Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2021
Merval Pereira - Defender a democracia
Ascânio Seleme - O Brasil de Bolsonaro afunda
País
vive sob o comando de um alucinado
Os
sinais estão espalhados por todos os lados. Só não vê quem não quer. O Brasil
de Jair Bolsonaro desmorona. Todos os erros cometidos ao longo dos dois
primeiros anos de seu mandato começam a ser cobrados. O problema é que a conta
será paga por todos, inclusive por aqueles que têm pavor da figura
presidencial, como você e eu.
Na
terça-feira, o francês Emmanuel Macron expressou um sentimento com que a
maioria dos líderes europeus concorda, o Brasil de Bolsonaro não é um país
confiável. Como não se obtém um compromisso em favor do meio ambiente e da
Amazônia, muito menos medidas nesse sentido, Macron propôs um boicote à soja
brasileira. E sugeriu que se plante soja em solo europeu. Para Macron,
continuar dependendo da soja brasileira seria “endossar o desmatamento da
Amazônia”.
Talvez o presidente francês não ignore que os grandes produtores de soja brasileiros não cortam uma árvore nativa nem acendem um palito de fósforo nas florestas brasileiras há pelo menos 20 anos. Que os incêndios e as derrubadas de matas são feitas hoje em dia por madeireiros, garimpeiros, grileiros e pequenos produtores rurais, muitos deles de assentamentos de sem-terra. Mas há um símbolo nisso que precisa ser mantido.
Maria Cristina Fernandes - Uma eleição sem povo que define rumos
Disputa
no Congresso definirá futuro do governo Bolsonaro
O
comando da Câmara e do Senado será definido numa eleição que, apesar de não ser
determinada pela vida real dos brasileiros, moldará, em grande parte, seu
futuro. Não se trata de um confronto entre esquerda e direita nem de governo
versus oposição, mas de uma disputa entre partidos por espaços dentro e fora do
Congresso.
É
claro que os mantos com os quais os candidatos se apresentam têm mais
purpurina. Na Câmara, o líder do PP, o deputado Arthur Lira (AL) se mostra como
o candidato capaz de substituir o atual ocupante do cargo como o fiador da
responsabilidade fiscal. É nesta condição que gostaria de manter a Câmara como
o palco de articulações para 2022, apesar do fiapo jurídico que sustenta seu
mandato.
Como
se considera herdeiro natural do posto de fiador, o deputado Baleia Rossi
(MDB-SP) se permite falar na continuidade do auxílio emergencial. Somado à
menção ao impeachment pelo presidente da Câmara e principal apoiador de Baleia,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), está formatado o discurso com o qual a chapa espera
atrair os 130 votos da esquerda na Casa. Visto que nem a continuidade do
auxílio nem o impeachment prosperaram com Maia, o manto dourado se reveste de
tardio oportunismo.
Como na tessitura desses mantos vale tudo, o avanço do projeto que pretende dar autonomia às PMs em detrimento da autoridade dos governadores é propagado como a decorrência natural da opção do presidente Jair Bolsonaro por Lira. Com Lira e sem auxílio emergencial, o presidente, que também já cuidou de liberalizar compra de armas e munições, estaria reforçando sua retaguarda contra o caos social decorrente da miséria.
Luiz Carlos Azedo - Embolou a disputa no Senado
Qualquer que seja o resultado da eleição, porém, a ‘política de conciliação’ continuará predominando entre os parlamentares no Senado
A
sucessão de Davi Alcolumbre (DEM-AP) na Presidência do Senado está embolada,
com ligeira vantagem para o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, o
senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que largou na frente. Somente na terça-feira,
o MDB escolheu a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como candidata da bancada, com
a desistência dos demais postulantes. O jogo bruto do Palácio do Planalto, que
desprezou as candidaturas de seus líderes no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE),
e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), levou o líder Eduardo Braga (MDB-AM),
que também postulava a indicação, a concluir que a senadora teria melhores
condições de equilibrar a disputa do que ele próprio.
Num primeiro momento, a impressão que havia passado era de que as raposas do partido se recolheram para fazer um acordo de bastidor com Rodrigo Pacheco, cristianizando Simone Tebet. Mas, não foi isso que aconteceu: dos 15 senadores emedebistas, somente Luiz do Carmo (MDB-GO) admitiu que ainda não decidiu seu voto. Os caciques da legenda chegam à conclusão de que foram tratados como uma força de segunda classe, embora tenham a maior bancada. A narrativa de Alcolumbre, de que o MDB já teria muita força na Casa, por controlar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e o fato de partido não ter sido consultado na escolha de Pacheco irritaram a cúpula do MDB.
William Waack - Um duro recado
-
Para
multinacionais como a Ford, o Brasil é visto como incapaz de sair do marasmo
A saída da Ford do
Brasil não é um veredicto contra o governo de Jair Bolsonaro. É um pouco pior. É um
veredicto desagradável sobre o Brasil na comparação internacional – não importa
quais tenham sido os erros (alguns óbvios, como produtos equivocados) da
montadora em suas estratégias de mercado.
Em
primeiro lugar, o que a postura da montadora indica é que afastados das
principais inovações somos uma grandeza negligenciável em termos de tamanho de
mercado. Ela está desmentindo a frase muito surrada, segundo a qual o Brasil
tem um tamanho (em termos de mercado) que nenhuma multinacional pode se dar ao
luxo de ignorar.
Em segundo lugar, a saída dela apenas confirma o que o setor industrial brasileiro vem “denunciando” há pelo menos uma década: o ambiente de negócios geral no País está piorando ao longo dessa linha do tempo – os últimos dez anos, durante os quais os benefícios tributários concedidos especialmente ao setor automotivo triplicaram em relação ao PIB, sem que viessem os esperados resultados.
Ricardo Noblat - O Dia D e a Hora H da Operação Ponte-Aérea da Vacina
Coisas
de quem usa farda
Em um governo que emprega mais de 3 mil militares em funções tradicionalmente reservadas a civis e que alçou ao comando do Ministério da Saúde um general que não sabia o que era o SUS (Sistema Único de Saúde), é natural o uso de expressões que remetem a atos de guerra para anunciar suas intenções.
O
general Eduardo Pazuello havia dito que a vacinação em massa contra o
coronavírus teria início no Dia D, que lembra a data do desembarque dos países
aliados nas costas da Normandia durante a Segunda Guerra Mundial para libertar
a França ocupada pelo Exército alemão do ditador nazista Adolph Hitler.
Agora, Pazuello diz que haverá uma Operação Ponte-Aérea para distribuição da vacina aos Estados. Como a Alemanha, ao fim da guerra, fora dividida em dois Estados – um administrado pelos aliados ocidentais e outro pelos soviéticos -, Berlim, a capital, ficou dividida em duas partes – a oriental e a ocidental.
José Serra* - A miséria do presidencialismo
O
regime presidencial, o voto proporcional e a relação entre Poderes favorecem
aventureiros
O
destino dos EUA, a República mais antiga, mais estável, mais rica e mais
poderosa dos tempos modernos, está em alto risco e, apesar de seus sintomas de
decadência terem surgido na década de 1960, ninguém é capaz, hoje, de prever
seu futuro. O destino de uma das maiores democracias do mundo, que alterna
períodos de relativa estabilidade com outros de autoritarismo, períodos de alto
crescimento econômico com outros de retrocesso, é incerto até mesmo quanto ao
ano que começa. Refiro-me ao Brasil, onde não se pode hoje prever em que
direção irá o atual retrocesso econômico e sanitário, nem se, e como,
enfrentaremos os desafios do aumento do desemprego e da pobreza.
Os dois países não estão isolados nessa condição de enfrentar desafios que parecem maiores do que os recursos de que dispõem para superá-los, entre os quais as ameaças à liberdade e à igualdade. Diferentemente das décadas de 1970 e 1980, em que a chamada onda democrática liberou do autoritarismo dezenas de países, as ameaças à democracia voltaram a se espalhar por todo o mundo – incluídas as Américas do Sul, Central e, agora, a América do Norte.
Zeina Latif* - O próprio umbigo
Decisões
autoritárias atendem ao desejo de uns poucos, em detrimento do cidadão
O
governador João Doria ganhou
a eleição prometendo diminuir o desperdício de recursos públicos, reduzir o
papel do Estado e estimular o empreendedorismo. Com esse espírito, tem
conseguido aprovar importantes iniciativas na Assembleia Legislativa. Não se
pode acusá-lo de estelionato eleitoral ou inação.
A
má notícia é a ação, de legitimidade questionável, de agentes públicos e de
grupos do setor privado para bloquear medidas que já passaram por deliberação
pública. Uns poucos que defendem seus interesses sem considerar as consequências
sobre o restante.
O
Complexo Constâncio Vaz Guimarães (Complexo Esportivo do Ibirapuera) ocupa uma área de 92 mil
m2 em região valorizada de São Paulo, mas está obsoleto, malconservado e
subutilizado. Seriam necessários ao menos R$ 400 milhões para sua recuperação,
e seu custo anual aos cofres públicos é da ordem de R$15 milhões.
O governo do Estado decidiu, então, repassá-lo à iniciativa privada, que irá construir novas instalações esportivas e comerciais. Caberá ao poder público buscar o equilíbrio entre o atendimento às finalidades de lazer, esporte e entretenimento, em benefício dos cidadãos, e a viabilidade econômica do empreendimento, para atrair investidores.
Celso Ming - A desistência da Ford
As
condições para esse desfecho vêm do excessivo protecionismo, da incapacidade de
competir no mercado internacional e do alto custo Brasil
O fechamento das três fábricas da
montadora americana Ford, depois de mais de cem anos de
presença no Brasil, é um Boeing que despenca. Outros desastres o precederam. Em
outubro do ano passado, a mesma Ford fechou a fábrica de caminhões de São Bernardo do Campo. E, em dezembro,
a alemã Mercedes-Benz encerrou as atividades de sua
montadora de automóveis em Iracemápolis, interior de São Paulo.
A
indústria automobilística do Brasil sofre ainda mais do mesmo mal de que sofrem
as montadoras dos Estados Unidos. Ficaram para trás em
tecnologia, enfrentam custos excessivos, são mal administradas e dependem
demais do balão de oxigênio fornecido pelos governos.
Já em 1990, o então presidente Collor se referia ao setor no Brasil como “produtores de carroças”. Bolsonaro agora está dizendo que a Ford quer tetas por onde se dependurar. Pelas contas do Ministério da Economia, em dez anos, as montadoras do Brasil foram alimentadas pelo governo federal em nada menos que R$ 43,7 bilhões. A essa conta precisam ser acrescentados outros favores velhos de guerra: isenções e créditos de ICMS, doações em terrenos e infraestrutura, proteção alfandegária, acordos comerciais que atuam como reservas de mercado...
Ribamar Oliveira - Um país viciado em subsídios
Só
com o setor automotivo, o gasto será de R$ 5,9 bi
O
lamentável comunicado da empresa Ford, de que vai encerrar suas atividades
produtivas no Brasil depois de mais de um século, recoloca uma questão
essencial para os dias de hoje, em que o setor público está quebrado, como
informou o presidente Jair Bolsonaro, referendado pelo ministro da Economia,
Paulo Guedes. Até quando a sociedade brasileira vai conviver com um nível tão
elevado de subsídios ao setor produtivo, estimados pela Receita Federal em R$
307,9 bilhões neste ano, pouco abaixo de 4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Somente com o setor automobilístico, a previsão que consta da proposta
orçamentária de 2021 é de um gasto de R$ 5,9 bilhões.
O gasto tributário ocorre quando o Poder Público concede anistia para determinada empresa ou setor, quando adia o pagamento de impostos ou contribuições, quando concede isenções de caráter não geral, quando reduz a alíquota de um tributo ou muda sua base de cálculo para conceder um tratamento preferencial a um grupo de contribuintes específico. Nestes casos, há uma renúncia de receita. Ou seja, o governo deixa de arrecadar.
Fernando Schüler* – Os curadores do mundo
Ideia
da liberdade de expressão nasceu do ceticismo moderno; quem detém a verdade e
quem são seus juízes?
Por
um bom tempo alimentamos a ideia de que a internet as redes
sociais forjariam uma imensa ágora digital. Ainda do projeto Gwan, que
conheci nos anos 1990, quando estudava em Barcelona. Tudo funcionava no sótão
de um velho prédio no bairro Gótico. A ideia era forjar música misturando sons
de todo o planeta para ser transmitida em todos os meios, nas primeiras horas
do ano 2000.
As
redes funcionariam com base na neutralidade, no mais amplo pluralismo, e as
regras não envolveriam discriminação de conteúdos. Viria daí diálogo e
aproximação dos divergentes.
O resultado, todos sabemos, foi o contrário. Ao invés da aproximação veio a guerra digital. Mesmo assim se preservou a ideia de que as redes manteriam sua neutralidade. E resistiriam aos grupos difusos e cada vez mais fortes na opinião pública e nas empresas.
Mariliz Pereira Jorge - Rodrigo Maia conivente
Ele
continua meditando sobre uma pilha de mais de 60 pedidos de impedimento
Maia continua meditando sobre uma pilha de mais de 60 pedidos de impedimento de Bolsonaro. Questionado sobre a celeridade com que um processo poderia ser julgado nos EUA contra Trump, disse que o cenário é mais "fácil" porque o americano passou dos "limites". Pelas minhas contas, Bolsonaro ultrapassou essa barreira no primeiro ano de mandato.
Maria Hermínia Tavares* - Bolsonaro tem roteiro para o golpe
Insuflar
a desconfiança nas eleições é tática dos políticos populistas para se manter no
poder a qualquer custo
A
democracia começa a ter um sério problema quando os vencidos numa eleição
contestam os seus resultados. Embora sejam muitas as condições que asseguram
a estabilidade do
sistema, a escolha dos governantes pelo voto —com as instituições garantindo a
lisura do jogo— e a aceitação do desfecho por todos os competidores formam o
alicerce da ordem democrática.
Em
2014, um desatinado Aécio Neves se recusou a ouvir a voz das urnas favorável a
Dilma Rousseff e abriu caminho para a crise política que culminaria com a
ascensão da extrema direita ao poder quatro anos depois.
É cedo para dizer como estará o país em 2022. A pandemia e a crise econômica, agravadas por um assombroso desgoverno, tornam fútil qualquer exercício de previsão eleitoral. Mas, hoje como hoje, pelo menos um candidato ao Planalto parece ter um plano pronto.
Bruno Boghossian – Escolha suas armas
É melhor remover um lunático da arena política ou derrotá-lo nas urnas?
Donald
Trump fez tantos estragos na política americana que foi preciso aprovar dois
pedidos de impeachment contra ele na Câmara. O primeiro foi barrado no
Senado, em 2020, e o segundo não deve ser votado antes do fim de seu mandato,
mas o processo em curso pode abrir caminho para que ele seja proibido de
disputar eleições.
Alguns congressistas republicanos apoiam a condenação de Trump. Além de gravar essa decisão na história, eles dizem que é preciso despoluir o partido e impedir que o atual presidente cause mais danos ao país no futuro. Outros parlamentares, porém, argumentam que expulsá-lo da vida pública vai alimentar animosidades e fortalecer seus devotos mais radicais.
Luis Fernando Verissimo - A caixinha
‘Presidente,
o senhor usaria armas nucleares contra a Rússia e o Congresso?’
Discute-se
a melhor maneira de punir o presidente Trump por ter incitado a invasão do
Congresso e criado as cenas de caos que os americanos não vão esquecer tão
cedo. Ele poderia ser processado ou impichado (de novo). Estou escrevendo antes
da escolha do castigo. A última notícia que se tem é que Trump estaria trancado
no seu quarto na Casa Branca, recusando-se a receber assistentes, amigos e
parentes. Do lado de fora da porta, teria se formado uma espécie de comitê que
tenta convencê-lo a se entregar ou pelo menos a conversar. Trump resiste. A
qualquer tentativa de comunicação, ele começa a cantar. Convites para saírem
todos dali e irem jogar golfe também são ignorados. Trump só respondeu quando
perguntaram se ele precisava de alguma coisa.
— Preciso de mais quatro anos de governo.
Carlos Alberto Sardenberg - Vacina já
Cabe
à sociedade, às pessoas, às instituições e às lideranças conscientes fazer
pressão para que o imunizante seja liberado
É
óbvio que o governador de São Paulo, João Doria, prepara sua candidatura à
Presidência em 2022. É mais óbvio ainda que entregar uma vacina contra o
coronavírus será um trunfo na campanha.
Também
é óbvio que o presidente Jair Bolsonaro é candidato à reeleição, vendo, neste
momento, João Doria como seu principal adversário. Logo, Bolsonaro não vê com
bons olhos a vacina do Doria, ainda mais que ele, presidente, é negacionista e
não tem a “sua” vacina.
Vai
daí, se conclui que há uma espécie de guerra da vacina entre o governador
paulista e o presidente. E isso coloca os dois no mesmo nível — como se ambos
estivessem usando a questão da vacina apenas como instrumento político.
Está
muito errado. Doria está ao lado dos principais líderes mundiais que, com o
apoio de infectologistas e sanitaristas, entenderam que a vacina é a única
saída para as crises de saúde e econômica. Como outros dirigentes, o governador
paulista foi atrás da vacina. E está entregando.
Se isso traz uma vantagem política para Doria, é outra história, que se vai conferir lá em 2022. Mas o fato é que o governador entregou uma vacina, em condições de uso imediato. Tem estocado nada menos que 8 milhões de doses e um programa viável de produção em massa do imunizante.
Míriam Leitão - Butantan e Fiocruz na luta real do país
Vamos
entender o que aconteceu nesta pandemia. As duas grandes e centenárias
instituições de saúde pública, com as quais o Brasil sempre contou, fizeram de
novo o seu papel. Foram atrás de vacinas, estabeleceram parcerias, negociaram
contratos para trazer os imunizantes e, depois, produzir localmente dois
produtos que nos ajudarão a salvar vidas. O país soube em momento extremo, uma
vez mais, que pode contar com a Fundação Oswaldo Cruz e com o Instituto
Butantan. Com o presidente da República, o Brasil não pode contar.
Nos
últimos dias o governo de São Paulo errou na comunicação. Principalmente na
semana passada, quando sobrou discurso político e faltou objetividade
científica. Especialistas ouvidos pela coluna acham que eles acertaram na
comunicação de terça-feira, quando informaram a taxa de eficácia global de
50,38%. Bolsonaro ironizou ontem o percentual, perguntando aos do cercado, na
porta do Palácio: “Essa de 50% é uma boa?” Todos os cientistas e médicos
ouvidos dizem que é sim uma boa. Se o percentual de eficácia fosse maior, seria
melhor.
Uma fonte do governo, mas que não vê o momento atual com olhos de torcida política, me disse o seguinte: “Os infectologistas avaliam que será uma vacina importante para prevenir formas graves da doença e impedir as mortes, o que já justifica. Seu papel na redução da transmissão da doença será menor, mas a vacina cumpriria um dos papéis esperados: reduzir muito as formas graves.”
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
Espera-se
celeridade da Anvisa na aprovação dos imunizantes — e do governo para começar a
vacinar
No
dia 19 de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro questionou as cobranças pela imunização
contra a Covid-19: “A pressa pela vacina não se justifica, porque você mexe com
a vida das pessoas”. Dias antes, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, já
criticara a “angústia” e a “ansiedade” pela vacina. Bolsonaro e Pazuello vivem
numa realidade paralela. No mundo real, não faltam motivos para “a pressa”. Ou
será que os mais de 200 mil mortos — o segundo maior número no planeta —, os
8,2 milhões de infectados, as mais de mil mortes diárias, o caos nos sistemas
de saúde e funerário e o drama das famílias enlutadas não são razão suficiente?
É
preciso interromper urgentemente essa tragédia. Estão sobre a mesa da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) os resultados dos testes e pedidos
para uso emergencial das duas vacinas mais próximas de chegar aos braços dos
brasileiros: a CoronaVac, já fabricada pelo Instituto Butantan, em São Paulo,
num convênio com a chinesa Sinovac, e a resultante da parceria entre a
Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, que começa a ser produzida
na Fiocruz, no Rio.
A Anvisa promete para domingo uma decisão sobre as vacinas. Pelos números divulgados até agora, as duas atendem ao critério estipulado pela OMS, que exige eficácia mínima de 50%, e não despertam reações adversas significativas. Ambas são, portanto, essenciais para a elaboração de uma estratégia nacional de imunização capaz de deter o avanço da pandemia.
Poesia | Pablo Neruda - Amigo
1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.
2.
Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.
Bebe do meu cântaro se tens sede.
Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.
Amigo,
se tens fome come do meu pão.
3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.
Sorris-te - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...
... Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...
Pablo Neruda, in "Crepusculário