sexta-feira, 17 de julho de 2020

Opinião do dia - G. W. F. Hegel*

Na história política, o indivíduo, na singularidade da sua índole, do seu gênio, das suas paixões, da energia ou da fraqueza de caráter, em suma, em tudo o que caracteriza a sua individualidade, é o sujeito das ações e dos acontecimentos. Na história da filosofia, estas ações e acontecimentos, ao que parece, não têm o cunho da personalidade nem do caráter individual; deste modo, as obras são tanto mais insignes quanto menos a responsabilidade e o mérito recaem no indivíduo singular, quanto mais este pensamento liberto de peculiaridade individual é, ele próprio, o sujeito criador. Primeiramente, estes atos do pensamento, enquanto pertencentes à história, surgem como fatos do passado e para além da nossa existência real. Na realidade, porém, tudo o que somos, somo-lo por obra da história; ou, para falar com maior exatidão, do mesmo modo que na história do pensamento o passado é apenas uma parte, assim no presente, o que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O patrimônio da razão autoconsciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano.

*G. W. F. Hegel (1770-1831) “Introdução à História de Filosofia” p.321. 3ª Edição. Abril Cultural, 1985. (Texto publicado em 1816)

Merval Pereira - Vivandeiras

- O Globo

Bolsonaro foi enquadrado dentro das limitações constitucionais que ele rejeita, mas às quais teve que se submeter

A oficialização da ida para a reserva do General de Exército Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, publicada ontem, deixou o ministro interino da Saúde General de Divisão Eduardo Pazuello como único oficial-general da ativa no primeiro escalão do governo Bolsonaro. A crise, que já está sendo superada, devido à crítica contundente do ministro do STF Gilmar Mendes à ação do ministério da Saúde durante a pandemia, acabou envolvendo o Exército como instituição.

A saída de Ramos coloca mais pressão no debate sobre a presença de militares no governo, ainda mais porque Pazuello, como oficial de intendência já chegou ao topo de sua carreira militar, e não tem razão, a não ser as de coração, para continuar na ativa.

Pazuello só pode chegar a 3 estrelas, saindo ou ficando no ministério, porque ele é um general de intendência. Somente os oficiais de uma classificação chamada "armas combatentes" podem chegar a General de Exército, são de 4 estrelas. Ao todo são 16 Generais de Exército que formam o Alto Comando, chefiado pelo Comandante de Exército.

Pazuello formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras como Oficial de Intendência, e tem assumido postos importantes, ligados à sua especialidade, a logística. O general coordenou as tropas do Exército nas Olimpíadas do Rio em 2016 e a Operação Acolhida, que cuida de refugiados da Venezuela em Roraima, onde já havia sido Secretário de Fazenda no período em que houve uma intervenção militar no Estado.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, na entrevista que deu ao J10 da Globonews, deixou bem claras as diversas etapas de preparação dos oficiais do Exército, lembrando que o presidente Bolsonaro ficou menos tempo no Exército do que está na política, fazendo as etapas de preparação física, sem chegar à preparação cultural dos oficiais.

Cristian Klein - Irritação dos militares é com o fracasso

- Valor Econômico

Alvo é Gilmar Mendes, mas raiva da caserna é ver frustrado plano de mostrar independência em relação a Bolsonaro

Orientador de dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas por militares, o professor da UFRJ e da UFRRJ Francisco Teixeira costuma travar conversas semanais com um grupo de 11 ex-alunos - seis generais, um almirante e quatro coronéis, da ativa e da reserva.

Na mais nova polêmica, o Ministério da Defesa, como se sabe, protocolou uma representação na Procuradoria-Geral da República contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que havia associado a atuação dos militares no Ministério da Saúde a um “genocídio”, devido às mortes na pandemia do novo coronavírus.

A fala ocorreu no fim de semana, mas ainda não foi digerida pelos oficiais. “Eles estão muito irritados por causa da palavrinha forte, genocídio, mas o gozado é que reconhecem que o negócio está errado”, conta Teixeira, que já lecionou na Escola Superior de Guerra (ESG) e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme).

O “negócio”, em primeiro lugar, é a presença do general da ativa Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde. Especialista em logística, Pazuello deveria exercer uma interinidade, desde a saída do empresário e oncologista Nelson Teich, que durou 28 dias no cargo.

Há 62 dias na função, Pazuello está mais que o dobro do tempo que Teich. Nesse período, o número de mortos pela covid-19 no país saltou de 15 mil para mais de 75 mil.

O segundo erro que os militares reconhecem, afirma Teixeira, seria o profundo desmonte promovido no ministério por alguém que, no máximo, deveria estar de passagem. Pazuello desalojou quadros técnicos e instalou pelo menos 25 colegas de farda no primeiro escalão da Pasta, a maioria sem experiência na área, assim como ele próprio. Em alguns casos, diz, as substituições do general até optaram por médicos, mas sem qualquer notório saber em controle de pandemias.

Entrevista: Jungmann fala sobre militares, controle da PF e defende semiparlamentarismo

- Equipe Capital Político

Em entrevista ao Capital Político, o ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, defendeu a autonomia da Polícia Federal, mas com uma reforma no sistema de controles interno e externo da instituição. Ele defende a indicação de um diretor-geral pelo presidente da República, sabatinado pelo Congresso Nacional e com mandato fixo, entre outras mudanças.

Também ex-ministro da Defesa, ele considera que a numerosa presença militar no atual governo tem duas faces. A positiva é o preparo consistente dos quadros profissionais das Forças Armadas, que empresta qualidade à gestão. A negativa é o risco de contaminação política com as presenças de quadros ainda na ativa.

Jungmann acha que o sistema presidencialista brasileiro, conhecido como de coalizão, esgotou-se, tornou-se de colisão, e é preciso começar o debate de alternativas, como o parlamentarismo ou um semipresidencialismo. A sucessão de 2022 estará condicionada à conta dos efeitos da pandemia: “Vamos ver no colo de quem cai essa conta”, disse, depois de considerar que é forte a chance de ser cobrada ao presidente da República.

O ex-ministro acha que o ressurgimento de uma força política mais ao centro pode demorar ainda, pois sofreu mais os efeitos do desgaste político trazido pelo advento das redes sociais e do questionamento da representatividade tradicional.

Considera que a política externa é o grande déficit do atual governo e que o caso Queiroz e os inquéritos sobre as Fake News podem trazer desgaste ainda maior ao presidente Bolsonaro. O ex-ministro disse que o gabinete do ódio, enfim, restou comprovado.

Vê com preocupação a ruptura da União com os Estados no plano da segurança pública, agravada pela extinção do ministério que comandou no governo Temer, e a consequente descontinuidade dos pilares de uma política de integração que deixou concluída e patrocinada para seu sucessor.

Veja no vídeo abaixo a íntegra da entrevista:

José de Souza Martins* – O poder de qualquer um

- Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

Minorias relativas consideram acerto o que muitos consideram erro no governo. Não por desinformação, mas por opção

O movimento que se desenrola entre nós em favor da democracia, que se anima com a perda de lealdades opinativas em favor dos que estão no poder, já se deu conta de que o governo resiste. Não obstante as decisões equivocadas do governante, de ministros e auxiliares despistados da enorme incerteza em que vive o país há um ano e meio.

Um terço dos consultados nas pesquisas de opinião ainda o favorece, classificando-o como governante ótimo e bom. Reginaldo Prandi, depurando os dados do Datafolha, com critérios adicionais, concluiu que, ainda assim, 15% dos consultados persistem no que é, digo eu, opção antidemocrática.

No meu modo de ver, isso não quer dizer que já não haverá declínio nessa preferência. Tudo indica que para esses opinantes a democracia não é uma opção primeira e preferencial e que eles veem no autoritarismo do atual governo uma alternativa de poder que corresponde exatamente ao que pensam e querem.

Os erros políticos desgastantes da imagem do governante têm uma eficácia-limite na circunstância do governo atual. São várias as evidências de que o que muitos consideram erro essas minorias relativas consideram acerto. Não por desinformação, mas por opção.

Não se trata de conservadorismo, como há os que assim interpretam o distanciamento em relação ao que é sensato e civilizado. A tradição conservadora é qualitativamente outra coisa. Bem diferente da que se manifesta na opinião reacionária, que é a da situação brasileira atual.

Trata-se aqui de ignorância associada a poder ou à sensação de poder. Se decompusermos o poder no Brasil pela União, Estados e municípios, teremos um elenco amplo de casos de pessoas que chegam ao poder sem estar munidas da formação e informação que lhes possibilite governar com democracia. Acreditam que por terem sido eleitas podem tudo e porque tudo podem, tudo sabem, ainda que aquém do que o país historicamente carece.

Fernando Abrucio* - A encruzilhada ideológica de Bolsonaro

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O presidente quer ser um “mito” para seus seguidores ou continuar a governar o país? Depois da pandemia, será cada vez mais difícil assumir os dois papéis

As batalhas políticas do primeiro semestre deixaram marcas no governo Bolsonaro. Para que ele sobreviva e possa continuar com prestígio até o fim do mandato, mantendo alguma esperança de reeleição, precisará escolher com quem governar e de que modo. Caberá à Presidência escolher um caminho de governabilidade que reduza os efeitos danosos das contradições existentes entre seus apoiadores. Em poucas palavras, trata-se de uma encruzilhada entre dois conservadorismos, um de cunho revolucionário e outro, de viés tradicional. Juntar os dois por muito tempo será uma tarefa quase impossível.

A expressão conservadorismo revolucionário parece uma contradição em termos. Afinal, quando ser quer conservar, não se pretende fazer mudanças amplas e bruscas. Porém, o novo populismo de extrema-direita, presente em vários países e no bolsonarismo-raiz, tem como projeto enfraquecer ou destruir todas as instituições políticas de caráter liberal-democrático. Seus motes são a antipolítica, a luta contra o establishment globalista e a redução ao máximo da pluralidade ideológica, em especial com o aniquilamento da esquerda - os comunistas, classificação na qual cabe até George Soros.

Todas essas ideias visam à concentração do poder num líder carismático capaz de liderar uma revolução cultural baseada em valores mais conservadores (família patriarcal, religião e nacionalismo) que se somam ao culto à violência e a um individualismo darwinista, isto é, uma liberdade para os que mais fortes vençam. Esse é o ideário produzido pelos inspiradores intelectuais do bolsonarismo. É possível levar adiante esse conservadorismo revolucionário destruindo mais ou menos a democracia. De todo modo, a forma revolucionária de agir dos bolsonaristas-raiz exige que se cause turbulências contínuas no sistema político e nas principais instituições sociais, como a escola e os meios de comunicação de massa.

Os últimos seis meses foram repletos de acontecimentos políticos e sociais que colocaram a maior parte da população e as principais instituições contra Bolsonaro, limitando seus arroubos autoritários. O resultado dessa derrota bolsonarista colocou em jogo até a sobrevivência do presidente no cargo, além da forte pressão judicial contra seus filhos e apoiadores. Para manter seu mandato e continuar sendo peça-chave no tabuleiro político, Bolsonaro teve que se ancorar mais num outro grupo conservador, que é tradicional no Brasil há muito tempo.

Bernardo Mello Franco - Na posse, pastor ignorou o principal

- O Globo

O Brasil terá o quarto ministro da Educação em um ano e meio. O pastor Milton Ribeiro tomou posse ontem, em cerimônia fechada no Planalto. Ele comandará uma pasta estratégica, que o bolsonarismo tenta reduzir a um aparato de guerra cultural.

O capitão já submeteu o MEC à inépcia de Ricardo Vélez e aos delírios de Abraham Weintraub. Os dois estavam mais preocupados em caçar comunistas do que em cuidar dos estudantes. No fim de junho, anunciou-se a nomeação de Carlos Decotelli. O professor caiu antes da posse, embrulhado em diplomas imaginários.

Com esses antecessores, Ribeiro não precisaria fazer muito para se destacar. Mesmo assim, sua primeira impressão foi desanimadora. Em vídeos que circularam nos últimos dias, o novo ministro revela ideias retrógradas e preconceituosas.

Luiz Carlos Azedo - Como um romance noir

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“As delações premiadas da Odebrecht vincularam até as doações legais da empresa às campanhas eleitorais ao seu gigantesco esquema de desvio de recursos públicos”

Mestre do romance policial, o professor Luiz Alfredo Garcia-Roza — que durante 40 anos lecionou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) —, somente aos 60 anos resolveu recorrer aos seus conhecimentos de psicologia, filosofia e psicanálise para se tornar escritor. Dedicou-se à literatura noir. Faleceu em abril passado, aos 84 anos, mas nos legou 12 romances — entre os quais O silêncio da Chuva e Uma janela em Copacabana —, e um grande personagem, o detetive Espinosa.

Amigo do falecido escritor Rubem Fonseca, de quem era grande admirador, ao lado escritor norte-americano Edgar Allan Poe, numa entrevista ao jornalista Alberto Dines, Garcia-Roza resumiu seu estilo: “O assassinato puro e simples dá a chave daquilo que vai constituir o fundamental da literatura policial. (…) acabo me colocando frente esta morte no lugar que não me caberia como escritor, que é o do investigador, que pode ser policial ou não”. O embaixador André Amado, estudioso da sua obra, no recém publicado A História de Detetives e a ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza, um belíssimo ensaio sobre literatura policial, destaca o método lógico-dedutivo do detetive Espinosa como fio condutor de uma obra literária que não fica nada a dever aos grandes escritores do gênero.

Espinosa é um personagem excêntrico, um delegado meio filósofo, em conflito com a profissão. Na sua última obra, vive um jogo de gato e rato com um cafetão, sua nova prostituta e um policial corrupto, entre outros seres do submundo da Lapa, o tradicional bairro boêmio do Rio de Janeiro. O delegado Espinosa entra no caso quando começam a surgir mulheres mortas com requintes de crueldade. Precisa descobrir quem é o assassino antes que ele faça sua nova vítima. Obviamente, o personagem se inspira, também, em Baruch Spinoza (ou Benedito Espinoza),o filósofo holandês descendente de judeus expulsos de Portugal pela Inquisição, que foi excomungado pela comunidade judaica de Amsterdã, da qual fazia parte, por causa de suas ideias racionalistas.

Não faltam personagens na Operação Lava-Jato que se inspiram em heróis noir, como Espinosa, para desempenhar suas funções. A grande diferença para os bons romances policiais é que não existe nenhum caso de assassinato puro e simples até agora, apesar do grande número de delações premiadas, que muitos condenados veem como grande traição. Por exemplo, nos casos das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, e do escândalo das rachadinhas, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no qual estão envolvidos o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, o capitão Adriano Nóbrega, suspeito de ser o mandante do crime, que estava foragido, morreu em confrontos com a polícia na Bahia.

Dora Kramer - O conto da vaga

- Veja

Bolsonaro manipula vassalagem de candidatos ao Supremo

Em campanha, o candidato Jair Bolsonaro teve um sonho: criar mais dez cadeiras no Supremo Tribunal Federal, aumentando a composição da Corte para 21 juízes e, desse modo, “mudar o rumo das decisões que têm envergonhado o país”. Assim disse ele nos idos de 2018. Uma solução ao molde venezuelano, que por motivos óbvios nem chegou a ser tentada. O STF, no entanto, continuou ocupando lugar de destaque nas obsessões do presidente.

Bolsonaro não foi o primeiro nem será o último mandatário a vivenciar a ilusão de controle sobre o tribunal detentor da última palavra a respeito do que permite ou não a Constituição, embora tenha sido o único do período pós-redemocratização a falar em interferir na organização e, portanto, nas decisões do tribunal.

A ditadura aumentou os assentos de onze para dezesseis em 1965. Quatro anos depois três ministros foram afastados por força do AI-5, dois se aposentaram em solidariedade e no governo de Garrastazu Médici retornou-se ao desenho original.

De lá para cá, os governos do PT foram os que mais indicaram ministros. Luiz Inácio da Silva nomeou oito e Dilma Rousseff cinco, quatro dos quais hoje aposentados e dois falecidos. Bolsonaro terá direito a duas indicações, que somariam doze, caso a realidade não se contrapusesse aos devaneios de sua mente.

Ricardo Noblat -Em cartaz, no Planalto, a nova versão da Ópera do Malandro

- Blog do Noblat | Veja

Como livrar-se de encrencas
Na hora em que se descobre em apuros, ou o presidente Jair Bolsonaro recua e dá o dito pelo não dito como já fez tantas vezes, ou jogo a culpa nos outros. Se não dá para jogá-la nas costas dos adversários de preferência, joga nas costas dos próprios auxiliares. E não se constrange em agir assim. E nem na intimidade com eles se desculpa. De corajoso não tem nada.

É como se comporta desde o seu tempo de soldado e de garimpeiro nas horas, atividade que escondeu dos seus superiores. Como deles havia escondido seu plano de detonar bombas em quartéis em defesa de melhores salários para a soldadesca. E foi por isso que acabou afastado do Exército. Certa vez, o ex-presidente Ernesto Geisel referiu-se a ele como “um mal militar”.

Em entrevista recente à GloboNews, o vice-presidente Hamilton Mourão tentou explicar por que Bolsonaro é o que é. “Ele encerrou a carreira em um posto, o de capitão, onde você é muito mais físico do que intelectual”. E acrescentou: “Quando você muda da parte do físico para a do intelectual… Ele não viveu esse momento dentro da carreira militar”. Entenderam o que Mourão quis dizer?

No prontuário de Bolsonaro guardado nos arquivos do Exército, consta que Cavalão (apelido dele na caserna) era bom de corridas a longa distância, da prática de esportes e de saltos de paraquedas. Parou por aí. Embora já tenha testado positivo duas vezes para o coronavírus, ele se apresenta como dono de uma saúde de atleta. Sobreviveu até a uma facada traiçoeira.

Reinaldo Azevedo – E o governo militar falha outra vez

- Folha de S. Paulo

Voltem para os quartéis e peçam desculpas aos brasileiros e às tropas

A representação à PGR de Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, contra o ministro Gilmar Mendes, do STF, apelando à Lei de Segurança Nacional e ao Código Penal Militar, tem o odor inequívoco de república bananeira. É o general que sobrevoou a Praça dos Três Poderes num helicóptero de combate quando, em solo, fascistoides pregavam o fechamento do Congresso e do Supremo.

Os militares decidiram sair dos quartéis para colonizar o governo. A janela se abriu com a eleição de Jair Bolsonaro à esteira da razia provocada pelos desmandos da Lava Jato. O resultado é um desastre de proporções amazônicas. A institucionalidade trincada nos conduziu à terra dos mortos --desmatada e queimada. Já fiz neste espaço, no dia 10 de maio, uma exortação: voltem para os quartéis, soldados! Agora outro convite: chega de autoengano, colegas analistas!

Muitos de nós cometeram o erro de imaginar que os militares graúdos da reserva e da ativa estão com Bolsonaro para conter sua criatividade destruidora. Os fatos desmentem a esperança, que, nesse governo, deve sempre ficar de fora.

Luiz Eduardo Ramos, o general (!) da coordenação política que só agora pede passagem para a reserva, afirmou em entrevista que especular sobre golpe é "ultrajante". Mas fez uma advertência: convém não "esticar a corda". E o que seria esticá-la? Respondeu: "Um julgamento casuístico".

Bruno Boghossian - O imposto do tumulto

- Folha de S. Paulo

Guedes e auxiliares já levantaram nove vezes o plano de um imposto sobre transações

A equipe econômica adotou o tumulto como método de trabalho. No vazio de ideias para impulsionar a atividade no país, o time de Paulo Guedes se habituou a lançar planos exóticos, que não saem do papel, ou ideias tão impopulares que só podem ter sido elaboradas por quem quer atrapalhar o governo.

O fantasma de um tributo nos moldes da antiga CPMF é um exemplo dessa autossabotagem. Nesta semana, Guedes voltou a citar a proposta de cobrança sobre transações. O ministro reconheceu que o imposto “é feio”, mas tentou emplacar a ideia para aliviar a carga cobrada de empresários sobre folhas de pagamento.

Ruy Castro* - Os rega-bofes do Queiroz

- Folha de S. Paulo

Só os historiadores do futuro poderão responder a certas perguntas

Um dia, quando os historiadores estudarem os anos bolsonaros, algumas questões poderão embatucá-los. Exemplo: como se explica que Fabrício Queiroz, íntimo dos Bolsonaros, com paradeiro ignorado e investigado por negócios de grande interesse dos dois, pode ter sido hóspede em Atibaia por mais de um ano de Frederick Wassef, então advogado dos mesmos Bolsonaros, sem que estes soubessem? Uma simples palavra de Wassef —“Fiquem tranquilos, o homem está comigo”— os teria poupado de aflições sobre esse paradeiro, que tantas vezes disseram desconhecer.

Outra: já que nunca estranharam as transações financeiras do amigo, por que eles não o abrigaram? Não seria por falta de opções —afinal, os Bolsonaros têm uma bela carteira de propriedades em vários estados, fora os apartamentos e salas que Flávio Bolsonaro comprava e revendia horas depois com lucro de 400 por cento. Talvez porque soubessem que Queiroz seria um hóspede complicado. O próprio Wassef se queixou de que, em vez de se manter discreto, Queiroz não sossegava —vivia pulando do sítio de Atibaia para os apartamentos do advogado em São Paulo e vice-versa e até para assistir ao filho jogar pelada na longínqua Saquarema.

Eliane Cantanhêde - Meia volta, volver

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro não desdiz o que disse, mas começa a desfazer o que fez em educação, saúde...

Depois do desmanche de saúde, educação, meio ambiente, cultura e política externa, o presidente Jair Bolsonaro não desdiz o que disse, mas começa a desfazer o que fez e “desnomear” quem nomeou. Não é fácil. Saem os agentes do desmanche, mas o comandante, as convicções e as crenças ficam. E continuam sem nenhuma conexão com a ciência e a realidade, ainda envoltos por fantasmas e ideologia.

Na Educação, Abraham Weintraub já foi tarde e o presidente se viu diante de uma enxurrada de nomes para o MEC, mas nenhum animador. Que educador com experiência, belo currículo real e respeito na comunidade acadêmica aceita pular num governo que vive às turras com tudo e todos e detesta o MEC, considerado um antro com mais de 90% de esquerdistas e comunistas? Então, foi por exclusão. Se não tem tu, vai de tu mesmo: um pastor conservador.

Pastor e professor, Milton Ribeiro já assumiu ontem cercado de desconfianças. Crianças têm de aprender “com dor”? Assassino de mulher “confunde paixão com amor”? A “balbúrdia” nas universidades, como definiu Weintraub, leva ao “sexo sem limite”? Conclusão: sobram ideias extravagantes, faltam experiência e concepção de política educacional. A esperança é ele cumprir as promessas de “diálogo” e “Estado laico”, além de caprichar na equipe.

A mesma dificuldade de nomes ocorre nas demais áreas vítimas de desmanche. Que médico com nome e biografia a zelar assume a Saúde para fazer tudo o que seu mestre (doutor, epidemiologista, cientista...) Jair Bolsonaro mandar? Que epidemiologista, cientista ou homem público sério admite guerrear contra o isolamento e as máscaras e a favor da cloroquina? Só se for do Centrão ou da Bancada da Bala. A da Bíblia já foi contemplada no MEC.

Ignácio de Loyola Brandão - Leiam como se fosse um poema

- O Estado de S.Paulo

Esta é a saúde do Brasil atual: a água – e a lama dos espíritos – invadindo as UTIs

Para Raul Wassermann, editor audacioso, amigo dos livros, acreditou em mim há 50 anos

Como não estarmos confusos, muitas pessoas perdidas, desanimadas, desorientadas, a esmo, de déu em déu, desarvoradas?

Antigamente havia as garotas-propaganda, mas o Brasil se tornou original ao ter o primeiro presidente-propaganda de um medicamento (exercício ilegal de medicina?) e isso provocou uma desordem na árdua luta contra a pandemia,

Hoje, cada governador, prefeito, vereador, presidente de Câmara, assessor de imprensa, de imagens, marqueteiro, servidor de café, motoboy, líder de partido político tem seu sistema.

Cada general, almirante, marechal, coronel, tenente-coronel, major, alferes, capitão, sargento, cabo (de onde vem a expressão: “Essa é de cabo de esquadra?”), cada soldado raso (haverá o soldado fundo?), taifeiro, couraceiro, arqueiro, hussardo, infante, besteiro, ou sniper, o atirador de elite tem sua artilharia.

Cada juiz, promotor, advogado, desembargador, reitor, pai de família, chefe de facção, líder de milícia, sacerdote ou pastor das mil diferentes religiões, chefe de seção em departamentos públicos, autarquias, ministérios, gabinetes (ninguém é mais prepotente do que um chefe de gabinete) tem seu processo ou planilha.

Cada chefe de matilha, cão líder de rebanho de ovelhas, de mulas, camelos, búfalos, gado para corte, cada chefe de quadrilha de bairro, ou seja gangue, guarda-civil, vigilante noturno tem seu plano.

Cada uma dessas pessoas ou de agremiações, associações, sindicatos, grupos, associações, patentes, ou seja lá o que for, tem enfrentado a pandemia a seu modo e bel prazer, dependendo da ambição de ser eleito, enriquecer, ser promovido, ou seja lá qual é a intenção.

Elena Landau* - Rios de tinta

- O Estado de S.Paulo

Separei as melhores piores frases de Guedes ditas desde o início da pandemia

Meu querido mestre Sergio Bermudes conseguiu vencer o covid-19 depois de meses de muita luta. Grande notícia. Resolvi estudar Direito depois dos 40. Teria cinco anos de curso pela frente e estava impaciente para aprender. Pedi uma lista de leitura a um jovem professor. Com ar blasé ele respondeu: “melhor esperar”. Tudo tem seu tempo. Quase desisti do curso ali.

Um amigo me sugeriu conversar com Bermudes. Eu só o conhecia de nome por conta de uma vitória emblemática durante a ditadura. Muito jovem, foi o autor da petição inicial do caso Vladimir Herzog. Propôs uma ação civil pedindo que o Judiciário reconhecesse a responsabilidade do Estado pela morte do jornalista. Pela primeira vez, o Estado reconhecia que o Estado usava a tortura como instrumento.

Tomei coragem e pedi uma reunião, sem muitas esperanças. Me recebeu em sua casa para um delicioso almoço, em todos os sentidos.

Após quatro horas, saí de lá não só com uma lista de livros, mas com o convite para usar sua famosa biblioteca no escritório.

No antigo prédio da Marechal Câmara não havia espaço para me acomodar, nem mesmo uma mesa disponível. Sergio cedeu o sofá de sua sala e, na sua ausência, sua própria mesa. Isso foi em abril de 2002. Nesses 18 anos, fui estagiária, consultora para assuntos econômicos, sócia, e, acima de tudo, ele foi meu confidente, amigo e parceiro de dança.

Claudia Safatle - O fracasso na saúde e a retomada da economia

- Valor Econômico

Para sair do ‘buraco’ juro tem que ser menor que o crescimento, defende Delfim Netto

O pior fracasso desse governo é no enfrentamento da pandemia. O enfrentamento da crise na economia tem sido bastante razoável. Esta é a avaliação do ex-ministro Delfim Netto, passados pouco mais de quatro meses em que se assiste diariamente à contagem de infectados pelo coronavírus e mortos pela covid-19.

“A grande verdade é que fracassamos miseravelmente no combate ao coronavírus. Vai ter muito mais mortes do que aconteceriam se o governo tivesse tido, desde o início, um comportamento diferente”, comentou.

“O Gilmar está certo!”, completou Delfim.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, disse durante uma live no sábado que “não é aceitável que se tenha esse vazio no Ministério da Saúde (...) Isso é ruim! É péssimo para a imagem das Forças Armadas! É preciso dizer isto de maneira muito clara: o Exército está se associando a este genocídio. Não é razoável! Não é razoável para o Brasil! É preciso pôr fim a isto”.

As duras críticas de Gilmar à atuação do governo Bolsonaro, que deixou o general Eduardo Pazuello como ministro interino da Saúde e ele se cercou de militares colocados no lugar de técnicos da área, atingiram os generais que têm cargos na administração federal.

O ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, e os três comandantes das Forças Armadas - Edson Pujol, do Exército, Ilques Barbosa Junior, da Marinha e Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica - assinaram uma nota oficial em que rebatem a fala de Gilmar: “Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana”, diz o texto.

Pouco depois, o Ministério da Defesa enviou à Procuradoria-Geral da República uma representação contra Gilmar em que cita como argumentos artigos da Lei de Segurança Nacional e do Código Penal Militar.

As Forças Armadas são uma instituição de Estado e “não se mistura o quartel com o ‘bureau’”, acrescentou Delfim, que comandou a pasta da economia durante uma boa parte do regime militar. Porque, ao fazer isso, começa a ruir a separação fundamental. As Forças Armadas são uma instituição do Estado, estão à serviço da Nação, da Constituição, e não a serviço da vontade de alguém.

“Acho que a palavra ‘genocídio’ foi mal colocada, mas a ideia não”, atestou Delfim.

Vinicius Torres Freire – O futuro político da CPMF fantasiada

- Folha de S. Paulo

Guedes insiste no imposto; jogo no Congresso mudou e pode haver novidades tributárias

Uma CPMF não passa no Congresso, estamos cansados de ouvir. Mas deputados dizem que querem conhecer esse imposto sobre pagamentos digitais ou comércio eletrônico de Paulo Guedes. Dizem também que está mais complicado passar uma reforma tributária ampla, como quer Rodrigo Maia, sem negociações maiores com o governo, porque o “jogo político mudou um pouco”.

Jair Bolsonaro conta agora com um bloco de uns 180 deputados, gente do centrão e agregados. É um juntado sem grandes convicções de qualquer espécie, mas que deve cumprir em parte o acordo no qual levou cargos no governo.

Guedes tem cantado deputados do centrão, mais exatamente do PP e do PL, com promessas de trocar a aprovação do seu imposto digital por redução de tributos sobre folha de pagamento ou por um programa mais gordo de renda básica.

Essa promessa de engordar a renda básica com receita e despesa novas não faz sentido a não ser que: 1) se estoure o teto de gastos; 2) se reduza a despesa com servidores; 3) se reduza o investimento em obras a quase zero.

O governo pretende acabar com benefícios como o abono salarial, por exemplo, a fim de destinar mais dinheiro para o que chama de Renda Brasil. Para tanto, não precisa de mais imposto. Derrubar o teto de gastos está fora de cogitação.

Míriam Leitão - Difícil caminho fiscal do Brasil

- O Globo

O ajuste fiscal será feito por um governo que saiba dialogar e construir consenso. A vida é diferente das metáforas de Paulo Guedes

O Brasil tem que aproveitar a janela de oportunidade dada pelos juros baixos, o único item de despesa que diminuiu. Todas aumentaram, inclusive a previdência, que terá uma alta do déficit de mais de 1% do PIB neste primeiro ano da reforma. A janela pode ficar aberta por alguns anos, mas esse tempo pode se encurtar e ser apenas de alguns meses se o país cometer erros. Aproveitá-la é usar o tempo para conduzir um diálogo político e construir consensos. Isso é muito difícil com um governo espinhoso como este.

O Brasil entrou num período de déficit primário em 2014 e não tem chance de sair dele durante todo este mandato. A dívida terminará este ano em 98%, e o déficit primário, em 12% do PIB, um rombo gigante de R$ 800 bilhões. A ideia dentro do próprio governo é que, se não recuperar parte da arrecadação que vai perder, o país só verá a volta do superávit primário no fim do próximo governo, do presidente que ainda não foi eleito, e isso mesmo cumprindo o teto de gastos.

Na imagem que o ministro Paulo Guedes criou, ele é um conquistador de torres. Costuma repetir a história de que ele “derrubou a primeira torre, dos juros altos, e depois derrubou a segunda torre, da previdência”. A vida real é diferente das metáforas de Paulo Guedes.

País perde 716 mil empresas na crise do coronavírus

Mais da metade dos negócios que fecharam as portas não vai reabrir

Pedro Capetti e Raphaela Ribas | O Globo

RIO - Durante a pandemia de Covid-19, o país perdeu 716 mil empresas. É o que mostra pesquisa inédita do IBGE sobre o impacto da crise do novo coronavírus nas companhias divulgada na quinta-feira. O número representa mais da metade de 1,3 milhão de firmas que estavam com atividades paralisadas temporária ou definitivamente na primeira quinzena de junho, devido às medidas de distanciamento social.

Segundo o levantamento, os efeitos da pandemia atingiram todos os setores da economia, mas foram mais intensos nos principais segmentos geradores de emprego no país: serviços e pequenas empresas. Entre as firmas que não voltarão a abrir as portas, 99,8% eram de pequeno porte.

— Os dados mostram que a Covid-19 impactou mais fortemente segmentos que, para a realização de suas atividades, não podem prescindir do contato pessoal, têm baixa produtividade e são intensivos em trabalho — explicou Alessandro Pinheiro, Coordenador de Pesquisas Estruturais e Especiais em Empresas do IBGE.

Regionalmente, os fechamentos foram mais intensos nas regiões mais desenvolvidas do país, como Sudeste, com 385 mil empreendimentos, e Sul, com 164 mil. Em seguida, vem o Nordeste, onde 123 mil empresas encerraram as atividades.

Entre o 1,3 milhão de negócios que fecharam, mesmo que temporariamente, 522 mil disseram ter tomado a decisão em razão da pandemia. Ou seja, quatro em cada dez empresas que encerraram as atividades — seja temporária ou definitivamente — fizeram isso por causa da disseminação do coronavírus.

De acordo com o IBGE, na primeira quinzena de junho havia cerca de quatro milhões de empresas ativas no país. Destas, 2,7 milhões estavam em funcionamento total ou parcial, enquanto 610,3 mil (15%) estavam fechadas temporariamente. Já cerca de 716,4 mil (17,6%) encerraram suas atividades em definitivo.

O impacto da crise do novo coronavírus, no entanto, não se restringiu a quem fechou. Entre as empresas que permaneceram em atividade, 70% afirmaram que a Covid-19 teve efeito negativo sobre seu negócio, com diminuição de vendas ou serviços, na comparação com o início da pandemia, e 948,8 mil cortaram pessoal no período.

Além disso, apenas 12,7% tiveram acesso ao crédito emergencial do governo para pagar salário.

A importância das eleições municipais – Editorial | O Estado de S. Paulo

Elas são oportunidade privilegiada de exercício de cidadania, de cuidado com a coletividade e de responsabilidade para com o País

Em função da pandemia do novo coronavírus, o Congresso adiou, por meio da Emenda Constitucional (EC) 107/2020, o primeiro e o segundo turnos das eleições municipais deste ano, que serão nos dia 15 e 29 de novembro, respectivamente. No pleito, os eleitores escolherão o prefeito e os vereadores de suas cidades. Longe de ser uma esfera menos importante, o município é peça fundamental da vida democrática do País, com muitas consequências e desdobramentos, não apenas para a qualidade da vida diária, mas também para as políticas estadual e nacional.

A Constituição de 1988 conferiu aos municípios caráter de ente federativo. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”, diz o art. 1.º da Carta Magna. O município não é, portanto, mera circunscrição administrativa, mas verdadeiro ente político, apto a estabelecer leis, criar impostos e definir sua própria organização.

Segundo a Constituição, cabe aos municípios, por exemplo, legislar sobre assuntos de interesse local, além de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. É evidente, assim, a importância dos vereadores em relação a questões fundamentais da vida dos cidadãos, como transporte público, limpeza urbana, saneamento básico e urbanismo.

A Câmara Municipal tem competência, por exemplo, para regulamentar os consórcios entre municípios. Cabe ao município promover um “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”, estabelece a Constituição. A rigor, esse tópico, sozinho, revela a importância de escolher responsavelmente os vereadores. São eles que definirão o presente e o futuro de cada cidade. Um adequado planejamento do espaço urbano pode mudar completamente a qualidade de vida das atuais e das futuras gerações, além de influir nos rumos, potencialidades e condicionantes do desenvolvimento social e econômico de uma localidade.

Iniciando o longo retorno – Editorial | O Estado de S. Paulo

Antes do estrago econômico do vírus já havia os danos da gestão Bolsonaro

O Brasil se move, mas falta uma longa subida para a economia atingir o patamar de fevereiro, anterior à queda de 13,9% acumulada em março e abril. Mesmo com o crescimento de maio, de 0,7%, a situação ainda é de muita fragilidade, alertou o pesquisador Claudio Considera, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ao apresentar os novos números do Monitor do PIB. Elaborado mensalmente, o Monitor tem sido, há anos, a antecipação mais detalhada e mais precisa dos dados oficiais do Produto Interno Bruto (PIB). No trimestre móvel terminado em maio a queda foi de 10,5% em relação ao período encerrado em fevereiro.

Consertar de fato a economia, no entanto, envolverá muito mais que anular os efeitos do último tombo. A queda em relação a 2019 também foi grande – e 2019 já foi muito ruim. Em maio, o PIB ficou 13,3% abaixo do nível de um ano antes. Quando a referência é o trimestre móvel, o confronto interanual mostra uma perda de 9,4%.

O coronavírus complicou, portanto, um quadro já muito desfavorável. No ano passado o PIB cresceu apenas 1,1%. A produção geral da indústria aumentou 0,5%. A da indústria de transformação aumentou mísero 0,1%. Serviços avançaram 1,3%, com expansão igual à da agropecuária. A economia fracassou no primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro e piorou no começo de 2020, quando encolheu 1,5% em relação aos três meses finais de 2019.

Foi esse o cenário – completado por amplo desemprego – atingido no fim de março pelo impacto inicial da pandemia. O presidente da República e sua equipe haviam adiantado a destruição. Ainda assim, o vírus tornou o quadro bem mais feio, espalhando medo, matando milhares, confinando famílias e arrasando uma economia já muito fraca.

Imagem do Exército em risco – Editorial | O Globo

Ao nomear Pazuello, um general da ativa, para a Saúde numa epidemia, Bolsonaro desconsiderou este perigo

Se o presidente Bolsonaro não tivesse decidido nomear um general especializado em logística ministro “interino” da Saúde, cargo indicado a médicos ou a outros especialistas na área, não ocorreria, por óbvio, o incidente do comentário mal formulado pelo ministro do STF Gilmar Mendes sobre os riscos que a imagem do Exército enfrenta devido a esta nomeação, durante uma epidemia histórica.

Bolsonaro viu na convocação do general da ativa Eduardo Pazuello para cumprir esta “missão” a melhor forma de impor suas teses nada científicas ao Ministério da Saúde. Mesmo com um pé na política, o médico Luiz Henrique Mandetta, ex-deputado federal do DEM pelo Mato Grosso do Sul, preferiu ficar do lado do seu diploma a aceitar teses bolsonaristas sobre isolamento social e a hidroxicloroquina. Seu substituto, o oncologista Nelson Teich, esteve ministro ainda menos tempo. Saiu nas primeiras pressões a fim de que prescrevesse cloroquina para contaminados pela Covid-19, sem qualquer base em pesquisas sérias. Com Pazuello, foi emitido um “documento administrativo de informação e comunicação” sobre a substância.

O balanço dos dois meses do general Eduardo Pazuello na pasta não poderia ser outro do que negativo. Especializado em logística, o oficial levou mais militares para ajudá-lo, e o Ministério da Saúde nada fez de significativo no auxílio a estados e municípios em uma crise de saúde pública grave como esta. Um exemplo são os testes, vitais para os gestores da área terem informações básicas: o trajeto do vírus, as comunidades que devem ser isoladas etc. O atraso do Brasil neste aspecto é inqualificável. Chicago faz 40 mil testes diários, enquanto o Estado do Rio de Janeiro, 2 mil; os Estados Unidos testam 500 mil pessoas diariamente, o Brasil, 10 mil. O país batalha contra o Sars-CoV-2 com venda nos olhos.

Bolsonaro, agora, renega suas ordens e culpa os subordinados – Editorial | O Globo

AGU alega que flexibilização das regras para compra de munição não pode ser atribuída ao chefe do Executivo

Em defesa do presidente da República, a Advocacia-Geral da União apresentou argumento inusitado em processo no qual ele é réu por liberar a compra de munições em quantidade três vezes maior (de 200 para 600 unidades) pelos proprietários de armas registradas.

Existem no país 379,4 mil armas registradas, de acordo com a Polícia Federal. A mudança abriu um mercado de vendas potenciais de 227,6 milhões de munições (600 por arma).

A AGU alega que, se existem delito e culpa, não podem ser atribuídos ao presidente. Quem responde por eles são os seus subordinados, no caso, os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Defesa, Fernando Azevedo, que assinaram a portaria no último 23 de abril liberando a compra do triplo do volume de munições até então permitido. Moro se demitiu no dia seguinte.

Inexiste, arremata a defesa de Bolsonaro, “qualquer ato administrativo atribuível ao Chefe do Executivo”, acrescentando: “Os atos administrativos praticados no âmbito dos ministérios não podem ser atribuídos pessoal ou institucionalmente ao presidente.” Ou seja, somente cabe a ele a responsabilidade pelo que assina, o que não inclui as ordens que dá ou as situações de que tenha conhecimento ou participe, direta ou indiretamente.

Reformas tardias – Editorial | Folha de S. Paulo

Estados hesitam em mudar previdências, arriscando o futuro de políticas públicas

A maior lacuna da reforma da Previdência Social aprovada no ano passado foi a exclusão dos estados e municípios, cujos servidores preservaram condições mais favoráveis —e insustentáveis— para a aposentadoria do que as fixadas para o funcionalismo civil federal.

Os regimes estaduais e municipais saíram do texto por uma combinação de covardia e oportunismo político. Parte dos governadores hesitou em apoiar publicamente a proposta, e os congressistas não quiseram arcar sozinhos com o ônus de contrariar as corporações de suas bases eleitorais.

Determinou-se, ao menos, que os entes federativos deveriam elevar as alíquotas da contribuição previdenciária de seus funcionários até 31 de julho próximo, sob pena de perderem acesso a verbas.

Desde então, premidos pela implacável realidade orçamentária, governadores e prefeitos de diferentes partidos e orientações ideológicas trataram de promover reformas locais. O avanço, previsivelmente, tem sido difícil e desigual.

Como noticiou a Folha, 13 dos 26 estados aprovaram mudanças nas regras de aposentadoria —estabelecendo, por exemplo, idades mínimas iguais ou semelhantes às do regime federal— e elevaram as alíquotas de contribuição.

Novos retratos dramáticos do estado da educação – Editorial | Valor Econômico

O governo perdeu tempo precioso com as duas nulidades anteriores. É preciso retomar um caminho positivo para a educação

A educação brasileira é uma tragédia em progresso. Novas estatísticas e estudos confirmam e aprofundam os impasses conhecidos, assim como as estimativas sobre os enormes prejuízos econômicos, sociais e existenciais decorrentes de suas mazelas. 69,5 milhões de pessoas com mais de 25 anos não completaram o ensino básico e 43,8 milhões delas tem apenas o ensino fundamental incompleto, mostra a Pnad Contínua 2019 Educação, feita pelo IBGE. E se pessoas com 16 anos não completarem sua educação básica até os 25 anos de idade - 575 mil jovens a cada ano - o Brasil e elas perderão R$ 214 bilhões por ano, aponta o estudo “Consequências da Violação do Direito à Educação”, realizado pela Fundação Roberto Marinho e Insper.

A carência de educação é um mal absoluto - e dinâmico. As novas tecnologias estão eliminando milhares de empregos, com dupla penalidade para os que não tiveram a oportunidade ou não conseguiram se manter nas escolas. As vagas que elas destroem são na maioria ocupadas por pessoas de baixa qualificação e grau de instrução. E, para que tenham remuneração decente no mercado de trabalho transformado, exigem maior conhecimento e preparação, que os pouco instruídos não têm. Em um futuro que se aproxima rapidamente, pessoas sem estudos suficientes tendem a ser condenadas a empregos informais e mal-remunerados - quando houver.

Cristovam Buarque* - Um antipanteão

(Correio Braziliense,14 de julho de 2020)

Ao ler recente coluna do escritor José Paulo Cavalcanti Filho, na revista Será?, de Pernambuco, lembrei que toda nação requer um Panteão, onde lembrar personagens e heróis que fizeram o passado e formaram o presente. Estátuas são parte desses panteões. Mas, de vez em quando, descobrem-se pecados dos heróis e aparecem movimentos para
lhes retirar o nome e a estátua do Panteão. Nas últimas semanas, surgiram movimentos contra personagens que deram contribuições positivas ao mundo, mas patrocinaram escravidão e racismo.

José Paulo alerta para os riscos desses gestos bem-intencionados: ao derrubar estátuas de escravocratas, derruba-se parte da história da escravidão. Melhor do que pôr ao chão estátuas seria escrever os crimes no pedestal - escravocrata, torturador, explorador, colonialista - transformando homenagens em denúncias, sem apagar a história. Com isso, não se presta a homenagem do esquecimento a um escravocrata fundador de uma universidade, por exemplo.

Ao derrubar a estátua, os alunos se esqueceriam da origem do dinheiro que serviu para construir o prédio onde assistem às aulas, a biblioteca onde estudam, os laboratórios onde pesquisam. Todas as grandes e tradicionais universidades americanas foram fundadas por donos ou traficantes de escravos. Recentemente, elas assumiram os pecados.

Se criarmos estátuas apenas de personagens perfeitos, raros papas estariam ainda firmes em pedestais, raros filósofos resistiriam ao escrutínio de hoje, provavelmente nenhum general ou político. Porque o valor das lembranças é medido pelo que pensam as gerações no presente. Além disso, as estátuas não são apenas história e homenagem, são também obras de arte, e com valor e transcendência estética que merecem respeito, independentemente do que representam.

Música | Elizeth Cardoso e Zimbo Trio — Nossos Momentos

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Os vazios do homem

Os vazios do homem não sentem ao nada
do vazio qualquer: do do casaco vazio,
do da saca vazia (que não ficam de pé
quando vazios, ou o homem com vazios);
os vazios do homem sentem a um cheio
de uma coisa que inchasse já inchada;
ou ao que deve sentir, quando cheia,
uma saca: todavia não, qualquer saca.
Os vazios do homem, esse vazio cheio,
não sentem ao que uma saca de tijolos,
uma saca de rebites; nem têm o pulso
que bate numa de sementes, de ovos.

Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou vazio que inchou por estar vazio.

Publicado no livro A educação pela pedra (1966).

In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa: volume único. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.359-360. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira