sexta-feira, 7 de abril de 2023

Ruy Castro - Ele nos ensinou a odiar

Folha de S. Paulo

A bala tornou-se um meio de expressão e, à falta dela, o porrete, o punhal ou a machadinha

Em minha última coluna, escrevi que Bolsonaro corrompeu, estuprou e prostituiu instituições civis e militares. Faltou espaço para acrescentar o que já me passava pela cabeça e que, poucas horas depois, a tragédia de Blumenau —crianças assassinadas a machadadas numa creche— viria confirmar: o embrutecimento e a desumanidade que ele nos legou. Bolsonaro conseguiu acrescentar um fator novo à violência a que já estávamos habituados. Acrescentou o ódio.

Hélio Schwartsman - Quando não ser não basta

Folha de S. Paulo

Lula precisa fazer mais do que não ser Bolsonaro

Com pouco mais de três meses de existência, já deu para sentir um gostinho de como será o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Comecemos pelos aspectos positivos. Lula trouxe de volta à Presidência um pouco de normalidade. Não temos mais um mandatário que debocha das vítimas da Covid-19 ou que governa pela sabotagem, editando decretos e portarias que erodem as leis que deveriam regulamentar e nomeando desqualificados ou mesmo infiltrados para dirigir órgãos com cuja missão não concorda.

Mais do que isso, foi bom ver o governo federal finalmente agindo para retirar os garimpeiros ilegais de territórios indígenas e enfatizando a importância de políticas públicas básicas, como a vacinação. Lula não é Bolsonaro, e isso é ótimo. Convenhamos, porém, que não ser Bolsonaro é a parte fácil. Infelizmente, não basta para credenciar Lula, à frente de seu terceiro mandato, como um bom presidente.

Reinaldo Azevedo - Cem dias de governo para gregos e baianos

Folha de S. Paulo

Foi preciso voltar para o futuro para propor novo arcabouço fiscal

Na segunda (10), o governo Lula faz cem dias. Operou um retorno para o futuro. Foi preciso reconstruir o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Mais Médicos, o Programa de Aquisição de Alimentos, o diálogo com a China, a política ambiental, as relações exteriores... "É pouco; tudo coisa velha". Não tenho contra-argumento para o que nem errado consegue ser. Como na conhecida piada, é impossível jogar xadrez com pombo.

A 26 de março de 2019, escrevi aqui um texto sobre o terceiro mês de governo Bolsonaro. Doze dias antes, o ministro Dias Toffoli, então presidente do STF, abrira de ofício o inquérito 4.781, o tal das "fake news", com relatoria de Alexandre de Moraes. As milícias digitais já haviam transformado o tribunal no seu alvo principal. Os dois apanharam uma barbaridade da e na imprensa. Defendi de pronto a estrita legalidade daquela decisão, a primeira de uma série, nos limites da competência da Corte, que concorreram para preservar o estado de direito. As antenas do jornalismo falharam miseravelmente nesse caso.

Exatamente dois meses depois daquela coluna, acontecia o primeiro ato golpista, com patrocínio do Planalto. E a canalha não parou mais. Até resultar no 8 de janeiro de 2023. O mal-estar continua entre nós e mata crianças. Maus contadores da história gostam de acusar o Supremo de ter esticado a corda, o que teria levado o então presidente à radicalização. Mito. A escalada fascistoide começou já nos dois discursos de posse. Ele não precisava de motivos, só de pretextos.

Bruno Boghossian - Lula e o fantasma da naftalina

Folha de S. Paulo

Lula não economizou na veemência ao antecipar seu balanço dos primeiros cem dias de seu mandato. Antes de ouvir qualquer pergunta no café com jornalistas desta quinta (6), ele disse estar "muito, mas muito, muito, muito satisfeito" com os resultados do governo até aqui. Ainda assim, o presidente não escondeu um receio que ronda o Planalto.

O governo quer enfrentar o fantasma da naftalina. Embora avaliem que o resgate de programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida foi bem-sucedido, petistas temem que a largada do governo tenha uma cara antiga e desperte uma impaciência precoce no eleitorado.

O próprio Lula encarou o dilema. Ao falar da retomada de "políticas sociais que deram certo nesse país", o presidente reconheceu que "elas ainda não estão surtindo o efeito necessário" e falou em olhar para o futuro. O ministro Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação) avisou que "devolver direitos" era apenas a primeira etapa do novo governo.

Bernardo Mello Franco – De volta ao palco

O Globo

Em janeiro de 2005, Lula se definiu como “o maior vendedor de otimismo já visto neste país”. A economia crescia em ritmo acelerado, e o governo ainda não havia enfrentado a crise do mensalão. Dezoito anos depois, o presidente tenta recuperar a aura de confiança do primeiro mandato. Mas parece estar menos à vontade no velho figurino.

Diante de uma plateia de jornalistas, o petista procurou se dizer ontem “mais do que satisfeito” com o início do novo governo. “Estou convencido de que vamos consertar o país”, garantiu, alternando promessas e elogios à própria equipe.

À medida que a conversa avançou, o presidente começou a se queixar das dificuldades. Reclamou da taxa de juros, criticou o legado do antecessor e admitiu que ainda não sabe se conseguirá aprovar sua agenda no Congresso. “É muito difícil pensar num sistema de coalizão política com a quantidade de partidos que nós temos. Com 30 partidos, é muito complicado”, desabafou.

Lula fez um apelo para que os presidentes da Câmara e do Senado encerrem a disputa de poder que trava a votação de medidas provisórias. O impasse se arrasta desde fevereiro e ameaça demolir a arquitetura da nova gestão. “Tenho certeza que os dois vão se colocar de acordo”, disse o petista. “O país não pode ficar parado”, suplicou.

Vera Magalhães – Futuro de Lula depende de BC e Congresso

O Globo

Em café da manhã com jornalistas, presidente demonstra incômodo com entraves para colocar em marcha projeto de Estado como indutor do crescimento

No café da manhã com jornalistas para marcar os primeiros 100 dias de seu terceiro mandato, Lula disse que a próxima obsessão da gestão, tão logo ele volte da China, será em colocar em marcha um ambicioso programa de crédito para destravar o crescimento econômico. Todas as falas do presidente, no entanto, demonstram que ele tem consciência de como a taxa de juros e a inflação ainda não domada são fatores que podem impedir a concretização dessa promessa.

O desconforto reiterado com o Banco Central e o ruído causado pela declaração a respeito da possibilidade de rever as metas de inflação para propiciar a queda de juros vêm dessa constatação.

Não é o BC o único obstáculo para que Lula possa, de fato, deixar de olhar para o passado — tanto para as realizações de seus governos anteriores quanto para os embates com Jair Bolsonaro e Sérgio Moro — e passar a falar apenas de futuro e de novas ideias para o Brasil. O Congresso também é um fator de incerteza quanto ao apoio de que o petista dispõe para descortinar esse tal futuro, sobre o qual o próprio governo demonstra não ter total clareza.

Ao flertar com a ideia de que o governo possa vir a propor o aumento da meta de inflação na próxima reunião do Conselho Monetário Nacional, Lula acaba criando mais ruído e dificultando que a inflação caminhe para algo mais próximo da meta. Fernando Haddad e Simone Tebet trabalham para fechar o texto do arcabouço fiscal e mandá-lo para o Congresso.

Luiz Carlos Azedo - O velho Churchill inspira Alexandre de Moraes

Correio Braziliense

Todos os envolvidos nos atos de vandalismo de 8 de janeiro serão investigados e, se responsabilizados, devidamente punidos, por vandalismo, instigação ou conivência com o golpismo

Cinco Dias Em Londres (Jorge Zahar Editor), de John Lukacs, narra os bastidores do governo britânico entre 24 e 28 de maio de 1940, dias que decidiram o destino da Inglaterra e a sorte dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. No decorrer da crise política que se instalou no gabinete do ministro Neville Chamberlain, sob a liderança de Winston Churchill, o Gabinete da Guerra decidiu que a Inglaterra não assinaria nenhum acordo de paz com Hitler, derrotando a tese de Lord Halifax, o ministro de Relações Exteriores, que negociava um acordo de paz da Inglaterra com a Alemanha.

Desde a invasão da Boêmia e da Morávia, 15 de março de 1939, pelas tropas alemãs, o então chanceler britânico buscava um acordo. A antiga Tchecoslováquia, recém-unificada, não fora capaz de resistir ao avanço alemão, sendo ocupada durante seis anos. “Lord Halifax expressou o desejo do povo britannico de um entendimento sincero e leal com a Allemanha”, publicou o antigo O Jornal, então o porta-voz dos Diários Associados, em 9 de junho de 1939, no Rio de Janeiro. Menos de um ano depois, Neville Chamberlain perderia o cargo de primeiro-ministro.

Flávia Oliveira - Axé, justiça e reparação

O Globo

Era véspera de 21 de março, recém-instituído Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matriz Africana e Nações do Candomblé, quando o Museu da República se abriu em festa pela assinatura de acordo de cooperação técnica com o Ministério dos Direitos Humanos e a Defensoria Pública da União. A denominação formal esconde o que a cerimônia daquela tarde verdadeiramente significava: ato de justiça e reparação com o povo preto. Ao menos três centenas de inquéritos policiais sobre incursões em terreiros do Rio de Janeiro e apreensão de objetos sagrados, entre 1890 e 1946, serão escrutinados. Ao fim da empreitada, estará provado que o Estado brasileiro violou o direito constitucional à liberdade religiosa.

Só uma viagem no tempo esmiúça o enredo. Foi em setembro de 2020, em plena pandemia da Covid-19, que as 519 peças de axé saíram do depósito do Museu da Polícia Civil para sua dignidade ser restaurada na velha sede do Executivo, o Palácio do Catete. O conjunto, chamado pejorativamente de Coleção Magia Negra, foi rebatizado de Acervo Nosso Sagrado, denominação ora registrada formalmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Libertem Nosso Sagrado foi a campanha de reivindicação do tesouro sequestrado, iniciada em 2017 por líderes religiosos, à frente a ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, e encampada pelo Ministério Público Federal (MPF-RJ).

Eliane Cantanhêde -Lula: ‘Não vamos brincar com a economia’

O Estado de S. Paulo

Lula mudou de “obsessão”, mas quer mexer em juros, meta de inflação e preços da Petrobras

O presidente Lula avisa que trocou de “obsessão”. No início deste terceiro mandato, ele só pensava em recuperar os programas sociais que são a marca do PT. A partir de agora, toda sua atenção está voltada para o crescimento do País, com “indução do Estado”, crédito, foco no setor automotivo e três palavras mágicas: estabilidade, credibilidade e previsibilidade. E se comprometeu: “Não vamos brincar com a economia”.

Lula, porém, disse, desdisse e disse de novo que quer mexer na meta de inflação, confundindo os jornalistas que estiveram ontem no café da manhã com ele no Planalto. Depois de dizer que, “se a meta de inflação é errada, mude-se”, ressalvou que “isso é coisa do Banco Central”.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - A voz de quem não tem vez

O Estado de S. Paulo

Ao lado de essencial para a administração da Justiça, o exercício da advocacia tem um conteúdo humanitário que a transforma numa atividade que beira o sagrado

Os meus 53 anos de profissão, além de quase uma década anterior na qual trabalhei como estagiário e solicitador acadêmico, reforçaram a minha crença na advocacia e na sua importância como alicerce sólido para a construção de uma sociedade justa e igualitária.

A atividade de alguém falar em nome de outrem antecedeu a organização do Estado. O primeiro homem a emprestar a sua voz em prol de alguém foi o primeiro homem a advogar.

Essa é a origem da advocacia. Os advogados eram os “vozeiros”, falavam em nome de quem não tinha voz, daqueles que eram incapazes de defender por si os seus direitos e interesses.

Com a estruturação do Estado, a advocacia foi inserida na atividade estatal de elidir conflitos de interesses por meio da aplicação da lei, por meio do Poder Judiciário. Este é inerte, pois apenas se movimenta para solucionar um conflito se provocado pelo interessado.

No entanto, ele deve estar representado por um advogado, que exerce com exclusividade a chamada capacidade postulatória. Assim, o elo entre o cidadão e a Justiça é o bacharel. Sem a advocacia, a máquina do Poder Judiciário não se movimenta. Ausente a nossa profissão, ausente estará a Justiça.

Flávio Tavares * - Quando o criminoso vai além do crime

O Estado de S. Paulo

Dois crimes recentes disputam a primazia do horror, mas nada supera em vileza e terror a tragédia de Blumenau

Os crimes aberrantes devem ser recordados para que jamais se repitam. Evitar a repetição, porém, leva a investigar as origens, ir às causas, em especial as difusas e, por isso, diretas ou permanentes, pois, ao serem profundas, não são visíveis.

Refiro-me a dois crimes aberrantes perpetrados em São Paulo dias atrás, que permanecem atuais pela estarrecedora brutalidade em si.

Primeiro, em plena sala de aula, um menino de 13 anos assassinou a facadas uma professora de 71 anos e feriu outras três. Logo, como na sequência de um filme de terror, um juiz acorrentava a própria esposa para, a socos e bofetadas, obrigá-la ao ato sexual, num sadismo aberrante substituindo a beleza do erotismo amoroso.

Ambas as situações disputam a primazia do horror. No primeiro caso, os escabrosos detalhes levam a uma pergunta: em que sociedade vivemos para que um menino imberbe, ainda pré-adolescente, se transforme em requintado criminoso?

Maria Cristina Fernandes - A resistência à barbárie na Amazônia

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Alexandre Saraiva, delegado da Polícia Federal que derrubou Ricardo Salles, conta em livro sua experiência de dez anos na Amazônia antes de ser colocado na geladeira em que permanece até hoje

Em janeiro de 2020, dois cidadãos americanos, Frank Giannuzzi e Steven Bellino, além de um brasileiro, Brubeyk Nascimento, apresentaram-se na alfândega do aeroporto de Manaus para registrar a documentação de carga a ser embarcada por eles, dias depois, com destino aos Estados Unidos.

Declararam que transportariam, em mãos, 35 quilos de ouro em barras avaliadas em R$ 10 milhões. A Receita liberou a carga, mas, ao voltarem para o embarque, as barras foram apreendidas e os três, detidos. Entre a declaração de transporte e o embarque, o funcionário da Receita acionou a Polícia Federal.

Nada batia. A história juntava dois agentes financeiros que atuavam em Wall Street e um brasileiro com endereço em Manaus, telefone com DDD de Goiânia e carga adquirida em São Paulo. Só o embarque por Manaus fazia sentido. Era por ali que se escoava o ouro adquirido no garimpo ilegal.

José de Souza Martins* - O pai da Mônica e a Academia

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A ABL tem o desafio de reconhecer a legitimidade dos quadrinhos como campo literário

Mauricio de Sousa, o pai da Mônica, candidatou-se a uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras. O assunto passaria batido, como se diz, não fosse um outro presumível candidato ter se manifestado com a afirmação: “Mauricio de Sousa não tem o que acrescentar à ABL, eu tenho”.

Mauricio de Sousa é internacionalmente reconhecido como o maior formador de leitores no Brasil. Várias gerações adquiriram o hábito da leitura nas histórias da “Turma da Mônica”. Recentemente, ele recebeu homenagem da Unesco justamente por isso.

A qualificação de um autor está não só na sua competência de escrever, mas também na sua competência de ser reconhecido como autor indispensável. Milhões de brasileiros foram e são leitores de sua obra. Ele é o grande porta-voz literário e artístico da simplicidade, do propriamente humano.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Evitar massacres em escolas exige mais que improviso

O Globo

Governo deveria tentar entender fatores que levam às tragédias para adotar políticas públicas consistentes

Pouco mais de uma semana depois do trauma do ataque a uma escola estadual em São Paulo, onde um aluno adolescente matou uma professora e feriu outras quatro vítimas, o Brasil se vê chocado e perplexo diante de nova atrocidade. Na quarta-feira, um jovem de 25 anos invadiu uma creche em Blumenau, Santa Catarina, matou quatro crianças e deixou cinco feridas, ampliando a dor, o pânico e o sentimento de impotência diante dessa barbárie que tem ocorrido em intervalos cada vez mais curtos no Brasil, repetindo uma tragédia que assombra os Estados Unidos.

Levantamento de pesquisadores da USP depois do ataque à escola de São Paulo identificou 22 ações violentas do tipo em estabelecimentos de ensino no Brasil desde 2002 — metade desde fevereiro do ano passado. A aceleração é inequívoca. Os atos de barbárie deixaram 40 mortos entre vítimas e agressores. Um dos casos guarda semelhança com a tragédia de Blumenau: em 4 de maio de 2021, um jovem de 18 anos invadiu uma creche no município de Saudades, Oeste de Santa Catarina, matou três crianças e duas professoras. Está preso e aguarda julgamento.

Na raiz de boa parte dessas atrocidades estão o ódio, a intolerância, o preconceito e o extremismo de direita que campeiam nas fronteiras livres da internet. Não se trata apenas de fóruns de acesso restrito ou deep web, mas das populares redes sociais, onde adolescentes e jovens mantêm diálogos estarrecedores que incentivam a barbárie, glorificam massacres e idolatram homicidas. Muitas vezes, as ações cruéis são planejadas e anunciadas em conversas que chocam pela ausência de qualquer vestígio de compaixão. Amparadas no dispositivo legal que as exime de responsabilidade pelo conteúdo que veiculam, as plataformas digitais pouco ou nada fazem para deter essa aberração.

Poesia | Tabacaria - Fernando Pessoa

 

Música | Para um amor no Recife - Paulinho da Viola