terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Supremo com a lei

- O Globo

Não seria a primeira vez em que o Supremo Tribunal Federal interpretaria a Constituição alargando seu alcance, mas seria a segunda em que as palavras teriam seu sentido tão alterado, transformando o “não” em “sim”. Na primeira vez, não foi o sentido de uma palavra, mas a inclusão de uma não existente no texto constitucional que mudou sua aplicação, livrando a presidente impedida Dilma Rousseff da perda dos direitos políticos.

O ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo, no comando da sessão do Senado, fez uma leitura criativa do Artigo 52 da Constituição, que é explícito em seu parágrafo único: “Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

Lewandowski permitiu a votação separada do impeachment e da perda dos direitos políticos, como se um “e” metafórico separasse as duas punições, que para o legislador era uma apenas. Coube aos eleitores mineiros corrigir a decisão, não elegendo a ex-presidente na eleição seguinte.

Desta vez, coube ao ministro Gilmar Mendes encontrar uma interpretação diferente para o parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição que determina ser “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. O ministro tem alguns pontos válidos. É preciso compatibilizar a permissão de reeleição nos Executivos federal, estadual e municipal com o Legislativo. Também é necessário dar ao Legislativa espaço para “conformação organizacional” que garanta a independência entre os Poderes.

Míriam Leitão - Um perigo imprevisto

- O Globo

O debate sobre a sucessão no Congresso criou para o Brasil um estranho e perigoso momento. A posição certa foi a que prevaleceu, felizmente, porque não é preciso ser um jurista para saber o que significa a palavra “vedado”. E desrespeitar a Constituição é um caminho sem volta. O problema é que cinco ministros acharam que era possível outra interpretação que não a que permite a literalidade da lei. O novo ministro Kassio Nunes fez um contorcionismo no seu voto para deixá-lo sob medida para o que o presidente da República queria.

O primeiro erro de todo esse debate está na consulta ao Supremo Tribunal Federal (STF) para interpretar um artigo que não tinha qualquer ambiguidade, não era passível de interpretação porque era autoexplicativo. Se procuraram o STF é pelo excesso de judicialização da política, como alertou o presidente do Supremo no seu voto.

Houve um momento em que se dizia que o STF consideraria o assunto interna corporis e um novo mandato para os presidentes das duas Casas seria possível com apenas uma mudança regimental. Felizmente, essa horripilante ideia foi afastada. Afinal, se um regimento interno pudesse mudar a Constituição o Brasil estaria no pior dos mundos.

Luiz Carlos Azedo - Regresso em marcha forçada

- Correio Braziliense

O desmonte das políticas públicas voltadas para os direitos humanos está em pleno curso, mas é uma contradição com as necessidades imediatas dos brasileiros

Na sua primeira e única visita ao Jardim Botânico, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles — o homem que conduz as boiadas do desmatamento, das queimadas e das demais agressões ao meio ambiente — anunciou a intenção de transformar o Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, num hotel-boutique, espécie de pousada de alto luxo, acessível apenas aos mais privilegiados. O cara tem uma mentalidade mais atrasada do que a do D. João VI, o rei português que fugiu de Napoleão Bonaparte para o Brasil e mandou criar a instituição, nos idos de 1808, ou seja, mais de 212 anos atrás, com objetivo de aclimatar e cultivar especiarias e árvores exóticas, entre as quais, palmeiras imperiais, nogueiras, mangueiras, jaqueiras e cravos-da-Índia, que vieram do Oriente, das Ilhas Maurício a Macau.

Mal sabe o ministro: os cariocas têm apego àquele espaço privilegiado nas bordas da Lagoa Rodrigo de Freitas e ao pé da Serra do Mar, polo irradiador da cultura ecológica de suas crianças e adolescentes, parte integrante da memória afetiva da cidade; e da importância científica de suas pesquisas e do seu acervo, que preserva 7,5 mil espécies em pé, um herbário com 600 mil amostras e a maior biblioteca de botânica do país, com 32 mil volumes. Como a arrogância de Ricardo Salles não tem limites, ficamos imaginando: até onde vai essa sanha regressista em marcha forçada? O governo Bolsonaro se comporta como se estivesse no antigo regime militar (1964-1985) e não tivesse que dar satisfações a ninguém.

Ricardo Noblat - Enquanto o vírus avança, Bolsonaro e Michelle expõem roupas que usaram

- Blog do Noblat | Veja

A nova atração do Palácio do Planalto

Na quarta-feira 7 de dezembro de 2020, ano da peste que assolou o planeta no início do século XXI matando mais de 1.532 mil pessoas e infectando pouco mais de 66 milhões, o excelentíssimo senhor presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, em cerimônia no Palácio do Planalto, inaugurou com a pompa que tal momento exigia a exposição do terno completo que usou no dia da sua posse em 1º de janeiro de 2018, bem como o vestido que na ocasião portava Michelle de Paula Firmo Reinaldo, sua mulher.

O evento não constava da agenda do presidente. Passou a constar por exigência de Michelle. Diante de seis ministros e de funcionários do governo mobilizados às pressas, Michelle discursou com direito a transmissão ao vivo pela TV estatal: “Um dia memorável, né? Um dia memorável para a Nação”. Depois dela, falou a estilista Marie Lafayette, autora do vestido, uma carioca que afrancesou o próprio nome depois de um curso de alta costura que fez em Paris. O sonho de Marie Lafayette é vestir a Rainha da Inglaterra.

Eliane Catanhêde - Seringas vazias?

- O Estado de S.Paulo

Risco de aparelhamento de Saúde e Anvisa é o Brasil e você, brasileiro, ficarem sem vacina

Depois de duas semanas de férias, a coluna volta com uma dúvida: os generais MourãoFernandoHelenoBraga NettoRamos Pujol vão permitir que o presidente Jair Bolsonaro aparelhe a Anvisa e deixe o Brasil ser pego de calças curtas e seringas vazias? E que você, brasileiro, não seja vacinado?

Mesmo bolsonaristas renitentes, que negam a realidade e se recusam a ver o que está acontecendo, começam a se preocupar. Bolsonaro chegaria a tanto? Como ele ultrapassa todos os limites, o tempo todo, a resposta é preocupante: sim, e ele já se mostrou capaz de priorizar suas guerrinhas políticas em detrimento da vacina.

Uma coisa é dar de ombros para parceiros internacionais, Amazônia, Cultura, Meio Ambiente, Educação e até mesmo, por incrível que pareça, Saúde. Isso tudo pode parecer “abstrato” e “distante”, acionando o “não tenho nada a ver com isso”. Mas quando se trata de vacinas, é algo objetivo, direto, nem bolsonarista resiste.

Vera Magalhães – Supremo expõe culpa de Maia

- O Estado de S. Paulo

 A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia.

É falacioso e perigoso o argumento segundo o qual a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ao ler a Constituição (não há que se falar de interpretação quando um dispositivo é tão literal quanto a sentença “Ivo viu a uva”) de proibir a reeleição da dupla Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) ajudou Jair Bolsonaro. Diferentemente da eleição municipal, na qual resolveu colocar todas as suas digitais, até aqui o presidente joga parado na disputa pelo Congresso, que tem muito mais implicações para ele do que a anterior. O presidente não interferiu ali (nem tem interlocutores com abertura para isso neste momento).

A decisão de Gilmar Mendes de retorcer o princípio da reeleição era um arranjo que tinha Rodrigo Maia como beneficiário e um certo arranjo pensado de maneira torta para equilibrar as forças políticas para 2022. Ele contava para isso com uma aliança ocasional com ministros pelos quais tem profundo desprezo, mas que esperava que votassem pelo antibolsonarismo, como Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux. A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia, que hesitou em organizar o grupo que está ao redor de si desde a queda de Eduardo Cunha e, ao sinalizar que iria para o tapetão, jogou o Centrão no colo do presidente, lá atrás, e desorganizou a própria sucessão, deixando de ser o protagonista dela.

Carlos Melo* - Nada justificaria “casuísmos do bem”

- O Estado de S. Paulo

Instituições não podem depender de uma única pessoa

É verdade que Rodrigo Maia teve importante atuação nesses quase dois anos de governo Bolsonaro. Mais que seu colega de Senado Federal, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara se contrapôs à penca de desatinos e desventuras em série vindos do presidente da República e de seus ministros. Em muitos momentos, Maia personificou o “sistema de freios e contrapesos”.

Também são conhecidas as intenções de Jair Bolsonaro: retirar Maia de seu caminho e eleger presidente da Câmara um aliado que lhe sirva a ele no objetivo único da reeleição. E assim deixar “tudo dominado”, aparelhando o Legislativo como busca fazer com outros órgãos de Estado.

Hélio Schwartsman - Venceu a Constituição

- Folha de S. Paulo

Intervenções na Constituição devem ser eventos raros

Era claro como o dia que o STF não deveria ter liberado a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, como pareceu que faria. O veto constitucional à recondução dos chefes do Poder Legislativo numa mesma legislatura é expresso (art. 57, § 4) e não vejo necessidade jurídica de relativizar a norma, que, de fato, não é nenhuma maravilha. Mas caberia aos próprios legisladores eliminá-la ou reformulá-la, através de uma emenda constitucional. Fora disso, entramos no terreno do casuísmo deslavado.

É preciso, porém, cuidado para não cair no extremo oposto ao do relativismo constitucional e advogar por uma versão tupiniquim do originalismo norte-americano, segundo o qual a Carta precisa ser sempre lida literalmente e de acordo com o significado que os termos tinham à época em que ela foi elaborada.

José Casado - Primeira vítima

- O Globo

Bolsonaro avança no campo minado do Congresso

Era uma luta de facas no escuro. Acabou domingo, quando um Supremo em autocombustão impediu a tortura da Constituição para extrair o contrário daquilo que ela diz.

Agora, é guerra aberta pelo domínio do Congresso. Vencedores na Câmara e no Senado terão poder decisivo sobre as votações, além de influência na disputa presidencial de 2022.

Quem comandar a Câmara terá nas mãos o destino da pilha de pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro. No Senado, decidirá a sorte de processos contra parlamentares, como Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e ministros do STF.

Carlos Andreazza - O garantismo de rebolação

- O Globo

Cinco ministros da corte constitucional brasileira se sentiram à vontade para depredar o texto que deveriam guardar

Não tenhamos dúvida de que a pressão da sociedade foi decisiva para que o Supremo votasse contra o golpe urdido — dentro do Supremo — para autorizar a reeleição dos comandos de Senado e Câmara numa mesma legislatura. Matou-se a pretensão golpista de Davi Alcolumbre, mas não sem que aqui se reforce a vergonha de um presidente de Poder que abandona o mandato vigente para costurar uma presidência futura, ademais interditada por lei. Ceifou-se também a chance de Rodrigo Maia surfar a onda.

Não há o que comemorar, porém. Cinco dos 11 ministros da corte constitucional brasileira se sentiram à vontade para — distorcendo a semântica — depredar o texto que deveriam guardar. Cinco dos 11 ministros, alguns dos quais considerados garantistas, não se acanharam em expor o molejo oportunista do garantismo de rebolação hoje havido no STF.

Rebolam todos, entretanto. Ou quase todos. Muitos dos que agora se impuseram como originalistas — protetores do que versa a palavra constitucional — sendo os que, no ano passado, contorceram o verbo para encontrar na Constituição brecha que encaixasse a prisão após condenação em segunda instância. Não faltam exemplos outros.

Bernardo Mello Franco - Um Odorico no Planalto

- O Globo

A Sucupira de Odorico Paraguaçu ressurgiu na Brasília de Jair Bolsonaro. Ontem o presidente promoveu uma solenidade para exibir o terno que vestiu na posse. A cerimônia reuniu seis ministros e foi transmitida ao vivo na TV estatal.

“Um dia memorável, né? Um dia memorável para a nação”, discursou a primeira-dama Michelle. Ela festejava a inauguração de dois manequins com os trajes usados no Rolls-Royce presidencial.

“Fiquei muito feliz de presentear essa pessoa maravilhosa que é a Michelle”, derramou-se a estilista Marie Lafayette, responsável pelo vestido da primeira-dama. Convidada a falar, ela disse ter trabalhado “com muito amor” e descreveu a cliente como uma “pessoa iluminada”. Com uma propaganda dessa, seria difícil ouvir algo diferente.

Joel Pinheiro da Fonseca – Um presidente antivacina

- Folha de S. Paulo

 Esperar uma conduta digna e racional do presidente virou utopia

Imagine um país no qual a descoberta de uma vacina salvadora para a pior epidemia do século contasse com o apoio do presidente, e não com a sabotagem ativa de seu governo e da rede de bajuladores profissionais. Sim, estou ousado na utopia.

Lá atrás, no início da pandemia, Jair Bolsonaro e João Doria fizeram cada um a sua aposta de vacina: um no consórcio da Fiocruz com a AstraZeneca, o outro no do Butantan com a Sinovac.

Não tinha como saber qual ficaria pronta antes; era questão de sorte. Calhou de ser a vacina de SP, que está mais avançada no processo de testagem.

Era natural de se esperar que aquela que ficasse pronta antes traria algum ganho ao político que nela apostou. Isso é do jogo. O governo Bolsonaro tinha, ademais, a faca e o queijo na mão para partilhar com Doria os louros dessa vitória. O ministro da Saúde até tentou fazer seu trabalho: negociou a compra de doses da Coronavac pelo governo federal (desde que ela fosse devidamente testada e aprovada) e já apontava a direção: ela seria a vacina do Brasil, não de um estado específico.

Pedro Fernando Nery* - Piores elites do mundo

- O Estado de S. Paulo

Brasil aparece atrás de México, Rússia, Índia e até de países como Casaquistão

Brasil teria a 6.ª pior elite entre 32 países. Em ranking de qualidade das elites mundiais – liderado por CingapuraSuíça e Alemanha –, o Brasil aparece atrás do México, da Rússia, da Índia e até de países como CasaquistãoArábia Saudita e Botswana (embora na frente da Argentina). O Índice de Qualidade das Elites foi veiculado em relatório recente dos economistas Tomas Casas e Guido Cozzi (Fundação para a Criação de Valor). O que ele explica sobre o nosso País e como se relaciona com a agenda de reformas?

Os autores definem elites como grupos pequenos e coordenados, capazes de acumular riqueza, e que seriam uma “inevitabilidade empírica” – presentes em todas as sociedades. Um índice alto significaria que a elite do país cria mais valor do que captura, contribuindo para o crescimento econômico e o desenvolvimento humano. Já nos países com índices baixos as elites teriam desenhado instituições mais “extrativas”. Grosso modo, a questão é se, na acumulação de sua riqueza, a respectiva elite beneficia a sociedade ou dela se beneficia.

O relatório bebe em conceitos dos economistas Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Chicago), do best-seller Por que as Nações Fracassam, mas em particular do livro mais recente da dupla, The Narrow Corridor (ainda sem tradução). Acemoglu e Robinson explicam o desenvolvimento dos países pela qualidade de suas instituições (regras informais ou formais, como leis, que regem o funcionamento da sociedade). Resumidamente, essas instituições podem ser inclusivas ou extrativas. No último caso, a riqueza do país é extraída pela sua elite – que por sua vez concentra seus esforços e recursos não em ser produtiva, mas em conquistar favores e privilégios. Essa postura que visa à renda improdutiva é expressa no termo rent-seeking, traduzido como caça às rendas ou rentismo.

Ana Carla Abrão* - Primazia

- O Estado de S. Paulo

Cansa constatar que nossas instituições seguem voltadas para si e não para o País

Brasil cansa. Cansa muito. Duas notícias da última semana dão o tom das nossas dificuldades e de quão arraigados estão conceitos injustos, sempre travestidos de direitos. A primeira se refere a um suposto pleito por parte dos promotores de Justiça para que fossem considerados prioritariamente na fila de vacinação contra a covid-19. A segunda trata de uma decisão em caráter liminar da ministra Rosa Weber, que afasta punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para o Estado do Espírito Santo.

A primeira, embora conste em ata de uma reunião do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), foi desmentida assim que começaram as reações de indignação nas redes sociais. Defendido sob o argumento de que os nobres promotores “trabalham com audiências, atendimento ao público e outras atividades em que o contato social é extremamente grande e faz parte do nosso dia a dia”, o pleito de priorização na fila de vacinação contra a covid-19 buscou logo afastar a pecha de egoísmo.

Pedro Cafardo - Populismo e terrorismo na polarização fiscal

- Valor Econômico

Paulo Guedes é cobrado por não cumprir promessas

Dilma Rousseff deve estar rindo e não à toa. Ela foi acusada em 2015 de cometer estelionato eleitoral, com certa razão, e agora assiste de camarote o pessoal do atual governo provar do mesmo veneno. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem sendo ferozmente criticado por executivos do mercado financeiro por não articular um plano para resolver a questão fiscal.

O próprio presidente do Banco Central fez, dias atrás, cobrança indireta a Guedes, dizendo que o país precisa de um plano que dê clara percepção aos investidores de que está preocupado com a “trajetória da dívida”.

A expressão acima não está entre aspas por acaso. Ela é fundamental no pensamento fiscalista dominante, diariamente repetido por economistas. Considera-se que, com a dívida bruta se aproximando de 100% do PIB, o país enfrentará um período dramático, porque perderá a confiança dos investidores e, sem esses recursos, não terá como reativar a economia.

O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, discorda dessa opinião quase consensual no universo financeiro. Ele considera a preocupação com a confiança dos investidores infundada, porque em várias ocasiões na história, principalmente após guerras ou catástrofes, inúmeros países tiveram dívidas maiores que o PIB. E mesmo em situações normais, muitos mantêm até hoje esse nível, entre eles Estados Unidos, Itália e Japão.

Maria Clara R. M. do Prado* - Uma proposta esdrúxula

- Valor Econômico

É função do Estado evitar catástrofes maiores que comprometam a segurança

Em artigo publicado neste jornal no dia 02 de dezembro último, o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira propôs que os investimentos públicos em projetos de infraestrutura sejam financiados com emissão de moeda pelo Banco Central, na base de 5% do PIB por ano. Seria, segundo ele, uma alternativa para contornar a dificuldade do governo em gerar poupança, algo que se arrasta desde a década de 80, e tirar o país da estagnação econômica.

Bresser deixa claro que sua ideia extrapola o caráter emergencial dos gastos extraordinários necessários para aliviar o impacto negativo da covid-19 na economia. O uso de emissão monetária para financiar investimentos, conforme imaginado por ele, ganharia status permanente no arcabouço das políticas governamentais, com inscrição na Constituição da República e previsão no orçamento federal.

Não seria, portanto, algo passageiro. Uma agência ou órgão, cujo formato não se conhece ainda muito bem, emitiria títulos atrelados a projetos de infraestrutura, papéis esses que receberiam financiamento monetário do BC. Alguns aspectos foram discutidos no seminário de economia da FGV realizado no mesmo dia 02 entre Bresser-Pereira e o coautor da proposta, Nelson Marconi, com a participação, em total sintonia, de André Lara-Resende, que tem defendido o uso da emissão monetária para financiar gastos públicos. A premissa é de que a inflação está baixa, sob controle, e permanecerá assim por muitos e muitos anos até que a economia volte a ser pressionada pelo excesso de demanda.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Decisão do STF reafirma sua independência – Opinião | O Globo

Não foi a circunstância política que determinou a derrota da proposta de reeleição de Alcolumbre e Maia

O Supremo surpreendeu aqueles que esperavam que referendasse a reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, ambos do DEM, à presidência das duas Casas do Congresso. Embora ministros possam mudar de voto até dia 14 se quiserem, a maioria de seis votos a cinco já afirmou preferir a interpretação literal do artigo 57 da Constituição. O texto não parece deixar margem a dúvida ao estabelecer que Câmara e Senado, a partir de 1º de fevereiro do primeiro ano de uma nova legislatura, devem escolher e empossar os parlamentares que comporão as respectivas Mesas, para mandato de dois anos, “vedada recondução para os mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente”. Mesmo assim, havia outras interpretações.

O ministro Gilmar Mendes, relator da ação do PTB contra a reeleição, entendeu que ela poderia ser estabelecida por um ato regimental do próprio Congresso — favorecendo um novo mandato a Maia e Alcolumbre. Considerou também que, a partir da próxima legislatura, deveria valer o mesmo princípio que vigora no Executivo desde 1997, quando foi aprovada a emenda que estabeleceu a reeleição do presidente da República por um único mandato. O ministro Nunes Marques sugeriu que esse princípio deveria valer desde já (solução que permitiria a recondução de Alcolumbre, mas não a de Maia, agastado com o Planalto).

Depois que os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Nunes Marques — este, em parte — e Alexandre de Moraes haviam seguido o relator, a maioria decidiu no final, com o voto do presidente da Corte, Luiz Fux, que se somou aos de Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, que, se quiser reeleger seus comandantes, o Congresso precisa emendar a Constituição para permiti-lo, sem lançar mão daquilo que Fux chamou de “atalho” ao Judiciário.

Música | Mariana Aydar convida Roberta Sá

 

Poesia | Joaquim Cardozo - Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.