terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Usar multidão contra a Justiça mostra que Bolsonaro não muda

O Globo

Não é tolerável numa democracia que ex-presidente use sua força política para atacar investigação sobre golpe

Alvo de investigação da Polícia Federal sobre tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro liderou uma gigantesca manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, no domingo. Quarteirões ficaram lotados com manifestantes vestindo camisas amarelas. Caravanas de ônibus chegaram de todo o país. Havia veículos de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Pernambuco. A estratégia era evidente desde antes do ato: usar as ruas para tentar proteger Bolsonaro da Justiça. Isso ficou explícito quando o próprio Bolsonaro, microfone em mãos, afirmou querer “passar uma borracha no passado”.

As suspeitas sobre Bolsonaro, ministros e apoiadores são graves. Elas devem ser investigadas a fundo e, comprovada culpa, a punição deve ser severa. Tramar para subverter a vontade expressa pelo voto popular é o crime mais grave numa democracia. “Passar uma borracha”, como quer Bolsonaro, tornaria mais provável um novo plano de golpe no futuro. Seria também um ataque intolerável à noção, basilar numa democracia, de que todos são iguais perante a lei. Quem consegue atrair multidões para manifestações deve receber o mesmo tratamento dado a qualquer suspeito. Não dá para aceitar esse subterfúgio para pressionar a Justiça.

A demanda por anistia chegou ao absurdo quando Bolsonaro admitiu a existência do documento conhecido como “minuta do golpe”. “Agora, o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência”, disse Bolsonaro. Na versão dele, o rascunho de decreto encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, instalando Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), era inofensivo. Nada mais longe da verdade. O objetivo da minuta era mudar o resultado das eleições de 2022, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva. De constitucional, não tinha nada. A partir da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a PF investiga os indícios de que o ex-presidente tenha participado da redação final do texto.

Merval Pereira - Sinal de alerta

O Globo

Infelizmente, dependemos do surgimento de um líder equilibrado e popular para colocar o trem no trilho novamente

Há dois aspectos a analisar em relação à manifestação bolsonarista de domingo na Avenida Paulista. O primeiro, mais superficial, é a tentativa de escapar de punições pela marcha golpista que culminou com a invasão da Praça dos Três Poderes em janeiro de 2023. Não há nenhuma razão para que seja levada a sério. A pressão popular não tem força para paralisar a investigação em andamento, já praticamente encerrada com a definição de um quadro claro de frustração de um golpe de Estado.

Havia o temor de que a prisão de Lula, depois de condenado por duas instâncias da Justiça, como rezava a lei na ocasião, pudesse levar a um confronto, e nada aconteceu. Nada acontecerá também com uma eventual prisão de Bolsonaro.

O outro aspecto, esse mais profundo, é a resiliência de uma liderança radicalizada de extrema direita, apesar de tudo o que aconteceu no país desde que o capitão chegou ao poder por circunstâncias alheias a suas capacitações.

Míriam Leitão - A encrenca que o ato não resolve

O Globo

Bolsonaro mostra que consegue levar um grande público às ruas, mas não é com aglomeração que ele se livrará das contas que têm que prestar à Justiça

O ex-presidente Jair Bolsonaro pretendia com a convocação de seus seguidores para a Paulista ter uma “fotografia”, como disse. Demonstrou que consegue levar muita gente para a rua e isso já se sabia. Contudo, não é de mais uma aglomeração que ele precisa. Bolsonaro tem que saber como responder a todas as dúvidas sobre a tentativa de golpe de estado que ele conduziu. Ele produziu contra si abundantes provas. Essa é a encrenca que a manifestação não resolve. No ato, ele acabou comentando o que alegava desconhecer, a minuta do decreto golpista. O ex-governante disse que aquele documento não era golpe, apenas previa estado de sítio, estado de defesa, convocação do conselho da República. Tudo previsto na Constituição, como ele disse. No final, isso o complica um pouco mais na investigação da Polícia Federal.

Com a fotografia ele queria, claro, ameaçar quem tem a responsabilidade de pedir e determinar sua prisão. Esse era o objetivo, mostrar que ele tem o povo ao lado dele. Não surtirá efeito. O que precisa agora é ter bons argumentos para os seus interrogatórios, boas defesas para os processos aos quais responde e responderá pelos crimes que cometeu. Bolsonaro não falou diretamente contra o ministro Alexandre de Moraes e terceirizou esse papel para Silas Malafaia, que distorceu a história recente do país.

Luiz Carlos Azedo - Ato pró-Bolsonaro mostra sua resiliência política

Correio Braziliense

Bolsonaro foi cauteloso, num ano de eleições municipais, para não se isolar politicamente. Muito mais do que por temor a uma eventual prisão, que agora o transformaria em vítima

Há controvérsias sobre o número de participantes do ato em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, domingo, na Avenida Paulista. O Palácio dos Bandeirantes, por meio da Secretaria de Segurança Pública, inflacionou os números para 600 mil pessoas, chegando a 750 mil se incluídas as ruas adjacentes. Imagens da multidão de apoiadores são usadas nas redes sociais de Bolsonaro para corroborar essa avaliação. O Monitor do Debate Político Digital da USP, grupo de pesquisa que o cientista político Pablo Ortellado coordena, também utilizando imagens e inteligência artificial para identificar as cabeças dos participantes, apontou a presença de 185 mil. Mesmo assim, é muita gente.

Essa é diferença é importante para avaliar o grau de mobilização dos bolsonaristas que vestem amarelo, mas o problema para o governo Lula são os que não se vestem de “patriotas” nem estavam lá, mas apoiam Bolsonaro e também avaliam que o fato de estar sendo investigado em razão do 8 de janeiro de 2023 é uma perseguição política. O objetivo do ato claramente foi demonstrar apoio ao ex-presidente, que, na semana passada, prestou depoimento à Polícia Federal (PF) e permaneceu calado, como os generais Walter Braga Netto e Augusto Heleno, ex-ministros do seu estado-maior na Presidência.

Andrea Jubé - Do batismo ao trio, Bolsonaro recorre à religião

Valor Econômico

Governo Lula e a esquerda precisam reagir com uma resposta com teor religioso, mas em esferas distintas

Quem não se lembra da cena? Era agosto de 2016, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff caminhava para o fim, o PT agonizava, e o então deputado federal Jair Bolsonaro se deixou batizar no rio Jordão, em Israel, pelo pastor Everaldo Pereira, de uma das ramificações da Assembleia de Deus. Tudo registrado pelas câmeras, e depois replicado nas redes sociais.

Além de religioso, Everaldo também era presidente nacional do PSC, ao qual Bolsonaro era filiado. Na ocasião, o deputado fluminense já percorria o país como pré-candidato à Presidência, e tentava criar laços com o público evangélico.

Meses depois, Bolsonaro trocou o PSC pelo PSL, e se elegeu presidente. Em 2020, o pastor Everaldo foi preso, acusado de corrupção na área de saúde, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - na mesma operação, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, também do PSC, perdeu o cargo. Everaldo foi solto um ano depois, tornou-se vice-presidente do Podemos, e o resto é história.

Carlos Andreazza - Vestiu a toga e foi à missa

O Globo

Não houve festa. Não daquelas, pagas por associações de magistrados, em que o empossado canta para empresário que tem pendências no Supremo. Flávio Dino vestiu a toga e foi à missa.

Posse discreta; não livre — Deus sempre vendo — de prévia reunião VIP. Modalidade de folia petit comité. Há imagens. Daniela Lima, da GloboNews, documentou. Numa sala contígua ao plenário, ministros em rodinhas com enrolados cujo foro é o STF.

Posse discreta e concorrida, não convidado o comedimento, ausente a impessoalidade, barrada a prudência.

Estava lá, num dos bolinhos, sorridente, com o sorridente imperador do Senado Davi Alcolumbre, o ministro Juscelino Filho, deputado pelo Maranhão, cujas remessas de emendas a municípios do estado estão sob investigação. O maranhense Dino — ex-colega de ministério do investigado — é o relator. Declarar-se-á impedido?

Rana Foroohar* - O comércio global precisa de revisão

Valor Econômico

Correção de desequilíbrios de longo prazo entre países superavitários e deficitários deveria estar no topo da agenda da OMC

John Maynard Keynes previu os atuais problemas comerciais. Em 1944, em Bretton Woods, ele defendeu um sistema comercial global que visasse os desequilíbrios persistentes entre os países superavitários e os deficitários, em vez de o policiamento de violações comerciais pontuais. Pena que não foi isso que conseguimos.

Com o início da 13º reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) ontem, suspeito que a discussão em torno do comércio continuará sendo pequena e tecnocrática. Isso ignora o principal problema, que é o fato de os desequilíbrios de longo prazo entre os países deficitários e as nações superavitárias terem criado uma economia e uma política insustentáveis ao redor do mundo.

Corrigir isso exige mais do que ajustes graduais. Requer uma reorganização radical do sistema comercial global. O pesquisador sênior do Carnegie Endowment e economista Michael Pettis defende isso em um novo artigo que se baseia no livro de 2020 “Trade Wars Are Class Wars”, do qual é coautor.

Os países deficitários, especialmente os EUA, mas também o Reino Unido, a Austrália e o Canadá, não vêm tendo outra escolha a não ser equilibrar a perda de empregos no setor industrial com o excesso de dívida, resultando em economias mais frágeis e financeirizadas.

Enquanto isso, os países superavitários - sobretudo a China, mas também Taiwan, Coreia do Sul e Alemanha - conseguem criar empregos, mas permanecem presos a uma demanda interna fraca porque as famílias estão, direta ou indiretamente, subsidiando a indústria transformadora.

Daniela Chiaretti - O capitalismo consegue resolver a crise climática?

Valor Econômico

O negacionismo climático é ponto cada vez mais caro à extrema direita no ano eleitoral mais importante do século

“Agora o negacionismo climático se tornou uma espécie de tatuagem tribal da extrema direita.” A frase é do jornalista Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima, rede com mais de 90 organizações no Brasil com essa agenda. O OC, como a organização é carinhosamente chamada, foi uma das vozes mais críticas à política de desmonte do sistema nacional de meio ambiente promovida nos anos de governo Bolsonaro.

A metáfora de Angelo pode ser transposta a três inquietações contemporâneas. A primeira diz que os sacrifícios exigidos pela descarbonização da economia abrirão oportunidades e novos empregos, mas também deixarão gente sem renda e perspectiva, e, por isso mesmo, pesam nas urnas.

A pauta verde não costuma eleger políticos. A crise climática é complexa e difícil de comunicar. Enfrenta discursos negacionistas sem compromisso com a verdade e de gente que habita Terras planas. “Não é simples um político se levantar para essas questões. Esses temas, de fato, não dão muita visibilidade e muitos estão apanhando por conta de hastear bandeiras de diversidade, inclusão e meio ambiente”, concorda Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil.

Eliane Cantanhêde - Os ‘pobres coitados’ do golpe

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro calou a portas fechadas e produziu provas contra si a céu aberto

O ex-presidente Jair Bolsonaro não abriu a boca no que seria o seu depoimento à Polícia Federal, a portas fechadas, mas tratou de produzir provas contra si na manifestação de domingo na Avenida Paulista, a céu aberto, para milhares de bolsonaristas, mas também para a PF, o Supremo e quem mais quisesse ouvir. Está gravado, como a fatídica reunião do golpe no Planalto, e não tem como dizer que sua fala foi “deturpada”, “culpa da imprensa” e ele é alvo da “perseguição do ministro Alexandre de Moraes”.

Dora Kramer - Agora é tarde

Folha de S. Paulo

Se apela ao equilíbrio agora, Bolsonaro poderia ter feito o mesmo a tempo de evitar o 8 de janeiro

A necessidade pautou a prudência convocada por Jair Bolsonaro (PL) a seus admiradores no domingo (25) na avenida Paulista. Conduziu também o discurso dele, desprovido dos achaques autoritários de quando era protegido por imunidades e poderio presidenciais e ainda estava razoavelmente longe do alcance da Justiça.

Talvez o ex-presidente não tenha se dado conta de que cometeu um ato falho. O apego ocasional à serenidade contém evidência de que estava mesmo mal-intencionado quando silenciou por 40 dias após a derrota para Luiz Inácio da Silva (PT) e depois fugiu para os Estados Unidos no aguardo dos acontecimentos urdidos aqui por seus comparsas de conspirata golpista.

Hélio Schwartsman - Trajetórias paralelas

Folha de S. Paulo

Justiça brasileira se sai melhor do que a americana ao lidar com ex-presidentes que violaram pacto democrático

Donald Trump e Jair Bolsonaro integram a leva de políticos da direita antissistema que vem assombrando o mundo. Ambos foram eleitos presidentes e, ao fim de seus mandatos, após sofrer derrota nas urnas, embarcaram numa aventura golpista, pela qual tentaram subverter a ordem constitucional. Não obstante o desserviço prestado a seus países, seguem na condição de líderes populares.

Alvaro Costa e Silva - Jaguar e a invenção artística de Ipanema

Folha de S. Paulo

Nada bissexto, cartunista completa 92 anos neste 29 de fevereiro

Em 2006, quando retornou ao Rio depois de 28 anos de autoexílio em Londres, Ivan Lessa encontrou Jaguar no Bracarense, o boteco do Leblon. Em respeito, trocou a água de coco por um chope na pressão. Não foi bem aquela história de que, em se tratando de velhos amigos, não importa o tempo nem a distância, a intimidade se impõe imediatamente. Ao revê-lo, Jaguar ficou catatônico por dois minutos. Aos poucos o gelo derreteu, e eles se entenderam em meio às brumas do passado: a melhor pedida era a empada de carne-seca com catupiry.

Os dois se conheceram na revista Senhor, com Ivan bolando as sacadas dos cartuns de Jaguar. Juntos, toparam um frila publicitário, o lançamento de uma marca de cerveja, e fizeram, a partir de 1968, o melhor retrato artístico de Ipanema: a história em quadrinhos "Os Chopnics" (gozação com os beatniks), lançada no Jornal do Brasil e no Globo simultaneamente.

Cláudio Carraly* - Cultura nos Municípios Brasileiros: Rumo a Políticas Públicas Inovadoras

A cultura é um pilar fundamental da identidade de qualquer sociedade. No contexto dos municípios brasileiros, ela desempenha um papel crucial na promoção da diversidade, no estímulo à criatividade e na preservação do patrimônio histórico. No entanto, muitos municípios ainda enfrentam desafios na construção de políticas públicas inovadoras que possam impulsioná-la localmente. A cultura é o que nos conecta às nossas raízes, fortalece nossa identidade e nos proporciona meios de expressão, ela se manifesta em diferentes formas, desde festas tradicionais até a produção artística contemporânea, é um ativo inestimável, não apenas do ponto de vista social, mas também econômico. Municípios que investem em cultura frequentemente experimentam um aumento no turismo, uma economia criativa vibrante e uma população mais engajada, não à toa que nos últimos anos, devido a um verdadeiro desmonte dos mecanismos de apoio por parte do poder central, muito se deixou de avançar, portanto, é chegada a hora da retomada do crescimento.

Poesia | Nada é impossível de mudar, de Bertolt Brecht

 

Música | Fernanda Abreu - Samba do Carioca (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes)