domingo, 16 de agosto de 2020

Luiz Sérgio Henriques* - Além dos pequenos nacionalismos

- O Estado de S.Paulo

É preciso considerar os conservadores clássicos para manter viva a corrente da democracia

Até certo ponto inesperada, e por isso ainda vista por alguns como ponto fora da curva ou raio em céu sereno, a pandemia de covid-19 acabou por se impor como o elo que, uma vez bem apreendido, permite lançar luz nova sobre toda uma corrente de fatos e acontecimentos que moldam nosso tempo, particularmente conturbado. Signo ao mesmo tempo da globalização e de suas fragilidades, a faísca que se acendeu há menos de um ano no imprudente “mercado molhado” de Wuhan, espalhando-se por toda parte e praticamente emperrando a máquina do mundo, logo gerou percepções anacrônicas, alimentou negacionismos e confirmou a sensação de que a unificação do gênero humano não é um processo inscrito nas próprias coisas e, portanto, uma marcha triunfal previamente garantida.

A consciência humana, não raramente, costuma correr atrás das mudanças sociais e dos eventos da História, e não há de ser muito diferente desta vez, quando a interdependência de povos e nações, objetivamente estabelecida, convive com instituições políticas em sua maioria restritas ao plano nacional. Somos cidadãos de uma nação, nela votamos e pagamos impostos, sentimo-nos próximos dos governantes que, nos momentos felizes de vida plenamente democrática, podemos eleger ou destituir. Muito mais longe estão os organismos multilaterais, a começar pela ONU; relativamente débeis, com exceção da União Europeia, as tentativas de coordenação supranacional; e ainda fumosa a ideia de uma sociedade civil internacional, em cujo âmbito, mesmo assim e apesar de tudo, já transcorrem manifestações globais antirracistas ou em defesa do meio ambiente, indicativas de que uma cultura de direitos só tem sentido se tender à universalização, como nos ensinaram as grandes revoluções da modernidade.

Celso Lafer* - Meio ambiente e desenvolvimento sustentável

- O Estado de S.Paulo

Defesa ambiental é um princípio imperativo que não pode ser ignorado num Estado Democrático de Direito

O século 20 foi um século de rupturas. Caracterizou-se pelo ineditismo da transposição de barreiras antes tidas como usuais. Nessa linha, a partir da década de 1970 foi ficando evidente que a natureza deixou de ser um dado da permanência da ordem cósmica e passou a ter o componente de um construído/destruído pela ação humana.

Hoje é inequívoca a vulnerabilidade da natureza por obra da atuação dos seres humanos. Ela deixou de ser concebida como um horizonte quase infinito, aberto à exploração humana. Tornou-se um horizonte de vulnerabilidade, comprometedora da rede global dos ecossistemas que sustentam a vida na Terra.

Responsabilidade provém do verbo latino respondere, responder. No campo jurídico, o termo foi sendo elaborado como resposta do Direito a fatos e situações provenientes de desordens e injustiças causadoras de dano. No caso das situações oriundas da vulnerabilidade da natureza, o assumir de responsabilidades políticas e jurídicas coloca o problema não só do dano causado no passado e no presente, mas também do dano no presente que se projeta no futuro.

O novo contexto passou a exigir novos conceitos. O aprofundamento crescente do conhecimento científico permitiu desvendar os riscos para o meio ambiente. Ampliou-se o escopo operativo da gestão de riscos necessária para analisar o impacto ambiental da ação humana. Daí novos conceitos como o princípio da precaução. Ciência e conhecimento se tornaram fonte material das normas do direito ambiental.

Merval Pereira - Dallagnol na mira

- O Globo

Dando seqüência à tentativa de desconstruir a Operação Lava-Jato, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) julgará na terça-feira casos envolvendo o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba. Não são os primeiros, nem serão os últimos casos, pois ao longo de seu trabalho à frente da força-tarefa de Curitiba Dallagnol já teve cerca de 50 reclamações disciplinares contra si, a maior parte vinda de investigados e réus e seus aliados.

Apenas duas delas, e sempre por opinião, mereceram advertências. Por isso, é estranho que na reunião de terça exista a possibilidade de afastamento cautelar devido a um procedimento disciplinar por remoção compulsória por interesse público, impetrado pela senadora Katia Abreu, investigada pela Lava-Jato. Até hoje, foram poucos os afastamentos a bem do interesse público, e ambos por questões totalmente diversas das que Dallagnol está sendo acusado.

Um por trabalho ineficiente em defesa do consumidor, e outro por assédio moral e outras faltas funcionais. Ambos ao fim de um processo em que houve possibilidade de o acusado apresentar sua defesa, não de maneira cautelar. O afastamento cautelar de Dallagnol feriria de morte a garantia de inamovibilidade de integrantes do Ministério Público, o que afetaria a independência do órgão e levaria uma insegurança funcional nos demais membros do órgão investigador, que ficariam expostos à retaliações políticas.

Bernardo Mello Franco - A sorte do Zero Um

- O Globo

Flávio Bolsonaro tem muitos problemas, mas não pode reclamar da sorte. Desde 2018, o Ministério Público acumula provas contra o senador. Os investigadores acreditam que ele montou uma organização criminosa para desviar dinheiro da Assembleia Legislativa do Rio. As suspeitas só aumentam, mas uma sucessão de manobras e percalços impede que o caso vá adiante.

No ano passado, a investigação foi paralisada duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal. No plantão de janeiro, o ministro Luiz Fux trancou o inquérito a pedido da defesa. O Zero Um ainda não havia tomado posse, mas alegava ter direito ao foro privilegiado em Brasília. No mês seguinte, o ministro Marco Aurélio cassou a liminar e mandou o caso de volta à primeira instância.

No plantão de julho, o ministro Dias Toffoli jogou outra boia para o primeiro-filho. Ele aceitou a tese de que um relatório do antigo Coaf teria sido compartilhado sem autorização judicial. O documento mostrava a movimentação milionária nas contas de Fabrício Queiroz, segurança e motorista de Flávio. Também registrava depósitos em espécie para o Zero Um, que costuma pagar contas e comprar imóveis em dinheiro vivo.

Luiz Carlos Azedo - Nos deixem fora dessa

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Na guerra de fake news, atribuir as mais de 100 mil mortes por covid-19 a um falso “genocídio comunista chinês” reproduz uma mentalidade reacionária, xenófoba e racista”

No seu livro Sobre a China (Objetiva), de 2011, Henry Kissinger analisa a história, a diplomacia e a estratégia chinesas na cena mundial. Artífice da reaproximação entre os Estados Unidos e o “Império do Meio”, durante o governo de Richard Nixon, Kissinger realizou mais de 50 visitas a Pequim e a diversas províncias chinesas, encontrando-se com as principais lideranças que antecederam Xi Jinping, o atual presidente chinês: Mao Zedong, Zhou Enlai e Deng Xiaoping. O ex-secretário de Estado norte-americano previu que a China e os Estados Unidos — uma potência continental e uma potência marítima — travariam uma longa disputa pelo controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocara do Atlântico pelo Pacífico. Até aí, nada demais. A coisa fica perturbadora quando ele mostra que essa disputa reproduziria o embate entre a Inglaterra, uma potência marítima, e a Alemanha, uma potência continental, pelo controle do comércio no Atlântico, o que provocou duas guerras mundiais no século passado. Quais seriam a forma e desfecho desse embate entre os Estados Unidos e a China?

A resposta começou a ser dada em fevereiro de 2012, com um anúncio da Chrysler, no intervalo da Superbowl, a final do campeonato de futebol americano: “As pessoas estão sem emprego e sofrendo… Detroit mostra-nos que dá para sair dessa. Este país não pode ser derrubado com um soco”. Começava ali a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China que agora estamos assistindo. A Chrysler traduzia o sentimento de milhões de norte-americanos que responsabilizavam a China pela perda de seus empregos. A empresa evocava o patriotismo ao dizer que comprar seus carros salvaria os americanos. Colou a tal ponto que a tese embalou a eleição de Donald Trump em 2016.

Ricardo Noblat - Perguntas que Bolsonaro só responde com o silêncio

- Blog do Noblat | Veja

E quem liga?

Acumulam-se há meses perguntas que o presidente Jair Bolsonaro simplesmente se recusa a responder – seja porque não sabe como, seja para não cair em contradição, seja porque poderia se incriminar ou porque prefere que sejam esquecidas. Não serão esquecidas.

Algumas delas:

1. Frederick Wasseff, seu advogado, e também do senador Flávio Bolsonaro, nunca lhe contou que escondia Fabrício Queiroz, finalmente preso em um sítio no interior de São Paulo?

2. Por que Rogéria, à época sua mulher e mãe dos seus três filhos mais velhos, pagou em dinheiro vivo pela compra de um apartamento hoje avaliado em R$ 621,5 mil?

3. Por que ele, Bolsonaro, e sua segunda mulher, Ana Cristina Valle, compraram 14 imóveis no Rio, hoje avaliados em R$ 5,3 milhões, e pagaram uma parte em dinheiro vivo?

4. Por que Queiroz, entre 2011 e 2016, depositou 21 cheques na conta de Michelle, atual primeira-dama, no valor total de R$ 72 mil? E, no mesmo período, Marcia Aguiar, mulher de Queiroz, depositou mais seis cheques no valor total de R$ 17 mil?

Vera Magalhães - O 'e daí?' coletivo

- O Estado de S.Paulo

Brasileiro 'compra' cinismo de Bolsonaro em relação à pandemia

O Brasil é um país resignado diante da morte. Essa é a mais triste constatação dos vários recortes da última pesquisa Datafolha: o “e daí?” cínico de Jair Bolsonaro ecoou e deu a muita gente que não está nem aí com a tragédia em que estamos mergulhados um conforto para continuar agindo com egoísmo e livrando o presidente e os demais governantes de suas responsabilidades no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.

Foram tantos os absurdos impensáveis praticados e ditos por Bolsonaro, chancelados por ministros e ignorados pelo Congresso entre anestesiado, inerte, cúmplice ou aliciado que parecia impossível que a conta não chegasse.

E ela chegou, por alguns meses. Mas bastou Bolsonaro lançar mão de alguns artifícios tão evidentes quanto toscos e manjados para o brasileiro mergulhar num estado de letargia ou negação semelhante aos que, em 2018, nos trouxeram até esse pesadelo.

Para 47% dos brasileiros Bolsonaro não tem nenhuma responsabilidade pelo altíssimo número de mortes por covid-19 no País que deveria governar. Isso a despeito de uma lista de ações e omissões do presidente, de declarações criminosas a incentivos golpistas, passando pela demissão de dois ministros da Saúde no auge da pandemia.

Eliane Cantanhêde - A derrota da realidade

- O Estado de S.Paulo

Se os fatos não correspondem às versões, danem-se os fatos; Bolsonaro agradece

A realidade e os fatos vão para um lado, a popularidade do presidente Jair Bolsonaro vai para o outro, confirmando que a propaganda é a alma do negócio e que o grande desafio dos governantes em processo de reeleição não é dar bons exemplos, agir estrategicamente e tomar as decisões mais adequadas ao País, mas manter um eleitorado cativo, cooptar o indeciso e atacar sem piedade qualquer tipo de opositor.

Não importam os princípios, importa o que bate diretamente no bolso. Não importam os fatos, importam as versões. Os esquemas da família Bolsonaro, de rachadinhas, funcionários fantasmas e do vício de pagar em dinheiro vivo escola, plano de saúde e até apartamentos não têm efeito na popularidade nem na rejeição do presidente. Diminui daqui, soma dali, o resultado é que Jair Bolsonaro continua sendo o único candidato à Presidência em 2022 e está em ascensão.

Também não interessa o desempenho trágico do presidente no combate ao coronavírus, que até aqui matou perto de 110 mil brasileiros. Como não importam o desmanche do Ministério da Saúde, a disparada das queimadas na Amazônia, o desdém pelo meio ambiente, o abandono da Educação, a exclusão da cultura da pauta nacional e a política externa desastrosa. Sergio Moro, Lava Jato e órgãos de combate à corrupção? Já vão tarde. Quem está interessado nisso? Em Polícia Federal? Coaf? Receita? PGR? Só essa mídia “esquerdista”, “petista”, para desmistificar o “mito”. O “povo” tem mais o que fazer e com o que se preocupar.

Hélio Schwartsman - Máscaras ferem a liberdade?

- Folha de S. Paulo

Apesar da defesa da soberania do indivíduo, o princípio do dano remete ao uso da proteção

A direita global busca fundamentar sua oposição ao uso de máscaras e de medidas de distanciamento social numa suposta defesa da liberdade. Para essa turma, as restrições impostas por governos para controlar a pandemia violam o direito do indivíduo de dispor sobre si mesmo. Faz sentido?

Um autor insuspeito de pendores autoritários é John Stuart Mill, que escreveu “On Liberty” (1859), até hoje uma das mais eloquentes defesas da liberdade. Mill não deixava barato: “Na parte que concerne apenas a ele mesmo [o indivíduo], à sua independência, o direito é absoluto. Sobre si mesmo, o seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano”.

Mas Mill não era tolo. Não teve dificuldades para ver que a liberdade, posta em grau superlativo, entraria em choque não só com outros direitos relevantes mas também com as liberdades de outros indivíduos. Impôs, portanto, um limite a essa liberdade: o princípio do dano.

Bruno Boghossian – Bolsonaro aprende a ser populista

- Folha de S. Paulo

Popularidade e aliança com centrão ajudam presidente a manter políticas originais

Jair Bolsonaro enfrentou dois choques de impopularidade depois que chegou ao Palácio do Planalto. O primeiro ocorreu no ano passado, quando ele decidiu brigar com meio mundo para esconder a devastação da Amazônia. O segundo refletiu a condução catastrófica do país na crise do coronavírus.

O vento mudou e a aprovação ao governo subiu, mas o presidente continua o mesmo. Na terça (11), Bolsonaro voltou a brigar com os números e disse que "essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira". A ideia é omitir o aumento de 28% nas queimadas na região e facilitar a derrubada da floresta.

A pandemia também segue sua marcha, diante do mesmo Bolsonaro que menosprezou a doença desde o primeiro dia. Em visita ao Pará na última semana, o presidente se manteve na função de garoto-propaganda da cloroquina e tentou, mais uma vez, se eximir da culpa pelas mortes provocadas pelo coronavírus.

Janio de Freitas – No país dos indigentes

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro é um desastre nacional crescente, até quando levado a um breve alívio da fome dos indigentes

Bolsonaro deve festejar depressa o aumento em sua aprovação de 32% para 37% da população adulta, com a rejeição em queda de 44% para 34%, como detectado pelo Datafolha. A aparência generosa desses números esconde uma situação paradoxal e, pior, crítica para o futuro do próprio Bolsonaro, da economia e da eleição presidencial já em esboços.

É coisa de gaiatos a interpretação bolsonarista de que a melhora reflete satisfação com as alegadas medidas contra a pandemia e com a iniciada reabertura das atividades econômicas. São claríssimos os indicadores da contribuição determinante, para os novos números, do benefício emergencial de R$ 600 mensais, para o qual se inscreveram 40% da população. Aqueles que estão sem ocupação elevaram sua aprovação a Bolsonaro em 12 pontos e diminuíram a rejeição em 9. No quesito ótimo/bom, o índice dos que receberam o benefício mostra-se seis pontos acima dos que não o pediram e cinco pontos acima da média nacional.

No Nordeste, região que se destaca pela reversão de opiniões, os R$ 600 são o único dinheiro disponível no caso de 52%. No geral, mais de metade dos que receberam aquele meio salário mínimo, 53% deles, o usaram para comprar comida. A fome, portanto. Fome sem retórica, verdadeira e cruel, razão incomparável para reverter, como um agradecimento da indigente, a indiferença ou a rejeição antes espontâneas.

Míriam Leitão - Entre cheques, gastos e votos

- O Globo

A semana passou entre eventos polares para o presidente da República. Novos fios envolveram o novelo das suspeitas de corrupção em torno da família Bolsonaro. Os muitos cheques cruzando contas e os pagamentos em dinheiro vivo definem um método de lidar com as finanças que não resiste a qualquer auditoria. No final da semana tumultuada, Bolsonaro pôde comemorar uma melhora substancial na sua aprovação. Isso abrirá mais seus ouvidos para os que o aconselham a ampliar os gastos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, terminou a semana mais fraco.

Um dia depois de ter feito a cena do espelho d’água, Bolsonaro mostrou que suas palavras a favor do teto de gastos não refletiam a realidade. Repetiu o mesmo argumento que o levou a dizer em setembro passado que rever o teto era uma questão matemática. “O piso sobe anualmente.” Depois, passou a desfilar as razões pelas quais as despesas são todas meritórias. Disse que Tarcísio de Freitas, o ministro da Infraestrutura, tem pouco para investir em estradas. “A Defesa, a nossa Defesa, tem cinco projetos estratégicos”, afirmou sobre a pasta de Fernando Azevedo. E, agarrado ainda à profissão que exerceu por apenas 11 anos, disse que lhe perguntam: “Você é militar e esse ministério vai ser tratado dessa maneira?” Depois, defendeu “o nosso querido Marinho”, que também precisa de mais recursos. Um dos projetos, explicou, é água para o Nordeste. Dilma sustentava que despesa é vida e disse que ampliou gastos para pagar o Bolsa Família. Tudo naquela fala de quinta-feira de Bolsonaro lembrou um velho filme cujo final conhecemos. “Aí o Paulo Guedes diz: está sinalizando para a economia, o mercado, que está furando o teto, dando um jeitinho.”

Vinicius Torres Freire – A morte e a sobrevida de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Oposição ficou consternada com o aumento da popularidade presidencial

Muita gente que se opõe a Jair Bolsonaro ficou consternada com o aumento da popularidade presidencial. Não deveria, não tanto, pois havia indícios do que veio, enfim, a ser confirmado pelo Datafolha. Não levou também em conta o fato de que o prestígio de presidentes eleitos não se esboroa facilmente ou pelos motivos desejados pelos oposicionistas.

Os números da pesquisa permitem especular de modo razoável que a melhora da avaliação de Bolsonaro parece se dever a três efeitos: descompressão, pobreza e fatalismo.

O efeito descompressão fica evidente no sentimento declarado de alívio. O Datafolha perguntou se, de forma geral, a situação do coronavírus no Brasil está melhorando ou está piorando. Em fins de maio, a situação melhorava na opinião de 28% e piorava para 65%.

No início deste agosto, melhorava para 46% e piorava para 43%, avaliação constante não importa a classe de renda ou nível de instrução. Nesse intervalo de tempo, o número oficial de mortos passou de 24 mil para 104 mil.

Nessas semanas, pagou-se muito auxílio emergencial, o comércio voltou ao nível de vendas anterior à calamidade, houve reabertura econômica, gente de volta às ruas e disseminou-se algum sentimento de fuga da prisão e de normalidade no desastre.

Albert Fishlow* - A recuperação virá?

- O Estado de S.Paulo

Desigualdade no Brasil só reduz com expansão do acesso à educação de qualidade

Esta tem sido uma semana importante. O acordo entre a Arábia Saudita e o Brasil para começar a discutir relações diplomáticas é um importante passo, especialmente porque permite que o novo governo de Netanyahu recue no confisco de terras previamente anunciadas. Veremos se outros países menores Golfo farão o mesmo.

Em meio à hiperinflação e à renúncia do gabinete libanês, ocorreu uma destruição massiva física e humana em Beirute. Assim como tumultos por todo o país. O Hezbollah, um importante componente governamental, busca se manter livre da crise interna, preocupado com suas ligações com o Irã. As negociações entre o governo da Abissínia e o Talibã estão finalmente prontas para avançar. Isso deve permitir que as tropas americanas se retirem, o que foi, por muito tempo, uma esperança inatingível. Em meio a tudo isso, está o engajamento russo em apoio ao Talibã.

No entanto, apesar dessas notícias positivas na frente internacional, os EUA permanecem paralisados pela pandemia. Os seguidores de Trump desapareceram progressivamente diante do aumento total de mortes pelo novo coronavírus e, poucos dias antes, pela escolha de Kamala Harris como companheira de chapa de Biden. A incapacidade de Trump de entregar uma recuperação econômica em formato de V e conseguir o retorno total da frequência escolar dos alunos tornou-se mais certa.

Dorrit Harazim - O fator Kamala

- O Globo

Biden precisa dela para seu projeto de arrancar o país da era Trump

Que ninguém se engane: a indicação de Kamala Harris como vice do candidato democrata Joe Biden, que em novembro próximo disputa a Presidência com Donald Trump, é coisa grande. Não por ter sido surpresa — Harris sempre esteve entre as primeiras da lista de 11 finalistas sabatinadas para o cargo. É coisa grande por abrir caminho, algum dia e com séculos de atraso, a um autorretrato mais verdadeiro da sociedade americana em acelerada mutação.

Para Donald Trump e sua América nostálgica dos anos 1950, a indicação da senadora multirracial é desconcertante. Por um lado, fica difícil acenar com o fantasma do crime e caos urbano dominarem o país em caso de vitória democrata. O currículo de Harris, quando procuradora-geral da Califórnia, foi notoriamente durão — demais, até, para muitos jovens negros da época. Trump também não irá muito longe com seu bordão apocalíptico de uma “América comunista”, dado que Harris nunca foi da ala mais radical/progressista do Partido Democrata. Por fim, acusar a adversária de chapa, abertamente, de ser mulher, negra e de ascendência asiática, pode ser arriscado demais. Trump até tentou, em entrevista à rádio Fox Sports. Sugeriu que “algumas pessoas” diriam que “homens” poderão se sentir “insultados” com a indicação de uma mulher — tudo em fraseado indireto e no condicional, não atribuível a ele.

Kamala, como a candidata a vice prefere ser identificada em campanha, encarna tudo o que desestabiliza a escassa autoconfiança do ocupante da Casa Branca. Ela sabe quem é e domina o poder que deriva desse autoconhecimento. É debatedora afiada, capaz de desconcertar pesos pesados como o ex-ministro da Justiça Jeff Sessions e o ministro do Supremo Brett Kavanaugh, em sabatinas no Congresso. Foi impiedosa com o próprio Biden no primeiríssimo debate entre a plêiade de candidatos à indicação democrata, o que lhe valeu críticas de deslealdade partidária.

Geração lockdown – Editorial | O Estado de S. Paulo

Poder público brasileiro ainda está devendo um planejamento mais integrado para mitigar o impacto da crise sobre os jovens

A pandemia, por definição, impacta todos os países e todas as pessoas. Mas ela exige políticas especiais para os grupos de risco. Tal como os idosos são mais vulneráveis do ponto de vista sanitário, do ponto de vista econômico os mais ameaçados são os jovens. “O impacto sobre os jovens é sistemático, profundo e desproporcional”, alerta um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que mensura os efeitos da crise sobre os empregos, educação, saúde mental, direitos e ativismo social daquela que está sendo chamada de “geração lockdown”. O impacto “foi particularmente duro para as jovens mulheres, os jovens mais novos e a juventude nos países de baixa renda”.

Um em seis jovens (entre 18 e 29 anos) relata ter sido obrigado a interromper o trabalho. A interrupção foi mais frequente entre os mais novos, assim como aqueles ocupados em serviços, escritórios e vendas. Os jovens relatam uma perda média de 23% nas horas de trabalho e 42% na renda. As reduções foram mais frequentes e severas em países pobres.

Nome aos bois – Editorial | Folha de S. Paulo

Para 49%, Brasil não fez o preciso na pandemia; 47%, não veem culpa de Bolsonaro

Para 43% dos eleitores, o presidente Jair Bolsonaro teve desempenho ruim ou péssimo na gestão da pandemia de Covid-19, segundo a mais recente pesquisa Datafolha. Entretanto nem tal juízo nem as atitudes e palavras do presidente durante a calamidade levam a maioria dos brasileiros a atribuir a ele a responsabilidade pela tragédia.

Conforme a sondagem, 47% consideram que o mandatário não tem culpa nenhuma pelo espalhamento da doença, que já havia resultado em quase 104 mil mortes no período das entrevistas. Outros 41% avaliam que ele é um dos culpados, mas não o principal; apenas 11% o apontam como o maior culpado.

A opinião dos brasileiros quanto à conduta do presidente na crise melhorou desde junho, quando a reprovação atingia 49%. Parece plausível que a reabertura de atividades e a relativa melhora da economia —que chegou ao fundo do poço em abril— tenham influenciado o humor nacional. Ainda assim, cabe ponderar os números.

A benevolência com as autoridades se estende aos governadores, que para 55% não são responsáveis pelo avanço do novo coronavírus.

Supremo precisa esclarecer suspeita de espionagem – Editorial | O Globo

Governantes não têm o privilégio do mistério. Os governados é que têm o direito à transparência

É notável o esforço do governo Jair Bolsonaro para impor mistério sobre as próprias ações, atropelando a legislação e os sistemas instituídos que garantem à sociedade plena visibilidade às decisões de Estado e aos atos dos agentes públicos.

Assiste-se, agora, a nova tentativa de legitimar uma inaceitável “democracia da ignorância”, na adequada definição introduzida pela ministra Cármen Lúcia no léxico do Supremo. O governo entra em rota de colisão com o STF e com o Congresso, ao se recusar a dar transparência devida no caso da suspeita de espionagem no Ministério da Justiça sobre um grupo de 579 servidores públicos.

A insistência no sigilo confronta o modo republicano de administrar o Estado e o direito ao escrutínio social. Mais grave é que, desta vez, o governo exibe desconfiança no Supremo.

Em resposta à ordem da Corte para apresentação de documentos, relevantes para esclarecer a suspeita de espionagem, o Ministério da Justiça alegou que “a mera possibilidade” de exame das suas informações “por outros atores internos da República — ainda que, em princípio, circunscrito ao âmbito do STF — já constitui circunstância apta a tisnar a reputação internacional do país”. Absurdo.

Acrescentou que “no cenário interno, não seria menos catastrófico abrir o acesso ao Judiciário a relatórios de inteligência”. Instou o Supremo à “parcimônia”, “sensibilidade” e “autocontenção”, sugerindo deixar o caso com o Legislativo, onde nasceu o recurso ao STF. Aparentemente, o órgão chefiado pelo ministro André Mendonça se vê como instância superior à autoridade constitucional.

Música | Zeca Baleiro - Tu não sabes

Poesia | Fernando Pessoa - Gostava

Gostava de gostar de gostar.
Um momento... Dá-me de ali um cigarro,
Do maço em cima da mesa de cabeceira.
Continua... Dizias
Que no desenvolvimento da metafisica
De Kant a Hegel
Alguma coisa se perdeu.
Concordo em absoluto.
Estive realmente a ouvir.
Nondum amabam et amare amabam (Santo Agostinho).
Que coisa curiosa estas associações de idéias!
Estou fatigado de estar pensando em sentir outra coisa.
Obrigado. Deixa-me acender. Continua. Hegel...