terça-feira, 25 de novembro de 2014

Opinião do dia – Rubens Bueno

Poderíamos avançar, falando da leniência com a inflação no topo da meta; do descumprimento da proposta de superávit primário; do descontrole nas contas externas; do aumento da dívida pública, enfim, são inúmeros exemplos negativos que o atual governo coleciona na economia e que servirão de herança maldita para o próximo governo da presidente Dilma.

O período pós-eleitoral nos trouxe mais surpresas desagradáveis: aumento na Selic, autorização de reajuste nos preços da energia e dos combustíveis, aumento do desmatamento da Amazônia, déficit recorde nas contas públicas, enfim, medidas tomadas e indicadores revelados ao sabor dos interesses da candidatura oficial. Tudo feito para não atrapalhar a reeleição. Tudo feito para enganar o povo brasileiro.

Rubens Bueno, deputado federal (PR) e líder do PPS na Câmara dos Deputados. Herança maldita. Gazeta do Povo (PR), 24 de novembro de 2014.

Corrupção na Petrobras teve até recibo de propina

Propina com nota fiscal

• Empreiteira pagou R$ 8,8 milhões a empresário que também seria operador do esquema

Cleide Carvalho – O Globo

SÃO PAULO - Primeiro dos executivos presos na Operação Lava-Jato a admitir que pagou propina no esquema da Petrobras, Erton Medeiros Fonseca, da Galvão Engenharia, trouxe à tona um novo nome a ser investigado. Trata-se do empresário Shinko Nakandakari, que, segundo o executivo, atuava como operador do esquema de corrupção na Diretoria de Serviços da Petrobras, comandada por Renato Duque, ao lado de Pedro Barusco, ex-gerente executivo da área de Engenharia da estatal que se dispôs a contar o que sabe ao Ministério Público Federal e devolver US$ 97 milhões. Os advogados de Fonseca entregaram ontem à Justiça Federal do Paraná várias notas fiscais relativas à propina. Elas foram emitidas a favor da LFSN Consultoria e Engenharia, no valor de R$ 8,863 milhões, e teriam como finalidade pagar a propina a políticos.

A LFSN Consultoria pertence a Shinko, a Luís Fernando Sendai Nakandakari, que seria filho dele, e a Juliana Sendai Nakandakari. O endereço informado à Receita Federal é um apartamento num prédio residencial no bairro do Brooklin, na Zona Sul de São Paulo, que está em nome de Luís Fernando. Os pagamentos da Galvão foram feitos por meio de transferências eletrônicas a Luís Fernando e Juliana. Nas notas, aparece que o pagamento foi feito por serviços prestados.

As notas fiscais - várias delas com o valor de R$ 660 mil - foram emitidas entre 2010 e 2014. Segundo a planilha de pagamentos apresentada à Justiça pela Galvão Engenharia, o primeiro pagamento ocorreu em novembro de 2010 e o mais recente é de 25 de junho de 2014 - cerca de dois meses depois de a Operação Lava-Jato ter sido deflagrada pela Polícia Federal. As notas têm valores entre R$ 115 mil e R$ 750 mil.

Fonseca se dispôs a fazer acareação com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e com o doleiro Alberto Youssef, na tentativa de provar à Justiça que, ao contrário da acusação que lhe é imputada, ele não fazia parte da organização do cartel de empreiteiras, mas foi vítima de extorsão. É o mesmo argumento apresentado em depoimento pelo vice-presidente executivo da Mendes Júnior, Sérgio Cunha Mendes, que pagou R$ 8 milhões ao doleiro.

Em depoimento à Justiça, Fonseca afirmou que cedeu à pressão de Shinko porque a Galvão Engenharia vinha sendo sucessivamente preterida, e o nome da empresa havia sido excluído da lista das "convidadas" a participar da licitação. Disse ainda que o dinheiro era destinado ao caixa do PP.

Shinko Nakandakari é um dos denunciados num processo de improbidade administrativa envolvendo a construtora Talude, contratada pela Infraero para obras no aeroporto de Viracopos, em Campinas. O valor inicial do contrato, assinado em 2000, foi de R$ 13,892 milhões. Seis meses depois da assinatura, foi feito um aditivo de R$ 1,904 milhão. O segundo aditivo, de R$ 1.540.352,97, ocorreu em 2011. Para o Ministério Público Federal, não havia razões para firmar os aditivos, que tornaram a obra mais cara. O caso está na Justiça.

Fonseca cumpre prisão preventiva na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Ao pedir pela liberdade dele, os advogados argumentam que a Galvão Engenharia pertencia ao "grupo A", a elite de fornecedores da Petrobras, mas havia deixado de receber os convites da estatal para disputar licitações. Inconformada, a construtora teria encaminhado pelo menos 20 requerimentos à Petrobras, entre 2006 e 2014, relembrando aos executivos da estatal o padrão de excelência de seus serviços e pedindo que fosse incluída em certames em curso.

Os advogados dizem ainda que, se estivesse participando de um "conluio" com outras empreiteiras, a Galvão Engenharia não precisaria pedir à Petrobras que a convidasse para as licitações. Os depoimentos de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef incriminam Fonseca. Costa afirmou que ele participava do esquema de cartel, e Youssef diz ter tratado com ele o fechamento de contratos entre a Galvão Engenharia e suas empresas de fachada, como forma de viabilizar o pagamento das propinas. Foram apreendidos pela PF contratos da Galvão Engenharia com empresas que eram usadas pelo doleiro para movimentar recursos ilícitos. A empresa depositou pelo menos R$ 4,179 milhões na conta da MO Consultoria, uma dessas firmas de fachada.

A Galvão informa ter participado de 59 licitações na Petrobras. Os contratos individuais da empresa com a estatal, entre 2009 e 2013, somaram R$ 3,474 milhões. A Galvão atuou também em consórcios. Na semana passada, o advogado de Fonseca, José Luis Lima, disse que a empresa obteve contratos com a Petrobras "de forma lícita", mas depois passou a ser vítima de extorsão.

Procuradores vão à Suíça para tentar recuperar dinheiro
Dois procuradores do Ministério Público Federal (MPF), responsáveis pelas investigações da Operação Lava-Jato, embarcaram ontem para a Suíça para tentar localizar o dinheiro que pode ter sido desviado da Petrobras para contas no país. O Ministério Público suíço localizou e deve entregar extratos de uma conta do ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, acusado de participar do esquema de cobrança de propina, informou o "Jornal Nacional", da Rede Globo.

A conta do ex-executivo da Petrobras tem saldo de cerca de US$ 27 milhões. A força-tarefa do MPF tentará descobrir a origem do dinheiro e procurar se foram feitas transferências para outros envolvidos no esquema. Os procuradores também vão procurar provas de que outros envolvidos na Operação Lava -Jato tenham movimentado dinheiro no exterior. Entre eles, está outro ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, que está preso em Curitiba, e o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano. Conforme Paulo Roberto Costa, eles também participavam do esquema, sendo que Baiano seria operador do PMDB nos desvios de dinheiro da Petrobras.

A informação foi corroborada por outro executivo, da empresa Toyo Setal, chamado Júlio Camargo. Em um depoimento à Polícia Federal, ele garantiu ter feito depósitos no valor de R$ 6 milhões. A quantia, afirmou, era para a diretoria de Serviços, comandada por Duque. A maior parte foi depositada no banco Credit Suisse, em contas indicadas por Duque e pelo subordinado dele, o gerente de Serviços da estatal, Pedro Barusco.

Júlio Camargo também disse que repassou entre R$ 12,5 milhões e R$ 15 milhões para Fernando Baiano. Segundo o executivo da Toyo Setal, esse dinheiro foi levado para um banco no Uruguai e para várias contas indicadas pelo lobista no exterior.

Com a identificação de todas essas contas e movimentações, o MPF pretende, o mais rápido possível, iniciar os processos para repatriar o dinheiro.

Senador cobra de Cardozo ação contra vazamentos

• Ministro diz que colega do PT se equivocou e que delação é com o MP

Cristiane Jungblut e Jailton de Carvalho- O Globo

BRASÍLIA - O vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), cobrou ontem do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, uma atitude para tentar coibir o que chamou de "vazamentos seletivos" de informações obtidas nos depoimentos do processo de delação premiada no escândalo que envolve a Petrobras. Viana disse que o ministro precisa "agir" e ser forte. Cardozo reagiu, lamentou e disse que o colega petista está equivocado. O senador criticou o ministro em discurso, na tribuna do Senado.

- Só lamento que o senador Jorge Viana não tenha procurado o ministério antes de ir à tribuna do Senado. Há aí um equívoco do senador. A delação está sob a guarda do Ministério Público - disse Cardozo.

Jorge Viana criticou o ministro quando comentava as denúncias em relação ao líder do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE), que teria sido apontado como beneficiário do esquema, conforme declarações atribuídas a Paulo Roberto Costa:

- O ministro da Justiça precisa agir. Numa hora dessa, a gente tem que ter um ministro da Justiça forte, que não aceite esse tipo de manipulação de um processo de tão importante. Ninguém sabe quem denunciou, ninguém confirma. Se destrói primeiro a honra da pessoa, e sai um pedido de desculpa. Isso é péssimo. Não podemos aceitar. A Policia Federal tem que tratar isso com mais seriedade.

Cardozo afirmou que Viana está equivocado porque os depoimentos da delação premiada de Costa estão sob a responsabilidade do Ministério Público, e não da PF.

Humberto Costa negou a acusação e ofereceu a quebra de seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. Para Cardozo, Viana poderia ter se confundido com as diversas fatias da Lava-Jato. O ministro lembra que os processos dessa operação, em curso na 13ª Vara Federal de Curitiba, não estão sob sigilo. O segredo estaria restrito aos depoimentos de Costa e outros que decidiram fazer acordo de delação premiada.

Segundo o ministro, ele sequer tem condições de dizer se houve ou não vazamento de dados. Ainda assim, Cardozo afirmou que vai pedir à Procuradoria Geral da República que apure o caso e adote as medidas cabíveis.

Para Jorge Viana, o vazamento de informações direcionadas e a "manipulação política" atrapalham o processo de investigação. Ele disse que não estava criticando a PF e, sim, a atuação de delegados que vazariam informações:

- Não estou fazendo crítica à PF. Critiquei a ação de alguns delegados que foram para as redes sociais e foram denunciados depois por colegas por fazer vazamento seletivo. Isso tem que ter uma ação do Ministério da Justiça e da direção da PF.

O senador disse que o vazamento seletivo já prejudicou outros envolvidos, apontando erros da PF. Ele citou o caso do atual diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza. A PF se desculpou por ter apontado que ele estava no sistema. Já Humberto Costa fez discurso na tribuna do Senado para se defender:

- A versão apresentada em relação a mim é fantasiosa. Encaminhei tanto ao ministro Teori Zavascki; ao procurador Janot; e também ao senador Vital do Rêgo, me colocando à disposição para prestar a todos os órgãos de investigação os esclarecimentos que esses órgãos considerarem necessários. E, ao mesmo tempo, disponibilizando o meu sigilo bancário, fiscal e telefônico.

Sondas foram pagas antes da construção

• Empresa já desembolsou US$ 6,5 bi, mas alguns estaleiros nem estão prontos para desenvolver projetos

Bruno Rosa e Ramona Ordoñez – O Globo

A Sete Brasil já pagou aos cinco estaleiros que construirão as 29 sondas de exploração do pré-sal US$ 6,5 bilhões (cerca de R$ 16,2 bilhões), aproximadamente 30% dos US$ 22,2 bilhões (R$ 55,5 bilhões) contratados, segundo o balanço financeiro da empresa. Do volume de recursos liberados, disse uma fonte do setor, a empresa já começou a pagar por sondas que sequer tiveram suas obras iniciadas. Só cinco estão em construção. A previsão é que a última seja entregue em 2019.

Sem obter até agora a primeira parcela do financiamento do BNDES, de R$ 10 bilhões, a Sete Brasil deve concluir a primeira sonda no início do segundo semestre de 2015 no estaleiro Jurong Aracruz, no Espírito Santo, ainda em obras.

Petrobras tem 9,75% de ações
A Sete Brasil nasceu em dezembro de 2010 para viabilizar a construção das sondas do pré-sal no Brasil com estaleiros nacionais. Entre os acionistas, estão a Petrobras, com 9,75% das ações, os bancos Bradesco, Santander, BTG Pactual e os fundos de pensão Petros, Previ Funcef. A Sete Brasil será a dona das sondas, que serão afretadas para a Petrobras.

Segundo uma fonte, a Sete Brasil foi desenhada a partir de 2008 na Diretoria de Engenharia da Petrobras, chefiada na época por Renato Duque, preso na Operação Lava-Jato. Duque teria indicado Pedro Barusco para uma diretoria na Sete Brasil. Barusco, ex-gerente da estatal e também investigado na Lava-Jato, admitiu ter enviado para o exterior dinheiro fruto de propina em obras da Petrobras.

Na época em que a Sete Brasil surgiu, sabia-se que o pacote das sondas não poderia ficar dentro da estatal, que já apresentava alto nível de endividamento.

Segundo um documento da Sete Brasil, ao qual O GLOBO teve acesso, a empresa tem contrato com a Petrobras para afretar 28 sondas por até 20 anos a um custo de US$ 87 bilhões (R$ 217 bilhões).

Segundo essa fonte, como a Sete Brasil já gastou um terço do investimento previsto com dois estaleiros em construção (Jurong e o Enseada Indústria Naval, na Bahia) e outros dois em expansão (Atlântico Sul, em Pernambuco, e o Rio Grande, no Sul), há o risco de a companhia precisar de mais recursos antes de entregar as últimas sondas, forçando a uma renegociação dos contratos com a Petrobras. Dos cinco estaleiros contratados, só o Brasfels, de Angra dos Reis, não passa por reformas.

Auditoria em contratos
A Sete Brasil abriu auditoria interna nos seus contratos com os estaleiros, após a notícia de que Barusco está ligado ao esquema de corrupção na Petrobras alvo da Lava-Jato.

- A questão é que a Sete Brasil firmou com os estaleiros um contrato que prevê uma grande antecipação de recursos financeiros em relação às obras físicas. Há risco real de que faltem recursos para concluir as últimas sondas dos estaleiros, o que pode acarretar em aditivos. Ou seja, a Sete Brasil terá de renegociar o contrato de afretamento com a Petrobras - disse uma fonte, frisando que os acionistas da Sete Brasil rechaçam a possibilidade de aportar mais recursos.

O Atlântico Sul, que tem entre os sócios Queiroz Galvão e Camargo Corrêa, empresas que tiveram executivos presos na Lava-Jato, fechou contrato para construir sete sondas. Apesar de a primeira estar prevista para ser entregue em fevereiro de 2016 e a última em julho de 2019, o estaleiro já recebeu US$ 1,692 bilhão de US$ 4,637 bilhões - 36% do total.

O Enseada da Indústria Naval tem entre os sócios Odebrecht, OAS e UTC - também investigadas na Lava-Jato. Com a primeira sonda para ser entregue em julho de 2016, o estaleiro já recebeu US$ 1,055 bilhão, 22% dos US$ 4,791 bilhões. O Jurong, também em construção, com seis sondas, recebeu US$ 1,338 bilhão, ou 28,14% dos US$ 4,754 bilhões.

Sete justifica antecipação
Em relação a esses pagamentos, a Sete Brasil disse que a parcela adicional de antecipação aos estaleiros "foi prevista como forma de atrair novos players, ainda sem estaleiro estruturado (em construção)". A empresa ressaltou que o "calendário de pagamento em vigor para os contratos de Engenharia, Suprimento e Construção das sondas segue as boas práticas, a nível mundial".

O coordenador da Graduação e Pós-Graduação em Ciências Contábeis e Controladoria do Ibmec/RJ, Raimundo Nonato Silva, explicou que o preocupante é que a Sete Brasil ainda não gera caixa e depende do aporte de sócios ou de empréstimos para honrar compromissos.

- O problema é que se pagou adiantado e precisa agora honrar seus contratos. A Sete agora está muito alavancada (endividada). Será difícil um banco privado aportar mais recursos, e ela não oferece mais garantias. E o BNDES, com todas essas questões (o escândalo na Petrobras), tomará mais cuidado para conceder o empréstimo a uma empresa que não apresenta equilíbrio econômico-financeiro - afirmou o professor.

Segundo o professor do Ibmec, a Sete Brasil ainda não é operacional, pois não gera caixa. O excesso de passivos (R$ 10,9 bilhões) em relação aos seus ativos foi citado pela PriceWaterHouseCooper, que auditou o balanço da companhia no terceiro trimestre deste ano. Para o professor, isso faz com que o equilíbrio econômico-financeiro fique em condição muito instável.

Irmão de ex-ministro das Cidades se entrega

• Ele estava foragido desde a deflagração da nova fase da Operação Lava Jato

• Segundo a polícia, Adarico Negromonte Filho transportava dinheiro em sacolas para políticos do PP

Estelita Hass Carazai, Fabiano Maisonnave – Folha de S. Paulo

CURITIBA - Último foragido da nova fase da Operação Lava Jato, Adarico Negromonte Filho entregou-se por volta das 11h da manhã desta segunda-feira (24) na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

Ele é irmão do ex-ministro das Cidades Mário Negromonte, que é do PP e comandou a pasta entre janeiro de 2011 e fevereiro de 2012.

Adarico é apontado pela PF como "encarregado de transporte de valores em espécie" e "subordinado" ao doleiro Alberto Youssef, operador de um esquema de lavagem de dinheiro que teria desviado recursos da Petrobras para partidos políticos.

Em depoimento, Carlos Alberto Pereira da Costa, representante de uma empresa de fachada dirigida por Youssef, disse que Adarico chegou a transportar "malas e sacolas" do escritório do doleiro.

"Além do depoimento de Carlos, o nome dele como responsável pelas entregas de dinheiro é informado em troca de mensagens telemáticas entre Youssef e seus clientes", diz o juiz Sérgio Moro na decisão em que mandou prender executivos de empreiteiras e outros acusados de participação no esquema.

Cercado por jornalistas, Adarico chegou à PF de táxi, acompanhado por duas advogadas, e não fez declarações. Prestou depoimento por cerca de 1h30 e foi levado para fazer exame de corpo delito.

Questionada sobre as acusações que pesam contra seu cliente ao deixar o prédio, a advogada Joyce Roysen afirmou que ele "já prestou os esclarecimentos à Justiça", mas não detalhou o que foi dito.

Ela não deixou claro o que seu cliente fazia --apenas disse que ele está aposentado. Adarico teve a prisão temporária, válida por cinco dias, decretada no dia 14, mas estava foragido desde então. Ele era o único dos 25 alvos da sétima fase da Lava Jato com prisão decretada que ainda não havia sido preso.

Chamada de Juízo Final, a atual fase da operação investiga suspeitas de fraude em licitações na Petrobras. Agora, a carceragem da PF mantém 14 presos, a maioria executivos de empreiteiras. Outros 11 foram liberados após prestar depoimento.

O local abriga também o doleiro Alberto Youssef, novamente ouvido nesta segunda-feira dentro do acordo de delação. Ele é mantido separado dos demais presos.

A defesa de Negromonte já pediu a revogação da prisão. As advogadas argumentam que ele colaborou com a polícia, se apresentou espontaneamente, tem idade avançada (68 anos) e um estado de saúde "delicado".

As prisões de executivos são parte de uma estratégia de "tortura psicológica", na opinião do advogado Renato de Moraes, defensor de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, preso pela PF no último dia 14. Ele é suspeito de participar da distribuição de propina arrecadada em obras da estatal.

O advogado já tentou obter a soltura de Duque na Justiça Federal, sem sucesso.

"O método de hoje é a tortura psicológica. Cercear liberdade, ameaçar, prender familiares. Ou você está preso, ou ameaçado de estar preso", afirmou Moraes. "A prisão dele [de Duque] só tem um fim: tentar torturá-lo."

O advogado fez as declarações à Folha na tarde desta segunda-feira (24), em frente à sede da PF em Curitiba, onde estão presos Youssef, Duque e os executivos de empreiteiras acusadas de participar do esquema de corrupção na Petrobras.

Para Moraes, as delações feitas até aqui devem ser vistas com desconfiança. "Os acordos são nebulosos. Um estado que barganha com um suposto criminoso gera uma insegurança muito grande", disse o advogado.

Colaborou Rubens Valente, de Brasília

Empreiteiro diz que pagou propina após mesmo Lava Jato

• Advogados de Erton Medeiros de Fonseca, executivo da Galvão Engenharia, alegaram que ele foi ameaçado para pagar R$ 8,3 milhões de propina entre 2010 e 2014

Mateus Coutinho, Fausto Macedo e Ricardo Brandt

Engenharia, entregou nesta segunda-feira, 24, à Justiça Federal do Paraná documentos nos quais afirma que a empreiteira pagou R$ 8,3 milhões em propina, de 2010 a 2014, a um emissário da Diretoria de Serviços da Petrobrás. Segundo planilha anexada aos papéis, um dos pagamentos – de R$ 230 mil – foi feito em junho deste ano, ou seja, três meses depois de deflagrada a Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na estatal.

A diretoria de Serviços da Petrobrás foi comandada por Renato Duque, indicado pelo PT, entre os anos de 2004 e 2012. Ele está preso preventivamente.

Os documentos da empreiteira não acusam a atual diretoria, apesar de os pagamentos de propina, segundo os advogados da Galvão Engenharia, terem permanecido até este ano.

Os pagamentos foram realizados, segundo a defesa do executivo da Galvão Engenharia, para evitar que a empreiteira perdesse os contratos que mantinha com a Petrobrás. Não está claro também se houve ameaça de rompimento de contrato por parte da atual diretoria da estatal.

Os documentos reforçam a tática das empresas sob suspeita de se colocarem como vítimas de extorsão de diretores da estatal.

De acordo com a versão da defesa do executivo da Galvão Engenharia, ele teria sido ameaçado por Shinko Nakandakari, “pessoa que se apresentou como emissário da Diretoria de Serviços da Petrobrás na presença de Pedro Barusco”.

Ex-gerente executivo da Diretoria de Serviços, Barusco fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal em que se comprometeu a devolver cerca de US$ 100 milhões e contar o que sabe sobre a trama de malfeitos na estatal.

No documento encaminhado à Justiça Federal, a defesa de Erton Fonseca alega que os pagamentos foram feitos pela Galvão Engenharia para contas da LFSN Consultoria, empresa que o executivo diz ter sido indicada por Shinko Nakandakari e para a qual teria sido obrigado a fazer os repasses a título de propina.

Os advogados da Galvão Engenharia sustentam que houve “efetiva ameaça de retaliação das contratações que a Galvão Engenharia S/A tinha com a Petrobrás, caso não houvesse o pagamento dos valores estipulados de maneira arbitrária, ameaçadora e ilegal.”

A petição é subscrita pelos advogados José Luis Oliveira Lima e Camila Torres Cesar.

Família. As contas bancárias da LFSN estão em nome dos filhos de Nakandakari. O nome da empresa remete às iniciais do filho de Shinko, o advogado Luis Fernando Sendai Nakandakari, que aparece como um dos sócios da companhia e em cujas contas bancárias foram realizados os depósitos.

A Diretoria de Serviços da estatal foi comandada até 2012 por Renato Duque, também preso na sétima etapa da Lava Jato. Duque é apontado como indicado do PT ao cargo e, segundo depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da estatal, e Youssef à Justiça Federal, ele seria o responsável por operar o esquema de propinas para o PT. Todas as licitações da estatal passam pela Diretoria de Serviços que, segundo Costa e Youssef, recolhia 2% do valor dos contratos para o Partido dos Trabalhadores.

A defesa de Fonseca afirmou que a Galvão Engenharia participou de um total de 59 licitações na estatal, tendo vencido 16 certames, dos quais quatro envolvendo obras que estão na mira da Lava Jato: refinaria de Abreu e Lima, refinaria de Paulínia (na qual venceram licitações para duas obras) e a refinaria Landulpho Alves, na Bahia.

A última licitação que venceu, segundo a planilha encaminhada pela defesa, foi em agosto de 2011, referente a obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), também alvo da Polícia Federal e da Procuradoria da República por supostas irregularidades. A Galvão Engenharia foi inabilitada devido ao preço “inexequível”.

“Também neste caso a Galvão Engenharia foi declarada vencedora do certame e foi inabilitada pela Petrobrás, por suposta inexequibilidade de sua proposta”, assinala a defesa.

Com a palavra, Renato Duque
O engenheiro Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás e preso pela Operação Lava Jato, negou ter participado de ilícitos cometidos na estatal. Por meio de sua assessoria de imprensa, ele disse que “desconhece a existência de cartel envolvendo fornecedores da companhia”. Duque afirmou que os processos licitatórios, durante sua gestão na Diretoria de Serviços da estatal, “eram pautados por critérios técnicos”.

A assessoria do ex-diretor afirmou que “nenhum profissional da companhia ou de fora dela possuía autorização para representar Renato Duque, enquanto titular da Diretoria de Serviços da Petrobrás”. A assessoria destaca que o executivo da Galvão Engenharia Erton Fonseca, “em seu próprio depoimento, conforme informações publicadas na imprensa, afirma que não se recorda de Renato Duque ter solicitado diretamente qualquer vantagem”.

Sem resposta. A reportagem fez contatos no escritório e deixou recados para o advogado Luís Fernando Sendai Nakandakari – apontado como destinatário da quantia supostamente extorquida da empreiteira -, mas não houve resposta.

Questionada sobre os contratos que a Galvão Engenharia alega ter sido alijada e as licitações que a empreiteira diz ter vencido, mas mesmo assim não ter sido contratada, a Petrobrás não se manifestou até esta edição ser concluída.

A estatal tem reiterado que está colaborando com as investigações do caso e que apura eventuais irregularidades por meio de comissões internas de sindicância.

Projeto de poder banaliza corrupção – O Globo / Editorial

• O mensalão é a ponta de um esquema avantajado de desvio de dinheiro público, do qual faz parte o petrolão. Mas não se contava com o vigor de instituições republicanas

À luz do mensalão e, agora, do petrolão, pode-se dizer, dentro de uma perspectiva histórica, que não é por mera coincidência que, em 12 anos de lulopetismo no Planalto, se construiu o mais articulado e amplo esquema de corrupção na máquina pública de que se tem notícia, a fim de drenar dinheiro de estatais para financiar um projeto de poder.

Não foi por acaso que em 2004, quando o mensalão, cujo embrião está na campanha eleitoral de 2002, já funcionava a contento, o "amigo Paulinho" - como o presidente Lula tratava Paulo Roberto Costa -, funcionário da Petrobras, terminou nomeado diretor de Abastecimento da estatal, indicado pelo PP do deputado José Janene (PP-PR), este também um mensaleiro. O nome saído do bolso do colete do aliado Janene foi bem aceito pelo lulopetismo. Falecido, Janene não pode colaborar com as investigações do petrolão, do qual o seu apadrinhado foi peça-chave, pelo que já se sabe de depoimentos do próprio ex-diretor da Petrobras prestados sob acordo de delação premiada. Não se discute mais se houve um assalto bem organizado aos cofres da Petrobras patrocinado por diretores - algo tão extraordinário que acionou os mecanismos americanos de vigilância do mercado de títulos do país, fonte de capitalização da Petrobras, para também investigar o escândalo e buscar responsáveis. Não se discute porque o próprio "amigo Paulinho" se declara culpado e, para reduzir penas, compromete-se a ajudar na elucidação do caso.

Lulopetistas costumam defender o partido, desde a descoberta do mensalão, em 2005, com a surrada justificativa de que "todos fazem". É a escapatória da banalização do crime, para tentar reduzir sua gravidade. A própria candidata Dilma Rousseff escorregou na campanha da reeleição ao dizer que há corruptos em todos os lugares. Fez lembrar o presidente Lula, na histórica entrevista em Paris - depois que o então aliado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o mensalão -, quando afirmou que o PT fez o que todo partido fazia.

O mensalão foi desbaratado, informações colhidas por CPI, pela PF e pelo Ministério Público instruíram um processo julgado de forma exemplar pelo Supremo, de que resultou a prisão de petistas estrelados: o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. Além de aliados e cúmplices.

Pois agora, no petrolão, Mario Oliveira Filho, advogado de Fernando Soares, o "Fernando Baiano", acusado de operar - verbo usado em sentido malicioso no submundo da política - na Petrobras, em nome do PMDB, segue na trilha da banalização e diz que não se consegue obra pública sem propinas. Tenta-se jogar areia nos olhos da opinião pública. Não há uma corrupção aceitável e outra reprovável. Há o crime de malversação do dinheiro público a ser investigado e punido. Os casos do mensalão e do petrolão - delinquências de mesma célula-tronco - mostram um padrão de drenagem do dinheiro do contribuinte. São malhas tecidas entre partidos e políticos, estatais, empreiteiras, sindicalistas e, conforme mostrou O GLOBO no fim de semana, fundos de pensão de empresas públicas, tudo numa dimensão jamais vista no submundo da política brasileira, tendo como objetivo estratégico um projeto de perpetuação no poder. E, claro, com os inexoráveis desvios feitos para enriquecimento particular. Afinal, a carne é fraca.

O mensalão mostrou apenas a ponta de uma máquina avantajada de corrupção que agora fica mais visível à medida que avança a investigação sobre o esquema na Petrobras, com suas diversas conexões, como a dos fundos de pensão. Não se trata de um crime sem implicações. O próprio Estado de Direito democrático ficou ameaçado, pois o plano visa comprar apoio no Legislativo e se perpetuar no Executivo pelo voto capturado por políticas populistas. Mas não se contava com o vigor de instituições republicanas brasileiras.

Comissão Mista aprova projeto que altera meta de superávit para 2014

Vandson Lima – Valor Econômico

BRASÍLIA - Após seguidos revezes na tramitação do projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, a base governista finalmente conseguiu organizar sua tropa e aprovou na noite desta segunda-feira, na Comissão Mista de Orçamento (CMO), o parecer da medida que permitirá ao governo abandonar a meta fiscal para este ano.

Já na madrugada desta terça, todos os 38 destaques apresentados ao relatório do projeto foram rejeitados pela comissão. O relator, Romero Jucá (PMDB-RR), manobrou para que os destaques fossem votados em conjunto, contra a vontade da oposição, que queria a análise individual.

Para não correr o risco de novamente não alcançar quórum suficiente para a deliberação, como ocorreu na quinta-feira, a base aliada levou à sessão os líderes do PMDB e do PT no Senado e na Câmara, que compareceram acompanhados de correligionários.

A oposição usou do regimento o quanto pôde para atrasar a votação, mas, após mais de três horas de discussão acalorada entre as partes, o parecer foi aprovado às 23h25.

Grupos organizados levados ao Congresso Nacional por parlamentares de oposição fizeram muito barulho do lado de fora da sala onde ocorreu a sessão, mas foram impedidos de acompanhar a reunião.

“Estamos discutindo aqui que sinal vamos dar a credores internos e externos”, defendeu Jucá. Ao pedir a rejeição à medida, o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirmou que os parlamentares não podem ser “coniventes apagando as digitais da presidente da República em um crime de responsabilidade”.

Ex-ministra da Casa Civil, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) defendeu que os fundamentos da economia brasileira são sólidos e o que ocorreu este ano foi uma “frustração de receita”. “Temos as contas públicas equilibradas. Estamos decidindo aqui uma questão conjuntural”. Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE) admitiu que a proposta “não foi feita por desejo do governo, mas por uma necessidade concreta de rever a meta”.

Pelo texto aprovado, o Executivo poderá abater da meta de superávit primário fixada para o governo central todos gastos com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as desonerações implementadas. O abatimento originalmente previsto era de R$ 67 bilhões e passa a R$ 116,1 bilhões se aprovada a medida. Em documento enviado ao Congresso Nacional, o governo se comprometeu a conseguir R$ 10,1 bilhões de superávit.

O projeto segue agora para apreciação no plenário do Congresso Nacional, mas a pauta está travada por 38 vetos presidenciais pendentes de deliberação. O presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), marcou sessão para esta terça-feira. A oposição prometer obstruir a pauta e usar de todas as manobras regimentais possíveis para atrasar ao máximo a votação da medida.

Em troca de LDO, governo libera base para derrubar veto à criação de municípios

Vandson Lima – Valor Econômico

BRASÍLIA - Vetado pela presidente Dilma Rousseff mesmo após ampla negociação do Legislativo com o governo, o projeto que define critérios para a criação, emancipação e fusão de municípios volta à pauta como a principal matéria entre os 38 vetos presidenciais que aguardam deliberação no Congresso Nacional.

Mesmo contrariado, o governo liberou sua base aliada para derrubar o veto dado em agosto pela presidente Dilma Rousseff ao projeto, preocupado que está em acelerar a tramitação de outra proposta, a que altera o cálculo da meta do superávit primário para 2014. A mudança na LDO só poderá ser apreciada depois de o Congresso Nacional liberar a pauta, travada pelos vetos pendentes.

Confirmada a derrubada do veto presidencial, do qual são entusiastas tanto parlamentares da base quanto de oposição, o projeto será promulgado e dará início a um movimento que, já num primeiro momento, deve se converter na criação de 357 cidades, um aumento de 6,4% em relação aos 5.570 municípios já existentes, e um consequente movimento de pressão por aumento no montante destinado ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Este é o número estimado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de municípios que poderiam ser criados dentro das novas regras e, ao mesmo tempo, já têm processos de emancipação encaminhados junto às Assembleias Legislativas estaduais.

Bahia (52), Piauí (49) e Minas Gerais (42) são os Estados com maior número de pedidos de emancipação. Em seu parecer sobre a matéria, o relator, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), usou outra estimativa, elaborada pela União Brasileira em Defesa da Criação de Novos Municípios (UBDCNM), de que 188 cidades poderiam ser criadas com as novas regras.

Para o diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea, Rogério Boueri, o número será muito maior: "Ao respaldar os pedidos de emancipação já em curso, a promulgação do projeto vai desencadear um processo de grande pressão por aumento no repasse do FPM", avalia.

Boueri explica que, como o FPM é formado por 23,5% do montante arrecadado pelo Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - percentual que irá de forma escalonada a 24,5% nos próximos dois anos -, o desmembramento de um município afeta as finanças de todo o conjunto do Estado. "Como o FPM é fixo e distribuído por faixas de população, onde as menores cidades recebem proporcionalmente mais, a redistribuição desses recursos com novos municípios vai afetar principalmente cidades grandes que não são capitais. Elas por sua vez passarão a pressionar a União por um FPM maior. É um efeito cascata", avalia. Pelas regras atuais do FPM, uma cidade de 15 mil habitantes, por exemplo, recebe menos do que dois municípios de 7,5 mil habitantes somados.

Se a distribuição do FPM é motivo de preocupação, a possibilidade de que distritos distantes possam finalmente possuir uma administração própria é o principal argumento de parlamentares favoráveis à medida. Exemplo supracitado pelo autor do projeto, senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Altamira (PA) tem extensão territorial maior do que vários países da Europa (Portugal, Suíça e Irlanda). Seu território agrega distritos cujo alcance desafia a lógica, como Castelo dos Sonhos, que conta com 15 mil habitantes e está a incríveis 1,1 mil quilômetros da sede administrativa. Uma distância equivalente ao trecho São Paulo-Brasília.

O assunto não é novo. A proposta original, de 2002, buscou preencher um vácuo legal existente desde 1996, quando foi aprovada uma emenda constitucional que exigiu a aprovação de lei federal para disciplinar a criação de novas cidades. Aprovada no Congresso em 2013, a medida foi integralmente vetada pela presidente no fim do ano, sob a justificativa de que permitiria "a expansão expressiva do número de municípios no país, resultando em aumento de despesas com a manutenção de sua estrutura administrativa e representativa" e que não havia receita prevista para tal.

Um substitutivo ao projeto foi elaborado e negociado com o governo, com regras mais duras para a emancipação, como número mínimo de população tanto do município criado quanto do restante na cidade à qual pertencia, existência de um núcleo urbano, tamanho mínimo do território estar fora de terras indígenas ou de preservação ambiental.

Ainda assim, a presidente optou por novo veto, com as mesmas alegações. Segundo parlamentares, a real justificativa era que a presidente, então em campanha pela reeleição, não queria se indispor com prefeitos que batalhavam pela manutenção do território e população sob seu comando, com vistas a não diminuir sua parte no FPM.

PMDB resiste a escolhas de Dilma para ministérios

• Miguel Rossetto irá para a Secretaria-Geral

Natuza Nery, Andréia Sadi - Folha de S. Paullo

BRASÍLIA - Definida a equipe econômica, Dilma Rousseff se debruça agora para fechar o time político que tocará os próximos quatro anos, mas enfrenta resistências do PMDB, um de seus principais aliados.

A nova equipe é considerada crucial para superar a crise que abateu o governo e o Congresso após a Polícia Federal descobrir esquema de irregularidades na Petrobras.

Com Aloizio Mercadante (Casa Civil) à frente, a tropa de choque será integrada pelos petistas Jaques Wagner e Miguel Rossetto.

Rossetto irá para a Secretaria-Geral. Wagner ainda não tem destino certo. Ele resiste a assumir a Secretaria de Relações Institucionais, cargo que ocupou no governo Lula, o que pode levá-lo para as Comunicações.

Apesar do impacto da fase inicial da Lava Jato, Dilma tenta manter Graça Foster na Petrobras.

O PMDB não quer perder o Ministério de Minas e Energia, destino possível da petista Miriam Belchior, hoje no Planejamento.

Dilma, no entanto, já sinalizou disposição em deslocar o PMDB dos cargos de maior relevo. O atual ministro Edison Lobão (PMDB-MA) foi, segundo a revista "Veja", citado em depoimento à PF por um ex-diretor da Petrobras.

A cúpula peemedebista e o PT se insurgem contra a indicação da senadora Kátia Abreu para a Agricultura, mas foram avisados que dificilmente haverá recuo.

Quatro partidos brigam pelo cargo de ministro das Cidades, pasta que comanda o Minha Casa Minha Vida.

O PT recebeu de Lula a instrução para recuperar o ministério. O PP quer se manter na vaga. O PMDB, por sua vez, cobiça o posto como compensação por perdas em outras áreas e o PSD quer emplacar Gilberto Kassab.

Colaborou Márcio Falcão, de Brasília

Temer afirma que ida de Kátia Abreu para Agricultura não está decidida

• Vice-presidente elogia senadora, mas diz que nomes do PMDB para o ministério só serão escolhidos em dezembro

Catarina Alencastro – O Globo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer disse ontem que não está definida a ida da senadora Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura, como tem sido aventado. Ele contou que conversou com a presidente Dilma Rousseff na semana passada sobre a participação do PMDB no segundo mandato, mas que só em meados de dezembro é que devem ser fechados nomes. Temer minimizou as críticas a Kátia nas redes sociais.

- Não há decisão a respeito disso. Pelo menos no tocante ao PMDB, tudo ficou para dezembro. Segundo ponto, seja quem seja (sic) indicado haverá os que criticam ou elogiam, as redes sociais são assim. (Kátia) É um bom nome no Senado, mas tudo isso será decidido lá na frente - disse o vice, especificando que entre 15 e 17 de dezembro deverá haver definições sobre indicações de quadros peemedebistas para compor a equipe de Dilma a partir de 2015.

Segundo Temer, a prioridade de Dilma agora é a equipe econômica:

- A presidente vai verificar esta semana se decide a questão da área econômica. E o restante fica para depois.

Atualmente, o PMDB conta com cinco ministérios na Esplanada - Minas e Energia (Edison Lobão), Turismo (Vinícius Lages), Agricultura (Neri Geller), Previdência (Garibaldi Alves) e Aviação Civil (Moreira Franco). Auxiliares de Dilma disseram que o espaço que o PMDB terá no segundo mandato também levará em conta o arranjo em torno das presidências da Câmara e do Senado.

As resistências a Kátia Abreu giram em torno de a ruralista ser novata na sigla. Ela trocou o PSD, de Kassab, pelo PMDB há um ano, e há senadores peemedebistas mais antigos que esperavam ser escolhidos. Além disso, a pasta da Agricultura é considerada feudo da bancada do PMDB na Câmara, que cobraria uma compensação, caso seja preterida.

A consagração da farra fiscal - O Estado de S. Paulo / Editorial

O Congresso poderá aprovar nos próximos dias um projeto de lei para sacramentar a irresponsabilidade fiscal ou, em linguagem mais corrente, o uso incompetente e populista do dinheiro público. Qualquer buraco apontado no balanço das contas públicas deste ano será considerado aceitável, formalmente, se a maioria dos parlamentares aceitar, como pretende o governo, a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LDO) de 2014. Em sua proposta, o Executivo pede autorização para abater investimentos e desonerações, sem limite, da meta de superávit primário fixada para o ano. O relator do projeto, senador Romero Jucá, ainda tornou o texto mais permissivo, ao trocar a expressão "meta de superávit" por "meta de resultado", aplicável a qualquer número, positivo ou negativo.

A Comissão Mista de Orçamento (CMO) reuniu-se ontem à noite para retomar a análise do projeto. Avalizado o texto pela comissão, o plenário poderá votá-lo hoje, segundo o plano de trabalho anunciado na quarta-feira passada pelo presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Com a aprovação do projeto, o Executivo ficará dispensado de qualquer novo truque para maquiar o balanço das contas federais e fingir o cumprimento da meta - ou, no mínimo, para apresentar um resultado melhor que o real. O pessoal do Tesouro tem recorrido habitualmente à contabilidade criativa, nos últimos dois anos, para inflar o superávit primário, o dinheiro separado para o pagamento de uma parte dos juros da dívida pública.

A meta fixada na LDO foi um resultado primário de R$ 116 bilhões para o governo central, com possibilidade de abatimento de R$ 67 bilhões. Isso daria um saldo de R$ 49 bilhões.

No começo do ano o governo decidiu aproveitar apenas em parte essa possibilidade e escolheu como objetivo um superávit primário de R$ 80,8 bilhões para o conjunto formado por Tesouro, Banco Central e Previdência. Mas o resultado em nove meses foi um déficit primário de R$ 19,47 bilhões, calculado pelo critério das necessidades de financiamento. Não se espera, agora, nem a meta original - R$ 49 bilhões, depois dos descontos. Por isso o projeto de alteração da LDO extingue o limite dos abatimentos.

O PT e os partidos aliados têm maioria para aprovar o projeto do Executivo sem muita dificuldade, se os seus parlamentares estiverem dispostos a sacramentar a irresponsabilidade fiscal. Esse resultado será inevitável, se a base governista se comportar como na maior parte dos últimos 12 anos.

Mas, apesar de majoritária também na CMO, a base governista foi incapaz, em duas sessões, de aprovar o relatório do senador Romero Jucá. Nenhuma das duas sessões foi propriamente edificante.

A de quarta-feira passada foi marcada por gritaria e baixaria. Os parlamentares da base tentaram impor seu peso e conseguir rapidamente a aprovação do relatório. Os oposicionistas protestaram contra a quebra do regimento e exigiram a leitura da ata da reunião anterior. No momento mais tenso, o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), arrancou um documento da mão do relator.

O relatório foi aprovado, mas no dia seguinte a oposição ameaçou recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular a sessão. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, concordou com a anulação.

Uma segunda sessão foi instalada no mesmo dia, mas o presidente da Comissão, deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), escorregou, no final, ao dar o relatório como aprovado por 15 a 7. O deputado Mendonça Filho de novo interferiu, lendo o regimento. A vitória dependeria de 18 votos, metade mais um dos integrantes da comissão. A decisão foi adiada.

Os tropeços em relação ao regimento, na CMO, combinam bem com o tema em debate - a autorização para o Executivo descumprir a LDO e ficar livre, neste exercício, de qualquer compromisso em relação ao superávit primário. Aprovado o projeto, estará criado o precedente para outras lambanças do mesmo tipo - talvez piores. Afinal, quem, de fato se preocupa, em Brasília, com essa incômoda responsabilidade fiscal?

Duas pastas devem ir para ala esquerda do PT

César Felício – Valor Econômico

BRASÍLIA - A Democracia Socialista (DS), principal corrente de esquerda do PT, terá dois postos no primeiro escalão do governo, após a reforma ministerial, segundo informou um dirigente nacional da sigla. Um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff pela reeleição, o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto deverá assumir a Secretaria Geral da Presidência, no lugar do atual ministro Gilberto Carvalho.

Rossetto fará a interlocução com os movimentos sociais. A corrente manterá o ministério que era ocupado por Rossetto, para onde deverá ser nomeado o atual presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Mário Guedes de Guedes, economista gaúcho. A DS controla a pasta desde o início do governo Lula, em 2003.

A tendência interna está perdendo espaço no ministério da Fazenda, com a iminente substituição do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, que deverá deixar o cargo após a saída do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A ocupação de dois cargos de primeiro escalão serve de compensação e diminui a resistência interna no PT à nova equipe econômica que está sendo montada pela presidente.

A anunciada substituição de Mantega pelo ex-secretário do Tesouro Joaquim Levy, ainda não oficializada, irritou o PT gaúcho. Neste fim de semana, a seção local do partido fez uma reunião, com a presença do governador Tarso Genro, em fim de mandato, e divulgou um documento em que pede a continuidade da atual política econômica.

"A visão ortodoxa da economia, baseada em ajuste fiscal, foi derrotada na eleição presidencial e a atual equipe econômica, da qual Arno Augustin é um integrante capaz e honrado, representa a posição vitoriosa", disse o deputado estadual Raul Pont, um dos coordenadores da Democracia Socialista.

Rossetto foi vice-governador do Rio Grande do Sul entre 1999 e 2002, época em que Dilma era a secretária estadual de Energia na administração de Olivio Dutra. Ao assumir a Presidência, Lula nomeou Rossetto para a pasta do Desenvolvimento Agrário e Dilma para a da Minas e Energia. Rossetto se desincompatibilizou em 2006, para disputar sem sucesso o Senado gaúcho. Voltou a Brasília no ano seguinte para presidir a Petrobras Biocombustível e retornou ao ministério, com a desincompatibilização de Pepe Vargas.

Guedes de Guedes é um quadro técnico, com longa carreira no Incra, que preside desde 2012. Com 43 anos, é economista formado pela UFRGS. Assumiu em um ambiente de crise, em que seu antecessor, Celso Lacerda, se indispôs com o MST e com o Ministério Público, sobretudo pelo avanço do desmatamento nas áreas de assentamentos rurais. No governo Lula, o órgão estava fora do controle da Democracia Socialista.

Dilma antecipa dois nomes do PT para o ministério

• Miguel Rossetto vai para Secretaria-Geral, e Carlos Guedes, para o MDA

Simone Iglesias e Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA- Como forma de tentar minimizar a insatisfação da esquerda do PT por convidar o ortodoxo Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), para a Agricultura, a presidente Dilma Rousseff resolveu antecipar para quinta-feira o anúncio dos petistas Miguel Rossetto para a Secretaria-Geral e de Carlos Guedes de Guedes para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Dilma também deve manter José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça, apesar do desejo dele de ser indicado para a vaga deixada por Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF).

Rossetto e Guedes integram a Democracia Socialista, corrente mais à esquerda do PT e crítica à indicação de Levy e Kátia. Rossetto está no Desenvolvimento Agrário e passou a integrar o núcleo político de Dilma durante a campanha eleitoral. Sua ida para o Planalto era dada como certa pela proximidade com a presidente. Guedes é presidente do Incra e afilhado político de Rossetto.

No caso do Ministério da Justiça, pessoas próximas a presidente afirmam que ela não quer mexer na pasta "no meio do furacão" da Operação Lava-Jato, que investiga esquema de desvio de dinheiro na Petrobras.

Além disso, a indicação de Cardozo para o STF, que precisaria ser aprovada pelo Congresso em votação secreta, enfrenta resistência do PMDB. Os peemedebistas não engoliram a revista feita pela Polícia Federal, durante a campanha eleitoral, em avião da comitiva do senador Lobão Filho (PMDB-MA), que disputou o governo do Maranhão.

Wagner cotado para Comunicações
Dilma marcou para a próxima quinta-feira a oficialização da nova equipe econômica, liderada por Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Alexandre Tombini e Armando Monteiro. Pressionada pelas críticas públicas de petistas, incluiu nessa primeira leva Rossetto e Guedes.

Cotado para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que acabou indo para Monteiro, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), foi avisado por Dilma na semana passada que ela daria o ministério a um empresário. Ontem à noite, ele se reuniu com a presidente no Palácio do Planalto. Interlocutores palacianos afirmaram que Wagner poderia ir para o Ministério das Comunicações.

Além de ter que equacionar um começo de crise com o PT, Dilma começou a negociar espaços com o PMDB. Os dirigentes do partido reagiram à decisão da presidente de convidar Kátia Abreu sem avisar nem ao menos o vice-presidente Michel Temer, que é também presidente nacional do PMDB.

Ontem pela manhã, no Palácio da Alvorada, a presidente recebeu o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e fez elogios ao ministro do Turismo, Vinícius Lages, sinalizando anunciar sua permanência na pasta. Lages é aliado do presidente do Senado. Renan, no entanto, afirmou que qualquer definição sobre o Ministério tem que ser discutida com o partido e não apenas com ele.

Em 1979, militares achavam que o PCB era a maior ameaça

• Ditadura perseguiu e matou líderes comunistas para desmantelar partido e justificar aparato

Chico Otavio e Raphael Kapa – O Globo

Com a luta armada no campo e nas cidades praticamente extinta em 1974, o Centro de Inteligência do Exército (CIE), um dos mais atuantes órgãos da repressão no regime militar, voltou sua artilharia para um inimigo desarmado: o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que defendia a redemocratização do país pela via pacífica. As motivações que fizeram os militares empreenderem uma verdadeira devassa no partido, perseguindo suas principais lideranças até o desaparecimento de mais de 25 comunistas, eram desconhecidas até então. Informações extraídas do relatório da Operação Gringo, descoberto pelo Ministério Público Federal na casa do tenente-coronel Paulo Malhães e revelado pelo GLOBO no último domingo, mostram que o PCB era visto como a principal ameaça à ditadura após a aniquilação da esquerda armada.

"O Partido Comunista Brasileiro representa, a longo prazo, a organização subversiva que proporciona maior perigo às instituições democráticas brasileiras", afirma o relatório Operação Gringo/Caco, de 31 de dezembro de 1979.

Uma das justificativas para eleger o PCB como o novo inimigo número 1 é a própria trajetória do partido. Por ter membros com mais experiência e considerados mais "capazes", os comunistas eram vistos como a principal ameaça. A experiência com a clandestinidade, o apoio externo de Moscou e o alto nível organizacional também são citados como argumentos que justificam a tese dos militares. A penetração que a sigla teve em grupos políticos foi vista com receio pelo CIE.

"Nos últimos anos, em que o peso da repressão recaiu sobre as organizações de esquerda radical, o Partidão soube tirar proveito dessa ação divisionária e ampliar suas bases, particularmente junto aos sindicatos rurais e urbanos", afirma o relatório.

Os membros da inteligência do Exército pregavam que os comunistas elaboraram uma campanha para dividir os militares, insinuando oposição entre o Alto Comando e a Presidência e pregando que os militares deviam se posicionar entre aqueles comprometidos com os "crimes da ditadura" e aqueles que a negavam.

Perseguição é citada em relatório da Operação Gringo
O desmantelamento das principais lideranças é citado indiretamente no documento: "O fato de o Comitê Central do PCB ter conseguido realizar duas reuniões dentro do prazo estatutário, ainda que no exterior, é um indicativo seguro de que o partido já se refez dos duros revezes sofridos em 1975/1976", informa.

- A população ficou dividida entre aqueles que apoiavam as ditaduras militares e os que se opunham. Não se fazia distinção entre aqueles que meramente criticavam os regimes e os que pegavam em armas. Toda uma geração de líderes e intelectuais foi, então, dizimada. Partidos políticos, sindicatos, organizações estudantis e organizações de direitos humanos foram banidas e perseguidas - afirma o professor de História das Américas da UFRJ Wagner Pinheiro.

Uma dessas vítimas foi o jornalista Vladimir Herzog, militante do PCB encontrado morto em 25 de outubro de 1975. As autoridades afirmaram que o jornalista teria se enforcado, tese que foi negada posteriormente.

O monitoramento, no exterior, de integrantes do PCB foi o mais extensivo entre os grupos e partidos acompanhados pela Operação Gringo. Por meio de infiltrações, a inteligência brasileira conseguiu seguir as lideranças comunistas brasileiras que estavam na União Soviética, na Tchecoslováquia, na França, na Argentina, na Hungria e na Alemanha Oriental. O relatório conta também a mudança nas infiltrações.

"Os infiltrados disponíveis, para atualização dos acontecimentos, estão passando por um período de "desqueimação", face aos erros operacionais do passado".

Paranoia fez militares acreditarem que Brasil era foco internacional
A ação de cooperação entre brasileiros e argentinos começou com a prerrogativa de desmantelar bases de oposicionistas da Argentina no Brasil que pudessem elaborar uma contraofensiva ao país. Porém, como demonstra o relatório da operação, a visão sobre a atuação dos estrangeiros mudou drasticamente: "Ainda julgávamos estar trabalhando em um problema de estrangeiros atuando para fora e que éramos sede de uma conspiração internacional. Hoje, sabemos que estrangeiros e nacionais estão operando contra nós, isto é, somos o alvo e o objetivo. Deixamos de ser ponto de irradiação, para ser o centro convergente de toda a situação das esquerdas internacionais", afirma o documento. A mudança de posição está mais relacionada à situação interna do Brasil do que à externa. Com a aniquilação das lutas armadas urbana e rural no Brasil, era necessário encontrar um novo inimigo que justificasse o alto custo do aparato da inteligência brasileira.

- É a lógica dos serviços de inteligência de todo o mundo. Você infla o inimigo para justificar sua existência - afirma o professor de História do Brasil da Uerj e da UFF Marcus Dezemone.

''Dilma venceu pelo temor, não porque convenceu que seu governo era bom''

Alberto Aggio, que proferiu palestras no Estado, traça um panorama da reeleição

Cristina Medeiros - Correio do Estado (MS)

Integrante do Conselho de Redação da revista Política Democrática, historiador e professor titular da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Unesp/Franca, o professor doutor Alberto Aggio esteve em Mato Grosso Sul, onde proferiu palestra sobre o tema “Novo governo. O que nos espera?”, nas principais universidades (Dourados e Campo Grande). Ele aceitou o convite do Correio do Estado para falar sobre vários temas ligados à reeleição da presidente Dilma, envolvendo desde o clamor do povo por mudança, a estratégia do governo para conseguir se manter no poder, até o cenário político e econômico.

Correio pergunta - Os números da urna mostraram que esta foi uma eleição como há muito não se via, movida pelo clamor de mudança. Que mudança é esta que o povo pediu?

Alberto Aggio – Há um sentimento muito difuso de mudança da sociedade brasileira, que se expressou em junho de 2013 nas ruas das capitais dos principais estados. De maneira difusa, estas manifestações trouxeram à tona muita coisa, em especial o descontamento profundo com a forma de viver. Quer dizer não só em relação à política, mas a forma de viver e a ideia do direito e do aprofundamento da ideia de liberdade de cada pessoa viver e fazer a sua vida como quiser. Então, havia este pano de fundo geral, mais profundo, de um certo cansaço com muitos males da vida. Mas, junto disso, identificou-se, como muitos males da vida, a incapacidade de o Estado brasileiro, no seu conjunto, atender às necessidades da população – quer uma população mais pobre ou a população de classe média, etc. Eu acho que embora os movimentos tenham cessado logo no segundo semestre de 2013 e boa parte de 2014, este sentimento de mudança ficou latente. E isso se expressou na campanha eleitoral. Tanto é, que a própria candidata que foi eleita adotou uma palavra de ordem na campanha que indicava mudança. Ou seja, teve o sentimento de que o Estado não atende a população porque o transporte não é bom, a saúde, a educação, a segurança, a infraestrutura não são, tudo isso passava como sentimento de muita irritação da população. Havia um grande descontentamento sobre como anda a democracia brasileira. Não era uma crise da democracia, era uma crise na democracia, como ela se portava. Eu acho que isso, de maneira latente, se manteve e se expressou nas eleições, e cada candidato se colocou conforme este sentimento, no sentido de obter aprovação.

E, então, o velho governo assume o novo governo. O que nos espera?

Para responder esta pergunta eu tenho que falar, mesmo que rapidamente, sobre o que eu vi na campanha. Pensando na candidata do governo de situação que venceu as eleições, como é que ela venceu? Ela venceu convencendo a maioria de que aquele era um governo bom e que merecia continuar? Não! Ela mesma dizia: “Novo governo, ideias novas”. Então, em sua própria campanha, ela afirmava este tipo de coisa. Segundo lugar: no embate eleitoral, ela venceu não por conta de derrotar os outros candidatos, mas por conta de demonizar os outros candidatos. Demonizar criando uma situação de aterrorizamento, no sentido de que ela informava diuturnamente, com o seu partido, com as suas lideranças, que, caso algum dos candidatos concorrentes vencesse as eleições, o Brasil iria entrar num retrocesso profundo, num colapso, que as pessoas iriam passar mal, que faltaria comida na mesa, que o transporte pioraria, que o Samu desapareceria. Tudo isso que, obviamente, são construções que envolvem o governo dela e os anteriores, mas ela afirmava isso de maneira muito grotesca, muito tosca. E isso, de certa forma, acabou gerando uma situação de temor. Dilma Rousseff venceu pelo temor, não porque convenceu que seu governo era bom, que merecia mais quatro anos. Ela ganhou desta maneira. E ganhar assim implica em como será o novo governo diretamente. É um governo que fracassou, porque chega ao seu final, na parte econômica, com muitos problemas; há uma defasagem muito grande entre o que o País cresce e a inflação que existe, e isso prejudica as camadas de trabalhadores; crescimento baixo, dificuldades em relação aos financiamentos do aparelho público... Trata-se de um governo que termina e é eleito sem credibilidade e sem confiança.

O cidadão gostaria de ver um novo governo que recupere a economia, elimine a corrupção, assuma a educação como prioridade, consolide a ascensão socioeconômica dos mais pobres e fortaleça as instituições democráticas. Como fazer com que essas projeções genéricas se tornem realidade?

Com um plano de governo pontuando todas estas questões e colocando gente competente e honesta nos ministérios, há grande probabilidade de qualquer Congresso dar apoio a um governo deste tipo. O que falta? Ter clareza do que a presidente que venceu as eleições vai fazer. O que nós vamos buscar por hoje é tentar, por meio dos sinais emitidos, ver o que ela vai fazer. Na área econômica, por exemplo, nós temos alguma clareza.

Seguindo este raciocínio, então, quais são os principais pontos estratégicos e sensíveis que o novo governo enfrentará?

Com certeza, o primeiro é o da economia. E é necessário dar uma demonstração clara para os setores produtivos do País que o Brasil voltará a ser uma economia atrativa, uma economia com regras claras e que tem condições de ocupar um novo lugar no cenário mundial. Para fazer isso, é necessário romper com um processo que já começa a ficar perigoso: contas públicas desorganizadas e inflação. A presidente Dilma e seus principais colaboradores têm dito à opinião pública que não farão um ajuste profundo, não farão tarifaço e estas coisas todas. Mas condutas deste governo são condutas temerárias. Por exemplo, este projeto de alterar a meta fiscal no fim do ano de exercício, para fingir que os números podem gerar credibilidade, com números irreais, isso é temerário. É óbvio que continua mal. Ela ainda nem começou e continua mal. Porque, se o novo governo for expressão deste que está terminando, o que podemos dizer é que nos espera um governo de crise crônica, um governo cheio de turbulências e com uma tentativa burlesca de alterar a realidade, os números. O Brasil é um país de grandes oportunidades, mas não pode ser de selvageria. Por isso nós já afastamos um sistema de selvageria, como no período militar. E, para não ter isso, os contratos têm que ser claros, a postura do governo tem que ser mais transparente. Então, todas estas coisas, no âmbito político, de governo, repercutem diretamente na sociedade. Hoje, nós temos um governo pouco crível e, se continuar assim, será um governo repleto de turbulências.

O PT é conhecido por ter defendido a ética quando estava na oposição e, ao chegar ao poder, por ter se envolvido em casos de corrupção. O PT de ontem não é mais o de hoje?

Eu acho que é e não é. Eu acho que uma das faces do PT era, na sua criação, a de um partido vindo do mundo sindical, e este mundo sindical, como todos nós sabemos, é um mundo de negociação. Numa cultura política mais lasciva como nós temos no Brasil, com pouco enraizamento democrático, eu acho que este deslize do PT em relação à corrupção, ao aparelhamento, à obtenção de favores, dinheiro, etc., isso já vem desde o início. É claro que dentro do PT, desde a fundação, existem outros setores como o da igreja católica, o da esquerda, os intelectuais, os progressistas, esta coisa que não faculta dizer, mas o sindicalismo, sim. E junto da vitória, este PT incorpora tudo. A principal mudança que eu vejo é que o PT deslocou seu eixo de sustentação. Ele não é mais o partido do Brasil moderno, cosmopolita, cheio de inovações e passou a ser o partido que é apoiado grandemente em regiões onde os caciques, que fazem a velha política, dão sustentação ao PT. Isso não quer dizer que o PT não tenha voto em todo o País, ele tem. No entanto, a sua vitória, recorrentemente, se deslocou para as áreas menos desenvolvidas do País. Eu acho que tinha este componente do sindicalismo, de resultado no nascimento do PT, e com a conquista do governo, por meio de mecanismos, que nem mesmo ideologicamente as correntes que formavam o PT admitiam, passou a ser negociado e renegociado dentro de seus próprios discursos. Ele chega aí, faz um tipo de aliança e, depois, se encaminha para uma aliança com o PMDB, que foi sempre um partido execrado pelo PT. Então, você percebe claramente que o governo Dilma é um governo que busca realizar compensações dentro da aliança que ele promove, que nem sempre atinge o patamar que todos nós desejaríamos, que é o tipo de aliança clara, com interesses claros, com política clara resultante desta aliança, ou seja, não é nada programático. Então, que esquerda é esta que o PT acabou virando? É uma esquerda, que a gente pode dizer, sem nenhuma capacidade de universalização. Ela já não tem rumo, só funciona para o seu projeto de poder, não é um ator, animador de uma reforma social importante que a sociedade brasileira poderia viver.

Após a ditadura, quais foram os maiores ganhos políticos que o Brasil conquistou?

Sem dúvida nenhuma é a Constituição de 1988. Porque faculta a Constituição de 1988 à liberdade individual e coletiva, à busca da igualdade, fazendo com que se entenda claramente que o Estado tem que se voltar para o atendimento aos direitos da cidadania e, por fim, até à ideia da fraternidade. São os direitos difusos que se espalharam pelo Brasil. E isso eu digo não só em relação ao Brasil, mas é importante também para a América Latina, já que nós temos a estabilidade que temos.

Por que o brasileiro tem a sensação de que entra governo, sai governo e as conquistas básicas não avançam como deveriam – educação, saúde e segurança pública?

De um lado, eu concordo com esta formulação, a sensação do brasileiro é a de que as coisas não mudam. Mas, do outro lado, eu não concordo, porque eu acho que mudam. Acho que há um processo de mudança que nós não percebemos muito bem ele sendo realizado, produzido. Acho que tem aí um fato de que o brasileiro espera muito do Estado. Portanto, se a ação do Estado não é impactante para ele, ele continua com esta sensação de que nada muda. Mas muita coisa tem mudado em todos os sentidos.

Poderíamos dizer que as classes menos favorecidas percebem esta mudança muito mais do que as de maior poder aquisitivo?

Eu penso que o brasileiro não quer dádiva do governo, ele quer oportunidade. O governo tem que atuar conforme a necessidade coletiva dos direitos do cidadão e o Estado tem que funcionar para os menos favorecidos mesmo. Mas não como um pacto conservador com estes menos favorecidos, mantendo-os no mesmo patamar, no mesmo lugar. Isso é péssimo para a democracia. Pode ser bom para o PT, que consegue se reeleger, mas isso tem fôlego curto, não muda o País profundamente.

Rubens Bueno - Herança Maldita

- Gazeta do Povo(PR)

Um dos pontos centrais no debate travado ao longo das últimas eleições foi o desempenho da economia brasileira. Comparações foram feitas, dados foram apresentados, verdades, meias verdades e mentiras foram direcionadas aos eleitores que muitas vezes se viram face a face com números tão distantes da realidade que parecia que estavam falando de outro país. Mas, afinal, passada a visceral campanha vivida por todos nós, qual é o desempenho do atual governo Dilma na economia?

O crescimento da economia, por exemplo, é um dado essencial para avaliarmos o desempenho de um governo. A média de evolução do PIB no governo Dilma que se encerra no próximo mês deverá ser de 1,63%. Um crescimento medíocre se comparado a qualquer parâmetro, seja os governos brasileiros passados, seja outros países no mesmo período. Para termos uma ideia do pífio desempenho da economia brasileira nos últimos quatro anos, a média de elevação do PIB entre os anos de 1940 e 2000 foi de 5,35%. E, na década passada, o crescimento médio do PIB brasileiro foi de 3,6%. Se compararmos com países da América Latina, somos um dos lanternas no crescimento.

Nas contas públicas, o desempenho não foi diferente. O déficit nominal nos últimos 12 meses até setembro foi o maior desde 2003. Os números são bem piores, já que o Tesouro adiou para novembro o pagamento de precatórios e a compensação do crédito subsidiado bancado com a emissão de dívida pelo Tesouro. Mais um exemplo da contabilidade criativa e deletéria deste governo.

Outro equívoco monumental do atual governo é o tratamento dispensado à indústria. O ex-ministro Delfim Netto, em entrevista à Folha de S.Paulo recentemente, foi taxativo: “O governo tem de reconhecer: eu destruí um setor. Ponto final”. É a desindustrialização causando prejuízos enormes à nossa indústria, precarização dos empregos, falta de investimento e perda de competitividade.

Poderíamos avançar, falando da leniência com a inflação no topo da meta; do descumprimento da proposta de superávit primário; do descontrole nas contas externas; do aumento da dívida pública, enfim, são inúmeros exemplos negativos que o atual governo coleciona na economia e que servirão de herança maldita para o próximo governo da presidente Dilma.

O período pós-eleitoral nos trouxe mais surpresas desagradáveis: aumento na Selic, autorização de reajuste nos preços da energia e dos combustíveis, aumento do desmatamento da Amazônia, déficit recorde nas contas públicas, enfim, medidas tomadas e indicadores revelados ao sabor dos interesses da candidatura oficial. Tudo feito para não atrapalhar a reeleição. Tudo feito para enganar o povo brasileiro.

Para o bem de nosso país, esperamos que o governo que se inicia faça tudo diferente do que o triste governo que se encerra.

Rubens Bueno é deputado federa (PR) e líder do PPS na Câmara Federal

Merval Pereira - O perigo do fundamentalismo

- O Globo

O Sultanato de Omã, onde se realiza desde domingo a reunião da Academia da Latinidade, pretende assumir cada vez mais um papel de mediador dos conflitos da região onde oficialmente está situado, o Oriente Médio. Mas esse papel está sendo desempenhado muito mais pelo exemplo do que pela interferência direta nos conflitos.

Ser classificado como um país do Oriente Médio é um problema para os investimentos internacionais, mas confere a Omã posição geopolítica estratégica - fica na Península Arábica e se limita ao norte com o Golfo de Omã (do outro lado, as costas do Irã e Paquistão), a leste e sul com o Mar da Arábia, e a oeste com Iêmen, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Pelo Estreito de Ormuz (entre o Golfo de Omã e o Golfo Pérsico), passam 75% de toda a produção de petróleo do mundo. A renda per capita é de US$ 25 mil, graças basicamente ao petróleo, que representa 80% de sua economia.

Mas, como explicou Ahmed Bin Yousuf Al Harthy, ministro das Relações Exteriores, em conversa ontem com membros da Academia, a intenção é "aprender com o passado, mas não ficar preso a ele, olhar para o futuro. Caminhar dos valores compartilhados para valores comuns".

Sua receita poderia ser considerada quase ingênua, mas é fundamental para uma região de conflitos, onde a sombra do Estado Islâmico deu ares mais graves aos já instalados. "Paz, respeito mútuo, tolerância" definem as linhas mestras da política externa de Omã.

O Sheik Abdullah bin Mohammed Al-Salmi, ministro dos Assuntos Religiosos, fez a abertura do seminário, que tem o título geral de "Valores comuns num mundo de pluralismo cultural", dando o tom da política de seu país, que pode ser resumido em duas palavras: reconciliação e perdão. Ele ressaltou, para espanto geral, o papel da Igreja Católica no Concílio Vaticano II (1962-1965), que exortou relações amigáveis entre judeus e muçulmanos, um apelo que, para o ministro, representou uma grande concessão aos muçulmanos que classificavam sua religião como uma fé com origens em Abraão como o judaísmo e o cristianismo.

O apelo do Vaticano promoveu uma relação mais próxima de cristãos e muçulmanos no mundo árabe, que foi depois prejudicada pela Guerra Civil libanesa, de 1975 a 1990. Na avaliação do ministro dos Assuntos Religiosos, foram fatores políticos e estratégicos, mais do que religiosos, que obstruíram esses promissores novos caminhos.

O ministro considera que estamos em época apropriada para fazer um balanço das duas décadas passadas. Para ele, olhando pelo ângulo religioso ou ético, a experiência pluralística de Omã agregou novas e promissoras dimensões. Como exemplo, lembra que a região experimentou dois levantes recentes, os movimentos conhecidos como Primavera Árabe e o radicalismo político do Islã conhecido como "jihadismo".

Graças à política de coexistência e ao pluralismo, o país foi capaz de lidar com esses movimentos, ao contrário de Estados vizinhos, incendiados pelas revoltas. Mesmo admitindo que não é possível garantir que nada ocorrerá, o ministro avalia que o modelo político omani tem grande perspectiva de estabilidade e sucesso.

Promovendo reforma e visões iluministas, no entanto, o ministro admite que houve problemas devido a hábitos religiosos arraigados na sociedade árabe. A politização do Islã e o "jihadismo" são as manifestações mais óbvias. Esse extremismo pode ser atribuído, de um lado, a questões religiosas de algumas sociedades da região, mas há questões de política internacional, como a guerra do Afeganistão, que também têm sua culpa, diz o ministro dos Assuntos Religiosos.

Ele, porém, ressalva que os países árabes aceitaram o chamado por uma ética global e assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, mas nas últimas três décadas tem havido grande relutância por parte do Ocidente em reconhecer esses valores compartilhados.

Com a vinda de noções como "O fim da História" e "Choque de civilizações", fomos avisados de que valores como paz, tolerância e reconhecimento não são de fato compartilhados porque vocês e nós os entendemos de modos diferentes, lembrou o ministro. Não há nada, porém, em nossa religião que nos separe, disse.

O ministro defendeu urgente reforma religiosa para combater a distorção de conceitos em que partidos políticos religiosos e facções têm se engajado. "Creio que instituições religiosas fortes podem derrotar o fundamentalismo, seja no Ocidente ou no mundo árabe".

Dora Kramer - O pior cego

- O Estado de S. Paulo

Vejam só o senhor e a senhora que curiosa essa notícia de que o PT encomendou pesquisa para saber que história é essa de tantos brasileiros manifestarem rejeição ao partido. Por que será?

No mundo da lua, realmente seria caso de investigação profunda. Seguida de amplo debate para detectar as razões, definir responsabilidades e providenciar uma arrumação na casa. Doa em quem doer.

Consta que os petistas estão assustados com o clima da campanha e os resultados das últimas eleições. Não sabiam de nada - como é de praxe no partido - a respeito da insatisfação disseminada País afora com o acúmulo de desmandos dos seus anos de exercício de poder.

Ficaram especialmente espantados com o ocorrido em São Paulo, onde estavam certos de que bastaria somar o natural desgaste dos governos tucanos à novidade de mais uma invenção de Lula, contar com a submissão do PMDB fazendo papel de sublegenda no Estado e esperar que a seca se encarregasse do resto.

Deu-se na vida real que a fiança dos postes perdeu prazo de validade, a longevidade do PT no Planalto revelou-se mais cansativa, o candidato do PMDB preferiu prudente distância e os paulistas, em sua maioria, resolveram dizer em alto e bom som que andavam fulos da vida.

Trata-se, obviamente, de resumo simplificado de um quadro mais complexo cuja amplitude, variadas as dimensões, alcançam todo o Brasil. Razões que qualquer cidadão razoavelmente informado não ignora.

De onde é espantoso o fato de um político com a sensibilidade e o tirocínio político de Lula não ter captado a mudança de ares no ambiente. Tão incrível quanto seu desconhecimento enquanto presidente sobre o método de organização da base de sustentação do governo no Congresso, local composto por maioria de "picaretas", conforme sua avaliação quando lá conviveu como deputado.

De modo semelhante intriga como Dilma Rousseff, uma servidora exigente, competente, detalhista e centralizadora, possa jamais ter-se dado conta, enquanto ministra das Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente da República, de que havia superfaturamento nos contratos da Petrobrás, a despeito dos alertas do Tribunal de Contas da União.

Diga-se, ignorados também pelo Congresso, cuja maioria governista manteve o veto do então presidente Lula a uma decisão que suspendia obras da Petrobrás na qual havia indícios de corrupção. Na mesma época ele fazia discursos criticando duramente órgãos de fiscalização, como o TCU, dizendo que "atrapalhavam" o andamento de obras.

Em mais de uma ocasião Lula desqualificou instituições. A Justiça Eleitoral, por exemplo, por diversas vezes, chegando a debochar do valor das multas e transigindo as regras de maneira explícita. Da mesma forma, dava abrigo a atos incorretos e antiéticos de seus aliados, como José Sarney durante crise devido a privilégios no Senado e Renan Calheiros enquanto enfrentava processo de quebra de decoro.

Do alto de uma altíssima aprovação popular, Lula fez, aconteceu, desfez e o partido seguiu o modelo de completa arrogância, tratando os escândalos que surgiam jogando o lixo para baixo do tapete, contando uma mentira atrás da outra, acreditando poder fazer o Brasil todo de bobo.

Ao ponto de insistir que o mensalão não existiu e que o Supremo havia atuado como tribunal de exceção, enquanto a prisão dos companheiros era vista pelo País como um avanço institucional.

Agora o PT não compreende o motivo de ser alvo de tanta "intolerância" e "preconceito". Para desvendar o mistério, encomendou uma pesquisa para consultar os eleitores de todo o Brasil a respeito.

Perceberam o senhor e a senhora? O partido só passou a se preocupar com a opinião do público sobre suas condutas diante do risco eleitoral. Deve ser por isso, por não ouvir, não querer ver e ter como única referência o poder é que as coisas acontecem e ninguém sabe de nada no PT.