porque não existe", afirmou.

Anteriormente Cunha também havia negado à CPI da Petrobras possuir contas no exterior, mas a Procuradoria obteve registros de quatro contas dele na Suíça, das quais uma recebeu transferência de lobista que atuava na Petrobras. Investigadores suspeitam que se trata de propina.

Cunha responde a um inquérito sobre este assunto, além de uma denúncia sob suspeita de receber propina por contratos de navios-sonda e um outro inquérito sobre uso do cargo para atrapalhar investigações. O Ministério Público pediu seu afastamento, solicitação classificada pelo deputado de "peça teatral".

Cunha disse que só dará continuidade ao pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff após tirar dúvidas que restaram sobre decisão do STF que definiu o rito do julgamento. A Câmara entrará com recurso em fevereiro para obter esclarecimentos.

Cunha diz que Câmara vota impeachment até fim de março

Por Thiago Resende e Bruno Peres – Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), previu ontem que até o fim de março a análise do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff será concluída pela Casa. Esse prazo inclui ainda o recurso que ele apresentará no dia 1° de fevereiro à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou o rito do processo de impeachment.

Segundo Cunha, falta explicar como deve ser a votação para escolha de quem comandará os trabalhos da comissão especial que analisará o impeachment. "Quero que seja clara a decisão deles e que a gente cumpra a decisão. Ninguém aqui esta questionando ou vai modificar a decisão", justificou.

O pemedebista argumentou ainda que a Câmara não tem "segurança total" para dar continuidade ao trâmite na retomada das atividades legislativas em fevereiro. "E vai ter cobrança para isso", disse. Se os deputados decidirem pela abertura de processo de impeachment contra Dilma, o pedido será analisado pelo Senado, que poderá arquivar o caso por maioria simples - e não quórum mais elevado como na Câmara. Para Cunha, este cenário é pouco provável.

Em café da manhã com jornalistas, o pemedebista também se disse "absolutamente tranquilo" sobre a tentativa da Procuradoria-Geral da República (PGR) de afastá-lo do cargo e do mandato de deputado. Chamou o pedido do procurador Rodrigo Janot de "peça teatral", que mistura diálogos entre diferentes pessoas.

"Ele define onze atos [em que Cunha usaria o cargo em benefício próprio], que parecem mais atos teatrais. São peças absolutamente sem sentido", afirmou. " Eu fiz a minha parte de contestar ponto a ponto e entreguei para os advogados ontem (anteontem), que vão protocolar uma peça respondendo", concluiu o presidente da Câmara.

Cunha insinuou ainda que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RJ), está sendo poupado das investigações. Segundo Cunha, entre os documentos que motivaram mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal nas residências dele há 60 páginas que tratam de conversas envolvendo Renan. "Não vi ainda ser publicada uma frase. É preciso olhar com cautela o que se está selecionando para divulgar", disse.

Além disso, voltou a negar ter contas no exterior. Na semana retrasada, a revista Época divulgou que o deputado teria recebido propina de uma transação envolvendo recursos do FGTS em uma conta do Israel Discount Bank. "Não é só do Israel não (sic), do Israel, da Arábia Saudita, do Líbano, de qualquer lugar do mundo que você queira e de qualquer conta bancária que eu dou de presente para reverter a quem quiser porque não existe", se defendeu. Sobre as contas na Suíça, das quais ele fala ser apenas "usufrutuário" de "trust", o pemedebista alegou que já estão sendo explicadas.

Cunha rechaçou qualquer preocupação com o processo por quebra de decoro, em tramitação no Conselho de Ética, que pode cassar seu mandato. Avaliou que jamais poderia ser aberto um processo desses a partir apuração em curso no Supremo e negou ter havido "manobras" articuladas por ele no colegiado. "Foi meu direito de defesa", afirmou. O STF deve analisar um pedido de Janot para que Cunha seja afastado da presidência da Câmara.

Instado a fazer uma autocrítica, Cunha disse que "certamente" deve ter cometido "vários erros", mas excluiu dessa avaliação seu depoimento voluntário à CPI da Petrobras e votações comandadas entre os deputados. Cunha enfatizou ter sido o único parlamentar a se dispor a ir à comissão instalada para investigar irregularidades na empresa.

O pemedebista disse que a decisão do governo de quitar todas as dívidas em atraso com bancos públicos, as chamadas "pedaladas fiscais", já este ano é a "constatação de que cometeram irregularidades". No entanto, frisou que aceitou o pedido de impeachment de Dilma por causa de "atos praticados em 2015", ou seja, decretos assinados por Dilma em desacordo com a previsão orçamentária; e não pelas "pedaladas", que ocorreram em anos anteriores.

Merval Pereira: Teoria e prática

- O Globo

Trava-se neste final de ano interessante embate entre a realidade e a mistificação, entre o discurso e a prática, em que o populismo político revela-se na sua plenitude. Há diversos exemplos pelo país, como a aposta no “bilhete premiado” do petróleo do pré-sal que, assim como o governo federal, pegou o grupo político que governa o Rio de Janeiro há quase dez anos de calças-curtas.

Da mesma forma que ocorreu no país, montou-se no Rio um pretenso esquema de proteção social que não resiste à realidade da crise financeira. A saúde pública, que serviu de modelo para propaganda eleitoral, hoje está falida; as UPAs estão fechadas na maior parte e os hospitais não têm condições de funcionar.

As UPPs, que pareciam a redenção da política de segurança pública, estão sendo colocadas em xeque não apenas pelos grupos criminosos, mas pelos policiais criminosos que lhe retiram a credibilidade junto à população. E a falta de dinheiro inclui mais um dado negativo nessa equação, colocando em risco instrumentos fundamentais no combate ao crime, como o Disque-Denúncia.

Mas a disputa entre a corporação da Polícia Federal e o Ministério da Justiça, a que está subordinada administrativamente, é a mais exemplar delas, colocando em confronto o discurso político vazio e a eficiência apolítica de uma instituição do Estado, não de um eventual governo.

O orçamento previsto inicialmente para a corporação chegava a R$ 1 bilhão, e o corte de 13% imposto atinge “o coração de atividades, como operações especiais de combate a malfeitos contra o Tesouro”, segundo os delegados, que em carta exigiram do ministro José Eduardo Cardozo “menos discurso e mais ações efetivas do Ministério da Justiça em defesa da Polícia Federal”.

O documento afirma que projetos estratégicos da PF “para a segurança da Nação” já vêm sofrendo processo de desmonte, como o Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) e o Cintepol (Centro Integrado de Inteligência Policial e Análises Estratégicas), “por absoluta falta de recursos”.

Esse duro questionamento contrasta com o discurso oficial, cujo melhor exemplo é do próprio ministro Cardozo, que classificou recentemente de “revolução republicana” as operações da Polícia Federal de combate à corrupção: “(...) uma revolução que fará, para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos, um país diferente daquele que nós recebemos.”

Essa “revolução” vem sendo apresentada como obra da decisão política dos governos petistas, que “permitem” que a Polícia Federal e o Ministério Público atuem com independência na apuração dos escândalos de corrupção que proliferam no país. Como se dependesse do governo o bom andamento das investigações, coisa em que acreditam os políticos envolvidos na Operação Lava-Jato.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, está convencido de que é perseguido de acordo com um projeto político do Palácio do Planalto, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, aproximou-se da presidente Dilma depois de ter flertado com a oposição, na crença de que ela tem poderes para controlar a Polícia Federal e, sobretudo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Mas não são apenas os envolvidos nas investigações que acreditam nessa lorota. Também o filósofo Renato Janine Ribeiro, depois de humilhado no cargo de ministro da Educação a ponto de ter ficado nele por apenas cinco meses, também é capaz de dizer coisas como essa: “Ouve-se que nunca houve tanta corrupção quanto hoje e, ao mesmo tempo, que nunca teve tanta gente processada e condenada. Para isso, a Polícia Federal, que é um braço do Executivo, tem sido decisiva. O Executivo, se quisesse, bloqueava a ação da PF. Não bloqueou nem com Lula nem com Dilma. Eles municiaram a PF e hoje se tem maior percepção sobre a corrupção e menor tolerância”.

Ora, se um filósofo como Janine Ribeiro acha que o Executivo pode controlar a PF e não é capaz de distinguir um órgão do Estado de um simples “braço do Executivo”, não é de surpreender que também ele seja capaz de relativizar o cumprimento das leis. Para Janine Ribeiro, o que há contra a presidente Dilma são meras “tecnicalidades” que não justificam um pedido de impeachment.

Burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal para se reeleger gastando o que não há no Orçamento, a ponto de quebrar o país, é uma simples “tecnicalidade” segundo o filósofo. Como convencer o homem comum que são essas “tecnicalidades” que aumentam a inflação, que fazem os juros subirem, que retiram o dinheiro da Saúde e da Educação, que Janine aceitou gerenciar sem planos e, sobretudo, nenhuma possibilidade de fazer qualquer coisa?

Dora Kramer: Feliz ano velho

- O Estado de S. Paulo

Peço emprestado a Marcelo Rubens Paiva o título, perfeito para definir o ano que se inicia depois de amanhã. Poderia até ensejar otimismo, considerando a produção de tantas e tão más notícias em 2015. Em tese, 2016 ofereceria ao Brasil a única opção de melhorar.

O ano novo, no entanto, nasce velho. A começar pela repetição da cantilena oca de um governo cujo encerramento do ano é pautado pelo canto de vitórias que nada projetam além da coleção de novas derrotas.

A reunião do ministro Nelson Barbosa com os governadores chamados a Brasília para discutir uma agenda de superação da crise econômica foi um exemplo da distância entre as intenções e os gestos. Ninguém esteve ali para “unir esforços”, muito menos para montar uma impossível “agenda conjunta”. Se conjugação há, é a de carências mútuas.

Os objetivos são divergentes, quando não excludentes. Os governadores querem do governo federal socorro financeiro e o governo federal quer dos governadores apoio político, sendo que nenhuma das duas partes está em condições de atender a essas demandas.

A União mal se sustenta nas próprias pernas. Enfrenta recessão, inflação, perda de grau de investimento, queda na arrecadação, necessidade imperativa de cortar gastos, uma dívida das “pedaladas” a ser quitada e toda sorte de dificuldades decorrentes do modo de pensar e de agir dos mesmos que agora prometem “com o tempo dar um jeito”, para usar palavras do ministro da Fazenda.

Nelson Barbosa, aliás, não parece ter entrado na reunião realmente disposto a discutir soluções, vez que diante dos pedidos lembrou aos governadores que estava no comando da Fazenda “há apenas sete dias”. Qual, então, a finalidade do encontro? Produzir uma foto e criar um factoide a fim de simular um apoio político que o Planalto não tem nem poderá obter dos governadores mergulhados em suas respectivas crises e sem controle sobre as bancadas no Congresso.

Não podem mudar a posição de parlamentares dispostos a apoiar o impeachment nem podem convencer o Parlamento a aprovar a CPMF ou tornar exequível a aprovação da reforma da Previdência. Muito menos em ano de eleição. A mensagem de fim de ano do PT, veiculada no início da semana, é prova disso quando prega uma mudança na política econômica defendendo o impossível na atual conjuntura: expansão de crédito, criação de empregos, juros baixos, investimentos do BNDES.

Com isso o partido está tentando criar uma rede de proteção junto ao eleitorado, a fim de reduzir os danos previstos nas eleições de prefeitos e vereadores nas capitais e grandes cidades, onde o voto de opinião tem peso e o debate tende a se direcionar para temas nacionais. Se for realmente tentar segurar a peteca desse modo, o PT não apoiará o governo. Diante disso os outros aliados não encontrarão razões para embarcar no sacrifício.

O PT pede “ousadia” ao governo de maneira tão ousada quanto inviável, tentando enquadrar a realidade aos seus desejos. Assim como fez a presidente Dilma no início do segundo mandato, quando prometeu correções que não cumpriu. Parte delas dependia do Congresso, mas o Executivo tampouco fez a sua parte: não reduziu ministérios conforme anunciou, economizou menos de 10% do que prometeu e deixou a extinção de milhares de cargos em comissão para as calendas.

Nesse cenário, os ministros da Justiça e da Casa Civil apresentam suas alegações finais na forma de entrevistas declarando que o perigo do impeachment passou e que a crise política serenou. Qualquer semelhança com o sujeito que despenca do 20.º andar e na altura do 12.º avisa que “até aqui tudo bem” não é mera coincidência.

Aloysio Nunes Ferreira: Não é golpe, mas remédio aos abusos


  • Quando Dilma Rousseff faz “pedaladas fiscais”, age de forma criminosa, com graves consequências. No fim, é o cidadão quem paga a conta 

- Folha de S. Paulo

Nunca é tarde para se reafirmar: impeachment não é golpe. É remédio da democracia aos abusos do poder. O que a presidente Dilma Rousseff fez preenche os requisitos da lei para ser enquadrado como crime: é fato típico e antijurídico, e estão presentes o dolo e a finalidade.

Típico porque previsto na lei como infração penal (lei n° 1.079, artigo 10, incisos 6 a 9). Antijurídico porque afronta o ordenamento jurídico nacional. O dolo salta aos olhos: foi meticulosamente planejado, com a finalidade de esconder a realidade financeira do país para garantir a reeleição.

A presidente cometeu um crime de consequências gravíssimas. Isso não pode ser ignorado, a despeito das tentativas de desqualificar o impeachment. Um dos principais argumentos contrários ao processo de afastamento de Dilma, que tem sido entoado exaustivamente como uma cantilena de mau gosto, é o de que as acusações são infundadas porque "pedalada fiscal" não é crime.

Sustentam os que defendem a presidente que as operações envolvendo recursos de bancos públicos são meros "contratos de prestação de serviços" e, portanto, não configuram crime de responsabilidade.

Dilma, nesse tipo de raciocínio, não descumpriu a lei ao pegar empréstimos de bancos públicos para manter em dia pagamentos de programas como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Ora, a Lei de Responsabilidade Fiscal condena a prática como crime nos artigos 36 e 37.

Quando afirmam que atentar contra leis orçamentárias não é justificativa para destituir a presidente, querem, na realidade, convencer a população de que existem categorias de malfeitos mais ou menos ofensivos à sociedade. Como se agir contra a lei não fosse suficientemente grave a alguém que ocupa o mais alto cargo da nação.

Por isso, o governo do Partido dos Trabalhadores partiu para o vale-tudo: busca-se a todo instante convencer os brasileiros de que as leis que regem as finanças públicas foram feitas para serem desrespeitadas. Nada mais falacioso e irresponsável.

O que está em jogo é a soberania popular. Ao achincalhar o processo de impeachment, a presidente revela desdém e escárnio. A lei é expressão da vontade popular.

Impeachment não é golpe, mas resposta constitucional contra o abuso e a perversão decorrentes do apego ao poder político. Atentar contra a responsabilidade fiscal e as leis orçamentárias é, sim, crime de responsabilidade. É o que dizem a Constituição e a lei nº 1.079.

Quando um presidente da República atenta contra o orçamento, sua ação repercute diretamente sobre a vida dos brasileiros: as "pedaladas" trouxeram altas taxas de desemprego, desvalorização da moeda, diminuição do poder aquisitivo, retração da economia, rombo nas contas públicas e rebaixamento do Brasil pelas agências de risco.

Esse cenário desalentador exige, agora, tempos de ajustes fiscais: corte de gastos, de investimentos públicos e aumento de tributos. Portanto, quando Dilma comete "pedaladas", age de forma criminosa, com graves consequências.

No fim, é o cidadão quem paga a conta. Nos regimes democráticos, o povo é o juiz dos governantes. Nada mais justo, então, do que submeter a presidente ao julgamento pelos representantes do povo no Congresso.

O impeachment, além de uma ferramenta constitucional, é, também, instrumento legítimo da consciência popular. Desqualificar o processo é o mesmo que vilipendiar o próprio regime democrático.
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Aloysio Nunes Ferreira, 70, é senador (PSDB-SP)

Elio Gaspari: O mundo virtual de Dilma Rousseff

• Se a doutora acreditava no que disse ao tomar posse, o país está frito, se não acreditava, tanto melhor

- O Globo

Há um ano a doutora Dilma assumiu seu segundo mandato e discursou no Congresso. Já não precisava propagar as lorotas típicas das campanhas eleitorais. Vencera a eleição e, com a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, admitira a gravidade da crise econômica em que jogara o país.

Quem relê esse discurso fica com a pior das sensações. Sai do pesadelo de 2015 com a impressão de que entrará em outro, o de 2016. Não só pelo agravamento da situação econômica, política e administrativa do país, mas pela percepção de que a doutora vive em outro mundo ou julga-se com poderes suficientes para oferecer à população uma vida de fantasias. Ela disse: “Em todos os anos do meu primeiro mandato, a inflação permaneceu abaixo do teto da meta e assim vai continuar.”

Segundo as últimas projeções do mercado, ela fechará 2015 acima dos 10%, longe do teto de 6,5% e a maior taxa desde 2002. O estouro da meta era pedra cantada.

“A taxa de desemprego está nos menores patamares já vivenciados na história de nosso país.”

Ótimo, para discurso de despedida. O terceiro trimestre de 2015 fechou com a taxa de desemprego em 8,9%, a maior desde 2012, quando o IBGE começou a calculá-la com uma nova metodologia. Outra pedra cantada.

“As mudanças que o país espera para os próximos quatro anos dependem muito da estabilidade e da credibilidade da economia.”

No primeiro ano de seu novo mandato, o Brasil perdeu o grau de investimento. Em janeiro havia o risco. Nos meses seguintes, o governo tornou o rebaixamento inevitável.
Com a faixa no peito, repetiu platitudes:

“Sei o quanto estou disposta a mobilizar todo o povo brasileiro nesse esforço para uma nova arrancada do nosso querido Brasil.”

“Mais que ninguém sei que o Brasil precisa voltar a crescer.”

As duas frases diziam nada, pois um país não cresce ou deixa de crescer por falta de disposição dos governantes. A disposição da doutora levou-a a uma arrancada, em marcha a ré. A economia encolheu em 2015 e encolherá de novo em 2016.

“A luta que vimos empreendendo contra a corrupção e, principalmente, contra a impunidade, ganhará ainda mais força com o pacote de medidas que me comprometi durante a campanha, e me comprometo a submeter à apreciação do Congresso Nacional ainda neste primeiro semestre.”

No segundo semestre, ela baixou a Medida Provisória 703, refrescando a vida das empreiteiras apanhadas na Lava-Jato. Favorecendo a impunidade, ela permite que as empresas voltem a receber contratos do governo sem que seja necessário admitirem “sua participação no ilícito”, como exigia a lei 12.846, assinada em agosto de 2013 por Dilma Rousseff.

Quando a doutora tomou posse, ela sabia que o “nosso querido Brasil” estava patinando, longe de uma arrancada. Não precisava ter dito o que disse.

Em outros momentos do seu discurso, fez gentilezas e promessas que devem tê-la levado ao arrependimento:

“Sei que conto com o apoio do meu querido vice-presidente Michel Temer, parceiro de todas as horas.”

Esqueça-se que “nosso lema será: Brasil, pátria educadora!”

Dilma Rousseff concluiu seu discurso com uma nota poética:

“Esta chave pode ser resumida num verso com sabor de oração: ‘O impossível se faz já; só os milagres ficam para depois’.”

Entre o impossível e o milagre, deixou de fazer o possível.

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Elio Gaspari é jornalista

Eliane Cantanhêde: Fazendo o diabo, de novo

- O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff termina o ano de 2015 como começou, arrogante, errática e metida numa crise monumental, agora tentando escapar do impeachment sob um fogo cruzado: de um lado, a sociedade e o setor produtivo exigindo responsabilidade e ajuste das contas públicas; de outro, a pressão do PT para dobrar a aposta do primeiro mandato e priorizar uma política econômica populista em detrimento do bom senso e do desenvolvimento sustentável.

A mente e o coração de Dilma balançam entre uma coisa (botar a casa em ordem) e outra (ceder à tentação de agradar PT, CUT, MST e UNE). É aí que mora o perigo. Os sinais da presidente na reta final deste ano já tão dramático são no sentido de que, para tentar salvar o pescoço e a fidelidade dos movimentos alinhados ao PT, “faz-se o diabo”, como nas eleições.

Com a saída de Joaquim Levy, evaporou-se o último e pálido empenho de Dilma com os ajustes, a responsabilidade fiscal, a possibilidade de o Brasil recuperar a credibilidade externa e interna e se preparar para voltar a crescer em 2017. Com a chegada de Nelson Barbosa, aumentam as dúvidas sobre a capacidade de Dilma de fazer o que é preciso para tirar o País da crise.

Barbosa é um, digamos, “desenvolvimentista”, apegado à velha ideia – nunca admitida, mas praticada na “nova matriz econômica” – de que um pouquinho de inflação não faz mal a ninguém, desde que crie uma fugaz sensação de bem-estar em eleitores ou em entrevistados das pesquisas de opinião. Antes, era o “tudo pelo social”. Agora, é o “tudo pela popularidade periclitante de Dilma”.

Até um ato burocrático de ontem reforça emblematicamente essa opção de Dilma: a sanção de uma lei do Congresso que alterou de 50 para 10 anos o prazo desde a morte para a inclusão de brasileiros no Livro dos Heróis da Pátria. A medida tem um único intuito: transformar Leonel Brizola em “Herói da Pátria”.

A decisão, publicada no Diário Oficial da União nos estertores de 2015, tem simbologia, porque relembra a todos que Dilma foi do PDT e só o trocou pelo PT em 2001, às vésperas da primeira eleição de Lula para a Presidência. E que ela mudou de partido, mas manteve sua alma brizolista.

O que significa? O brizolismo foi construído em cima de quatro pilares: o combate à ditadura militar, de fato heroico; o caudilhismo; o velho “nacionalismo” que achava bacana fechar as portas aos investimentos e avanços internacionais; e o “estatismo”, pelo qual as canetadas do Estado seriam mais benéficas ao País do que a força e as potencialidades da parceria do setor privado com a sociedade.

Dilma é isto: foi uma guerreira contra a ditadura, tem uma alma mandona e é uma “nacionalista” às antigas e uma estatizante capaz de desestruturar o setor elétrico e de segurar artificialmente as tarifas públicas pela convicção de estar praticando o “bem”, o “justo”, “o que é melhor para o povo”.

Dilma e Levy eram como água e vinho, que nunca se misturam. Mas Dilma e Barbosa têm tudo a ver. E foi a aliança ideológica e de princípios econômicos entre eles que deu no que deu em 2015. Dilma pode querer dobrar a aposta, mas deve saber o quanto será perigoso, para o País e para ela, trocar a estabilidade e o futuro por um efêmero apoio do PT e de seus aliados. Eles nunca serão PDT, como Dilma nunca será PT.

Sucesso. Parabéns ao Estado, que brilhou em 2015 com a farra do Fies, as pedaladas da Dilma, a compra das MPs do setor automotivo, o envolvimento do caçula de Lula com lobista dessas MPs, o rombo do Postalis, o especial da Amazônia, a melhor foto do ano (de Dida Sampaio), a microcefalia e o zika vírus, entre tantas outras.

Despedida. Na última coluna do ano, meu adeus a Marcelo Déda e José Eduardo Dutra, que tanta falta fazem ao PT e à política brasileira.

Luiz Carlos Azedo: O PT perdeu a narrativa

• A força do Estado já não resolve o problema eleitoral do partido, que se afasta de suas bases populares

Correio Braziliense

Não satisfeita com a demissão de Joaquim Levy, a cúpula petista intensificou a pressão sobre o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para que faça uma mudança no rumo da economia. O porta-voz das críticas foi o mesmo que detonou o ex-ministro, Rui Falcão, que preside o partido. Quando verbaliza ataques ao governo, o petista torna público o que ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala nos bastidores.

Falcão afirma que o governo precisa adotar medidas para devolver à população a confiança perdida. Mira a base eleitoral do PT, que se esvai por causa da crise econômica, do isolamento politico da legenda e do escândalo da Petrobras. Em luta pela sobrevivência, o PT tenta resgatar a velha narrativa classista que levou a legenda ao poder. Não é fácil, porque o discurso eleitoral não corresponde à prática no poder.

Intitulado “Uma nova e ousada política econômica para 2016”, o artigo de Falcão no site do PT define a estratégia para sobreviver ao escândalo da Operação Lava-Jato, barrar o impeachment e evitar o desastre eleitoral anunciado. Trata-se de forçar a presidente Dilma Rousseff a gastar as reservas internacionais do país para baixar os juros e anabolizar a economia, aumentando os gastos públicos e facilitando os créditos para consumo, mesmo que a receita da União esteja em queda.

Os governadores petistas Fernando Pimentel, de Minas Gerais, e Wellington Dias, do Piauí, pressionam a presidente Dilma a abrir os cofres para ajudar os estados. Para isso, fazem coro até com governadores de oposição. Os prefeitos Fernando Haddad, de São Paulo, e Luiz Marinho, de São Bernardo, joias da coraa petista, também estão em sérios apuros e cobram a liberação de verbas federais. O primeiro corre o risco de não se reeleger; o segundo, dificilmente fará o sucessor.

O rombo das contas do governo em novembro foi de R$ 40,05 bilhões, o que coloca em risco a surreal meta de déficit fiscal de R$ 120 bilhões, aprovada para livrar a presidente Dilma das pedaladas fiscais. Malabarismos contábeis com créditos e empréstimos do Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social estão sendo feitos pelo Tesouro para mascarar o rombo.

No lugar do ajuste fiscal, o PT propõe o programa “Por um Brasil justo e sustentável”, elaborado pelo economista Márcio Porchman, da Fundação Perseu Abramo, em parceria com entidades, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Sem Terra (MST). O fato de o partido, recentemente, ter organizado manifestações em apoio a Dilma elevaram o cacife da legenda junto ao governo.

Entretanto, o discurso de Nelson Barbosa ao tomar posse na Fazenda, no qual anunciou a intenção de promover reformas na Previdência e trabalhista, frustrou as lideranças que foram às ruas em defesa do governo.

Lava-Jato
O PT busca uma nova narrativa para se manter no poder. A força do Estado já não resolve o problema eleitoral do partido, que se afasta suas bases populares. Cada vez é mais difícil mobilizar os militantes petistas não-encastelados no governo.

Construída com base em quatro vertentes – sindicalistas, militantes de antigas organizacões de esquerda, integrantes de comunidades eclesiais de base e intelectuais do meio acadêmico —, a estrutura do PT foi progressivamente controlada por políticos profissionais e seus “operadores”, em detrimento dos quadros dedicados às políticas públicase e aos movimentos sociais.

Esse processo desaguou numa sucessão de escândalos, que comprometeram irremediavelmente a imagem do partido, com a prisão e condenação de lideranças emblemáticas da legenda. O pior ainda está por vir. Doações de campanha milionárias, em troca do superfaturamento e do desvio de recursos da Petrobras, levarão a legenda ao banco dos réus. Grande parte desse dinheiro foi parar nas campanhas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na disputa de 2006, e da presidente Dilma, em 2010 e 2014.

Ruy Castro: Querido Leblon

- Folha de S. Paulo

De duas semanas para cá, tenho lido e ouvido referências negativas ao Leblon, por um incidente envolvendo Chico Buarque e sujeitos embriagados que o interpelaram na rua por ser petista. Os comentários sugerem que o Leblon, por ficar perto do mar, dispor de bons restaurantes e ter um dos metros quadrados mais caros do país, é um antro de coxinhas, golpistas, reacionários, empresários, capitalistas, banqueiros, latifundiários e outros algozes do povo.

Tenho observado que esses comentários partem de pessoas que não frequentam o Leblon e talvez não o conheçam nem de vista. Se conhecessem, saberiam que se trata de um recanto amável e acolhedor como poucos. Deve ser –senão, no passado, Dorival Caymmi não o teria escolhido para criar seus filhos. E, anos depois, Paulo Mendes Campos, Antonio Callado e João Ubaldo Ribeiro não teriam se tornado alguns de seus mais queridos moradores.

Mas, para que não se diga que tudo no Leblon são flores, basta dizer que nele se organizou o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1970 –foi de um supermercado seu vizinho no Leblon que Fernando Gabeira mandou a primeira mensagem comunicando a ação. O ateliê da estilista Zuzu Angel, assassinada pela ditadura em 1976, também ficava no Leblon. E o deputado Rubens Paiva foi levado de sua casa no Leblon para ser torturado e morto pelo Exército em 1971.

No Leblon, moraram Tom Jobim, Leila Diniz, Raul Seixas e muitos mais. E onde se reuniam Cazuza e sua turma nos anos 70 e 80? No Baixo Leblon. Mesmo hoje, muita gente acima de qualquer suspeita mora no Leblon. O escritor Rubem Fonseca. O ex-craque Paulo Cesar Caju. Os compositores e cantores Fagner, Alceu Valença, Zé Renato, Guinga, João Gilberto.

E como pode o Leblon ser coxinha se até o Chico Buarque mora nele?

Cristiano Romero: Mercado dá benefício da dúvida a Barbosa

• Novo ministro estreia com discurso fiscal responsável

- Valor Econômico

No dia em que o Palácio do Planalto anunciou a nomeação de Nelson Barbosa para substituir Joaquim Levy no comando do Ministério da Fazenda, muitos prenunciaram uma reação radical por parte do mercado, a exemplo do que ocorreu recentemente na África do Sul e nos anos 90 na Indonésia. Naqueles países, mudanças abruptas antimercado da política econômica provocaram forte desvalorização das moedas locais e depressão econômica.

No Brasil, a ascensão de Barbosa foi anunciada no fim da tarde de uma sexta-feira. Não houve tempo hábil para o mercado reagir. A expectativa era a pior, uma vez que o novo ministro da Fazenda sempre foi um crítico contundente de políticas como a que seu antecessor vinha tentando adotar.

É importante lembrar que, ao nomear Barbosa, a presidente Dilma Rousseff não teve opção. Para evitar o impeachment, ela trava uma batalha fratricida com um dos expoentes de sua base de apoio no Congresso - o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - e outra, silenciosa, com o vice-presidente Michel Temer. Nessa disputa, necessita do apoio das ruas para diminuir o ímpeto dos dissidentes e da oposição porque, como se sabe, não haverá impedimento se não houver clamor popular.

O apoio das ruas depende da mobilização dos movimentos sociais e da militância do PT. Ambos gostam de Dilma, consideram-na mais progressista que o ex-presidente Lula, mas exigem, em contrapartida ao apoio crucial neste momento, mudanças na política econômica, considerada excessivamente "conservadora". Ambos veem em Barbosa um sinal de mudança.

O que se diz é que a presidente não tem como lutar contra o impeachment governando para as elites e dando as costas a quem lhe garante sustentação política. O raciocínio, evidentemente, é de uma ligeireza atroz, uma vez que foi a política econômica do quadriênio 2011-2014, aclamada pelos movimentos e o PT, que jogou o país em crise profunda.

A atual crise econômica tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff. Não é um acidente nem tem motivação externa. É inteiramente brasileira e foi produzida por decisões políticas. A presidente vive um impasse: suas escolhas tendem a aprofundar a crise e ela já não tem condições de dar uma guinada à direita. Joaquim Levy foi sua bala de prata, por isso, demorou tanto tempo para ser substituído.

A nomeação de Nelson Barbosa atendeu, portanto, à lógica política. No cargo de ministro do Planejamento, ele defendeu alternativas, em vários momentos, que contrariavam o que Levy fazia na Fazenda. O ex-ministro começou a cair quando foi decidido o contingenciamento do Orçamento de 2015. Levy pediu corte de pelo menos R$ 70 bilhões, mas Barbosa entregou R$ 69,9 bilhões. O que podia ser lido apenas como um caso típico de mumunhas de Brasília teve, na verdade, grande valor simbólico.

A situação de Levy piorou quando o governo decidiu reduzir a meta de superávit primário, no fim de julho, e se agravou adiante, quando Barbosa enviou ao Congresso proposta orçamentária de 2016 com previsão de déficit primário, um flagrante desrespeito às regras de responsabilidade fiscal.

Paralelamente a esses fatos, Nelson Barbosa deu inúmeras entrevistas, deixando claro que não concordava com o modelo de ajuste adotado por Levy. Nas entrelinhas, indicava que a presidente Dilma, de quem é muito próximo, já tinha decidido mudar o rumo das coisas. Em consequência desse movimento, as expectativas dos agentes econômicos, que vinham melhorando desde o início do ano, entraram novamente em rota de deterioração.

Algumas teses de Barbosa, explicitadas em entrevistas, fizeram os agentes apostar em mudança radical da política: a redução do superávit primário aumenta a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto; o ajuste fiscal só será feito se a economia voltar a se expandir; não há problema na elevação temporária da dívida pública (decorrente de uma redução da meta de superávit); entre outras.

A experiência recente do Brasil mostrou que, sem equilíbrio fiscal, não há crescimento sustentável. O país cresceu de forma razoável entre 2004 e 2011, quando, em geral, as contas estiveram sob controle. Empresários e banqueiros sabem que desequilíbrio fiscal, em última instância, obriga o Banco Central a apertar as condições monetárias, encarecendo o crédito e diminuindo a demanda. Essa percepção afeta negativamente o investimento e, portanto, o emprego.

A ideia de que é preciso voltar a crescer para solucionar o problema fiscal esbarra justamente nessa dificuldade: desconfiados com a deterioração das contas públicas e seus impactos sobre os indicadores macroeconômicos, os empresários não investem e os bancos não emprestam. O primeiro mandato da presidente Dilma é a prova de que estimular a atividade, a qualquer preço, em meio à perda de credibilidade da política econômica, não funciona.

O governo baixou os juros na marra, desvalorizou o câmbio artificialmente e inundou a economia com estímulos fiscais e creditícios. Nada disso animou empresários e consumidores, mas provocou o desastre: a destruição da solidez fiscal do país, representada pela obtenção do grau de investimento junto às agências de classificação de risco.

Mas eis que Barbosa assumiu e não se materializou a sangria esperada nos valores dos ativos. A primeira reação foi negativa, mas nos dias seguintes, mesmo considerando a baixa liquidez do período de festas de fim de ano, o dólar se comportou, a bolsa ficou no zero-a-zero e os juros de longo prazo, depois de esticarem um pouco, voltaram aos patamares anteriores à nomeação do ministro.

O ministro foi inteligente ao conceder fartas entrevistas no fim de semana que antecedeu a sua posse. Ele procurou acalmar os mercados com um discurso fiscal responsável, ainda que sem ousadia. No fundo, mandou o seguinte recado: "Calma, pessoal, neste cargo eu não serei 100% Nelson Barbosa". Foi uma mensagem relevante, uma vez que ele foi, sem sombra de dúvida, o principal ideólogo da Nova Matriz Econômica, que prometeu dar ao país um novo equilíbrio macro, amparado em juros menores e câmbio desvalorizado, mas acabou produzindo uma recessão que já dura quase dois anos e que ainda pode levar a economia para uma depressão.

Um sinal dos dias: o PT já cobra do novo ministro que ele seja 100% Nelson Barbosa. Vida dura.

José Nêumanne*: O enterro dos ossos

- O Estado de S. Paulo

Espere mais um pouco. Este ano da (des)graça de 2015 não acabará amanhã nem talvez em mais 12 meses: ele tem tudo para se arrastar pelo menos até o réveillon de 2019, quando só então a esperança poderá ressurgir.

Militantes ocultos, embalados pelos eflúvios da ceia natalina, apostam que as facas voltaram às bainhas e o pó da rua assentou desde que a dissidência liderada por Barroso, o copioso, deu vitória parcial (que pode se tornar de Pirro) ao desgoverno Dilma há duas semanas. Ledo e ivo engano! A maioria governista flutuante (de 5 a 8, mais o voto de Minerva de Lewandowski sempre a favor) decretou a intervenção do Judiciário, de início, sobre o Legislativo e, em seguida, sobre nossa língua materna, que está ficando menos culta e mais feia.

Pois o artigo 51, parágrafo 1.º, da Constituição vigente, pelo menos até segunda ordem na próxima sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF), reza:

“Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado”. Ao transferir para o Senado o poder de abrir o processo, avalizado por maioria de dois terços dos deputados, o STF deu ao verbo um sentido que o dicionário do mestre Houaiss não reconhece entre uma miríade de significados: o de apenas encaminhar. Autorizar quer dizer: tornar lícito, permitir, dar permissão a, consentir, dar direito a, dar motivo a, possibilitar, tornar válido, abonar, justificar e validar.

Mais subversivo ainda foi dar ao advérbio de modo privativamente, que significa exclusivamente, singularmente, especificamente, o sentido de subsidiariamente, cuja palavra latina, de que decorre no vernáculo, representa algo “na reserva, na retaguarda”. Com a troca semântica, o STF dispôs-se a atuar como Poder não autônomo (para Houaiss, “dotado da faculdade de determinar as próprias normas de conduta, sem imposições de outrem”), mas submisso (“disposto à obediência”, idem).

De volta à História: por que, além de provar a subserviência do Judiciário ao Executivo, a vitória de Dilma não seria parcial e lembraria a do rei de Épiro e Macedônia, ao lamentar uma batalha vitoriosa por ter nela perdido tantos soldados que passou a considerar a consequência inevitável da derrota na guerra? É que, numa prova de que o cérebro não é sua arma favorita, a presidente Dilma, no dia seguinte a esta, em vez de estender a mão à Nação, que amarga índices apavorantes de queda de atividade econômica, emprego e renda e inflação e dólar em alta, para buscar a conciliação para sair do atoleiro, enfiou o pé no acelerador: deixou de fingir que acenava ao mercado, abraçou o populismo e beijou o desastre.

Cérebro também não é o forte do candidato que ela derrotou em 2014. Aécio Neves flertou com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cuja popularidade é pior que a de Dilma, e assistiu de camarote à humilhante derrota da batalha nas ruas ao escolher outra banda podre da maçã. Depois, cuspiu na face da alternativa de poder à mão, Michel Temer, e correu para casa, de onde, aliás, parece nunca ter saído.

Ambos provam ao povo traído, irado e ressabiado que vale a descrição sempre atual do historiador Sérgio Buarque, que definiu como cordial (de cordialis, coração em latim medieval) a desfaçatez sem pudor do brasileiro na mistureba viciosa do público com o privado.

Chefe do governo e líder da oposição já confundiram muito rua e casa e agora mostram ter coração duro, sem coragem nem compaixão. No Rio, Dilma inaugurou o Museu do Futuro, exata metáfora da evidência de que o País do porvir, previsto por Stefan Zweig, fica cada vez mais distante deste. Agora temos até um museu para celebrá-lo, já que do passado nunca ninguém cuidou. E ela não voltou para consolar os pobres aflitos morrendo feito insetos às portas dos hospitais públicos fluminenses.

Mauricio Macri aborda as vítimas das enchentes na Argentina e Dilma as sobrevoa de helicóptero: ele sabe que governo implica compromisso com o povo; ela acha que é só ficar no poder e, com seu estilo tatibitate, repete diuturna e noturnamente a decisão histórica do imperador fanfarrão. Aécio não foi ao Sul nem deu atenção à devastação do Rio Doce pela lama tóxica no Estado onde nasceu, que governou e no qual foi por ela derrotado.

Para Elizabeth Bishop, o órgão mais utilizado pelo brasileiro é o fígado. A presidente não perturba o dela lidando com desgraças ao rés do chão e a céu aberto.

O senador distribuiu em redes sociais cartões de um Natal de comercial de margarina no apartamento em que arrastões na praia de Ipanema não azedam seu humor. Dilma preferiu indultar petistas condenados pelo STF no mensalão e se solidarizar com um aliado bebum, ofendido no Leblon por bêbados do lado de lá, a consolar vítimas da microcefalia, da doença pública no Rio e da lama tóxica em Minas.

É tolo esperar que neste conflito nossa Pátria em frangalhos e escombros se una nas eleições que prenunciam mais do mesmo: em 2016, dona Marta do PT disputará a Prefeitura de São Paulo com seu Haddad do padim Lula? Em 2018, Aécio, Serra e Alckmin terão triunfo inusitado ou mais um fiasco?

Haverá uma regata olímpica à ré na Baía de Guanabara, descrita como “nojenta” pelo holandês Dorian van Rijsselberghe, campeão em Londres-2012 na classe RS:X? Ele teve de tirar sacos plásticos do casco do barco para vencer a Copa Brasil de Vela. E o mal-estar de um membro de sua equipe denota que estamos com o intestino solto.

Em seis meses, os coliformes fecais guanabarinos, os dejetos metálicos da Samarco, a seca e a microcefalia no Nordeste e os incêndios na Amazônia e na Bahia ganharão o mundo, mas não mais conquistando o planeta, como nos tempos do charme imbatível de Lulinha Paz e Amor. A nós, desde o tempo da Confederação dos Tamoios, só nos resta recolher os cacos e enterrar os ossos.

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*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor

Populismo latino-americano em ciclo de baixa – Editorial / O Globo

• Derrotas do chavismo de Maduro, do kirchnerismo de Cristina e as turbulências que abalam Dilma e o lulopetismo marcam o fim de uma era no continente

Frustrada a tentativa de golpe em 1992, Hugo Chávez e sua retórica bolivariana exploraram com sucesso, sete anos depois, o caminho democrático do voto para chegar ao poder na Venezuela. Seria um dos marcos de um novo ciclo de nacional-populismo na América Latina. Onze anos depois, em 2003, assumiria em Brasília o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Inicialmente, Lula, embora próximo do bolivarianismo no aspecto ideológico, manteve a política econômica “neoliberal” de FH, porque intuiu que era a única maneira de reequilibrar a economia brasileira, desestabilizada durante a campanha eleitoral pela reação defensiva dos mercados à possibilidade de o PT subir a rampa do Planalto.

Foi o que aconteceu. Lula conseguiu estabilizar a economia, mas começaria a cavar um fosso à frente do país, ao passar a seguir a desastrosa cartilha do populismo: dirigismo, gastança, descaso com a inflação, entre outras miopias.

Em 2003, chegou à Casa Rosada, em Buenos Aires, Néstor Kirchner, oriundo da esquerda peronista. Ele e Lula instituíram um eixo de apoio a Chávez e seguidores: principalmente a Evo Morales, na Bolívia, e a Rafael Correa, no Equador. No Uruguai, a Frente Ampla, de esquerda, elegeu sucessivamente Tabaré Vasques e, depois, José Mujica, sucedido por Vasques, mas nenhum deles com o ativismo exercitado por Lula, Néstor e depois Cristina, sua mulher, Chávez, Maduro etc.

O viés de políticas “desenvolvimentistas”, em nome do “povo”, sem maiores preocupações com equilíbrio fiscal e inflação, gerou, como sempre ocorre, uma espécie de bolha de crescimento e consequentes ganhos de renda, turbinados por programas sociais. No caso do Brasil, já existentes, mas ampliados pelo PT.

Argentina, Venezuela e Brasil, cada um com suas características, viveram a mesma euforia, traduzida em votos para a reeleição de Lula, eleição de Dilma, de Cristina K. e no apoio a Maduro.

Exportadores de commodities, todos se beneficiaram com as elevadas cotações dos alimentos, minérios e petróleo, puxadas principalmente pela expansão chinesa. Com o desaquecimento chinês, os preços desinflaram, e as distorções que estavam encobertas emergiram. No caso do Brasil, a bagunça fiscal. Não se aproveitou o bom tempo para sanear as contas públicas. Pelo contrário.

Não por coincidência, começam a ocorrer, em sequência, trocas de guarda no continente: depois de 12 anos de poder, o kirchnerismo, na pessoa de Daniel Scioli, candidato de Cristina K., perdeu as eleições presidenciais para um não peronista, Maurício Macri; enquanto na Venezuela, apesar de toda a manipulação e coerção, o chavismo de Maduro perdeu o controle da Assembleia Nacional para ampla aliança das oposições, algo inimaginável há poucos anos. No Brasil, a representante do lulopetismo, Dilma Rousseff, enfrenta um pedido de impeachment e o país está em grave recessão, com todas as consequências sociais amplificadas por uma inflação elevada. Confirma o esgotamento do ciclo populista.

Do desmando à catástrofe – Editorial / O Estado de S. Paulo

Terminou em catástrofe a política econômica ensaiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e executada até o limite por sua sucessora, Dilma Rousseff: retração econômica de mais de 3% em 2015, inflação acima de 10% e um déficit recorde nas contas públicas. Sumiram no gigantesco ralo das finanças governamentais, entre janeiro e novembro, R$ 489,21 bilhões, soma equivalente a 9,04% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para o período. O valor sobe para R$ 549,31 bilhões, 9,30% do PIB, quando se consideram os 12 meses terminados até novembro. Esses números correspondem ao déficit nominal – incluída, portanto, a despesa com juros – do conjunto do setor público. O máximo admitido na União Europeia, uma das áreas mais afetadas pela crise iniciada em 2008, é 3% do PIB. A maioria dos países da região ficou abaixo disso em 2014 e em 2015.

Os números desastrosos deste ano são a consequência de uma longa fase de gastança irresponsável, de incentivo ao consumo sem estímulo à produção, de distribuição de benefícios mal concebidos e de péssima administração de um setor público aparelhado, loteado e saqueado numa orgia de corrupção.
A recessão chegou como grande final de uma fantástica sinfonia de erros e desmandos, depois de quatro anos com crescimento médio anual de meros 2,1%, inflação sempre muito longe da meta de 4,5% e destruição da indústria e do emprego industrial.

Com a retração da atividade e o desemprego em alta, a arrecadação do governo central – Tesouro, Banco Central (BC) e Previdência – ficou em R$ 1,12 trilhão entre janeiro e novembro, 6,60% menor que a de um ano antes, descontada a inflação. A receita líquida – depois das transferências a Estados e municípios – foi 6,80% inferior à do mesmo período de 2014. A despesa total caiu muito menos, apenas 3,40%, porque as contas públicas são muito rígidas há muito tempo e ficaram ainda mais engessadas durante a administração petista, iniciada em 2003. O gasto com pessoal só diminuiu 1,70%.

Apesar de tudo, o Tesouro ainda conseguiu algum superávit, de R$ 35,01 bilhões, mas esse resultado foi 19,2% inferior ao do ano passado, em termos reais. Mas o déficit da Previdência, de R$ 88,86 bilhões, cresceu 38,9% além da inflação. Assim, o governo central acumulou um déficit primário – sem os juros – de R$ 54,33 bilhões.

Pelo critério do BC, com foco na necessidade de financiamento, o déficit primário do governo central chegou a R$ 55,71 bilhões entre janeiro e novembro. O rombo total do setor público ficou em R$ 39,52 bilhões, porque a maior parte do déficit do governo central foi compensada pelo superávit dos governos estaduais e municipais, de R$ 19,49 bilhões. Este resultado é explicável em boa parte pela alta de preços da eletricidade e da gasolina, fortemente taxadas pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Mas Estados e municípios também perderam receita, por causa da recessão.

Como o Tesouro deve pagar as pedaladas de 2014 – os repasses devidos a bancos federais –, falta somar uma despesa de R$ 57 bilhões. Ameaçada por um processo de impeachment, a presidente preferiu pagar de uma vez e evitar mais uma demonstração de desleixo fiscal. Em um mês o País saberá se o déficit primário de 2015 ficou abaixo dos R$ 119,9 bilhões admitidos pelo Congresso.

Apesar de tudo, o ex-presidente Lula e a cúpula do PT insistem no relaxamento da política fiscal e no aumento do crédito, como se os fatos nunca houvessem desmoralizado a política de gastança e de estímulo ao consumo seguida nos últimos sete anos. Além disso é incerto, até agora, se a presidente Dilma Rousseff percebeu o tamanho do desastre e os enormes equívocos da tal matriz econômica implantada em seu primeiro mandato. O novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, é um dos criadores desse monstrengo. Nada confirma, ainda, sua disposição de mudar de rumo e seguir o bom senso. O Brasil entra em 2016 sem radar confiável, no meio de um nevoeiro denso e com oficiais de péssimo currículo na cabine de comando.

Tensão renovada – Editorial / Folha de S. Paulo

Governadores criaram um grupo permanente de discussão com o governo federal. Pode ser que dos debates surjam iniciativas sérias para atenuar a crise. Foi justamente a penúria o que levou líderes estaduais a criar um raro movimento unificado de reivindicações.

Também nesta semana, o PT publicou documento no qual advoga mudanças na política econômica. Trata-se de crítica prévia aos novos ministros da Fazenda e do Planejamento, sobretudo para galvanizar a militância.

O partido da presidente Dilma Rousseff reivindica um plano de retomada imediata do crescimento, em parte baseado nos pressupostos que lançaram o país nesta recessão. São noções compartilhadas por organizações de esquerda.

Tais pressões ocorrem quando se toma conhecimento de deficit ainda maior da administração federal. A carência de recursos, que prosseguirá em 2016, tende a privar o governo de meios para angariar apoio, com o que se reduz a probabilidade de aprovar medidas de contenção da crise e mesmo remendos tributários, como a CPMF.

Estimativas indicam que o governo não será capaz nem de produzir o superavit primário prometido, equivalente a 0,5% do PIB –valor de resto já insuficiente para conter a escalada da dívida pública, um dos principais motivos da presente degradação econômica.

Em suma, a presidente terá de se mover entre as necessidades impostas pela falta de dinheiro e o risco fatal de perder sua base política. Assim imprensada, precisa aprovar o resto do ajuste das contas públicas no Congresso, fazer andar um plano de reformas –incluindo a da Previdência– e se proteger de ofensivas da oposição.

Caso vingue o novo calendário do impeachment, a abertura do processo será votada em abril. Até lá, pelo menos, parece difícil que a elite política se ocupe de mudanças de interesse do país.

Poderia ser de outro modo, talvez, caso a presidente se engajasse em um projeto ambicioso de relançar seu governo e promover amplo diálogo nacional. Não parece ser a convicção de Dilma Rousseff.

Assim, 2016 tende a começar sob tensão renovada. Governos de cofres vazios, uma população assolada por ainda mais desemprego e menos renda, movimentos sociais indóceis e inimigos no Congresso devem limitar muito o campo de manobra política da presidente.

Com boa sorte e ao menos alguma sabedoria, aprovará e implementará medidas de manutenção da governança, que têm sido chamadas de "arroz com feijão": uma política econômica que contenha nova aceleração da crise. É muito pouco para um país que completará um triênio de regressão.

Carlos Drummond de Andrade: Inocentes do Leblon

Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.

Roberta Sá - Samba de um Minuto