Usar multidão contra a Justiça mostra que Bolsonaro não muda
O Globo
Não é tolerável numa democracia que
ex-presidente use sua força política para atacar investigação sobre golpe
Alvo de investigação da Polícia Federal sobre
tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair
Bolsonaro liderou uma gigantesca manifestação na Avenida
Paulista, em São Paulo, no domingo. Quarteirões ficaram lotados com
manifestantes vestindo camisas amarelas. Caravanas de ônibus chegaram de todo o
país. Havia veículos de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e
Pernambuco. A estratégia era evidente desde antes do ato: usar as ruas para
tentar proteger Bolsonaro da Justiça. Isso ficou explícito quando o próprio
Bolsonaro, microfone em mãos, afirmou querer “passar uma borracha no passado”.
As suspeitas sobre Bolsonaro, ministros e
apoiadores são graves. Elas devem ser investigadas a fundo e, comprovada culpa,
a punição deve ser severa. Tramar para subverter a vontade expressa pelo voto
popular é o crime mais grave numa democracia. “Passar uma borracha”, como quer
Bolsonaro, tornaria mais provável um novo plano de golpe no futuro. Seria
também um ataque intolerável à noção, basilar numa democracia, de que todos são
iguais perante a lei. Quem consegue atrair multidões para manifestações deve receber
o mesmo tratamento dado a qualquer suspeito. Não dá para aceitar esse
subterfúgio para pressionar a Justiça.
A demanda por anistia chegou ao absurdo quando Bolsonaro admitiu a existência do documento conhecido como “minuta do golpe”. “Agora, o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência”, disse Bolsonaro. Na versão dele, o rascunho de decreto encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, instalando Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), era inofensivo. Nada mais longe da verdade. O objetivo da minuta era mudar o resultado das eleições de 2022, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva. De constitucional, não tinha nada. A partir da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a PF investiga os indícios de que o ex-presidente tenha participado da redação final do texto.