quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Opinião do dia Aécio Neves

"A posição conivente e silenciosa do Brasil com tudo isso é inaceitável e, a meu ver, vergonhosa",
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Senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, sobre as graves violações aos direitos humanos cometidas pelo governo Nicolás Maduro, na Venezuela

Inflação dispara e protesto nas estradas é nova ameaça

Bloqueio na estrada, peso no bolso

• IPCA-15 dispara para 1,33%, o maior em 12 anos. Protesto de caminhoneiros é nova ameaça

João Sorima Neto, Lucianne Carneiro, Juraci Perboni (*) e Anselmo Carvalho Pinto (*)

Roda presa

RIO, SÃO PAULO, FLORIANÓPOLIS e CUIABÁ - No sétimo dia de protestos dos caminhoneiros, os pontos de bloqueios atingiram rodovias em pelo menos 12 estados brasileiros, e o desabastecimento já ameaça jogar mais lenha na fogueira da inflação que o mercado espera que passe de 7% este ano. Ontem, o IBGE informou que o IPCA-15, prévia da inflação oficial, subiu 1,33% em fevereiro e acumula alta de 2,23% em apenas dois meses - metade do centro da meta fixada para este ano, de 4,5%. Com os protestos nas estradas, já há falta de produtos e aumento de preços em alguns municípios. Segundo economistas, a intensidade do impacto na inflação dependerá da duração das interdições nas estradas e o efeito pode ser apenas temporário.

Em municípios de Santa Catarina e Paraná, a falta de combustível fez alguns postos cobrarem até R$ 5 pelo litro de gasolina e R$ 4 pelo de diesel. Na Ceagesp, maior entreposto comercial de São Paulo, frutas como melancia, maçã e pera começam a desaparecer das lojas.

Pressão da energia elétrica
Os efeitos do protesto também já se faziam sentir ontem no Rio de Janeiro, onde alguns varejistas da Ceasa deixaram de receber mercadorias. Outros foram avisados por fornecedores que muitos caminhões de entrega sequer serão abastecidos por medo de perder a cargas nos bloqueios. Nos supermercados, embora ainda não haja falta de produtos, fornecedores já se organizam para antecipar entregas e evitar eventuais problemas de estoque. A expectativa é que se o protesto for mantido, outros preços subam ainda nesta semana.

- A tendência é que a paralisação dos caminhoneiros seja mais um fator de pressão (sobre a inflação). Mas vai depender do tempo de duração. A princípio, se espera alguma alta no frete, que será um fator a mais para perturbar os preços, mas não vai mudar o número da inflação no ano. Problemas como a alta do preço da energia elétrica são muito mais sérios que isso - avalia o professor de Economia da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha.

Tradicionalmente um mês em que a inflação é puxada por educação - por causa dos reajustes de mensalidades escolares -, neste ano os preços de fevereiro foram mais influenciados por transportes e energia. O maior impacto individual foi energia elétrica, que subiu 7,70% e respondeu por 0,23 ponto percentual da alta de 1,33% do mês. Com aumento de combustíveis (4,80%), ônibus urbano (2,46%) e veículo novo (2,76%), os preços do grupo Transportes subiram 1,98%, com impacto de 0,37 ponto percentual. Com isso, o IPCA-15 foi o maior para um mês de fevereiro em doze anos: em 2003, a alta foi de 2,19%.

A economista da Tendências Consultoria Adriana Molinari destaca a possibilidade de impacto nos preços de alimentos no curto prazo. Mas por pouco tempo:

- Os preços sobem, mas a tendência é de uma espécie de devolução quando a oferta se normaliza.

Por ora, são os varejistas os primeiros a sentir os efeitos dos protestos. No Rio, a Rossi Alimentos não recebeu as cargas de de manga e mamão que vinham do Espírito Santo e de Petrolina (PE).

- Não sabemos como vai ficar. Os fornecedores avisaram que já liberaram a mercadoria, mas pode ficar preso na estrada. Se não chegar mais fruta, não vamos nem abrir a loja - disse o proprietário, Olivio Angotti.

A escassez também fez o preço aumentar: a caixa de mamão papaya de sete quilos passou de R$ 10 na segunda-feira para R$ 14. Na Nipo Alimentos, o preço da caixa de 20 quilos de cenoura, que na segunda era vendido entre R$ 50 e R$ 55 , passou para R$ 60, segundo Mario Kikuta, vendedor da loja.

Governo convoca reunião
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), até o fim da tarde de ontem, foram registrados 124 pontos de bloqueios em rodovias federais. Também houve bloqueios em estradas estaduais, como a via Anchieta, em São Paulo, que dá acesso ao Porto de Santos, em Goiás e no Piauí. Após muita negociação, a força-tarefa da Advocacia Geral da União (AGU) e do Ministério da Justiça conseguiu liberar as rodovias BRs 293, 116 e 392, na região de Pelotas (RS) e em todo o estado de Minas Gerais.

Preocupado com os reflexos do protestos dos caminhoneiros, o governo vai abrir a partir de hoje uma mesa de negociações entre as lideranças dos caminhoneiros e dos empresários do setor. Após articulação com cinco ministros, foi marcada uma reunião para esta tarde no Ministério dos Transportes.

Levy diz ao PMDB que corte será de R$ 80 bi

• Levy diz a congressistas que ajuste fiscal será de r$ 80 bi, e Tombini admite inflação acima de 7%

Martha Beck, Cristiane Jungblut, Simone Iglesias e Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA - Em meio às resistências enfrentadas no Parlamento, o governo resolveu deixar público a congressistas nos dois últimos dias a dimensão das dificuldades econômicas que tornariam imperativo o ajuste fiscal. Em jantar com o PMDB na noite de segunda-feira, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o governo precisa de um ajuste de R$ 80 bilhões este ano para recuperar a confiança dos investidores e voltar a crescer. Já o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, argumentou que, segundo as previsões de mercado, a inflação fechará 2015 acima de 7%, e que o ajuste fiscal é importante para auxiliar a autoridade monetária a fazer os índices de preços convergirem para o centro da meta, de 4,5%. Segundo participantes do jantar, Tombini disse que a inflação deve convergir para o centro da meta apenas no final de 2016.

Ao pedir apoio do PMDB para aprovar as medidas, Levy alertou para o risco de o Brasil entrar em uma crise econômica. Segundo relatos, o ministro argumentou que países que não tomaram medidas do tipo, diante do cenário internacional desfavorável, foram levados a severas crises.

O encontro com peemedebistas foi apenas a primeira de uma série de reuniões com lideranças partidárias para expor os argumentos pela aprovação das medidas. Segundo fontes do governo, o ajuste de R$ 80 bilhões citado por Levy inclui o contingenciamento do Orçamento, ações como o endurecimento das regras para o acesso da população a benefícios trabalhistas e previdenciários, além do aumentos de alguns tributos. Uma fonte presente no jantar com peemedebistas relatou que a frase do ministro da Fazenda foi: "não se faz um ajuste de R$ 80 bilhões apenas com cortes".

Segundo os técnicos da equipe econômica, o ministro chegou a esse montante com uma conta simples. Ele considerou a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) fixada para este ano, de R$ 55,3 bilhões, ou 1% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), e o rombo das contas públicas no ano passado. Em 2014, somente a União registrou déficit de R$ 20,5 bilhões. Assim, o montante seria de R$ 75,8 bilhões, arredondado para R$ 80 bilhões. No caso do Orçamento, a sinalização foi de que o contingenciamento será acima de R$ 60 bilhões.

Novas reuniões com Senado e Câmara
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), argumenta que o governo não pode basear seu discurso apenas em medidas que afetem a concessão de benefícios sociais. A equipe econômica tenta aprovar medidas que restringem o acesso ao seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte. Para Renan, também é preciso cortar na carne:

- A sociedade não entenderá se só a população mais pobre pagar a conta do ajuste. É preciso cortar também no setor público. É sobretudo uma oportunidade para que se possa dar um fundamento à coalizão de governo no Brasil.

Depois do jantar com o PMDB, o dia ontem foi de novas reuniões. Na primeira delas, um café da manhã com os senadores líderes dos partidos aliados e os ministros Nelson Barbosa (Planejamento), Manoel Dias (Trabalho), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Carlos Gabas (Previdência) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), houve críticas ao governo na condução do tema. Os dois lados concordaram que as propostas foram mal explicadas à sociedade e que agora está dando mais trabalho justificar que as medidas não são perda de direitos, mas ajustes para auxiliar no crescimento da economia. Escalado para falar em nome do governo, Pepe Vargas disse que o objetivo do encontro foi um "nivelamento de informações":

- Essas medidas não se inserem numa ideia de ajuste fiscal de curto prazo. Elas são medidas para preservar benefícios importantes, corrigir eventuais distorções e dar sustentabilidade aos fundos que lastreiam o acesso a esses benefícios. São mais ajustes de longo prazo do que de curto prazo. Não havia o objetivo de achar que todo mundo sairia convencido sobre as propostas. Agora é que o debate vai começar.

Os aliados também cobraram do governo flexibilizações nas regras que restringem o acesso a benefícios sociais, incluídas em duas medidas provisórias (MPs). Depois das primeiras reuniões, o consenso no governo é que só há uma alternativa para aprovar as medidas: ceder. Segundo senadores que estiveram no encontro, os ministros acenaram em flexibilizar as regras, reduzindo o prazo para recebimento do seguro-desemprego, dos 18 meses estabelecidos na MP, e também ajustar a pensão por morte.

- Todos ressaltaram a preocupação de que essas medidas não foram bem trabalhadas e isso criou um clima de animosidade. Agora, estamos correndo atrás do prejuízo - disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa.

Bancadas vão examinar argumentos
Após o café da manhã, um grupo de deputados da base chegou ao Planalto para discutir as MPs. A conversa também começou com reclamações sobre a postura do governo.

- O governo não é do PT, é de uma coalizão de partidos. Essas propostas tinham que ter sido discutidas antes - afirmou o deputado Hugo Leal (PROS), que é vice-líder do governo.

Nas reuniões, nenhum compromisso foi fechado pela aprovação das medidas. Segundo participantes dos encontros, as conversas recém começaram e há muito o que modificar.

- Não houve nenhum compromisso de mérito com as medidas. Ouvimos os ministros, vamos levar as ideias para as bancadas. A fase é de discutir - disse o líder do PR, Maurício Quintella Lessa. ( Colaboraram Catarina Alencastro, Chico de Gois, Isabel Braga e Luiza Damé)

Vice alerta Dilma do risco de perder maioria no Congresso

• Em telefonema à presidente, Temer cobra participação do PMDB nas decisões

• Em jantar com ministros, Renan Calheiros reclamou que a legenda só é chamada na hora de votar

Natuza Nery, Mariana Haubert e Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente da República, Michel Temer, alertou a presidente Dilma Rousseff que ou o governo inclui o PMDB em suas decisões estratégicas ou não terá como manter a legenda na base aliada.

Segundo a Folha apurou, o recado foi dado em uma conversa telefônica nesta terça-feira (24), quando o vice afirmou que a sigla está no "limite da governabilidade".

Temer explicou a Dilma que, se o partido continuar excluído do poder "mais um mês ou dois", o Planalto corre o risco de perder o controle mínimo da pauta no Congresso --o PMDB preside as duas Casas do Parlamento.

Sem o apoio do partido, notabilizado por traições, ameaças e apetite por cargos, o governo dificilmente conseguiria viabilizar projetos de seu interesse ou obter grau mínimo de blindagem em CPIs como a da Petrobras.

É a primeira vez que Temer traça um cenário tão negativo à petista. A insatisfação da sigla aumentou na medida em que os peemedebistas viram novos aliados do Planalto, como o PSD, crescerem na montagem do segundo mandato.

Dilma garantiu sete pastas ao PMDB, mas a maioria sem grande poder de fogo político ou indicações da cúpula do partido. Além do interesse em emplacar cargos no segundo escalão do governo, uma das exigências da legenda é ter assento nas reuniões da coordenação de governo, hoje composta apenas por petistas.

O diálogo entre Temer e Dilma ocorreu poucas horas depois de um jantar, na segunda-feira (23), da cúpula do PMDB com a equipe econômica na residência oficial do vice, o Palácio do Jaburu.

Apesar de a reunião ter sido chamada por Temer para tentar destravar as medidas do ajuste fiscal que tramitam no Legislativo e de ter havido promessas de apoio do partido ao pacote, foram as insatisfações políticas que dominaram o debate.

Como representantes do Executivo, estavam no jantar Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento), Alexandre Tombini (Banco Central) e Aloizio Mercadante (Casa Civil).

"O PMDB salvará o ajuste fiscal", disse Eduardo Cunha no jantar, falando como uma espécie de fiador do pacote de redução de despesas, isso após passar as últimas semanas impondo seguidas derrotas à Dilma na Câmara.

O pacote, do qual o PMDB reclama de não ter participado de sua concepção, prevê uma economia de R$ 18 bilhões neste ano ao endurecer exigências para a concessão de seguro-desemprego, abono salarial, pensão por morte e seguro-defeso para pescadores artesanais. Apesar do apoio, não estão descartadas mudanças nas propostas.

No jantar do Jaburu, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), foi bem menos comedido. Afirmou que seu partido só é chamado na hora de votar. A jornalistas, fez questão de dizer que a coalizão de Dilma com seu partido está "capenga".

"O PMDB quer dar um fundamento à coalizão, quer participar da definição das políticas públicas. Essa coalizão, ela é capenga porque o PMDB, que é o maior partido do ponto de vista da coalizão, ele não cumpre o seu papel", afirmou, ao chegar ao Senado.

Diante das críticas, Mercadante reconheceu que é preciso repensar a relação do governo com sua base congressual. Na semana que vem, Dilma receberá a cúpula peemedebista.

As dificuldades da presidente não se limitam ao parceiro mais problemático da coalizão. O próprio PT resiste em apoiar iniciativas do pacote fiscal.

PT e PMDB têm juntos 131 deputados do total de 513. Para ser apreciado, um projeto de lei exige quórum mínimo de 257 deputados. Ele será aprovado se tiver maioria simples do número de presentes.

PSD promete apoio ao ajuste fiscal
Após jantar da equipe econômica com integrantes do PSD na noite desta terça-feira (24), o partido, que conta com 34 votos no Congresso, se comprometeu a apoiar o ajuste fiscal proposto pelo governo federal.

Ao fim do encontro, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse ser normal a apresentação de emendas ao pacote, mas defendeu o posicionamento do governo.

"Estamos apresentando argumentos que justifiquem a dosagem dessas medidas", afirmou Barbosa.

Petistas e grupos pelo Impeachment se enfrentam

• Em ato de defesa da Petrobras, na ABI, Lula ameaça com "exército de Stédile" (do MST) nas ruas

Juliana Castro e Alexandre Rodrigues – O Globo

Militantes do PT e um grupo que pede o impeachment da presidente Dilma Rousseff se enfrentaram ontem na porta da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Centro do Rio, um pouco antes de um ato intitulado "em defesa da Petrobras". Inicialmente, houve xingamentos e dedo em riste. O clima esquentou quando integrantes do grupo que defendia o governo rasgaram uma faixa que defendia o impeachment da presidente Dilma. Em seguida, militantes partiram para a briga física, e houve troca de socos entre os dois lados.

Pelo menos um militante ficou com a mão ferida por causa da briga. Um policial chegou a pegar um frasco com spray de pimenta, mas não jogou nos manifestantes.

Os que se opõem ao ato gritavam "Fora, Dilma" e os petistas chamavam os adversários de "golpistas e coxinhas".

No fim da tarde, a confusão do lado de fora fechou completamente o trânsito da Rua Araújo Porto Alegre, onde fica a sede da ABI. Por volta das 18h20m, homens do Batalhão de Choque chegaram à via. Apesar do evento estar marcado para 18h, muitos manifestantes pró e contra Dilma continuavam do lado de fora do prédio. Os que protestam contra o governo batiam panelas e pediam a saída da presidente. Um novo conflito aconteceu entre manifestantes depois que o Batalhão da Polícia de Grandes Eventos (BPGE) chegou. Controladores da CET-Rio chegaram para liberar o trânsito na avenida.

Mesmo com a chegada do reforço policial, manifestantes continuaram a provocação. Os petistas gritavam palavras de ordem e os que são contra o governo batiam panelas. Um dos movimentos que pedia o impeachment de Dilma se intitula Grupo Legalidade. O corretor de imóveis Luiz Eduardo Oliveira, integrante do grupo, disse que seus correligionários não se sentem representados pelos partidos.

"Parecemos envergonhados"
O evento foi organizado por petroleiros e centrais sindicais e contou com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele chegou às 19h20m à sede da ABI, já depois do confronto. Como só há uma entrada, o carro em que ele estava passou no meio dos manifestantes pró-PT, que gritavam "Lula, guerreiro do povo brasileiro" e "Lula sai do chão, o petróleo é do povão".

Em seu discurso, o ex-presidente usou um tom duro para afirmar que está pronto para a briga com a oposição.

- Quero paz e democracia, mas eles não querem. Mas também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile (João Pedro Stédile, líder do MST) colocar o exército dele nas ruas.

O ex-presidente deu ainda conselhos à sua sucessora:

- Nossa querida Dilma tem que levantar a cabeça, dizer "Eu ganhei as eleições", e governar o país. Não pode ficar dando trela, se não ficamos paralisados. Nós ganhamos a eleição e parecemos envergonhados. Eles perderam e andam aí todos pomposos - disse o ex-presidente: - Em vez de ficar chorando, vamos defender o que é nosso. Defender a Petrobras é defender a democracia e defender democracia é defender continuidade do desenvolvimento social nesse país.

Mais uma vez, Lula disse que os opositores e a imprensa tentam criminalizar o PT:

- O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social nesse país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite.

No evento, estavam também os produtores de cinema Lucy e Luiz Carlos Barreto; o ex-presidente do PSB Roberto Amaral; Stédile e o vice-presidente do PT, Alberto Cantalice.

Pouco antes do início do evento, o presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, defendeu a preservação da imagem da empresa, independentemente das investigações de corrupção na Petrobras.

Freitas disse que os corruptores devem ser punidos, mas afirmou que há interesses privados se aproveitando da crise. Na linha da presidente Dilma, ele mencionou as evidências de que já havia corrupção na Petrobras no governo de Fernando Henrique (PSDB).

- Por trás disso há um interesse fundamentalmente do mercado internacional de privatizar a Petrobras, tomá-la do povo brasileiro - disse Freitas, afirmando que a CUT defende a continuidade das investigações da Operação Lava-Jato e a punição dos culpados.

Em reunião com ministro, líderes da base cobram negociação com Dilma

• Senadores se encontraram com representantes do Executivo nesta manhã e pediram maior presença da presidente nas negociações sobre ajuste fiscal

Nivaldo Souza - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao reunir os líderes da base no Senado com cinco ministros em um café da manhã, organizado nesta terça-feira, 24, pela Secretaria de Relações Internacionais (SRI), comandada pelo isolado ministro Pepe Vargas, o governo apostou numa reaproximação com "pompa e circunstância" para abafar a rebelião dos aliados. A conversa amenizou, mas não aplacou os ânimos, de acordo com o relato de um dos líderes ao Broadcast Político.

Os líderes partidários cobraram que a presidente Dilma Rousseff entre no jogo e negocie diretamente com eles o ajuste fiscal, que depende da aprovação do Congresso. "A presidente precisa vir e explicar, negociar, o ajuste", disse.

O grupo reconheceu o gesto de reaproximação conduzido pelo Palácio do Planalto, do qual também participaram os ministros Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), Carlos Gabas (Previdência), Nelson Barbosa (Planejamento) e Manoel Dias (Trabalho).

Não houve constatação técnica das mudanças após o governo apresentar uma cartilha detalhada sobre cada mudança. Os líderes partidários, contudo, cobraram a presença de Dilma nas conversas.

Eles querem dividir com ela o ônus político das alterações propostas: novas regras de acesso do seguro-desemprego, abono salarial, pensão por morte, seguro-defeso e auxílio-doença. As lideranças parlamentares também criticaram a leitura do momento político do País pelo Planalto ao anunciar o ajuste. "Não houve muita divergência sobre a validade e a importância das medidas. Mas também não houve consenso sobre se este é o momento adequado para votar isso", afirmou o líder ouvido pelo Broadcast.

A avaliação dos líderes, manifestada ao corpo de ministros, foi a de que as mudanças têm peso social elevado e o governo errou ao propô-las em meio à crise na Petrobrás, deflagrada pela Operação Lava Jato, conduzida pela Polícia Federal.

Os parlamentares temem acirrar o descontentamento da população com o Congresso com medidas de arrocho fiscal enquanto deputados e senadores são implicados na Lava Jato. Há uma forte tensão com a expectativa de o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, apresentar ao Supremo Tribunal Federal a lista de políticos envolvidos no esquema de corrupção da Petrobrás - o que deve ocorrer em breve.

Coalizão do governo está 'capenga', dispara Renan Calheiros

• No dia seguinte ao encontro entre lideranças do PMDB e ministros do governo Dilma em busca de consensos, presidente do Senado diz que partido não 'cumpre seu papel'

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reclamou nesta terça-feira, 24, que a coalizão do governo da presidente Dilma Rousseff está "capenga". A queixa do peemedebista se deu horas depois do jantar realizado no Palácio do Jaburu, na segunda-feira, 23, residência oficial do vice-presidente da República e presidente do PMDB, Michel Temer, que contou com a presença de integrantes da equipe econômica do governo e do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

No encontro, a cúpula peemedebista afirmou aos integrantes do governo que não é chamada a participar das principais discussões do Executivo, sendo acionada apenas nos momentos de dificuldade. "O PMDB quer dar um fundamento à coalizão, quer participar da definição das políticas públicas. Essa coalizão, ela é capenga porque o PMDB, que é o maior partido, do ponto de vista da coalizão, ele não cumpre o seu papel", afirmou Renan, na chegada ao Senado nesta manhã (24).

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reclamou nesta terça-feira, 24, que a coalizão do governo da presidente Dilma Rousseff está "capenga".

Setor público. Renan sinalizou que o partido vai apoiar o pacote de medidas enviadas pelo governo ao Congresso, que restringe as regras de concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários. Mas fez questão de ressaltar que é preciso "aprofundar o ajuste" e disse que "o setor público também tem que pagar uma parte da conta".

"O ajuste tem de cortar no setor público, a sociedade não entenderá se só a população mais pobre pagar a conta do ajuste", afirmou Renan, ao frisar que não se pode "transferir" a conta do ajuste exclusivamente para a sociedade.

Numa referência indireta ao PT, o presidente do Senado disse que não se pode ter um governo de um partido hegemônico ao mesmo tempo em que o maior partido do Congresso, o PMDB, seja parte da coalizão sem ter "papel na definição das políticas públicas". Renan elogiou a realização do encontro dessa segunda, classificando-a de "muito boa" e "qualitativa".

Congresso é o lugar adequado para reforma política, defende Gilmar Mendes

• Ministro do Supremo participou de sessão temática no plenário do Senado para discutir o assunto e disse que sistema eleitoral tem dado sinal de 'exaustão'

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou nesta terça-feira, 24, que o Congresso Nacional é o lugar adequado para realizar a reforma política. "Estou convencido que o locus para fazer a reforma política é o Congresso Nacional. Não se devem buscar atalhos, mas nós, no Supremo Tribunal Federal, já nos animamos a participar de inúmeros debates e, muitas vezes, somos obrigados a fazê-lo, em termos de controle, mas temos dificuldade, quando se trata de formulação", declarou ele, que participou de uma sessão temática no plenário Senado para discutir o assunto.

Para Mendes, o sistema eleitoral tem dado sinais ao longo dos anos "por conta de vários fenômenos", de "algum tipo de sinal de exaustão". Citou o exemplo do modelo de eleição proporcional de lista aberta - adotado hoje para a eleição de vereadores e deputados após participação ampla -, mas pode distorcer o modelo de representação política.

O ministro do STF criticou o que considera "outro problema" as reformas que acabam sendo feitas pelo Poder Judiciário. Ele disse que há vários exemplos de casos em que o Judiciário faz uma intervenção e, logo em seguida, o Congresso dá uma outra resposta. Um dos casos foi a verticalização - sistema pelo qual as coligações eleitorais dos partidos em nível nacional tinham de respeitar às dos níveis estaduais. O Supremo chegou a manter a regra, mas o Congresso aprovou uma emenda derrubando-a.

Cobrado por senadores, Gilmar Mendes disse que devolverá "oportunamente" o pedido de vista do processo que discute a proibição das doações de empresas privadas para campanhas eleitorais. Em abril do ano passado, o ministro pediu vista do caso, mesmo com uma maioria já formada de seis votos a um a favor da proibição da prática.

Anfitrião do evento, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), defendeu a aprovação de uma reforma política o mais rápido possível e lembrou que há dez propostas que tratam do tema prontas para serem analisadas pelo plenário da Casa. Em entrevista, Renan admitiu que o assunto, embora seja fundamental e insubstituível, terá de ir à votação mesmo sem consenso. Ele disse que vai convocar uma reunião de líderes para discutir a análise da proposta. "O Brasil cobra muito isso", resumiu Renan.

Participaram do encontro, além dos senadores presentes, o cientista político Murilo Aragão, presidente da Arko Advice Pesquisas, e o filósofo e diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo. Aragão defendeu limite de gastos para as campanhas e Abramo considerou como "a mãe de todas as reformas políticas" a limitação dos poderes do chefe do Executivo de fazer nomeações de cargos.

Reforma política será debatida em até 40 sessões, define comissão da Câmara

• Temas espinhosos, como o sistema eleitoral ideal e o modelo de financiamento de campanhas eleitorais, serão discutidos por último por serem consideradas o 'cerne' da reforma

Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A Comissão Especial que debate a reforma política na Câmara dos Deputados aprovou nesta tarde um plano de trabalho para votar uma proposta a ser levada ao plenário em até 40 sessões. Temas espinhosos, como o sistema eleitoral ideal e o modelo de financiamento de campanhas eleitorais, serão discutidos por último por serem consideradas o "cerne" da reforma.

O roteiro de trabalho apresentado pelo relator Marcelo Castro (PMDB-PI) dividiu as discussões em dois blocos: um para os temas que exigem maior debate (financiamento e sistema eleitoral) e outro com pontos menos difíceis de atingir um consenso (coincidência de eleições, fim da reeleição, duração de mandatos, suplência de senador, voto facultativo, cláusula de desempenho, coligações proporcionais, federações partidárias, prazo de filiação para disputa, "janela de filiação" e acomodação de forças políticas). Os temas do segundo bloco serão debatidos primeiro.

A primeira fase será dedicada às audiências públicas e nesta tarde foram aprovados 17 requerimentos para convidar entidades da sociedade civil, autoridades do Supremo Tribunal Federal (como os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli) e representantes da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). A ideia é que sejam realizadas também audiências nos Estados e debates com estudiosos do tema.

O relator disse que pretende concluir os trabalhos antes das 40 sessões previstas para o funcionamento da comissão especial. "Ou fazemos diferente desta vez ou estaremos fadados ao fracasso", disse Castro, referindo-se às propostas já discutidas no Congresso e que não avançaram. O peemedebista insistiu para que os deputados "desarmem seus espíritos" e votem uma proposta com chances de passar pelo plenário.

Alguns membros da comissão questionaram a celeridade do plano apresentado pelo relator e pediram que a sociedade civil participe de todas as fases dos debates. "Nem pode ser lento demais, nem pode ser rápido demais de modo que atrapalhe a busca de consensos", argumentou Orlando Silva (PcdoB-SP). "Temos prazo, mas não podemos ter pressa", concordou o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ). A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) cobrou que a reforma também discuta a representatividade feminina na política.

Nanicos se opõem ao 'distritão' e querem ampliar discussão sobre reforma política

• PHS, PTN, PSDC, PRP e PSL se reuniram nesta segunda e devem trabalhar devem trabalhar contra o modelo defendido pelo vice-presidente da República, Michel Temer

Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Representantes dos partidos nanicos se reuniram na noite desta segunda-feira, 23, em São Paulo para discutir uma ação conjunta nos debates sobre a reforma política. PHS, PTN, PSDC, PRP e PSL devem trabalhar contra o modelo defendido pelo vice-presidente da República, Michel Temer, o "distritão". A primeira reunião deliberativa da comissão especial da Câmara acontecerá na tarde desta terça-feira, 24.

Os dirigentes desses partidos alegam que o modelo proposto por Temer - no qual são eleitos os candidatos mais votados em um Estado, sem se levar em conta a votação dos partidos, como ocorre hoje pelo sistema proporcional - enfraquece as legendas e personaliza o processo eleitoral. Para ser aprovada na Câmara, a mudança depende do apoio de 308 dos 513 deputados por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

O encontro foi organizado pela deputada Renata Abreu (PTN-SP) que, pessoalmente, não é contra o distritão. A deputada é membro titular da comissão especial e está organizando audiências para debater a reforma.

Segundo o vereador paulistano Laércio Benko, que representou o PHS no encontro de ontem, ficou acertado que os nanicos apresentarão na comissão requerimentos para a realização de audiências públicas nas Assembleias Legislativas, de forma a envolver parlamentares das esferas estadual e municipal nas discussões. "Ninguém discute que não seja necessário uma reforma política, mas ela não é a grande preocupação hoje. A preocupação da sociedade é se tem água na torneira, energia elétrica e com o aumento da gasolina", declarou o vereador.

Ainda de acordo com Benko, a maior parte dos representantes das siglas se posicionou contra o distritão, considerado por ele "um golpe dos partidos grandes". "O distritão é uma excrescência. Só o Afeganistão tem", comparou.

Sistemas eleitorais e financiamento serão prioridades de comissão

Aguirre Talento – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A comissão especial da Câmara dos Deputados sobre a reforma política definiu priorizar a discussão sobre sistemas eleitorais e financiamento de campanha, de acordo com o plano de trabalho aprovado nesta terça-feira (24).

Por serem temas mais polêmicos, esse será o foco principal das audiências públicas e dos debates com especialistas durante os trabalhos da comissão.

O relator da comissão, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), afirmou que os outros temas a serem discutidos, como o fim da reeleição, a duração dos mandatos e a coincidência de eleições, são mais simples e podem ser decididos entre os próprios parlamentares.

"Vamos precisar tanto da opinião da sociedade para financiamento eleitoral e assuntos complexos, que esses temas, como a coincidência de eleição, são coisas simples, da nossa vida diária. Nossa experiencia fala muito mais alto do que o conhecimento teórico de alguns", afirmou Castro.

A comissão tem um prazo de 40 sessões, o que estenderia sua duração até maio, mas o relator afirma querer encerrar os trabalhos antes disso. As sessões devem ser realizadas às terças e quintas.

Para iniciar, haverá uma primeira fase de audiências públicas com entidades da sociedade civil, representantes de entidades políticas e especialistas em direito eleitoral, como integrantes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.

Depois haverá seminários em alguns Estados, debates internos sobre as propostas mais simples e uma segunda fase de audiências públicas com foco nos sistemas eleitorais e financiamento de campanha.

Por último, a comissão debaterá internamente esses dois assuntos e será apresentado o parecer do relator, com uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para ser votada pelo plenário da Casa.

Além da PEC, há a possibilidade da apresentação também de um projeto de lei, com assuntos mais simples que podem ser aprovados sem necessidade de alteração na Constituição. O projeto de lei também é mais fácil de ser aprovado do que uma PEC: sua deliberação é por maioria simples, enquanto no segundo caso, é necessário ter os votos de 3/5 da Casa.

Empresas investigadas deram quase r$ 1 milhão a relator da CPI

• Luiz Sérgio, do PT, teve 40% de sua campanha bancada por empreiteiras

Chico de Gois e Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA Escolhido para ser o relator da CPI da Petrobras, o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) teve 40% das despesas de sua campanha do ano passado bancada com recursos de quatro construtoras envolvidas no escândalo de corrupção investigado na Operação Lava-Jato. Ele recebeu R$ 962,5 mil das construtoras Queiroz Galvão, OAS, Toyo Setal e UTC. Em depoimento de delação premiada, o executivo Augusto Mendonça Neto, da Toyo Setal, disse que parte da propina do esquema era depositado na conta do PT, como doação legal.

A escolha de Luiz Sérgio para a relatoria da CPI e a anunciada opção por Hugo Motta (PMDB-PB), de 25 anos e em seu segundo mandato, para presidi-la consolidaram o controle do governo sobre as investigações. Repetiu-se a fórmula das outras duas CPIs instaladas em 2014 para apurar irregularidades na petroleira. Na que tramitou no Senado, o presidente foi Vital do Rêgo (PMDB-PB), e o relator, José Pimentel (PT-CE). Na CPI mista, Vital também presidiu, e o deputado Marco Maia (PT-RS) relatou. Nos dois casos, o resultado foi alvo de críticas.

A escolha do nome de Luiz Sérgio foi negociada com o PMDB porque cabe ao presidente da CPI indicar o relator. Durante almoço do líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), com os líderes do PT, Sibá Machado (AC), e do governo, José Guimarães (PT-CE), o peemedebista disse que não haveria resistência a Luiz Sérgio. Antes, o PT cogitou indicar Vicente Cândido (SP). Porém, ele é visto por peemedebistas e deputados de outros partidos como pouco afeito ao diálogo.

Anteontem, Luiz Sérgio disse que não aceitaria a função. Mudou de ideia e passou a encarar o fato como uma missão partidária. Antes da indicação de Luiz Sérgio, parte do PMDB e outros partidos do bloco eram contra a cessão da relatoria a um petista. Argumentavam que seria um sinal para a sociedade de que tudo acabará em pizza, como as outras CPIs.

Luiz Sérgio é militante histórico do PT. Foi, por breve período, ministro da Secretaria de Relações Institucionais, no início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. É ligado à corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), que perdeu espaço na reforma ministerial feita por Dilma neste segundo mandato. Também foi relator da CPI dos Cartões Corporativos e apresentou um relatório brando, sem pedir indiciamento de ninguém.

- Luiz Sérgio tem grande experiência, cabeça fria. Precisa ter cautela para evitar polêmicas. É bom que o relator seja sossegado. (...) O importante é que a CPI não contamine as votações no plenário. E que não a transformem em palco da disputa política - disse Sibá, que recolheu assinaturas para ampliar o objeto de investigação e incluir o governo Fernando Henrique (PSDB).

O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), classificou Luiz Sérgio como "uma pessoa de bom trato", mas disse que é preciso saber se ele terá autonomia para agir com independência:

- Tem que saber qual a disposição dele: se vai seguir a vontade do partido de estabelecer mais a luta política ou investigar de fato.

Já Picciani afirmou que a maioria da bancada concorda em ceder a relatoria da CPI ao PT, que "capitania um bloco de mais de 160 deputados". O presidente da CPI é do grupo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

- Foi uma construção conjunta da Casa. Consultei os deputados e a maioria da minha bancada aceita. As divergências são minoritárias - disse Picciani.

Lava Jato, balanço e dívida tiram selo de bom pagador da Petrobras

• Agência Moody's rebaixa nota da estatal; grandes fundos ficam impedidos de investir na empresa

• Mudança deve tornar ainda mais caro o financiamento de toda a cadeia de óleo e gás; Petrobras não comenta

Renata Agostini, Toni Sciarretta – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A Petrobras, maior estatal brasileira e sexta maior petrolífera do mundo, perdeu nesta terça (24) o chamado grau de investimento, espécie de selo de local seguro para investir, da agência de classificação de riscos Moody's, considerada uma das mais austeras em suas avaliações.

Os motivos foram "preocupação crescente em relação às investigações de corrupção", o endividamento da empresa e o atraso na divulgação do balanço auditado.

A empresa poderá ter de adiantar o pagamento de dívidas que só venceriam a partir de 2017 se não tiver balanço auditado até maio.

Procurada para comentar a perda do grau de investimento, a Petrobras limitou-se a emitir nota comunicando o mercado sobre o rebaixamento e informando que "não há dívidas sujeitas a vencimento antecipado por causa da piora da nota".

Consequências
O rebaixamento, que ocorre duas semanas após a troca no comando da estatal, terá como consequência a saída de recursos de fundos de pensão e de investimento que não podem colocar dinheiro em ações e dívidas de empresas com risco de calote.

Apesar das críticas na época da crise global, o aval das agências de classificação risco ainda é fundamental para o investimento.
A mudança deve tornar ainda mais caro o financiamento da estatal e de toda a cadeia de óleo e gás, que tinha na empresa a principal intermediadora para captar recursos.

Na prática, a Moody's ratificou a percepção do mercado internacional especializado em negociar seguros contra calotes. O valor do "seguro" contra calote (Credit Default Swap) da Petrobras disparou desde o ano passado --os contratos saltaram de 280 pontos para 571,86.

Isso significa que, para proteger US$ 10 milhões emprestados a estatal, o investidor paga US$ 571,86 mil.

De uma só vez, a agência rebaixou a nota da estatal em dois degraus, ação incomum no histórico das agências de avaliação de risco, e ainda indicou que a empresa pode ter novos rebaixamentos.

Também é raro que uma estatal tenha uma avaliação de risco tão abaixo do próprio país (que está em Baa2, três graus acima da Petrobras), já que o risco de calote de uma empresa dessas se confunde com o do país --ela tende a ser socorrida pelo governo.

Dessa vez, porém, a Moody's afirma que a disposição do governo em socorrer a estatal pode ser abalada se houver vencimento adiantado de grande parte de sua dívida.

No início deste mês, a agência Fitch Rating rebaixou a estatal e a colocou no último nível de grau de investimento, por causa da prolongada incerteza "em relação à habilidade da empresa de estimar as perdas decorrentes de corrupção".

Levy ofereceu carta de garantia para tentar evitar rebaixamento da Petrobrás

• Em esforço de última hora, ministro da Fazenda ligou para a agência Moody's e ofereceu 'carta de conforto', garantindo que o Planalto socorreria a estatal

Ricardo Grinbaum, Fernanda Nunes - O Estado de S. Paulo

Os executivos da Petrobrás foram informados pelos representantes da agência de classificação de risco Moody's na terça-feira pela manhã que, após dois meses de conversas, a nota da empresa seria rebaixada no fim da tarde, depois do fechamento do mercado. A informação foi repassada ao Palácio do Planalto e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, entrou no circuito e fez uma tentativa de última hora para tentar reverter a decisão. Levy ligou para a Moody's e ofereceu, segundo o Estado apurou, uma "carta de conforto" do governo federal - em outras palavras, uma garantia por escrito de que a União socorreria a estatal caso fosse necessário.

Não foi a primeira vez que Levy tentou evitar o rebaixamento. Na semana passada, em uma visita a Nova York, o ministro da Fazenda se reuniu em caráter reservado com os representantes da Moody's. E falou algumas vezes com eles pelo telefone, sempre apresentando o argumento de que, se a situação se agravasse, o governo brasileiro injetaria recursos na estatal.

A Moody's não se comoveu com a garantia nem com os argumentos dos executivos da Petrobrás. O máximo que os brasileiros conseguiram foi adiar a data do rebaixamento. Desde janeiro a Moody's tem falado com o governo sobre a possibilidade de tirar o grau de investimento da estatal.

Em janeiro, a agência enviou várias perguntas para a Petrobrás, manifestando preocupação, em especial, com o risco de a empresa não conseguir publicar um balanço auditado e com as repercussões do escândalo da Lava Jato nas contas. Os executivos da Petrobrás pediram, e conseguiram, mais um mês para provar que estavam resolvendo as pendências. Mas foi só. Ainda ontem, voltaram a alegar que a empresa tem caixa para atravessar o ano. Como nada adiantou, agora começa uma outra batalha, para enfrentar as consequências do rebaixamento.

Rebaixamento. Na noite desta terça-feira, a Petrobrás perdeu o grau de investimento da agência de classificação de risco Moody’s. Isso significa que a agência já não considera a estatal uma boa pagadora de seus débitos, o que complica ainda mais a situação da companhia, que é a petroleira mais endividada do mundo. Sem o grau de investimento, o acesso a novos financiamentos fica mais difícil e a empresa pode ter de pagar juros maiores que os que conseguia até agora.

A Moody’s rebaixou o rating de crédito corporativo da Petrobrás em dois graus, de Baa3 para Ba2, além de cortar todas as outras notas da empresa. Segundo a agência, o rebaixamento reflete uma maior preocupação com as investigações de corrupção que vêm sendo feitas dentro da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, assim como pressões de liquidez que podem acontecer em razão do atraso na entrega do balanço auditado, que ainda não tem prazo determinado.

O rebaixamento da empresa já se reflete no mercado europeu. Todos títulos de dívida da companhia caem no mercado secundário de Frankfurt, na Alemanha.

Ações da Lava Jato ultrapassam duas dezenas e reforçam tática da acusação

• Com nova denúncia contra Nestor Cerveró ingressada ontem, número de peças criminais e civis do Ministério Público Federal ligadas ao esquema de desvios na maior estatal do País chega a 24; estratégia de procuradores difere da adotada no mensalão

Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

A força-tarefa da Operação Lava Jato apresentou nesta terça-feira, 24, à Justiça Federal no Paraná nova denúncia criminal contra Nestor Cerveró. O ex-diretor da área Internacional da Petrobrás é acusado de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. É a 24.ª acusação formal do Ministério Público Federal, entre peças criminais e civis, no caso classificado pelos procuradores como “a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve”.

A avalanche de denúncias criminais (19) e ações civis (5) integra a estratégia de acusação. O objetivo é cercar empreiteiros, doleiros, lobistas e ex-diretores da estatal petrolífera suspeitos de integrar o esquema de corrupção na Petrobrás. A tática é diferente da que foi adotada em outro recente escândalo, o do mensalão, que teve uma única denúncia contra 40 acusados.

A segunda acusação criminal contra Cerveró, levada nesta terça à Justiça, destaca que “como é notório, esta denúncia decorre da continuidade da investigação que visou a apurar diversas estruturas paralelas ao mercado de câmbio, abrangendo um grupo de doleiros com atuação nacional e transnacional”.

Nesse novo caso, o ex-diretor da Petrobrás, que está preso desde janeiro, é acusado de ter enviado ao exterior parte da propina de US$ 30 milhões que teria recebido na contratação de dois navios-sonda, em 2005 e 2006. O dinheiro, afirma a Procuradoria, foi remetido para empresas offshores e depois retornou ao Brasil para aquisição de uma cobertura no bairro de Ipanema, zona Sul do Rio, por R$ 1,5 milhão – o imóvel está avaliado em R$ 7,5 milhões.

Além de Cerveró, são acusados o lobista Fernando Antonio Falcão Soares, o Fernando Baiano – suposto operador do PMDB na Petrobrás – e Oscar Algorta, que presidia o Conselho de Administração da Jolmey S/A no Uruguai, uma das empresas que teriam movimentado dinheiro de propina.

Ritmo. O ritmo dos procuradores que compõem a força-tarefa da Lava Jato golpeia até os mais experientes advogados do País, tão habituados a acirradas contendas nos tribunais. Os criminalistas avaliam que cada nova denúncia complica ainda mais os planos de defesa. Eles reagem, ora argumentando que as denúncias são açodadas, ora ineptas.

A Lava Jato começou em 2009 com a investigação sobre lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene (PP), em Londrina (PR). Além do ex-deputado, que foi réu do mensalão e morreu em 2010, estavam envolvidos os doleiros Alberto Youssef e Carlos Chater.

O aprofundamento das apurações levou ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Em novembro de 2014, a Polícia Federal e a Procuradoria deflagraram a Juízo Final, sétima fase da Lava Jato. Nas primeiras seis ações penais contra executivos das empreiteiras, apresentadas em dezembro, a força-tarefa, além de dividir os réus em ações, decidiu separar a apresentação de denúncias sobre os crimes de cartel e fraude em licitação, sem prejuízo de oferecimento de nova acusação.

São desdobramentos das ações penais cinco ações de improbidade em que as empreiteiras são acusadas de cartel e pagamento de propina para dirigentes da Petrobrás. Por meio de indicações políticas feitas pelo PT, PMDB e PP, esses agentes cobravam de 1% a 3% do valor “de contratos bilionários, em licitações fraudulentas”. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, prepara denúncias contra um grupo de políticos. As denúncias e os inquéritos, que devem ser apresentados ainda nesta semana, também devem ser desmembrados em várias peças.

“A atuação das autoridades judiciárias apresenta características inusitadas e jamais vistas em qualquer caso no direito penal brasileiro”, afirma o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, que defende dois executivos da Camargo Corrêa. “Um fato denotador dessa excepcionalidade é exatamente o não reconhecimento de conexão entre processos que versam sobre fatos correlatos entre si. Isso representa a negação de um instituto muito caro ao processo penal, exatamente o da competência pela conexão.”

Para Mariz de Oliveira, “é evidente que a não união dos processos dificulta sobremodo o exercício do direito de defesa”. “Ao que parece esse é o objetivo. Outra anomalia é a decretação de uma segunda prisão preventiva de acusados já presos e por conduta de terceiros, o que representa violação a todos os princípios do direito penal e processual penal.”

Desmembramento. Para o advogado Marcelo Leonardo, que defende a cúpula da Mendes Júnior, “há um exagero no uso do artigo 80 do Código de Processo Penal, que admite o desmembramento do processo”. Segundo ele, o desmembramento, em alguns casos, pode estar justificado para economia processual, facilidade da produção de provas e até para facilitar as próprias defesas. “Mas a sua repetição (das denúncias) em relação à mesma pessoa acaba inviabilizando o exercício da defesa.”

O advogado Edson Ribeiro, que defende Cerveró, declarou: “Essa nova denúncia é inepta. Cerveró não é proprietário de nenhuma empresa citada pela Procuradoria. A Justiça no Paraná não é competente para processar e julgar nenhum desses pretensos crimes apontados.”

Venezuela - Violência contra impopularidade

• Com aprovação na casa de 20%, Maduro aposta em cerco a opositores para mobilizar chavistas

Janaína Figueiredo – O Globo

BUENOS AIRES - O pano de fundo da nova crise política que paira sobre o Palácio Miraflores é a expressiva queda da popularidade do presidente Nicolás Maduro, consequência, principalmente, da gravíssima situação econômica que atravessa o país. Essa é a opinião de vários analistas políticos venezuelanos, que lembram, em momentos em que o governo intensifica sua ofensiva contra dirigentes da oposição, que as últimas pesquisas que circularam na Venezuela mostraram que a imagem positiva de Maduro rondava em torno de 20%. Até mesmo empresas de consultoria consideradas alinhadas com o chavismo, como a Hinterlaces, divulgaram dados que preocuparam o governo de Maduro. Em entrevista ao programa de TV apresentado pelo ex-vice presidente José Vicente Rangel, o diretor da Hinterlaces, Oscar Schemel, admitiu que sete de cada dez venezuelanos sentem-se "profundamente desesperançosos" com o futuro do país. A nova cruzada contra opositores, apontaram analistas locais, busca recuperar a iniciativa política perdida e fortalecer a frágil liderança de Maduro, dentro e fora do chavismo.

Ontem, o deputado opositor Julio Borges, uma das figuras de proa do partido Primeiro Justiça, peça central da Mesa de Unidade Democrática (MUD), continuava esperando a abertura de um processo por parte de congressistas chavistas, passo prévio para a cassação de seu mandato, consequente suspensão de imunidade e possível detenção. Como o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, preso quinta-feira passada e trasladado para a prisão militar de Ramo Verde, o mesmo lugar onde está detido Leopoldo López, presidente do partido Vontade Popular, Borges é acusado pelo governo de estar por trás de um suposto plano de golpe contra Maduro. A União Europeia expressou ontem preocupação pela perseguição a opositores venezuelanos e pediu ao governo de Maduro que respeite a liberdade de expressão e os direitos fundamentais.

Mas Maduro, que atingiu um piso de popularidade jamais alcançado por seu antecessor, Hugo Chávez, não parece disposto a recuar.

- Acabou-se... ou vão pela via legal ou irão para a prisão todos os que estão conspirando - declarou o chefe de Estado.

O governo insiste em denunciar uma suposta tentativa de golpe - pela 16ª vez desde que chegou ao poder, em abril de 2013. Se Borges tiver seu mandato cassado, será o quinto congressista da oposição a perder sua imunidade. Até mesmo intelectuais que apoiaram o governo Chávez, como Nicmer Evans, hoje integrante do movimento Maré Socialista, que optou pela dissidência desde que Maduro chegou ao poder, questionam o caminho escolhido pelo presidente. Para ele, o chefe de Estado está em seu pior momento pela "ausência de credibilidade de suas ações, de democracia dentro do partido, a desconexão com as necessidades das bases e o excesso de privilégios dos funcionários públicos".

- Maduro começou seu governo com uma aceitação herdada, mas sua falta de capacidade o desconectou do povo - enfatizou Evans.

Estudante morto pela polícia
O risco de novos cenários violentos é grande. Ontem, o estudante Kluiver Roa, de apenas 14 anos morreu, atingido por uma bala perdida da Polícia Nacional Bolivariana em San Cristóbal, estado de Táchira. O tiro teria sido disparado para dispersar uma manifestação contra o governo. No início do mês, o governo divulgou uma resolução que autoriza o uso de força letal para reprimir manifestações que alterem a ordem pública.

"O decreto que autoriza o uso de armas letais em manifestações deve ser revogado. Não basta investigar o que aconteceu", escreveu no Twitter Tamara Suju, diretora da ONG Foro Penal Venezuelano.

Na opinião da jornalista e analista política Argelia Ríos, com os ataques à oposição e aos estudantes, o governo está tentando provocar novas manifestações nas ruas, porque é onde tem mais chances de vencer a batalha.

- No ano passado, morreram 43 pessoas e quem ganhou foi o governo: a oposição ficou enfraquecida. O que querem agora é levar as pessoas para a rua, por isso tantas provocações - disse a analista, que teme que a perseguição a opositores se intensifique nas próximas semanas. - Vão deter Borges e podem ir muito além disso. Este é um governo fraco em termos de popularidade, mas não podemos esquecer que é quem tem o poder de fogo e a força.

Ciente dos riscos, a oposição pediu à Organização de Estados Americanos (OEA) que convoque uma reunião para discutir a delicada situação dos direitos humanos no país. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA, expressou ontem sua "profunda preocupação" pela situação política venezuelana e a consequente vigência dos direitos humanos, em particular a prisão de civis em instalações militares. "A Comissão recorda ao Estado da Venezuela sua obrigação de garantir a vida, a integridade e a segurança de todas as pessoas privadas de liberdade, assim como condições de detenção conforme os padrões internacionais na matéria", disse a CIDH em comunicado.

Crise na Venezuela acende alerta vermelho no governo brasileiro

• Na avaliação de Brasília, governo Maduro está chegando perto de romper protocolo do Mercosul que determina 'vigência das instituições democráticas'

Lisandra Paraguassu - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O cerco à oposição instaurado pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, acendeu o alerta vermelho no governo brasileiro. A prisão na quinta-feira, 19, do prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, e a invasão dos escritórios do Copei, um dos principais partidos da oposição, na segunda-feira fizeram surgir no Brasil o temor de que a Venezuela esteja passando dos limites impostos pelos marcos democráticos do Mercosul e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Na terça-feira, 24, em nota, o Itamaraty subiu o tom ao citar, mesmo que não nominalmente, os dois casos.

"São motivos de crescente atenção medidas tomadas nos últimos dias, que afetam diretamente partidos políticos e representantes democraticamente eleitos, assim como iniciativas tendentes a abreviar o mandato presidencial", diz o texto, que tenta equilibrar a crítica ao tratar também do suposto plano de um golpe de Estado contra Maduro. A nota cita, ainda, os "contatos diretos" que vem sendo feitos pelo governo brasileiro com a Venezuela.

Na avaliação do governo brasileiro, a Venezuela está chegando perto de romper as regras do protocolo de Ushuaia do Mercosul, cujo primeiro artigo determina que a "plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Partes do presente Protocolo". O Paraguai foi suspenso do bloco por um ano por menos do que a prisão de opositores e a invasão de partidos políticos sem provas concretas de que uma tentativa de golpe estivesse em curso.

Além de testar os limites da democracia, a Venezuela ainda deixa os vizinhos em uma situação difícil . O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, já criticou abertamente as ações de Maduro. O país faz parte da comissão de chanceleres que intermediou o diálogo entre governo e oposição, em 2014. Um dos cuidados da diplomacia brasileira é de não fazer críticas públicas para não prejudicar sua possibilidade de diálogo com o governo venezuelano. Mas recados foram dados de que o Brasil não terá como defender ações claramente antidemocráticas.

Em nota, o Itamaraty cobrou a retomada do diálogo. "O Governo brasileiro considera imperiosa a pronta retomada do diálogo político auspiciado pela Unasul por meio da Comissão de Chanceleres, que tem contado com o decidido apoio da Santa Sé, diz o texto. "O Governo brasileiro insta os atores políticos venezuelanos, assim como as forças sociais que os apoiam, a absterem-se de quaisquer atos que possam criar dificuldades a esse almejado diálogo.

O secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, pediu uma reunião da comissão de chanceleres e um encontro deve ocorrer durante a posse de Tabaré Vázquez, em Montevidéu, no fim desta semana. O governo colombiano, que não compareceria, tenta se organizar para participar do encontro. A ideia é fazer uma reunião preparativa para uma visita a Caracas, onde se tentaria reabrir o diálogo entre as forças políticas venezuelanas. Até agora, no entanto, Maduro não convidou a comissão para ir a Caracas.

Itamaraty sobe tom sobre ações de Maduro

• Nota diz que elas afetam políticos 'democraticamente eleitos'; para o governo, situação piorou desde prisão de opositor

• Aécio criticou Dilma por 'omissão'; presidente disse que detenção de prefeito era 'questão interna' da Venezuela

Isabel Fleck e Mariana Haubert – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA - "São motivos de crescente atenção medidas tomadas nos últimos dias, que afetam diretamente partidos políticos e representantes democraticamente eleitos, assim como iniciativas tendentes a abreviar o mandato presidencial”.

O Itamaraty subiu o tom nesta terça (24) ao comentar as recentes ações do governo venezuelano, afirmando que "são motivos de crescente atenção medidas tomadas nos últimos dias, que afetam diretamente partidos políticos e representantes democraticamente eleitos".

Na última quinta (19), o prefeito metropolitano de Caracas, o oposicionista Antonio Ledezma, foi detido em seu escritório sob a acusação de conspirar para derrubar o governo. Na segunda (23), o partido conservador Copei teve sua sede invadida e tomada por um grupo de pessoas com apoio da polícia.

Em sua primeira nota após a prisão de Ledezma, na sexta (20), o Itamaraty disse apenas que acompanhava "com grande preocupação a evolução da situação". Antes, a presidente Dilma Rousseff havia declarado que o caso era uma "questão interna" do país.

Na nota desta terça, o Itamaraty segue não mencionando especificamente a prisão do prefeito, mas diz que as últimas ações afetam partidos e políticos democraticamente eleitos.

Segundo a Folha apurou, o novo texto, aprovado pelo Planalto, reflete a leitura do governo brasileiro de que a situação política no país piorou desde a prisão de Ledezma.

A chancelaria, contudo, coloca também como motivos de preocupação as "iniciativas tendentes a abreviar o mandato presidencial".

Uma das provas apresentadas por Caracas da suposta tentativa de golpe pela oposição é uma carta aberta, veiculada neste mês, que pede um "acordo nacional de transição". O texto tem a assinatura de Ledezma, de Leopoldo López, outro líder oposicionista preso há um ano, e de María Corina Machado, acusada em dezembro de conspirar para o assassinato de Maduro.

No comunicado, o Itamaraty diz que o governo considera "imperiosa" a rápida retomada do diálogo político, por meio da Unasul e com o apoio da Santa Sé.

"Nesse sentido, [o Brasil] reitera sua disposição de contribuir de forma ativa com o governo venezuelano e com todos os setores envolvidos na Venezuela para a retomada desse diálogo", afirma.

Na nota, o governo pede ainda que atores políticos venezuelanos se abstenham "de atos que possam criar dificuldades" ao diálogo.

União europeia
Nesta terça, a União Europeia se manifestou sobre a crise na Venezuela, dizendo que a prisão de Ledezma é um "motivo de alarme" e pedindo ao governo que respeite a liberdade de expressão e os direitos fundamentais.

No Brasil, o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, criticou, no plenário do Senado, a omissão do governo. "A posição conivente e silenciosa do Brasil com tudo isso é inaceitável e, a meu ver, vergonhosa."

O tucano disse ainda que o Brasil será cúmplice do governo de Maduro caso haja um "banho de sangue" no país vizinho. "Não será de estranhar se em breve ocorrer um banho de sangue na Venezuela. O Brasil pagará um alto preço pela sua omissão."

Ontem à noite, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, agradeceu ao PT pela divulgação de um manifesto de apoio a seu governo e saudou os "irmãos" Lula e Dilma.

Colaborou Samy Adghirni, de Caracas

Aécio Neves: sobre violação aos direitos humanos na Venezuela

O tema que me traz neste instante a essa tribuna é um tema de extrema importância para todos nós latino-americanos. Já que voltamos ao tema da Venezuela nesse último final de semana. Vem trazendo enorme preocupação a todos nós, o radicalismo que vem tomando conta das decisões do presidente Maduro. E eu gostaria que o Senado Federal, ao receber uma nota que, assinada não apenas por mim com presidente nacional do PSDB, mas por nosso líderes no Senado e na Câmara e com o respaldo de toda a bancada, pudesse servir de inspiração para que o Senado Federal, ao lado da Câmara dos Deputados, pudesse se manifestar no sentido de externar a nossa preocupação com o cerceamento das liberdades democráticas naquele país com a prisão, algumas delas, inclusive as mais recentes, sem qualquer justificativa legal, de opositores do regime.

Portanto, com extrema preocupação assistimos o contínuo processo de aprofundamento do autoritarismo e desrespeito às liberdades democráticas na Venezuela, país vizinho e parceiro do Mercosul.

Em 2009, quando o Senado brasileiro analisou e aprovou o ingresso da Venezuela em nossa comunidade, o PSDB posicionou-se fortemente contra, com base na Cláusula Democrática do Tratado.

O Protocolo de Ushuaia, que objetiva a defesa do estado de Direito em bloco, vedava a entrada ou permanência de países onde não se respeitam as regras básicas da democracia. Naquela ocasião, apontamos uma série de ações e práticas do cotidiano político da Venezuela, governada por Hugo Chavéz, não compatíveis com um regime democrático.

Desde então, a situação vem se agravando. O atual Presidente, Nicolás Maduro, confrontado pelo fracasso da política econômica chavista, por taxas de homicídios sem precedentes e pela perda crescente de apoio popular, apela para táticas autoritárias clássicas, encarcerando opositores, intimidando a população e criminalizando manifestações. Tudo isto sob o olhar benevolente, para não dizer cúmplice, de seus parceiros do Mercosul.

As principais lideranças políticas da oposição têm sido sistematicamente perseguidas, impedidas de exercerem mandatos políticos, encarceradas e agredidas pelo aparato de estado oficial e extraoficial.

Desde 18 de fevereiro de 2014, encontra-se preso Leopoldo López Mendonza, Coordenador Nacional do partido político venezuelano Vontade Popular, sob acusações penais baseadas em análises do teor de seus discursos políticos.

Lilian Tintori, esposa de López, há um ano percorre o mundo denunciando a situação de preso político de seu marido. Do vice-presidente dos EUA, Joe Biden, ao Papa Francisco, Lilian tem recebido solidariedade dos principais líderes mundiais – uma solidariedade que, infelizmente, tem faltado do governo brasileiro – e também de inúmeros organismos dos de organismos de defesa de direitos humanos. Agora, apelos, como o da Anistia Internacional ou do Secretário Geral da OEA, José Miguel Insulza, pela liberação imediata dos presos políticos e garantias de justiça em todas as causas, têm sido sumariamente ignorados pelo governo venezuelano.

A deputada Maria Corina Machado, que a convite desta Casa, do senador Ricardo Ferraço, aqui esteve alguns meses atrás, destacada parlamentar de oposição, viu seu mandato político ser cassado em março de 2014, após denunciar na OEA violações de direitos humanos ocorridas na Venezuela.

Agora, enfrenta uma acusação fantasiosa de conspiração para assassinar o Presidente Maduro baseada, entre outros absurdos, em troca de e-mails comprovadamente forjados por documentos a nós enviados pela própria Corina. Ela vive em estado de permanente perseguição, podendo, segundo sua própria explanação, ser presa a qualquer momento.

Na quarta-feira, 19 de fevereiro, ultrapassando qualquer limite da normalidade democrática, Maduro ordenou o encarceramento do prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma. A prisão foi efetuada por agentes do Serviço Bolivariano de Informações (Sebin), em seu escritório privado, de forma truculenta, com cenas que horrorizaram a todos nós e sem mandato de prisão ou qualquer outro instrumento legal.

Incapaz de lidar com os graves problemas do dia-a-dia da gestão governamental, o presidente Maduro cria falsas tramas e golpes contra seu governo, tenta calar a oposição, cerceá-la e criminalizá-la, em escalada rumo a uma ditadura, cada vez mais sem disfarces.

A posição conivente e silenciosa do Brasil com tudo isso é inaceitável e, a meu ver, vergonhosa.

A presidente Dilma não pode esconder-se sob o princípio de não interferência nos assuntos internos de outro país, para deixar de agir em caso de tamanha gravidade. Essa foi a desculpa dada até aqui à imprensa, quando foi questionada se não havia constrangimento ao receber as credenciais da nova embaixadora venezuelana no Brasil.

Se o Brasil não pretende manifestar-se diretamente pelo respeito aos direitos democráticos na Venezuela, como fizeram Colômbia e Chile, o Protocolo de Ushuaia, porém, obriga que os países do Mercosul ajam nesse sentido.

Anuncia-se a ida de uma missão da Unasul para inteirar-se da situação. E esse Congresso tem de participar deste movimento. O resultado, provavelmente, será trazer a todos nós maiores luzes mas informações sobre o que acontece na Venezuela.

Não são apenas políticos da oposição que o governo Maduro persegue e tenta silenciar. Com a recente promulgação da Resolução 8610, militares venezuelanos foram autorizados a utilizar armas letais na repressão de manifestações políticas. Isso não ocorre em nenhum outro país da nossa região, ocorrendo apenas em regiões absolutamente autoritários em outras regiões do mundo.

Não será de se estranhar se, em breve, ocorrer um banho de sangue na Venezuela, e o Brasil, certamente, pagará um alto preço pela sua omissão até aqui.

Portanto, a omissão brasileira nos tornará cúmplices daquilo que eventualmente ocorrerá na Venezuela.
A ação ou inação do governo Dilma, mais do que falar sobre o que ocorre nesse país de povos irmãos, desnudará o grau de respeito que consignamos aos princípios democráticos em nossa região e em nosso País.

Portanto, considero urgente, já que a omissão do governo federal parece cada vez mais clara em relação a esta questão, que o Congresso Nacional, voz da sociedade brasileira, possa se manifestar em solidariedade, não à oposição, a este ou à aquele partido, mas aquilo que a todos nós é mais caro, as liberdades democráticas.

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Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB, em pronunciamento no Senado, sobre violação aos direitos humanos na Venezuela

Merval Pereira - O espaço do PMDB

- O Globo

Pela enésima vez, PMDB e PT buscam a reaproximação, mas não está fácil para ninguém. Tudo levava a crer que o jantar de segunda-feira com a equipe econômica havia selado um acordo para que o PMDB apoiasse a aprovação do pacote fiscal do governo, quando ficou claro que nem mesmo o PT está disposto a dar sua aprovação cegamente. E por que o PMDB o faria, ficando exposto às críticas da opinião pública, enquanto o PT sai de bonzinho?

O afastamento entre PMDB e PT, explicitado na campanha presidencial, é promessa de crise nos próximos anos, à medida que as forças políticas começarem a buscar seus espaços na reorganização do poder, que todos sentem que está prestes a acontecer, a partir deste que pode vir a ser o último dos governos petistas em sequência.

O desgaste partidário vem ficando evidente nas sucessivas crises políticas em que o PT se vê envolvido desde 2005, o que reduz a expectativa de poder, que é o combustível para a manutenção da base aliada. Mesmo sendo o principal partido da base aliada, o PMDB, descobre a cada dia que perde poder de fato, embora na aparência esteja mais forte, com 6 ministérios e a vice-presidência da República.

Mas os ministérios somados não têm a verba do ministério das Cidades, e quatro são meras secretarias com nível ministerial. E o vice Michel Temer não fala com a presidente sobre coisas concretas, como a ocupação do segundo escalão, há um mês. Quando o PMDB sentiu que o novo "núcleo duro" do Palácio do Planalto, do qual exige fazer parte, estava armando um esquema político para dar mais força a partidos aliados como o PSD de Gilberto Kassab, o PROS de Cid Gomes, o PP e o PTB, que receberam ministérios importantes e com verbas, decidiu partir para a disputa novamente das presidências da Câmara e do Senado, sendo que a eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara deu-se derrotando diretamente o governo.

O senador Renan Calheiros, que continua na presidência do Senado, jogou água fria ontem na comemoração da reaproximação do PT quando disse que a coalizão estava "capenga", informando que os cortes serão da ordem de R$ 80 milhões, segundo a equipe econômica comunicou ao PMDB.

Mesmo com o Congresso fragilizado pelas constantes denúncias envolvendo seus membros, o PMDB, continuando a dominar as duas Casas, tem condições de barrar iniciativas do Executivo, de propor ações concretas, de não limitar sua ação ao fisiologismo, se quiser ter um peso decisivo nas próximas eleições.

O deputado Eduardo Cunha assumiu delimitando seus poderes claramente, dando demonstrações de que a independência da Câmara em relação ao Executivo será a base de sua administração. Sinais de ter boa vontade com o governo também cabem nesse figurino, quando defendeu por exemplo a aprovação do pacote fiscal alegando que é preciso ter responsabilidade nos momentos decisivos.

Embora tenha instalado a CPI da Petrobras, Cunha acabou dando a relatoria para o PT, mas guardou a presidência para um aliado de fé, o jovem deputado Hugo Motta, da Paraíba, que até o momento está mais preocupado em marcar sua independência em relação ao governo.

Essa preocupação não é só do PMDB, mas de todos os partidos aliados do governo que têm projetos políticos de mais longo prazo, como o PSB - que já anunciou que continuará independente. O PMDB começa a mudar de posição em relação à disputa presidencial, que não disputou nos últimos anos para se tornar parceiro preferencial de qualquer governo a ser eleito.

Com isso, ao longo dos anos, perdeu uma imagem política nacional, embora domine a política regional mantendo sua estrutura enraizada por todo o país. Há cada vez mais políticos dentro do PMDB que consideram que é chegado o momento de disputar com candidato próprio a eleição presidencial de 2018, para que o partido deixe de ser vítima de sua própria estratégia política, sem condições de governar, mas imprescindível a qualquer governo.

José Nêumanne - Fim de feira

- O Estado de S. Paulo

Faltam 46 meses para o governo Dilma acabar. É tolice tentar abreviar a agonia que, tudo indica (ou melhor, nada indica que não), nos afligirá em três longas prorrogações deste nada promissor ano de dois mil e cinzas. Impeachment já ou logo, como exigem alguns, que prometem sair em bloco às ruas no dia 15, é inviável e só interessa por enquanto ao ex abandonado Luiz Inácio Lula da Silva. Este não é mais o ai-jesus de antes, mas continua sem adversários na oposição, cuja única novidade a apresentar ao público pagante era a barba de Aécio, que a tirou para não a pôr de molho.

Talvez venha a ser a mais longa caminhada de um pato manco na História desta República, pois a chefe do governo só conseguirá ser a líder política de que o País precisa para administrar a herança maldita que ela própria se legou se parar de mentir e mancar a cada passo. Por enquanto, o único sucesso que ela tem a apresentar ao eleitorado que a levou de volta ao trono é que este não vai vergar sob seu peso por causa de uma invejável dieta evidentemente bem-sucedida. Fora isso, o que comemorar de uma governante(a) que só não erra quando cala - lembrando aquela frase cruel de Romário sobre Pelé: "Calado, é um poeta"?

Dilma cuspiu nos direitos trabalhistas que jurou proteger; aumentou a tarifa de luz (no Sudeste, calcula-se, em 70%), que prometeu reduzir; e deixou de pagar o Pronatec, que esfregou na cara do adversário em campanha. Agora, para dar um jeito no cofre, transferiu a responsabilidade para o economista ao alcance. Joaquim Levy saiu do segundo time do candidato derrotado para assumir o que este teria de fazer se ganhasse. E deve agradecer a Deus pelos três pontos porcentuais que ela teve a mais de votos, sempre que se persigna. Cabe-lhe defender o indefensável e salvar a pele da chefona. Se tiver sucesso, será substituído por um companheiro fiel às ideias muito próprias que ela tem da economia. Se não tiver, será apontado como o substituto de Fernando Henrique na condição de bode expiatório preferencial.

Mesmo tendo um escudo para se proteger do material orgânico em que pode resultar sua tentativa de corrigir os erros do próprio passado, contudo, Dilma continua empenhada em dizer e fazer tudo errado. Produziu, por exemplo, depois da Quarta-Feira de Cinzas a piada do carnaval - que tinha tudo para ser a do voo da Beija-Flor até a Guiné Equatorial -, ao transferir a culpa da roubalheira na Petrobrás ao tucano antecessor dos três governos petistas. Agarrou-se à tábua de salvação da delação premiada do ex-gerente Pedro Barusco, que confessou ter começado a roubar discretamente em 1996 (ou 1997?). O professor passou a ser acusado pelo dilúvio universal bíblico e pela seca em que São Paulo virou sertão.

Antes de ser acusado pela traição de Calabar e pela amputação dos braços da Vênus de Milo, o sociólogo desceu das tamancas e bateu abaixo da linha de sua cintura afinada, ao compará-la com o punguista "que mete a mão no bolso da vítima, rouba e sai gritando 'pega ladrão'!" O adversário não foi muito elegante, mas, ainda se levando em conta a eventualidade, é possível concluir que, tendo sido ministra de Energia, presidente do conselho de administração da estatal assaltada , chefe da Casa Civil e presidente no período de 12 anos em que o furto foi "sistêmico", segundo o delator, ela poderia ter ido dormir sem essa.

A galhofa é nossa, mas sugiro que se preste mais atenção em algo mais sério que ela também disse ao voltar da mudez dos idos de Momo. Depois de ter rasgado a bandeira socialista ao garantir que não se apena empresa, para evitar desemprego, mas gente, para punir corrupção, ela deu uma guinada de 180 graus ao afirmar: "Isso não significa de maneira alguma ser conivente ou apoiar ou impedir qualquer investigação ou qualquer punição a quem quer que seja". E completou, repetindo o lugar-comum traduzido do portunhol do aliado Collor: "Doa a quem doer".

O noticiário dá-lhe duas boas oportunidades de provar que será coerente com o "duela a quién duela" que assumiu. Para fazê-lo terá de interromper imediatamente a tentativa canhestra de seu novo controlador-geral da União, Valdir Moisés Simão, de celebrar acordos de leniência com as empreiteiras acusadas de pagar propina a petroleiros, partidos do governo e políticos aliados para tentar evitar delação premiada de empresários presos. A proposta foi avalizada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio (que não se perca pelo nome) Adams, outro funcionário a ela diretamente subordinado, e abençoada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), cuja composição é fiel a seu governo. É, porém, contestada pelo Ministério Público Federal, que tem todas as razões do mundo para temê-la. Pois jogaria por terra a oportunidade inédita que a presidente diz perseguir de, enfim, punir judicialmente corruptores.

Outro episódio constrangedor para ela é o das audiências do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo - um dos militantes que não riem da piada do Fernandinho primeiro bode expiatório -, aos advogados dos empreiteiros presos. Sabe-se que ele chamou de medievais nossas masmorras, mas nunca fixou um prego numa barra de sabão para mudar o fato. Agora recebe causídicos de luxo, mas não faz idêntico esforço para conseguir nas varas de execuções penais a soltura de 9 mil ex-condenados que já cumpriram pena e não saem da cela por não poderem pagar advogados que tenham acesso à agenda dele. Ou melhor: à agenda controlada pela assessora de confiança, e não a que aos pagadores de seus proventos é dado conhecer. Segundo a Folha, o que ele fez em 80 de 217 dias de trabalho desde o início da Operação Lava Jato foi mantido em segredo, o que torna Sua Excelência o primeiro ministro clandestino da história de qualquer democracia.

Só atitudes dela contra essas tentativas de melar o jogo dissiparão o clima de xepa. Segundo minha avó, "desculpa de cego é feira ruim e saco furado".

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*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor