quinta-feira, 5 de maio de 2016

Opinião do dia - Antonio Anastasia

Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura. Por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições e, inclusive, já utilizado sem traumas institucionais.

Nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo.
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Antonio Anastasia, senador (PSDB-MG), relator da comissão do impeachment

Relator refuta tese de 'golpe' contra Dilma

Anastasia dá parecer favorável ao impeachment de Dilma

• Senador tucano se limita às tipificações de crime que foram autorizadas pela Câmara, mas considera que, após instauração do processo, fatos possam ser tipificados conforme entendimento do Senado

Isabela Bonfim e Luísa Martins - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O relator do processo de impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), pediu em seu parecer, apresentado nesta quarta-feira, 4, em sessão da Comissão Especial do Impeachment que seja feita a admissibilidade do processo contra a presidente Dilma Rousseff. O documento está disponível no site do Senado.

"Em face do exposto, a denúncia apresenta os requisitos formais exigidos pela legislação de vigência, especialmente pela Constituição Federal, para o seu recebimento. O voto é pela admissibilidade da denúncia, com a consequente instauração do processo de impeachment, a abertura de prazo para a denunciada responder à acusação e o início da fase instrutória", escreveu Anastasia ao fim do relatório, onde revela o seu voto.

Entre as diferentes denúncias do pedido dos juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, Anastasia considerou "fatos criminosos" a abertura de créditos suplementares sem autorização do Congresso e a contratação ilegal de operações de crédito com instituição financeira controlada pela União, no caso o Banco do Brasil, em relação aos pagamentos ao Plano Safra. De acordo com o texto do relator, há indícios suficientes de autoria e materialidade para que a presidente responda ao processo de impeachment.

Tipificações. O relatório se limita às tipificações de crime que foram autorizadas pela Câmara, em relatório escrito por Jovair Arantes (PDT-GO). Entretanto, Anastasia considera que, após instauração do processo, os fatos possam ser tipificados conforme entendimento do Senado.

"Uma vez (e se) instaurado o processo, a denunciada deverá se defender dos fatos narrados, e não da tipificação jurídica proposta na denúncia e aceita pela Câmara dos Deputados", escreveu ele, ponderando que os julgadores - no caso, os senadores - podem alterar a tipificação de crime e propor uma classificação jurídica diferente.

Na prática, as acusações contra Dilma permaneceram as mesmas, mas os senadores podem pedir que os crimes sejam punidos conforme artigos da Lei de Impeachment e Lei de Responsabilidade Fiscal diferentes dos que foram orientados pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Até as vésperas da entrega do relatório, Anastasia sofreu pressão dos próprios colegas do PSDB para inserir em seu relatório denúncias relacionadas à Lava Jato. Em uma estratégia de manter um relatório técnico, o tucano preferiu não inserir em seu parecer qualquer menção à investigação da Polícia Federal.

Crítica. O senador também aproveitou o relatório para criticar a presidente Dilma por chamar o processo de golpe. "Cabe refutar as insistentes e irresponsáveis alegações, por parte da denunciada, de que este processo de impeachment configuraria um golpe.

Em primeiro lugar, nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo Supremo Tribunal Federal (STF)."

Leitura. O parecer foi lido pelo relator durante cerca de três horas. O início da leitura foi antecedido por um pequeno bate-boca no plenário, entre oposição e base do governo. Ao começar a ler o texto de 126 páginas, o senador pediu para que os microfones do plenário fossem desligados. Ainda assim, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) falou, alto, que "há um jogo de cartas marcadas" no Senado.

O relatório foi lido sem intervenções por parte dos demais senadores. Na conclusão do texto, Anastasia considerou que há "indícios suficientes de autoria e materialidade" de "fatos criminosos". 

"Há plausibilidade na denúncia e atendimento aos pressupostos formais, restando, portanto, atendidos os requisitos exigidos pela lei para que a denunciada responda ao processo de impeachment com base na tipificação submetida e admitida pela Câmara dos Deputados", escreveu.

Relator de impeachment vê ‘indícios suficientes’

Relator do processo de impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG) disse ver “indícios suficientes” para o afastamento da presidente Dilma do cargo e a abertura de processo por crime de responsabilidade. Em 126 páginas, apresentadas ontem, ele sustenta que as “pedaladas” fiscais dão subsídio ao impeachment e refuta o discurso de “golpe”, adotado por Dilma. “Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura’,’ disse.

Relator refuta ‘golpe’ e pede saída de Dilma

• ‘Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura’

Cristiane Jungblut, Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- Em um relatório técnico, lido em três horas, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu ontem a abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff —e o consequente afastamento do cargo — pela prática de crimes de responsabilidade nas pedaladas fiscais de 2015 e na edição de decretos de crédito suplementar no mesmo ano. Ele refutou o discurso governista de que o processo trata-se de um “golpe” e afirmou que a defesa de um presidencialismo absoluto iguala-se a uma “ditadura”. O relatório será discutido hoje e votado amanhã na comissão. No dia 11, o plenário decidirá se admite a denúncia e afasta Dilma.

“Querer defender o presidencialismo sem impeachment é querer, mais uma vez, o melhor de dois mundos: o Executivo forte do presidencialismo, mas sem a possibilidade de retirada do poder em caso de abuso. Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura. Por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais”, afirmou o relator.

Anastasia ressaltou ainda que as seguidas audiências para ouvir a defesa e o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter fixado o rito dão legitimidade ao processo. “Nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF”, argumentou.

Anastasia optou por manter o processo restrito ao que foi aprovado pela Câmara. Com isso, apesar de constarem na denúncia original, as acusações de corrupção alvos da Operação Lava-Jato ficaram de fora. No entanto, Anastasia utilizou como “contextualização” as pedaladas realizadas sobretudo em 2013 e 2014. Quando recebeu a denúncia no ano passado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), havia excluído as citações à Lava-Jato e às pedaladas do primeiro mandato, o que foi mantido pelo plenário da Câmara.

O relator no Senado sustentou que as pedaladas ofendem a Lei de Responsabilidade Fiscal por se tratarem de empréstimos e observou que houve crescimento dos débitos no ano de 2015, chegando a R$ 58,7 bilhões em novembro, e que a quitação não encerra o problema.

Anastasia argumenta não ser crível que a presidente não tivesse conhecimento. “Não é razoável supor que a presidente da República não soubesse que uma dívida da ordem de R$ 50 bilhões junto a bancos públicos federais pairava na atmosfera fiscal da União. O tucano afirmou, porém, que só na próxima fase será possível analisar se o crime foi cometido por Dilma por ação ou omissão.

Em relação aos decretos, Anastasia fez uma análise individual de cada um e concluiu que em cinco deles houve violação à regra da lei orçamentária que permitia a edição somente se a meta fiscal estivesse sendo cumprida. “Sob interpretação mais restritiva, porém adequada ao caso concreto, não apenas três, mas cinco decretos apresentam repercussão negativa, no valor consolidado de R$ 1.814,4 milhões, relativamente à obtenção da meta de resultado primário, em inobservância à condicionante fiscal gravada no art. 4º da LOA 2015”, afirmou.

Analisou também preliminares levantadas pela defesa de Dilma, rejeitando todas. Negou que Cunha tenha cometido “desvio de poder” ao aceitar o impeachment e ressaltou que o ato do presidente da Câmara é defendido pelo próprio governo quando se trata de restringir a denúncia. Ressaltou ainda que o processo que chega ao Senado é fruto de decisão do plenário da Câmara e não de ato individual de Cunha.

Anastasia diz que o impeachment não coloca em “xeque” o regime presidencialista e ressalta que o cargo não dá a Dilma um “salvo conduto”. “Por outro lado, não se cuida de abonar a linha de defesa da Senhora Chefe do Poder Executivo, que pretende, por estratégia retórica, a ela (Dilma) atribuir um salvo conduto para que transite pela história como a Senhora do bem, que paira além da linha dos anjos”, diz.

Senadores que defendem a presidente Dilma Rousseff acusaram Anastasia de ter ampliado os casos em análise em seu relatório sobre o processo de impeachment por ter feito a citação a anos anteriores. Cogitam inclusive um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir mais prazo para a defesa.

— Ele ampliou o objeto. Fundamentou com anos anteriores, com Caixa, com BNDES, mas o objeto é só o caso do Plano Safra no Banco do Brasil em 2015. Estamos trabalhando com fatos concretos, não pode ser conjunto da obra, porque aí não tem direito de defesa — afirmou Lindbergh Farias (PT-RJ).

— É um relatório pior que a encomenda, que passa por cima da Constituição — complementou Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

“O líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), elogiou o parecer, que classificou como mais robusto que o aprovado na Câmara e ‘demolidor para o governo’”. (Colaborou Maria Lima)

Principais pontos

Impeachment:
O relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) ressaltou que o impeachment não coloca em “xeque” o regime presidencialista: “O impeachment é instrumento excepcional de equilíbrio e não de exceção. Em outras palavras, o impeachment dialoga com a soberania popular, mediante arranjo sábio entre as instâncias políticas e jurídicas do país.”

Golpe e ampla defesa:
O senador repetiu várias vezes que o processo deu amplo direito de defesa e contraditório à presidente Dilma Rousseff, “com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo Supremo Tribunal Federal.”

Críticas a Dilma.
Em vários pontos do parecer, fez críticas e ironias à presidente. Anastasia disse que Dilma trabalhava para ter “salvo conduto” para fazer o que quisesse. “Por outro lado, não se cuida de abonar a linha de defesa da senhora chefe do Poder Executivo, que pretende, por estratégia retórica, a ela (Dilma) atribuir um salvo conduto para que transite pela História como a senhora do bem, que paira além da linha dos anjos”, escreveu o tucano.

Eduardo Cunha:
O relator ainda ironiza o fato de o governo ter apoiado a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na delimitação a denúncia a dois pontos: “Houve o recorte substancial dos fatos descritos na denúncia, o que agradou muito a defesa da senhora presidente.” Em outro momento, deixa claro que a decisão da Câmara a favor do impeachment não foi do “presidente da Câmara”, mas sim “ato colegiado do Plenário da Câmara dos Deputados”.

Pedaladas fiscais:
O relator coloca como pedaladas fiscais as operações de crédito realizadas pelo governo junto a bancos oficiais. E disse que o processo pode ocorrer “sem esperar a votação das contas de 2015” pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso.

Anastasia apresenta relatório a favor de processo de impeachment

Débora Álvares, Leandro Colon, Mariana Haubert – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) apresentou nesta quarta (4) à comissão especial do impeachment relatório a favor do afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Relator do caso na comissão do Senado, Anastasia aponta que há elementos suficientes para que o processo seja aberto e petista julgada por crime de responsabilidade. Dilma é acusada de editar, em 2015, créditos suplementares e de usar dinheiro de bancos federais em programas do Tesouro, as chamadas "pedaladas fiscais".

"Em face do exposto, consideramos que os fatos criminosos estão devidamente descritos, com indícios suficientes de autoria e materialidade, há plausibilidade na denúncia e atendimento aos pressupostos formais, restando, portanto, atendidos os requisitos exigidos pela lei para que a denunciada responda ao processo de impeachment", diz Anastasia.

"É importante colocar em relevo que a denúncia em exame se refere a matéria da mais alta relevância para o país, qual seja, o da avaliação da responsabilidade na gestão fiscal e orçamentária", afirma o relator.

"Esta Comissão não está apreciando meros tecnicismos. Tratamos da admissibilidade de uma denúncia centrada em indícios de irregularidades que, por sua natureza, podem colocar em xeque o próprio regime de responsabilidade fiscal", ressalta o tucano.

Anastasia critica no relatório as alegações de Dilma de que é vítima de um "golpe". Para ele, é uma acusação "absolutamente descabida e desprovida de amparo fático e legal".

"Nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF", diz trecho de seu parecer. "Demais disso, o que se quer é deslegitimar a própria figura do impeachment, como se ela fosse estranha ao presidencialismo, ou sua antítese, o que é objetivamente falso", ressalta.

Em seu relatório, Anastasia diz que a linha de defesa de Dilma tenta atribuir a ela "um salvo conduto" para que ela entre para a história como uma "senhora de bem, que paira além da linha dos anjos".

"Por outro lado, não se cuida, neste mister, de abonar a linha de defesa da Senhora Chefe do Poder Executivo, que pretende, por estratégia retórica, a ela atribuir um salvo conduto para que transite pela história como a Senhora do bem, que paira além da linha dos anjos", disse.

Ao defender o afastamento de Dilma, Anastasia afirmou que defender o presidencialismo sem impeachment é "monarquia absoluta" e "ditadura".

"Querer defender o presidencialismo sem impeachment é querer, mais uma vez, o melhor (para o governo) de dois mundos: o Executivo forte do presidencialismo, mas sem a possibilidade de retirada do poder em caso de abuso. Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura, por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais", escreveu em seu parecer.

Ele também abriu espaço para que os senadores alterem, durante o julgamento da presidente, a tipificação dos crimes atribuídos a Dilma na denúncia original, desde que em cima dos mesmos fatos analisados: a edição de créditos suplementares e as chamadas "pedaladas fiscais.

"Durante a instrução probatória, o julgador pode, conforme previsão expressa do CPP (art. 383), alterar essa tipificação, propor distinta classificação jurídica para os fatos postos", disse o relator.

O relatório não menciona a Operação Lava Jato, o esquema de corrupção na Petrobras, ou algo referente ao tema. A intenção de Anastasia foi focar nos itens da denúncia original, ligados a possíveis manobras fiscais, e evitar uma espécie de "judicialização" do processo por parte da base do governo.

Na Câmara, onde a admissibilidade foi aprovada, o relator Jovair Arantes (PTB-GO) faz referência à Lava Jato, o que causou protesto por parte dos aliados de Dilma. Arantes não usou o escândalo para pedir a abertura do processo de impeachment, mas sugeriu que o Senado pudesse abordar e aprofundar o tema, o que não foi acatado pelo relatório de Anastasia nesta etapa do processo.

O parecer de Anastasia foi lido nesta tarde e será votado na comissão na próxima sexta (6). Um dia antes, quinta (5), o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, deve comparecer ao Senado para defender a presidente do documento do senador tucano.

Como já ocorreu em outras sessões, senadores governistas e de oposição bateram boca e a sessão foi suspensa por um minuto.
Ao chegar para a reunião da comissão, Anastasia foi assediado por alguns parlamentares que pediram para tirar selfies com ele, como o senador Magno Malta (PR-ES).

A bancada do governo reafirmou, por meio dos senadores Gleisi Hoffmman (PT-PR) e Lindbergh Farias (PT-RJ), sua posição contra a atuação de Anastasia pelo fato de ele pertencer ao PSDB, partido interessado no impeachment de Dilma. "Tivemos aqui uma acusação partidarizada. Vamos questionar até o final a presença de um senador do PSDB na relatoria", disse Lindbergh.

O líder da bancada tucana, Cássio Cunha Lima (PB), e outros senadores de oposição reagiram às críticas. "Esse teatro todo é para aparecer na televisão. Agora vai ouvir quieto e sentadinho aí", disse Ricardo Ferraço (PSDB-ES) a Lindbergh Farias. "O senador Anastasia tem as condições políticas e institucionais de ser o relator", ressaltou o tucano.

O PSDB ficou com a relatoria por questão de proporcionalidade de bloco partidário no colegiado.

O clima é de derrota para o governo dentro da comissão. Apenas cinco dos seus 21 titulares são contra a abertura do processo de impeachment. Os trabalhos do colegiado começaram na semana passada - desde então, foram ouvidos os autores da denúncia, a defesa de Dilma e especialistas a favor e contra o impeachment.

Depois da votação na sexta, o caso vai ao plenário do Senado, em sessão prevista para o dia 11, uma quarta-feira. São necessários os votos da maioria simples dos presentes para que o processo seja aceito. No momento, ao menos 51 dos 81 senadores já se manifestaram favoráveis.

Confirmado esse resultado, Dilma será afastada por até 180 dias, período em que será julgada pelos senadores e o vice Michel Teme assumirá interinamente. Nesta etapa, exige-se o mínimo de 54 votos para que ela seja afastada definitivamente. No caso, pelo menos 42 declararam até agora votos neste sentido.

Manifestação
Enquanto Anastasia lê seu relatório, um grupo de cerca de 30 pessoas do Comitê Pró-Democracia realizou uma manifestação contrária ao impeachment na porta da comissão especial. Com palavras de ordem, o manifestantes acusaram o tucano de ser "golpista" e disseram não aceitar um "governo ilegítimo que não tem voto", em referência à possibilidade de o vice-presidente Michel Temer assumir a presidência caso Dilma seja afastada do cargo.

O grupo participou de uma audiência pública sobre democracia e direitos humanos na Comissão de Direitos Humanos do Senado no início da tarde. Enquanto se deslocavam para a saída do Congresso, o deputado Vitor Lippi (PSDB-SP) passou pelo ato e gritou "Fora PT, Fora Dilma". A provocação foi imediatamente rechaçada pelo grupo, que cercou o parlamentar e também o acusou de ser golpista.

Os senadores Fátima Bezerra (PT-RN) e Lindbergh Farias (PT-RJ) foram ao encontro dos manifestantes para agradecer pelo apoio. "Como já era esperado, estamos diante de uma fraude jurídica e uma farsa política porque o PSDB, através do seu relator, apresenta voto pelo impeachment", disse Fátima.

Anastasia rechaça tese de golpe e endossa impeachment

Por Vandson Lima, Thiago Resende e Fábio Pupo – Valor Econômico

BRASÍLIA - Apontando indícios "robustos" de fraude fiscal e rechaçando a tese de que um golpe de Estado esteja em curso, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) apresentou ontem à comissão especial do impeachment seu parecer a favor do prosseguimento da denúncia contra a presidente da República, Dilma Rousseff.

O relatório será discutido hoje e votado amanhã pelo colegiado. Depois irá a voto no plenário na quarta-feira, dia 11, quando os senadores poderão, se admitirem a denúncia por maioria simples, afastar a presidente do cargo por até 180 dias.

O documento se limita a implicar Dilma pelos dois fatos apresentados na acusação encaminhada pela Câmara dos Deputados. A primeira é a abertura de créditos suplementares, por meio de decretos assinados pela presidente entre julho e agosto de 2015, sem aval do Congresso Nacional; a outra são os repasses feitos com atraso pelo Tesouro Nacional ao Banco do Brasil para subsídio de juros referentes ao Plano Safra em 2015.

O parecer é claro em delimitar a denúncia a esses dois pontos, podendo os senadores alterar a tipificação dos crimes, mas não acrescentar novas acusações. Havia dúvidas se Anastasia deixaria alguma brecha ou mesmo incluiria de pronto novos fatos - como possíveis ilegalidades cometidas na gestão da Petrobras ou as pedaladas fiscais de 2014, que constavam na denúncia original.

Anastasia sublinhou que "dado o contexto, merece destaque o fato de que o exercício de 2015 foi marcado pela repetição, senão aprofundamento, de situações críticas verificadas em 2014" no campo fiscal, sem, no entanto, adentrar a questão. O relatório sequer faz referências à Operação Lava-Jato, justamente para se ater às possíveis ilegalidades relativas a 2015.

O tucano refutou o argumento da defesa de Dilma de que o processo deveria ser anulado por ter sido deflagrado como "vingança e retaliação" do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "Não é demais lembrar que a autorização emanada da Câmara não é um ato pessoal do deputado, mas sim do plenário", que autorizou a abertura de processo de impeachment com mais de dois terços dos votos, disse o tucano. Anastasia frisou também que a decisão de Cunha fez um "recorte substancial" comemorado pela defesa de Dilma, ao acatar apenas as denúncias que tratavam de fatos ocorridos em 2015 - atual mandato da presidente.

Para o senador, as acusações "revelam contexto que pode demonstrar desvio de finalidade em favor de interesses políticos partidários, na medida em que, em contexto eleitoral, sonegaram informações à sociedade brasileira, a constituir pano de fundo relevante para apuração dos fatos praticados em 2015". Anastasia pontuou que "a partir do exame dessas operações [...], não é razoável supor que a presidente não soubesse que uma dívida da ordem de R$ 50 bilhões junto a bancos públicos pairava na atmosfera fiscal da União, até mesmo porque esse endividamento foi utilizado como forma de financiamento de políticas públicas prioritárias. Não se trata, portanto, de 'pedir impeachment porque alguém rouba um grampeador', como afirmou o Advogado-Geral da União perante este colegiado", lembrou.

Para Anastasia, a possibilidade jurídica de julgamento político é a razão de ser da previsão dos crimes de responsabilidade. "Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura, por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais", escreveu.

Anastasia argumentou que o impeachment é um mecanismo de "controle e repressão de delitos presidenciais"; e que não se trata de contrastar o mandato da presidente Dilma "com índices críticos de impopularidade; com o sentimento de rejeição, latente ou explícito, que se alastra em redes sociais irosas ou moderadas; com eventuais condutas veiculadas em áudios e delações". "Aqui, não aduzirei inverdades, não admitirei construções jurídicas fraudulentas", frisou no parecer.

Ele rechaçou ainda a alegação da defesa de que era necessário aguardar emissão de parecer prévio da prestação de contas de 2015 pelo Tribunal de Contas da União (TCU). "Não é condição de procedibilidade para se admitir, processar e julgar o crime de responsabilidade na esfera jurídico-política", afirma.

Senador do PT, Lindbergh Farias (RJ) disse que a menção a anos anteriores será judicialmente contestada. A ala governista da Casa foi após a sessão para uma reunião com Cardozo para definir a "estratégia jurídica" de reação ao relatório.

Antes da leitura, Lindbergh voltou a levantar possível suspeição de Anastasia por editar 55 decretos de crédito suplementar em Minas Gerais quando era governador. "Se fosse pelos decretos de crédito, não teríamos mais governador no país. Isso é cinismo", disse. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) chamou a fala do petista de "teatro patético". Anastasia se defendeu, argumentando que a lei estadual mineira - ao contrário da lei federal - autoriza os decretos. "O Estado tem mais flexibilidade", afirmou.

Do lado de fora da comissão, um grupo de 40 manifestantes protestou. Eles carregavam cartazes com as inscrições "Temer traidor", "Anastasia pedalador" e ainda chamaram o eventual novo governo do vice-presidente de ilegítimo. O deputado Vitor Lippi (PSDB-SP) interferiu no protesto e começou a gritar palavras contra o governo e contra Dilma. Os manifestantes, então, se voltaram em meia-lua contra o parlamentar e o chamaram em coro de "golpista".


Dilma lamenta 'ingratidão' de Anastasia

• Parecer de senador tucano à Comissão Especial do Impeachment no Senado foi favorável à admissibilidade do processo de afastamento da presidente

Tânia Monteiro e Carla Araújo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao tomar conhecimento do conteúdo, já esperado, do relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que recomendou a aprovação da admissibilidade do processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff lamentou a “ingratidão" do tucano. Segundo interlocutores, a presidente fez um breve comentário sobre Anastasia, julgando que ele teria sido “ingrato” pela relação republicana que sempre manteve com ele, quando Anastasia foi governador de Minas Gerais, entre 2010 e 2014. Em tom de desabafo, Dilma afirmou que Minas teve “muita ajuda do governo federal” no governo tucano.

O clima no Palácio do Planalto era de absoluta normalidade. Não havia expectativas com a leitura do relatório do processo de impeachment no Senado e nem em relação ao voto de Anastasia. De acordo com interlocutores da presidente Dilma, não houve orientação para que o voto – que durou cerca de três horas – fosse acompanhado atentamente e pouco se comentou após a decisão do tucano. “Já era mais do que esperado. Era tão esperado que ninguém nem assistiu”, disse um assessor palaciano.

A estratégia para os próximos passos, com a já esperada aprovação da admissibilidade do processo de impeachment no Senado, no dia 11, seguida do afastamento de Dilma, deverá ser discutida na noite desta quarta-feira, 4, no Palácio do Alvorada, em reunião entre a presidente Dilma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os seus ministros mais próximos. Na ocasião, eles querem analisar o relatório de Anastasia, e o que o advogado da União, José Eduardo Cardozo, deverá enfatizar na defesa de Dilma que deverá fazer novamente no Senado.

Também estão na pauta do encontro desta noite a defesa do pedido ao Supremo Tribunal Federal, feito pelo procurador- geral da República, Rodrigo Janot, pela abertura de inquérito para investigar não só Dilma, mas também Lula e Cardozo. Eles são acusados de tentativa de obstrução das investigações da Lava Jato.

A aliados, Lula mostra indignação com denúncia

Por Andrea Jubé – Valor Econômico

BRASÍLIA - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou "indignado" e "muito irritado" com a denúncia oferecida contra ele ao Supremo Tribunal Federal (STF) na terça-feira pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, bem como com a inclusão de seu nome como investigado no inquérito relativo à Operação Lava-Jato. Sobre a iminente derrota do governo no julgamento do impeachment, ele tem afirmado a aliados que "não existe cair de pé".

Ontem, o ex-ministro Gilberto Carvalho acusou o PMDB de "tramar o golpe" desde o início de 2015 e convidou os movimentos sociais a descerem a rampa ao lado de Dilma na próxima semana, quando ela deve ser afastada pelo Senado Federal.

Segundo petistas ouvidos pelo Valor e que se encontraram com Lula nesses últimos dias, o que mais deixa o ex-presidente contrariado em relação à denúncia de Janot é a tentativa de aplicar a ele a teoria do "domínio do fato". A teoria, que responsabiliza a autoridade hierarquicamente superior pelas práticas de atos ilícitos dos subordinados, foi adotada pelo STF no julgamento do mensalão.

Lula também tem se irritado com as sugestões de aliados sobre como o governo pode deixar o palácio "de cabeça erguida". O ex-presidente avalia que só é possível cair sentado ou deitado. Aliados sugeriram a Dilma que desça a rampa acompanhada de ministros e movimentos sociais, com postura firme.

Na denúncia oferecida ao Supremo, que é um aditamento à ação penal contra o senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), Janot diz que constatou que Lula, "José Carlos Bumlai e Maurício Bumlai atuaram na compra do silêncio de Nestor Cerveró para proteger outros interesses, além daqueles inerentes a Delcídio e a André Esteves". Eles negam o envolvimento com irregularidades.

Ontem, em evento no Palácio do Planalto de balanço sobre os programas sociais, o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gilberto Carvalho acusou o PMDB de tramar o "golpe" contra Dilma e o PT desde janeiro de 2015. Afirmou que um governo com o ex-ministro Geddel Vieira Lima e o senador Romero Jucá (PMDB-RR) não tem como dar certo.

"Nós estamos a uma semana da presidente descer a rampa", disse Carvalho, que hoje é presidente do Conselho Nacional do Sesi. Ele convidou os presentes, coordenadores e beneficiários de programas sociais do governo, a descer a rampa junto com Dilma. Fontes do Planalto dizem que Lula deverá estar presente no ato, previsto para 12 de maio, mas acompanhará a solenidade do meio da multidão.

"Temos que ter clareza que o outro lado não tramou essa história agora, isso vem desde janeiro de 2015", acusou. "Na verdade esse golpe é um sonho desde 2003", disse Carvalho. "Eles estiveram conosco quando interessava. Quando lucraram muito, quando se locupletaram inclusive. Porque a maioria dos caras que fizeram o que foi feito, que nos acusam, não são dos nossos partidos", reforçou.

Carvalho alertou que, "junto com o golpe, vem uma pauta regressiva, também dos direitos sociais". "A curto prazo eu não acredito porque vão ter que fazer muita média, porque daqui a pouco começa. Ou alguém acredita que um governo com Geddel Vieira Lima e com Romero Jucá vai dar alguma coisa de bom para este país?", provocou.

Segundo o ex-ministro, "todo mundo sabe que nós não estamos saindo pela corrupção". Ele disse que os governos do PT tiveram a "coragem de fazer funcionar os órgãos de Estado que combateram a corrupção".

Para Carvalho, o PT está deixando o governo "exatamente pelas escolhas certas que fizemos do ponto de vista do jogo de classe, da distribuição da renda". Ele concluiu dizendo que Dilma "não pode ser acusada de um tostão de corrupção" e "está tendo seu mandato cassado legitimamente conquistado pelo voto". Ele instou a população a continuar lutando nas ruas. "É por isso que essa indignação e essa consciência não nos podem deixar voltar pra casa na semana que vem", concluiu.

'Vamos descer a rampa com a presidente', diz ex-ministro sobre possibilidade de Dilma se afastada

• A integrantes de movimentos sociais e de organizações não governamentais, Gilberto Carvalho adotou discurso do 'golpe e fez duras críticas ao PMDB

Carla Araújo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-ministro da Secretaria-Geral da presidente Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho, fez duras críticas ao PMDB e afirmou que vai descer junto com Dilma a rampa do Palácio do Planalto no caso de o Senado decidir afastá-la temporariamente. “Estamos a uma semana de a presidente descer a rampa. E vamos descer a rampa com a presidente”, disse, em evento de balanço sociais do Ministério do Desenvolvimento Social, no Palácio do Planalto, que não conta com a presença de Dilma. “É um momento duro, não vamos nos enganar”, ponderou.

Para uma plateia formada por integrantes de movimentos sociais e integrantes de organizações não governamentais, Carvalho afirmou que o evento de hoje era uma homenagem para aqueles que “nunca arredaram o pé” e sempre deram apoio aos projetos sociais do governo e criticou os ex-aliados. “Ao contrário de outros que se fizeram de aliados do governo e pularam fora, essa gente aqui não é assim”, afirmou. “Bastou o primeiro momento de crise para mostrarem unhas, dentes e garras.”

O ex-ministro, que hoje é presidente do Conselho Nacional do Sesi, afirmou que esse “outro lado” não entrou agora “nesta história” e afirmou que desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder “eles não suportaram” os projetos sociais do partido. “Temos que ter clareza que outro lado não entrou nessa história agora, essa história vem desde janeiro de 2015”, afirmou. “Esse jogo estava sendo combinado”, completou. “Na verdade esse golpe é um sonho desde 2003, eles estiveram conosco quando interessava, quando lucraram, quando tiveram cargos.”

Carvalho afirmou que “a conspiração” dos oposicionistas é conhecida e que Dilma não será afastada por conta das suspeitas de corrupção. “Todo mundo sabe que nós estamos saindo por conta da escolha certa que nos fizemos do ponto de vista da luta de classes”, disse. “Dilma está tendo cassado o seu mandato e não pode ser acusada por um tostão.”

O ex-ministro citou ainda possíveis ministros do eventual governo do vice Michel Temer e afirmou que nenhum deles trará coisas boas para o País. “Precisamos lutar e defender a democracia e os direitos sociais porque, junto com o golpe, não nos iludamos, vem uma pauta regressiva nos direitos sociais. A curto prazo, não acredito, porque vão ter que fazer muita média, mas, daqui a pouco, começa. Ou alguém aqui imagina que um governo com Geddel Vieira Lima, Jucá e etc vai dar alguma coisa de bom para este País?”, referindo-se a Romero Jucá, cotado para o Planejamento, e Geddel Vieira Lima, apontado como futuro ministro da Secretaria de Governo de Temer.

Carvalho criticou também o modelo econômico que privilegia o mercado financeiro e disse que essa escolha também contraria interesses das elites. “Houve uma escolha de um projeto que tirou dinheiro que antes ficava apenas na especulação financeira para investir nas pessoas”, disse. “Por isso que essa indignação e consciência não nos podem deixar voltar para casa nesse momento.”

Apesar de no início de sua fala reconhecer que o processo contra a presidente já está praticamente definido, o ex-ministro disse no fim do seu discurso que “seja qual for o resultado do Senado seremos combatentes”. “Não passarão; Vamos continuar resistindo contra o golpe.”

Investigações. Carvalho é um dos citados nas investigações da Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção na Petrobrás, e Zelotes, que apura suposto esquema de compra de medidas provisórias durante o governo Lula.

Em dezembro de 2015, prestou depoimento a PF no inquérito que investiga organização criminosa envolvendo parlamentares de diversos partidos supostamente beneficiados pelo esquema de propinas instalado na Petrobrás entre 2004 e 2014. Na ocasião, o ex-ministro disse à Polícia Federal que ‘ se afastou de Dilma por razões múltiplas, basicamente por divergências a respeito da maneira de conduzir o Governo’.

Dilma diz que Delcídio tem ‘prática de mentir’

A poucos dias do julgamento do processo de impeachment no Senado, a presidente Dilma intensificou a agenda de viagens e inaugurações. De hoje até dia 11, vai à Amazônia, ao Pará e a Goiás. Ontem, a presidente chamou de levianas as denúncias feitas pelo senador Delcídio Amaral em delação premiada.

• Presidente reage a pedido para ser investigada e critica vazamento

Leticia Fernandes, Eduardo Barretto - O Globo

-BRASÍLIA- Às vésperas da votação no Senado que pode abrir o processo de impeachment e possivelmente vivendo seus últimos dias como presidente no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff reagiu ontem ao ato do procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, que pela primeira vez encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de abertura de inquérito contra ela. O pedido de Janot, que vê indícios de tentativa de obstrução da Justiça por Dilma na nomeação de Lula como ministro da Casa Civil e na indicação de Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi embasado na delação do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS), chamado de mentiroso por Dilma:

— As denúncias feitas pelo senador Delcídio Amaral são absolutamente levianas, e sobretudo mentirosas, conforme já reiterei sistematicamente desde que apareceram. Aliás, ele tem a prática de mentir e isso fica claro ao longo de toda essa questão relativa à sua prisão a partir das gravações. Tenho certeza que a abertura do inquérito vai demonstrar apenas que o senador, mais uma vez, faltou com a verdade, como fez anteriormente — disse Dilma após o lançamento do plano Safra, no Planalto.

A presidente destacou que, na primeira gravação, Delcídio acusava ministros do STF, e que depois retirou a acusação.

— Agora acusa a mim. Tenho consciência das mentiras do senador Delcídio Amaral e acho que a credibilidade do senador é bastante precária.

O pedido de Janot deve ser analisado pelo STF nos próximos dias. Dilma anunciou que pedirá à Advocacia Geral da União (AGU) para apurar os vazamentos, que “estranhamente”, ressaltou, ocorreram às vésperas de o Senado julgar a abertura do processo de impeachment.

Além do pedido de abertura de inquérito contra Dilma, também vieram a público nos últimos dias pedidos de investigação feitos pelo procuradorgeral contra adversários políticos de Dilma, como o presidente do PSDB, Aécio Neves, e o recém-rompido prefeito do Rio, Eduardo Paes.

— Lamento que mais uma vez algo muito grave tenha acontecido, o vazamento de algo que pela imprensa eu tomei conhecimento, que ao que tudo indica estava sob sigilo, que estranhamente vaza às vésperas do julgamento no Senado — disse Dilma, acrescentando que os autores do vazamento “têm interesses escusos e inconfessáveis”. — Vou solicitar ao ministro da AGU que solicite abertura no Supremo para apurar esses vazamentos. Esses vazamentos têm uma característica: você vaza, depois, se ficar caracterizado que nada há, o dano já foi feito. Podem ter certeza, quero que essa investigação seja a fundo, e quero saber quem é o autor ou autores do vazamento — disse Dilma, que aproveitou a solenidade no Planalto para fazer um agradecimento à ministra da Agricultura, Kátia Abreu, uma de suas mais enfáticas defensoras nas últimas semanas.

Cassação de Delcídio
O Senado decidiu fazer um rito rápido sobre a cassação de Delcídio Amaral, que tenta adiar a votação que decidirá seu destino. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) vota hoje o parecer favorável à perda de mandato. Ontem à noite, depois de terem apresentado um novo pedido de licença do senador por cem dias (o atual termina amanhã), os advogados de Delcídio protocolaram pedido para que seja cumprido prazo de cinco sessões entre a apreciação do parecer na CCJ e a votação no plenário.

A tentativa deverá ser frustrada. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) disse que a votação da cassação de Delcídio deve acontecer na próxima terça-feira, véspera da votação do processo de impeachment.

— Se a CCJ votar amanhã (hoje) o parecer do Ferraço (Ricardo, PSDB-ES), devemos marcar a votação no plenário para a próxima terça-feira — disse Renan. (Colaborou Cristiane Jungblut).

Sessão no Senado em que será votado o afastamento deve durar 20 horas

• Na semana que pode ser sua última no cargo, Dilma tem maratona de eventos

Cristiane Jungblut, Eduardo Bresciani e Danilo Fariello – O Globo

-BRASÍLIA- O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDBAL), já tomou algumas decisões para a votação no plenário do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, no próximo dia 11. Os 81 senadores terão em média 15 minutos para falar, o que pode arrastar a sessão por mais de 20 horas. A previsão é que a sessão termine dia 12 e que, se o processo for aberto, Dilma seja notificada da decisão no dia 13, sexta-feira.

Em princípio, a votação em plenário poderia ser simbólica, como no impeachment do ex-presidente Collor, em 1992, quando os deputados sequer registram efetivamente seus votos. Mas Renan decidirá no momento da votação a forma (simbólica ou nominal), dependendo da vontade do plenário. Caso seja nominal, Renan deverá usar o painel eletrônico, evitando assim o festival de citações a familiares e outros assuntos, que marcaram o processo na Câmara.

O Senado está montando uma estrutura especial para a votação no plenário. Os senadores poderão falar por 15 minutos, mas os líderes partidários terão direito à palavra deforma diferenciada, o que elevará o tempo de debate. Haverá ainda manifestações da acusação e da defesa.

PT quer prolongar sessão
No calendário inicial, a sessão está marcada para dia 11, podendo se arrastar para o dia seguinte. O rito do impeachment e a legislação determinam que, aprovada a admissibilidade do processo, o presidente da República deve ser citado em seguida e afastado imediatamente.

Collor teve o processo aprovado num dia e, no dia seguinte, às 10h, ele recebeu a notificação. Apenas quando o presidente recebe a notificação e a assina, é afastado de suas funções. No mesmo momento, o vice-presidente é notificado de que está assumindo o comando do país.

O objetivo é notificar Dilma no dia seguinte. Mas o PT quer arrastar a sessão para o dia 13, forçando Renan a notificar a presidente, se o processo for aberto, só no dia 16. Mas essa não é a disposição no Senado.

A notificação, diz a legislação, deve ser feita pelo primeiro-secretário, senador Vicentinho Alves (PR-TO). Porém, ele já avisou a Renan que não quer essa missão. Para escapar, precisa pedir uma licença.

Semana de agenda lotada
O governo Dilma chega hoje ao que podem ser seus últimos sete dias com uma agenda lotada de eventos a serem anunciados. A presidente fez questão de ir ao Xingu, na Amazônia, e inaugurar hoje parte da usina hidrelétrica de Belo Monte, que já entrou em operação. No Pará Dilma também entregará unidades do Minha Casa Minha Vida.

Ministros prestam contas
No entanto, o lançamento do novo plano de banda larga — o Brasil Inteligente —, que estava previsto para ser lançado esta semana, só deverá ser apresentado na segundafeira. No mesmo dia, está prevista a inauguração de uma área do aeroporto de Goiânia que ainda não está totalmente pronta.

O ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro, revelou também, no início da semana, que há medidas de incentivo à indústria que podem ser anunciadas até sexta. Sábado, Dilma vai a Palmas inaugurar uma sede da Embrapa.

Nesta semana, ministros também têm apresentado balanços de suas gestões, como fez Monteiro na última segunda-feira, em entrevista coletiva. O ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, divulgou esta semana um balanço das ações de sua pasta em 2015. Hoje, a ministro do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, lançará um novo sistema de monitoramento de florestas para evitar desmatamento.

Permanência de Cunha é ‘risco para investigações’ e ‘conspira contra dignidade’, diz Teori

• O ministro afastou Eduardo Cunha do cargo de líder da Casa e do mandato de deputado

Por Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na decisão que afastou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a permanência do deputado frente à Casa representa ‘risco para as investigações penais’ que correm na Corte máxima e é ‘pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada’.

O ministro afastou Cunha do cargo de líder da Casa e do mandato de deputado. A decisão foi tomada em cima de pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

“Os elementos fáticos e jurídicos aqui considerados denunciam que a permanência do requerido, o Deputado Federal Eduardo Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”, afirmou Teori.

“Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas. Pelo contrário, o que se extrai de um contexto constitucional sistêmico, é que o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição, sobretudo a que está manifestada nos princípios de probidade e moralidade que devem governar o comportamento dos agentes políticos.”

O ministro sustentou a decisão. “Poderes são politicamente livres para se administrarem, para se policiarem e se governarem, mas não para se abandonarem ao descaso para com a Constituição. Embora funcionem, esses Poderes, sob o impulso de suas respectivas lideranças, embora tenham autonomia para perseguir os louvores e os fracassos daqueles que temporariamente lhes imprimam comando, são todos eles geneticamente instituídos pela mesma Constituição, e por isso estarão sempre compromissados com o seu espírito. Os poderes da República são independentes entre si, mas jamais poderão ser independentes da Constituição.”

“O mandato, seja ele outorgado pelo povo, para o exercício de sua representação, ou endossado pelos demais deputados, para a liderança de sua instituição, não é um título vazio, que autoriza expectativas de poder ilimitadas, irresponsáveis ou sem sentido. Todo representante instituído nessa República tem ao menos dois compromissos a respeitar: um deles é com os seus representados; o outro, não menos importante, é com o do projeto de país que ele se obriga a cumprir ao assumir sua função pública. A sublime atividade parlamentar só poderá ser exercida, com legitimidade, se for capaz de reverenciar essas duas balizas.”

Documento

Ao afastar Cunha, Supremo ajuda Temer a ganhar confiança da sociedade

João Domingos – O Estado de S. Paulo

O maior beneficiário do afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de deputado federal e, consequentemente, da presidência da Câmara, é o vice-presidente Michel Temer. Seu eventual governo ganhará muito em credibilidade sem a presença de Cunha, que no cargo de presidente da Câmara passaria a exercer o papel de vice-presidente.

Réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro, suspeito de ter se beneficiado da corrupção na Petrobrás e em outros órgãos da administração federal, a presença de Cunha na condição de vice era desaprovada pela ampla maioria da população, conforme as recentes pesquisas de opinião pública.

O afastamento de Eduardo Cunha do cargo de deputado federal foi decidido liminarmente pelo ministro Teori Zavascki, relator do caso Lava Jato no STF. Ele atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), feito ainda no fim do ano passado.

O procurador Rodrigo Janot alegou que Cunha criou um "balcão de negócios" na Câmara, "vendeu" atos legislativos e "tumultuou" a elaboração de leis. Janot acusou Cunha de agir com a intenção de proteger a "organização criminosa" da qual faz parte.

Em março, Cunha foi o primeiro congressista a ser tornar réu na Lava Jato. A Corte investiga se ele cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no esquema de desvios de dinheiro da Petrobrás. De acordo com o que foi apurado pelo Ministério Público, o agora afastado presidente da Câmara recebeu propina de lobistas de pelo menos US$ 5 milhões. Em troca, ele teria viabilizado o contrato de navios-sonda pela Petrobrás.

Desde o julgamento do escândalo do Mensalão do PT, o Supremo tem se pautado muito pela opinião da sociedade. Portanto, é possível que, na tarde desta quinta-feira, 5, a Corte afaste Cunha em definitivo. O plenário julgará ação da Rede Sustentabilidade que alega, entre outros pontos, que Cunha está na linha sucessória da Presidência da República e, por ser réu em processo criminal, não poderia ocupar o comando do País em eventuais afastamentos do titular da Presidência da República.

Teori afasta Eduardo Cunha do mandato na Câmara

Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki determinou nesta quinta-feira (5) o afastamento do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato de deputado federal. O peemedebista já já recebeu e assinou a notificação, segundo sua assessoria.

Relator da Lava Jato, o ministro concedeu uma liminar em um pedido de afastamento feito pela Procuradoria-Geral da República, em dezembro, e apontou 11 situações que comprovariam o uso do cargo pelo deputado para "constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações". Na peça, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a classificar o peemedebista de "delinquente".

Em dezembro, a PGR informou que, para Janot, Cunha "vem utilizando o cargo em interesse próprio e ilícito unicamente para evitar que as investigações contra ele continuem e cheguem ao esclarecimento de suas condutas, bem como para reiterar nas práticas delitivas". Janot disse, à época, que Cunha ultrapassou "todos os limites aceitáveis" de um "Estado Democrático de Direito" ao usar o cargo em "interesse próprio" e "unicamente para evitar que as investigações contra si tenham curso e cheguem ao termo do esclarecimento de suas condutas, bem como para reiterar nas práticas delitivas".

O peemedebista foi transformado em réu no STF, por unanimidade, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro sob a acusação de integrar o esquema de corrupção da Petrobras, tendo recebido neste caso US$ 5 milhões em propina de contratos de navios-sonda da estatal.

Na Lava Jato, o deputado é alvo de outra denúncia, de mais três inquéritos na Corte e de outros três pedidos de inquéritos que ainda aguardam autorização de Teori para serem abertos. As investigações apuram o recebimento de propina da Petrobras e o uso do mandato para supostas práticas criminosas.

"Ante o exposto, defiro a medida requerida, determinando a suspensão, pelo requerido, Eduardo Cosentino da Cunha, do exercício do mandato de deputado federal e, por consequência, da função de Presidente da Câmara dos Deputados", diz trecho da decisão.

Cunha será substituído por outro investigado na Lava Jato, o deputado Waldir Maranhão (PP-MA).

'Ações espúrias'
O procurador-geral sustenta que Cunha "tem adotado, há muito, posicionamentos absolutamente incompatíveis com o devido processo legal, valendo-se de sua prerrogativa de presidente da Câmara dos Deputados unicamente com o propósito de autoproteção mediante ações espúrias para evitar a apuração de suas condutas, tanto na esfera penal como na esfera política".

O pedido de afastamento cita conversa obtida no celular apreendido de Cunha com o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, na qual Cunha negocia um projeto de interesse do empreiteiro e pede propina, na avaliação de Janot. "Alguns dias depois Cunha cobrou o pagamento de valores, que, pelo teor das conversas anteriores, era em duas partes: R$ 1.500.000,00 e R$ 400.000,00".

Também cita conversa com o então presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, na qual Cunha acerta emendas de seu interesse. Por isso, Janot diz que Cunha transformou a Câmara em "balcão de negócios".

Foram encontrados ainda na busca nas residências de Cunha documentos referentes às suas contas na Suíça, documentos referentes à Petrobras e dossiê da CPI da Petrobras, e documentos sobre requerimentos e emendas de deputados aliados.

Dentre os fatos já conhecidos, como o uso da ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ) para, por meio de requerimentos em uma comissão, pressionar o lobista Julio Camargo a lhe pagar propina da Petrobras, e o uso de parlamentares para apresentar requerimentos contra o grupo Schahin, que tinha uma disputa com o corretor de valores Lúcio Bolonha Funaro, pessoa próxima a Cunha.

No caso de Funaro, a PGR aponta que ele pagou veículos no valor de R$ 180 mil para a empresa de Eduardo Cunha, a C3 Produções Artísticas e Jornalísticas.

Janot também cita fatos envolvendo a CPI da Petrobras, patrocinada por Cunha e que se encerrou em meados desse ano. Diz que a convocação da advogada Beatriz Catta Preta foi para intimida-la porque o lobista Julio Camargo implicou Cunha em sua delação premiada e que a contratação da empresa Kroll, por cerca de R$ 1 milhão, foi para buscar ativos financeiros dos delatores da Lava Jato que pudessem comprometer suas delações premiadas.

A peça também usa como argumento as manobras de Cunha para evitar a abertura de seu processo de cassação no Conselho de Ética, citando inclusive a entrevista do ex-relator do processo Fausto Pinato à Folha publicada na semana passada, na qual ele disse ter recebido oferta de propina.

Planalto
A decisão de Teori pelo afastamento foi avaliada como tardia pela equipe da presidente Dilma Rousseff e pelo comando nacional do PT. A avaliação foi a de que, já que Cunha comandou todo o processo de impeachment da petista, era melhor que ele continuasse no cargo para, na opinião deles, desgastar a imagem do eventual governo do vice-presidente Michel Temer.

Nos últimos dias, Temer disse a aliados e peemedebistas que iniciaria um processo de afastamento de Cunha, recebendo-o apenas em agendas oficiais. O receio é que a imagem do presidente da Câmara poderia contaminar a sua gestão interina.

Para auxiliares e assessores da petista, a Suprema Corte demorou para analisar a saída do peemedebista diante das denúncias contra ele, o que, na avaliação do Palácio do Planalto, influenciou na aprovação do processo de impeachment da presidente.

Nas palavras de um assessor da petista, a decisão poderia ter sido tomada antes e demonstra que Cunha não poderia ter conduzido o processo contra Dilma.

Aliados
Aliados já se encaminham para a casa de Cunha, onde ele recebeu a notificação, e se dizem "perplexos" com a decisão do ministro.

"Ele [Zavascki] criou um fato, porque o julgamento de hoje era outro. Não sei se o Supremo mantém isso, é uma interferência na Câmara, uma intervenção", afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), um dos mais próximos a Cunha.

Aliados do peemdebista sempre alimentaram o discurso de que era impossível o STF afastar Cunha do mandato já que isso significaria uma afronta a outro poder, uma interferência indevida e uma violência à decisão popular, já que o mandato é dado pelo povo e só pode ser manipulado pela Câmara, que é formada por representantes do povo.

Os motivos para o afastamento
Ministério Público Federal lista 11 razões para que Eduardo Cunha seja afastado do cargo

1 Requerimentos feitos por aliados de Cunha, como a ex-deputada Solange Almeida, para pressionar pagamento de propina da Mitsui

2 Requerimentos e convocações feitos na Câmara a fim de pressionar donos do grupo Schahin

3 Convocação da advogada Beatriz Catta Preta à CPI da Petrobras para "intimidar quem ousou contrariar seus interesses"

4 Contratação da empresa de espionagem Kroll pela CPI da Petrobras, "empresa de investigação financeira com atuação controvertida no Brasil"

5 Utilização da CPI da Petrobras para pressão sobre Grupo Schahin e convocação de parentes do doleiro Alberto Youssef

6 Abuso de poder, com a finalidade de afastar a aplicação da lei, para impedir que um colaborador corrija ou acrescente informações em depoimentos já prestados

7 Retaliação aos que contrariam seus interesses, caso da demissão do ex-diretor de informática da Câmara que revelou a autoria de requerimentos feitos por aliados de Cunha

8 Recebimento de vantagens indevidas para aprovar medida provisória de interesse do banco BTG, de André Esteves

9 "Manobras espúrias" para evitar investigação no Conselho de Ética Câmara, com obstrução da pauta com intuito de se beneficiar

10 Ameaças ao deputado Fausto Pinato (PRB-SP), ex-relator do seu processo de cassação

11 Novas ameaças e oferta de propina ao ex-relator Pinato

Ministro do STF afasta Eduardo Cunha do mandato na Câmara

• Presidente da Casa já recebeu notificação da liminar concedida por Teori

Por Carolina Brígido / Francisco Leali / Isabel Braga / Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA - O ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o afastamento de Eduardo Cunha do mandato de deputado federal e, consequentemente, da presidência da Câmara. A decisão foi tomada com base no pedido do Ministério Público Federal realizado em dezembro do ano passado. A liminar, no entanto, só foi concedida na noite desta quarta-feira

A assessoria de Eduardo Cunha informou que ele já recebeu a notificação da liminar concedida pelo ministro do STFl. Cunha será substituído pelo deputado Waldir Maranhão (PP-MA), também investigado pela Lava-Jato.

No despacho, Teori explica que as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ganharam contorno mais grave a partir do processo de impeachment, o que levará Cunha a substituir o presidente da República com eventual afastamento de Dilma Rousseff do cargo. Teori é direto:

"Diante dessa imposição constitucional ostensivamente interditiva, não há a menor dúvida de que o investigado não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República, já que figura na condição de réu no Inq 3983, em curso neste Supremo Tribunal Federal. A rigor, essa conclusão (a limitação do mandato de Presidente da Câmara dos Deputados) não exigiria qualquer promoção ministerial, tanto assim que ela sequer chegou a ser pleiteada", diz o ministro.

No texto, Teori acrescenta:
"Os elementos fáticos e jurídicos aqui considerados denunciam que a permanência do requerido, o Deputado Federal Eduardo Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas. Pelo contrário, o que se extrai de um contexto constitucional sistêmico, é que o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição, sobretudo a que está manifestada nos princípios de probidade e moralidade que devem governar o comportamento dos agentes políticos."

CPI da Petrobras
O ministro também aborda o suposto desvio de funcionalidade de Cunha na presidência da Câmara, durante os trabalhos da CPI da Petrobras.

"É certo que no exercício da Presidência da Câmara dos Deputados os riscos de reiteração da prática desses atos, a tentativa de ocultar possíveis crimes e a interferência nas investigações são, obviamente, potencialmente elevados. Já considerada essa condição, há indícios mais recentes, trazidos pelo Procurador-Geral da República, de que o Deputado Federal Eduardo Cunha continua atuando com desvio de finalidade e promovendo interesses espúrios. Os elementos aportados pela acusação revelam, por exemplo, atuação parlamentar de Eduardo Cunha, com desvio de finalidade, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito denominada CPI da Petrobras", diz outro trecho.

Segundo Teori, há provas de que Lucio Funaro, aliado de Cunha, fazia ameaças a empresários do Grupo Schain de que poderiam ser convocados pela CPI da Petrobras e isso, de fato, acabou ocorrendo. Teori também cita o fato de a empresa Kroll ter sido contratada para investigar pessoas que fizeram delação premiada na Operação Lava-Jato.

Conselho de Ética
Teori cita também como um dos exemplos da atuação irregular de Cunha as interferências no trabalho do Conselho de Ética da Câmara onde o deputado é alvo de pedido de cassação.

"O Ministério Público aponta, também, pelos elementos fáticos trazidos aos autos, que há interferência constante, direta e explícita no andamento dos trabalhos do Conselho de Ética, que visam a julgar o requerido por suposta quebra de decoro parlamentar acerca de fatos relacionados com os investigados nesta Corte e já aqui descritos. O requerido defende-se no sentido de que são todas questões interna corporis da Casa Legislativa. Realmente, não cabe ao Judiciário, em princípio, fazer juízo sobre questões dessa natureza. Mas não é disso que aqui se trata. O que aqui interessa é a constatação de que, objetivamente, a citada Comissão de Ética, ao contrário do que geralmente ocorre em relação a outros parlamentares, tem-se mostrado incapaz de desenvolver minimamente as suas atribuições censórias em relação ao acusado", diz o ministro.

Outro fato citado no despacho foi a demissão de diretor da Câmara ligado ao setor de informática após divulgação de que o nome de Cunha estava registrado nos arquivos da Casa vinculados a requerimentos que foram apresentados ainda em 2011 para extorquir empresários. "Esse justo receio de que o requerido esteja a prevalecer-se de sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados para a prática ou ocultação de crimes encontra fundamento concreto, ainda, na demissão do então Diretor do Centro de Informática da Câmara dos Deputados, Luiz Antonio Souza da Eira, exonerado sumariamente (fl. 871) após o surgimento dos primeiros indícios de que o autor dos requerimentos apresentados pela Deputada Solange Almeida seria o próprio Deputado Eduardo Cunha. Nesse sentido foi o depoimento prestado pelo próprio, em 29.4.2015, na Procuradoria-Geral da República".

Teori lembra ainda o episódio da ameaça que o então relator do processo de Cunha no Conselho de Ética, deputado Fausto Pinato, teria recebido em São Paulo.

"Essas observações – sem que se possa, naturalmente, tomar delas nenhum juízo definitivo – encontraram eco perturbador durante busca eapreensão realizada na residência do Deputado Federal Eduardo Cunha, quando foram encontrados, no bolso de seu paletó, cópias de boletins de ocorrência relativos justamente ao Deputado Fausto Pinato: “um dos boletins se refere ao crime de ameaça supostamente praticado em desfavor do ex-relator do processo instaurado em face do Eduardo Cunha no Conselho de Ética", pontua.

Medidas para atrapalhar investigações
No despacho, Teori evita entrar no mérito das acusações contra Cunha, mas ressalta que há inúmeros indícios de que ele pode, sim, ter se envolvido em ações de "extorcionismo" descritas, inclusive comandando eventuais medidas para atrapalhar investigações.

"Não apenas os depoimentos prestados à Procuradoria-Geral da República por particulares (entre eles os relatos feitos por representantes da empresa Schahin e por causídico que acompanhou procedimentos de colaboração premiada, até mesmo perante esta Suprema Corte), mas também revelações obtidas de parlamentares integrantes do Conselho de Ética, apontam, no mínimo, no sentido da existência – nessas instâncias – de uma ambiência de constrangimento, de intimidação, de acossamento, que foi empolgada por parlamentares associados ao requerido. Embora não existam provas diretas do envolvimento do investigado nos episódios de extorsionismo descritos com riqueza de detalhes pelo Ministério Público, há uma miríade de indícios a corroborar as suspeitas de que o requerido não apenas participou dos fatos, como os coordenou. Impressiona, como já pontuado, a narração de ameaça declarada pelo Deputado Fauto Pinato, relator original da representação instaurada junto ao Conselho de Ética contra o investigado, bem como o conteúdo dos documentos abrigados em paletó pertencente ao requerido, que foram apreendidos em diligência de busca e apreensão determinada no âmbito de inquérito de minha relatoria".

Reú na Lava-Jato
Cunha está entre os que colecionam processos no STF. Há no tribunal quatro inquéritos abertos contra ele. Em março, ele se tornou o primeiro réu na Lava-Jato. O Tribunal abriu contra ele uma ação penal para investigar se ele cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no esquema de desvios de dinheiro da Petrobras. Segundo as apurações, o parlamentar recebeu propina de lobistas de pelo menos US$ 5 milhões. Em troca, ele teria viabilizado o contrato de navios-sonda pela Petrobras.

A Rede também pediu o afastamento de Cunha do cargo, por conta do empecilho de manter o parlamentar, que é réu, na linha sucessória da Presidência da República. Se a presidente Dilma Rousseff for afastada na próxima semana, no processo de impeachment, o vice, Michel Temer, ocupará o posto. Cunha seria o próximo substituto. A Rede solicitou a proibição de que réus em ação penal ocupem qualquer cargo que esteja na linha sucessória presidencial. O pedido será analisado nesta quinta-feira pelo STF.

Petistas não creem em volta de Dilma caso ela seja afastada pelo Senado

• Ministros e cúpula do PT admitem nos bastidores que dificilmente presidente retornará ao Planalto após 180 dias

Vera Rosa e Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Ministros do PT e a cúpula do partido avaliam que, após ser afastada do cargo, a presidente Dilma Rousseff dificilmente retornará ao Palácio do Planalto. O diagnóstico sombrio também já foi feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a própria Dilma, mas, em público, todos tentam demonstrar disposição para um movimento de resistência, no Palácio da Alvorada.

Dilma, Lula, o presidente do PT, Rui Falcão, e ministros mais próximos jantaram na quarta, 4, no Alvorada para traçar a reação ao impeachment. Ficou definido ali que, após o Senado aprovar a saída da presidente - hipótese dada como certa pelos petistas -, ela descerá a rampa ao lado de ministros e de representantes de movimentos sociais.

A ideia é fazer uma homenagem a Dilma na despedida. Dentro e fora do Planalto, na Praça dos Três Poderes, haverá apoiadores do PT, que há 13 anos está no poder.

O governo calcula que o desagravo ocorra no dia 13, quarenta e oito horas após a votação do impeachment no plenário do Senado. Treze é o número do PT.

“Estamos a uma semana de a presidente descer a rampa. E vamos descer a rampa junto com ela”, disse Gilberto Carvalho, braço direito de Lula durante oito anos e ex-ministro de Dilma, em cerimônia no Planalto. “É um momento duro. Não vamos nos enganar”, emendou ele, ao fazer duras críticas ao PMDB do vice Michel Temer.

Situada a sete quilômetros do Planalto, a residência oficial do Alvorada deve virar a sede de uma espécie de “governo paralelo” por até 180 dias, prazo para o julgamento final no Senado. A intenção de Dilma é levar com ela de dez a 15 auxiliares, conforme o que for estabelecido em decreto pelo Senado, e a equipe será comandada pelo assessor especial da Presidência, Giles Azevedo. Nessa lista estão a presidente da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior, e o chefe da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo.

No duelo contra Temer, além da ofensiva para defender o seu mandato em várias frentes - em viagens domésticas e até no exterior -, Dilma quer que a equipe deixe pronto um portfólio de todos os programas executados por seu governo, desde 2014.

O que mais preocupa o PT, porém, não é Dilma, mas, sim, Lula. A denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para quem o esquema de corrupção na Petrobrás “jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de forma tão agressiva” sem a atuação do ex-presidente, atingiu em cheio o maior símbolo do partido.

Até agora, mesmo perdendo capital político após virar alvo da Lava Jato, Lula ainda é o único nome com densidade eleitoral no PT para ser candidato da legenda à sucessão de Dilma, em 2018. O temor do PT é que ele seja preso.

Janot também pediu ao Supremo Tribunal Federal para investigar Dilma, sob suspeita de obstruir a Lava Jato, e o núcleo duro do governo, incluindo na lista Cardozo, Jaques Wagner (Gabinete Pessoal), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Edinho Silva (Comunicação).

Vazamento. Após lançar o Plano Safra 2016/2017, Dilma disse que Cardozo vai solicitar ao STF a apuração do vazamento de inquérito sigiloso contra ela e acusou o senador Delcídio Amaral, ex-líder do governo, de fazer denúncias “levianas e mentirosas”. Para ela, o vazamento ocorreu “estranhamente” às vésperas do seu julgamento no Senado. “Lamento que, mais uma vez, algo muito grave tenha acontecido”, disse Dilma, sem esconder a irritação. “Você vaza, depois se caracteriza que nada há e o dano já foi feito.” / Colaborou Carla Araújo

Impeachment ou golpe de estado? - Cássio Casagrande*

A Presidente da República sofreu uma traição política sórdida. O aliado de ontem apunhalou-a pelas costas. Deputados que eram ministros 48 horas antes votaram pelo impeachment. O ex-líder do governo no Senado passou para a oposição como quem troca de roupa. Podemos dizer que seus coligados da véspera conspiraram e engendraram uma trapaça política. Ela sofreu um duro golpe. Mas de que golpe estamos falando? A presidente alega que isto é um “golpe de estado”. Ela está complemente errada. “Golpe de Estado” e “golpe Político” são coisas completamente diferentes. Confundir um pelo outro é grave porque distorce o próprio conceito do que é um regime democrático: se não sabemos o que é golpe de estado, então não sabemos o que é democracia constitucional.

Democracia é procedimento fundado no princípio da igualdade política. Ou seja, a democracia não tem “conteúdo” - ela não prescreve o que deve ser decidido, mas tão somente como deve ser decidido: sendo todos iguais, a decisão deve ser pela regra da maioria, observados certos limites, que são os direitos fundamentais, especialmente os da minoria. O regime democrático simplesmente estabelece as regras e os limites do jogo. Se o resultado deste jogo disputado dentro das regras for desagradável a uma parcela do eleitorado (até mesmo à maioria), nada pode ser feito. A democracia raramente é um espetáculo bonito, especialmente porque o pressuposto majoritário e a igualdade política contêm três patologias congênitas: a tirania da maioria, a demagogia, e o império do interesse em desfavor da virtude cívica, como profetizou antes de todos Tocqueville, que testemunhou o seu nascimento e quem melhor sobre ela escreveu.

O processo de impeachment é um mecanismo de responsabilidade e de limitação do poder que nasceu com as revoluções democráticas, no mesmo momento em que se conformou a noção de representação política pela maioria.

No absolutismo o rei não representava a maioria e não podia ser responsabilizado por seus atos (“the king can do no wrong”). Todas as constituições produzidas durante a Revolução Francesa, ao mesmo tempo em que consagraram a representação pela maioria, estabeleceram mecanismos de responsabilidade política; assim também a Constituição americana de 1787 que instituiu o impeachment, de onde adaptamos o instituto para nosso sistema constitucional, desde a Constituição de 1891. Adaptação que foi mal feita, pois na tradição da Common Law não há uma lei infraconstitucional de impeachment, é a própria constituição que define os crimes de responsabilidade. Ao trazer o impeachment para nossa Civil Law, tratamos equivocadamente de codificá-lo no direito infraconstitucional e criamos uma infinidade de tipos penais abertos e mal delineados - razão de muitos dos malentendidos sobre a questão -, o que dá a ilusão de que o processo de crime de responsabilidade é semelhante, no aspecto processual, a uma ação penal comum.

Por isto assistimos a Câmara de Deputados aprovar sem muita convicção o processo de impeachment em uma base legal frágil; mas, sobretudo, assistimos atônitos a decisão sendo tomada por uma Câmara composta por uma escumalha de desqualificados e chefiada por um presidente descrito por seus pares como “gangster” e “psicopata”. Pensamos, num impulso, que estes deputados “não nos representam”. Sim, não representam a nós elite ilustrada, que somos uma parcela ínfima da população. Eles certamente representam, e muito bem, o seu eleitorado (é disso que Tocqueville está falando quando trata da demagogia). Induvidosamente, há problemas de representação em nosso sistema político, que distorcem a vontade do eleitorado. Isto não retira a legitimidade dos que estão lá até que as regras sejam mudadas. Ser democrata é reconhecer este fato. Regras só podem ser mudadas pelas regras sobre mudança de regras. Além disto, as distorções da vontade eleitoral também ocorrem na escolha do executivo, inclusive do atual. Ninguém ignora como são financiadas as campanhas presidenciais. Mas por enquanto também é a regra do jogo. Então, se há motivos para questionar a legitimidade do Congresso, também os haveria para questionar a do Executivo (presidente e vice, diga-se), aqui especialmente se demonstrada a ilegalidade do financiamento da campanha. Mas não é o caso, por ora: grande parcela dos deputados está sendo processada por corrupção; a chapa da presidente está sendo impugnada na Justiça Eleitoral, também por corrupção. Mas no impeachment nenhuma destas causas está em questão. Então vale a regra do jogo e os jogadores são legítimos até que a Justiça os exclua.

O impeachment, sendo instrumento de controle do regime democrático é, portanto, na essência, procedimento. Ele pressupõe sim o cometimento de um crime político, definido na lei. Porém quem faz a tipificação é a Câmara dos Deputados no juízo de admissibilidade e o Senado no julgamento definitivo. O “juiz da causa” é o Legislativo, não o Judiciário. Portanto, o juízo do “mérito” da causa é jurídico, mas é predominantemente político porque o julgador, neste caso, não tem a obrigação de fundamentar sua decisão (que é o que distingue o impeachment de um processo estritamente jurídico, já que neste o juiz tem o dever de fundamentá-la). Como em um tribunal do júri, os membros do Congresso Nacional votam “sim” ou “não” a um libelo (relatório da comissão especial). Podemos alegar que um júri condenou um inocente, por um erro na apreciação da culpabilidade do réu. Ainda que a decisão transite em julgado, não podemos questionar a legitimidade do júri. Nesta hipótese, a decisão foi errada e injusta, mas ocorreu dentro do procedimento previsto. Pode ser chocante, mas é exatamente esse o espírito “democrático” do júri. A democracia, goste-se ou não, não tem como propósito produzir resultados ideais, “justos”. Ela garante o governo da maioria e a maioria pode ser injusta, ainda que dentro da lei. Ela não garante que os melhores e mais virtuosos serão eleitos. Ela também não assegura que os eleitos, ainda que puros, não possam ser destituídos do poder de acordo com regras preestabelecidas, mesmo que isto seja uma “injustiça”. E é por isto que o Judiciário não pode reexaminar o mérito do julgamento do Senado, mesmo que o enquadramento legal aos tipos do crime tenha sido malfeito e o resultado injusto. Esta questão já foi muito bem definida pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Nixon v. United States, de 1993 (506 U.S. 224; não se trata do caso do Presidente Richard Nixon, mas do juiz federal Walter Nixon, que questionou no judiciário o seu julgamento por impeachment perante o Senado).

No caso brasileiro, inclusive, o Judiciário legitima o processo quando o presidente do STF comanda o julgamento no Senado (Constituição, art. 52, parágrafo único).

O impeachment, sendo essencialmente procedimento, se conduzido dentro das regras constitucionais (e o foi, com o beneplácito do Supremo), não pode ser considerado golpe de estado, por inconsistentes que sejam as acusações. A expressão golpe de estado nasceu na França (coup d’État) e se popularizou para descrever a ascensão de Napoleão no 18 de Brumário. Como neste evento arquetípico, ela significa tomada de poder pela força, com ruptura das regras constitucionais. O Brasil viveu quatro golpes de Estado: 1889, 1930, 1937 e 1964. Em todos eles houve ruptura da ordem constitucional e medidas de exceção foram impostas, com cerceio a liberdades públicas. Nada disto está acontecendo agora, a Constituição está intacta. Nada disto aconteceu em 1992. Não se deve esquecer que Collor foi absolvido pelo STF quanto ao fato que deu substância “jurídica” ao seu processo de impeachment. Isto não transformou sua deposição em golpe de estado. Ninguém nunca alegou esta tese, além do próprio Collor. A Presidente poderá ser absolvida futuramente na Justiça quanto à sua eventual responsabilidade civil ou penal nas pedaladas fiscais. Isto também não transformará o impeachment em golpe de estado. Poder-se- á dizer que o julgamento político da Presidente foi injusto, como talvez o foi o de Collor. Nada mais do que isso.

A presidente não deveria, por estas razões, alegar que está sendo vítima de um golpe de estado. A alegação em si desqualifica nossa democracia, que é de fato imatura, mas não é frágil, pois já se sustenta há quase trinta anos.

Ela pode sim alegar que o resultado da votação do impeachment decorreu de uma trapaça política; de uma traição vil de conspiradores desonestos. Mas a democracia, como procedimento, não tem como objetivo, nem poderia ter, evitar a traição e a conspiração. Traição e conspiração entre aliados estão no campo da política “burguesa”, mas dentro das regras democráticas, como Marx observou no ”18 de Brumário de Luís Bonaparte”. Em qualquer país democrático políticos são traídos por aliados e podem perder o poder por isto, seja no parlamentarismo ou no presidencialismo. Aliás, na democracia, políticos podem trair até mesmo o próprio eleitorado. No nosso caso, tudo isto está acontecendo com incrível desfaçatez. É bastante desagradável, como a democracia por vezes o é. Mas o máximo que podemos fazer é tampar o nariz. Ou mudar as regras do jogo.
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*Doutor em Ciência Política. Professor de Teoria da Constituição da Graduação e do Programa de Pós-Graduação (mestrado) em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense - UFF.